Ulysses Guimarães
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 6 de março de 2010
Reflexão do dia - Ulysses Guimarães
Ulysses Guimarães
O presidente Tancredo Neves:: Yacy Nunes
Antes de subir a escada do avião que o levaria do Rio de Janeiro para a posse que não houve em Brasília, dois dias antes de 15 de março de 1985, Tancredo Neves despediu-se com carinho de alguns assessores e amigos que viajariam depois.
Entre eles, o jornalista e publicitário Mauro Salles e o sobrinho do ex-governador de Minas, Breno Neves.
O presidente eleito cumprimentou cordialmente os três repórteres que o seguiram do apartamento onde morava com dona Risoleta Neves, na Avenida Atlântica, até o pátio reservado para vôos como esse, no antigo aeroporto Santos Dumont.
Ao despedir-se de nós (que também viajaríamos no dia seguinte), eu, que era a única jornalista mulher, pedi para dar um beijo na estrela que o presidente eleito tinha, literalmente, desenhada nas rugas de sua testa.
“Você também tem uma estrela aqui”, ele disse, tocando o sinal entre minhas sobrancelhas. Os dois homens da imprensa, meus amigos, também beijaram o presidente Tancredo na testa e receberam a benção estrelar.
Suplicamos o nome de, pelo menos, um ministro, entre os vários que ele anunciaria na coletiva do dia 14 de janeiro, em Brasília. Ele informou sorridente que convidaria Renato Archer – o melhor amigo de Ulysses Guimarães – para ser o ministro da Ciência e Tecnologia.
“Depois que a emenda das Diretas Já, de autoria do deputado Dante de Oliveira, não passou na Câmara Federal (298 votos a favor, 65 contrários, 113 ausências, 3 abstenções) , Tancredo e Ulysses decidiram que o PMDB iria ao Colégio Eleitoral.
Constituiu-se um grupo de trabalho integrado por Aécio Neves, José Hugo Castelo Branco, Mauro Salles, Afonso Camargo, entre outros. Mas, o general João Figueiredo editou o Pacote de Abril. Voltavam com força a censura, as prisões e a violência policial. Uma ala do PDS resolveu sair. Primeiro foi o Aureliano Chaves, depois o Marco Maciel, o José Sarney e o Antônio Carlos Magalhães.
ULysses disse a Tancredo, no dia 20 de junho, que ele é que deveria ser o candidato do PMDB à presidência. Sua candidatura foi lançada oficialmente no dia 14 de agosto”, conta o ex-deputado federal Mílton Reis, do PMDB de Minas, que coordenou os comícios nessa campanha e nas Diretas Já.
Perto da histórica disputa com Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, Tancredo foi homenageado por Marina (irmã do psicanalista Eduardo Mascarenhas) e Mílton Reis (deputado cassado pelo extinto PTB e secretáriogeral do PMDB), na casa geminada que família tinha, à rua Viveiros de Castro, em Copacabana.
“Artistas, sindicalistas, jornalistas, intelectuais, poetas, cientistas, juristas, advogados , os participantes da festa formavam o arco da sociedade carioca. Aquela alegria toda no Rio de Janeiro significava o fim do regime austero implantado pelos militares em 1964”, lembra Reis.
Para vencer ( 480 votos contra 180 de Paulo Maluf, 17 abstenções e 19 ausências), o candidato Tancredo recebeu diferentes tipos de adesões de políticos descontentes com os rumos do governo ditatorial, recorda Mílton Reis: “Alguns de nós, do comitê de organização, dizíamos : Presidente Tancredo, já tem muita gente. Não é melhor fechar um pouco? E o presidente, brincalhão, respondia: Tudo bem, a gente fecha, mas deixa a porta um pouquinho aberta, ele respondia”.
“Ele era um sábio. Todos o respeitavam. Participei uma vez de uma solenidade, durante a campanha, no final do regime militar. Ele ficou caladoo tempo todo. Na vez dele, não disse nada. Deu a palavra para outra pessoa. Tancredo sabia silenciar e agir na hora certa. Fiquei triste com a morte dele.
Não chorei porque sou difícil de chorar”, diz o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Hermann Baeta.
Advogado, formado pela Faculdade de Direito de Minas Gerais, Tancredo foi um dos melhores oradores do Congresso Nacional, desde que foi eleito deputado federal por Minas, pelo extinto PSD getulista, em 1950.
Gustavo Capanema, líder do governo Vargas no Legislativo contou ao presidente Getúlio que Tancredo dava shows de oratória ao falar bem de sua administração. Vargas o nomeou, então, para o cargo de Ministro da Justiça, em junho de 1953. Nessa pasta, ele defendeu Getúlio até o fim, em 24 de agosto de 1954.
Em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, foi convidado pelo amigo João Goulart para ser o Primeiro-Ministro do governo parlamentarista implantado para abrandar os setores conservadores que não queriam a posse do Vice Jango na presidência.
“Foi essa ligação com Getúlio e Jango que aproximou Tancredo de Brizola, em 1982 e, depois, nas Diretas Já e na campanha presidencial, em 1984. O Governador ficou muito abalado com a morte dele”, revela o ex-senador petista Saturnino Braga, único integrante vivo da chapa BrizolaDarcy-Saturnino, do PDT, em 1982.
Saturnino conheceu o ex-governador mineiro, o deputado Ulysses Guimarães e o ex-presidente Juscelino Kubitschek por intermédio de seu pai, Roberto Saturnino, que foi fundador do extinto PSD.
“A escola política de Tancredo veio do PSD de Vargas. A sabedoria dele era maior do que se pode imaginar. Nos anos 70, o doutor Ulysses era o presidente nacional do MDB e os três vicepresidentes eram o Tancredo Neves, eu e o Tales Ramalho. O Ulysses sempre fazia uma reunião preliminar com a gente, antes de presidir a executiva do partido.
Eu era o encarregado de redigir os textos. Uma vez, o doutor Ulysses me pediu para escrever alguma coisa sobre a eleição para o Colégio Eleitoral que elegeu o general Figueiredo.
Eu escrevi algo que foi considerado por todos os três como muito duro. Ulysses pediu ao Tancredo que tornasse o texto mais ameno. Tancredo conseguiu.
Dois dias depois, eu o encontrei e elogiei o tom que deu ao documento. Ele agradeceu rapidamente e disse: ‘Tem alguém do SNI infiltrado no seu gabinete. Fui informado de que os militares leram o seu rascunho’.
Fiquei impressionado.
Realmente, descobri, depois, o assessor que passou para o SNI o texto duro que escrevi. É claro, o exonerei. O presidente Tancredo era muito bem informado.
Eu chorei quando ele morreu.
Se tivesse ficado vivo, teria sido um presidente progressista, daria uma guinada no Brasil”.
Yacy Nunes é jornalista
1985 - DISCURSO DE TANCREDO NEVES
Brasileiros,
Neste momento alto na história, orgulhamo-nos de pertencer a um povo que não se abate, que sabe afastar o medo e não aceita acolher o ódio.
A Nação inteira comunga deste ato de esperança. Reencontramos, depois de ilusões perdidas e pesados sacrifícios, o bom e velho caminho democrático.
Não há Pátria onde falta democracia.
A Pátria não é a mera organização dos homens em estados, mas sentimento e consciência, em cada um deles, de que lhe pertencem o corpo e o espírito da Nação. Sentimento e consciência da intransferível responsabilidade por sua coesão e seu destino.
A Pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não basta a circunstância do nascimento para criar esta profunda ligação entre o indivíduo e sua comunidade.
Não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade.
Assim sendo, a Pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir. É a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade.
Na vida das nações, todos os dias são dias de História, e todos os dias são difíceis. A paz é sempre esquiva conquista da razão política. É para mantê-la, em sua perene precariedade, que o homem criou as instituições de Estado, e luta constantemente para aprimoraras.
Não há desânimo nessa condição essencial do homem. Por mais pesadas que sejam as sombras totalitárias ou mais desatadas as paixões anárquicas, o instinto da liberdade e o apego à ordem justa trabalham para restabelecer o equilíbrio social.
No conceito que fazemos do estado democrático há saudável contradição: quanto mais democrática for uma sociedade, mais frágil será o estado. Seu poder de coação só se entende no cumprimento da lei. Quanto mais fraterna for a sociedade, menor será a presença do estado.
Debate Constitucional
Brasileiros,
A primeira tarefa de meu governo é a de promover a organização institucional do estado. Se, para isso, devemos recorrer à experiência histórica, cabe-nos também compreender que vamos criar um estado moderno, apto a administrar a Nação no futuro dinâmico que está sendo construido.
Sem abandonar os deveres e preocupações de cada dia, temos de concentrar os nossos esforços na busca de consenso básico à nova carta política.
Convoco-vos ao grande debate constitucional. Deveis, nos próximos meses, discutir, em todos os auditórios, na imprensa e nas ruas, nos partidos e nos parlamentos, nas universidades e nos sindicatos, os grandes problemas nacionais e os legítimos interesses de cada grupo social.
É nessa discussão ampla que ireis identificar os vossos delegados ao poder constituinte e lhes atribuir o mandato de redigir a lei fundamental do País.
A Constituição não é assunto restrito aos juristas, aos sábios ou aos políticos. Não pode ser ato de algumas elites. É responsabilidade de todo o povo. Daí a preocupação de que ela não surja no açodamento, mas resulte de uma profunda reflexão nacional.
Os deputados constituintes, mandatários da soberania popular, saberão redigir uma carta política ajustada às circunstâncias históricas. Clara e imperativa em seus princípios, a Constituição deverá ser flexível quanto ao modo, para que as crises políticas conjunturais sejam contidas na inteligência da lei.
Presidente eleito do Brasil, busco no coração e na consciência as palavras de agradecimento profundo aos correligionários da Aliança Democrática (2), o valente e fiei PMDB, sob o comando do Deputado Ulisses Guimarães, e o recém-fundado Partido da Frente Liberal, sob a liderança de Aureliano Chaves, Marco Maciei e meu companheiro, Vice-Presidente, José Sarney, aos integrantes do PDT, PT, PTB, dissidentes do PDS, que, por decisão partidária ou pessoal, me entregam a mais alta e mais difícil responsabilidade da minha vida pública.
Os Compromissos
Creio não poder fazê-lo de melhor forma do que, perante Deus e perante a Nação, nesta hora inicial de itinerário comum, reafirmar o compromisso de resgatar duas aspirações que, nos últimos vinte anos, sustentaram, com penosa obstinação, a esperança do povo:
Esta foi a última eleição indireta do País.
Venho para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao bem-estar do povo.
Não foi fácil chegar até aqui. Nem mesmo a antecipação da certeza da vitória, nos últimos meses, apaga as cicatrizes e os sacrifícios que marcaram a História da luta que agora se encerra.
Não há por que negar que houve muitos momentos de desalento e cansaço, em que cada um de nós se indagava se valia a pena a luta. Mas, cada vez que essa tentação nos assaltava, a visão emocionante do povo, resistindo e esperando, recriava em todos nós energias que supúnhamos extintas e recomeçávamos, no dia seguinte, como se nada houvesse sido perdido.
A História da Pátria, que se iluminou através dos séculos com o martírio da Inconfidência Mineira, que registra, com orgulho, a força do sentimento de unidade nacional sobre as insurreições libertarias durante o Império, que fixou, para admiração dos pósteros, a bravura de brasileiros que pegaram em armas na defesa de postulados cívicos contra os vícios da Primeira-República, a História situará na eternidade o espetáculo inesquecível das grandes multidões que, em atos pacíficos de participação e de esperança, vieram para as ruas reivindicar a devolução do voto popular na escolha direta para a Presidência da República. Frustadas nos resultados imediatos dessa campanha memorável, as multidões não desesperaram, nem cruzaram os braços. Convocaram-nos a que viéssemos ao Colégio Eleitoral e fizéssemos dele o instrumento de sua propria perempçao, criando, com as armas que não se rendiam, o Governo que restaurasse a plenitude democrática.
Na análise desses dois grandes movimentos cívicos, não sei avaliar quando o povo foi maior: se quando rompeu as barreiras da repressão, e veio para as ruas gritar pelas eleições diretas, ou se quando, nisso vencido, não se submeteu, e com extrema maturidade política exigiu que agíssemos dentro das regras impostas, exatamente para revogá-las e destruí-Ias.
As Contribuições
É inegável que o processo de transição teve contribuições isoladas que não podem ser omitidas:
- A do poder Legislativo, que, muitas vezes mutilado em sua constituição e nas suas faculdades, conservou acesa a chama votiva da representação popular, como última sentinela no campo da batalha democrática.
- A do Poder Judiciário, que se manteve imune a influências dos casuímos, para, na atual conjuntura, fazer prevalecer o espírito de reordenação democrática.
- A da igreja, que com sua autoridade exponencial no campo espiritual e na ação social e educativa lutou na defesa dos perseguidos e pregou a necessidade da opção preferencial pelos pobres com base na democracia moderna.
- A de homens e mulheres de nosso povo, principalmente as mães de famílias, que arrostaram as duras dificuldades de desemprego e da carestia em seus lares, e lutaram, com denodo, pela anistia, pelos direitos humanos e pelas liberdades políticas.
- A da imprensa - jornais, emissoras de rádio e televisão que sob a censura policial, a coação política e econômica, ousou bravamente enfrentar o poder para servir à liberdade do povo.
- A da sociedade civil como um todo, em suas muitas instituições a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, as entidades de classe patronais, de empregados, de profissionais liberais, as organizações estudantis, as universidades, e tantas outras, com sua participação, muitas vezes sob pressões inqualificáveis, nesse mutirão cívico da reconstrução nacional.
- A das Forças Armadas, na sua decisão de se manterem alheias ao processo político, respeitando os seus desdobramentos até a alternativa do poder.
- A de S. Excia., o Presidente João Figueiredo, (4) que, prosseguindo na tarefa iniciada com a revogação dos Atos lnstitucionais, ajudou com a anistia política, a devolução da liberdade de imprensa, as eleições diretas de 82, o desenvolvimento normal da sucessão presidencial.
Graças a toda essa imensa e inesquecível mobilização popular, chegamos agora ao limiar da Nova República.
Venho em nome da conciliação.
Não podemos neste fim de século e de milênio, quando, crescendo em seu poder, o homem cresce em suas ambições e em suas angústias, permanecer divididos dentro de nossas fronteiras.
Se não vemos as outras nações como inimigas, e as não vemos assim, devemos ter a consciência de que o mundo se contrai diante de árdua competição internacional. Acentua-se a luta pelo domínio de mercados, pelo controle de matériasprimas, pela hegemonia política. As ideologias, tão fortes no século passado e na metade do século XX, empalidecem frente a um novo nacionalismo.
Tarefa prioritária
Ao mesmo tempo, fenômeno típico do desenvolvimento industrial e da expansão do capitalismo, surge nova realidade supranacional nas grandes corporações empresariais. Aparentemente desvinculadas de suas pátrias de origem, tais organizações servem, fundamentalmente, a seus interesses.
Ao lado da ordem constitucional, que é tarefa prioritária, temos que cuidar da situação econômica. A inflação é a manifestação mais clara da desordem na economia nacional. Iremos enfrentá-la desde o primeiro dia.
Não cairemos no erro, grosseiro, de recorrer à recessão como instrumento deflacionário. Ao contrário: vamos promover a retomada do crescimento, estimulando o risco empresarial e eliminando, gradativamente, as hipertrofias do egoísmo e da ganância. O ritmo de nossa ação saneadora dependerá unicamente da colaboração que nos prestarem os setores interessados. Contamos, para isso, com o patriotismo de todos.
Retomar o crescimento é criar empregos. Toda a política econômica de meu Governo estará subordinada a esse dever social. Enquanto houver, neste País, um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa.
Cabe acentuar que o desenvolvimento social não pode ser considerado mera decorrência do desenvolvimento econômico. A Nação é essencialmente constituída pelas pessoas que a integram, de modo que cada vida humana vale muito mais do que a elevação de um índice estatístico. Preservá-la constitui, portanto, um dever que transcende a recomendação de caráter econômico, tão indeclinável quanto a defesa das nossas fronteiras. Nessas condições, temos de reconhecer e admitir, como objetivo básico da segurança nacional, a garantia de alimento, saúde, habitação, educação e transporte para todos os brasileiros.
O bem-estar que pretendemos para a sociedade brasileira deve assentar-se sobre a livre iniciativa e a propriedade privada. Exatamente por isso adotaremos medidas que venham a democratizar o acesso à propriedade e à proteção das pequenas empresas. A defesa do regime de livre iniciativa não pode ser confundida, como muitos o tazem, com a proteção aos privilégios de forças econõmicas e financeiras. Defender a livre iniciativa e a propriedade privada é defendê-las dos monopólios e do latifúndio .
Brasileiros,
O entendimento nacional não exclui o confronto das idéias, a defesa de doutrinas políticas divergentes, a pluralidade de opiniões. Não pretendemos entendimento que signifique capitulação, nem o morno encontro dos antagonistas políticos em região de imobilismo e apatia. O entendimento se faz em torno de razões maiores as da preservação da integridade e da soberania nacionais.
Dentro dessa ordem de idéias a conciliação, instruindo o entendimento, deve ser vista como convênio destinado a administrar a transição rumo à nova e duradoura institucionalização do Estado.
Faz algumas semanas eu anunciava, em Vitória, a construção de uma Nova República. Vejo, nesta fase da vida nacional, a grande oportunidade histórica de nosso povo.
As crises por que temos passado, desde a Independência, podem ser atribuídas a dificuldades normais em um processo de formação de nacionalidade. Hoje, no entanto, encontram-se vencidas as etapas mais duras. Mantivemos a integridade política da Nação graças à habilidade do Segundo Reinado, que soube exercer a tolerância nos momentos certos, evitando que das insurreições liberais vencidas ficassem cicatrizes históricas.
Com a ocupação da Amazônia e do Oeste, concluída nos últimos decênios, chegamos ao fim da tarefa iniciada pelos bandeirantes e desenvolvida por pioneiros intrépidos e desbravadores audazes, pelo gênio político de Rio Branco e pela bravura nacionalista do Marechal Rondon.
Deixamos, há muito, de ser, aos olhos estrangeiros, exótica nação dos trópicos. lncluímo-nos entre os países economicamente mais desenvolvidos. Nossa cultura é admirada internacionalmente. Traduzem-se os nossos escritores em todas as línguas, a música brasileira é conhecida, e o desempenho de nossos artistas de teatro, de cinema e de televisão recebe o aplauso de espectadores de inúmeros países.
Na pesquisa científica, apesar dos poucos recursos públicos, temos obtido excepcionais resultados. Nossos homens de ciências têm o seu trabalho admirado nos principais centros mundiais.
Dever dos Políticos
Sabeis que os homens públicos não se fazem de especial natureza. Eles se encontram sujeitos à fragilidade da condição humana. Quando um povo escolhe o Chefe de Estado, não elege o mais sábio de seus compatriotas, e é possível que não eleja o mais virtuoso deles. Tais qualidades, que só o juizo subjetivo consegue atribuir, não podem ser medidas. Ao nomear, com seu voto, o Presidente da República, a Nação expressa a confiança de que ele saberá conduzi-Ia na busca do bem comum.
Consciente desta realidade. concito-vos ao grande mutirão nacional. Não há um só de vós que pode ser dispensado desta convocação. A cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente em favor da comunidade.
Faço meu apelo aos homens públicos. A política, tal como a entendemos, é a mais nobre e recompensadora das atividades humanas. Servir ao povo reclama dedicação incansável, noites indormidas, o peso abrasador das emoções. São muitos os que sucumbem em pleno combate, legando-nos o exemplo de seu sacrifício pela Pátria.
"Com o êxtase e terror de haver sido o escolhido", como diria Veriaine, entrego-me, hoje, ao serviço da Nação.
Nesta hora, de forte exigência interior, recorro à memória de Minas, na inspiração familiar, e na fé revelada na paz das igrejas de São João dei Rey. Tantas vezes renovada em minha vida, é a esta memória, com sua inspiração e sua fé que recorrerei, se a tentação do desalento vier a assaltar-me.
Fui chamado na hora em que realizava a grande aspiração política de minha vida, que era a honra de administrar o meu Estado, a grande e generosa terra de Minas Gerais, e procurava colocar a sua renascente força política a serviço da causa da Federação hoje distorcida, esvaziada, humilhada.
Não deixaria ao meio o mandato que o povo mineiro me confiou, para assumir o supremo Poder da Nação, apenas pelo gosto do Poder, que nem sempre é glória ou alegria.
Vim para promover as mudanças, mudanças políticas, mudanças econômicas, mudanças sociais, mudanças culturais, mudanças reais, efetivas, corajosas, irreversíveis.
Nunca o País dependeu tanto da atividade política.
Dirijo-me, pois, a todos vós que a exerceis, aos que servirão a meu Governo com seu apoio a aos que a ele prestarão a vigilância de opositores. Não aspiro à unanimidade, nem postulo a conciliação subalterna, que se manifesta no aplauso inconseqüente do aulicismo. A conciliação se faz em torno de princípios, e ninguém poderá inquinar, na injustiça e na maledicência , os que nos reuniram nesta vitoriosa aliança de forças democráticas.
Quero a conciliação para a defesa da soberania do povo, para a restauração democrática, para o combate à inflação, para que haja trabalho e prosperidade em nossa Pátria. Vamos promover o entendimento entre o povo e o Governo, a Nação e o Estado.
Rejeitaria, se houvesse quem a pretendesse, a conciliação entre elites, o ajuste que visasse à continuação dos privilégios, à manutenção da injustiça, ao enriquecimento sobre a fome.
Para a conciliação maior, sem prejuízo dos compromissos de Partido e de doutrina, convoco os homens públicos brasileiros, e todos os cidadãos de boa fé. No serviço da Pátria há lugar para todos.
Tenho uma palavra especial para os trabalhadores. É às suas mãos que muito devemos e é em suas mãos que está o futuro do nosso País,
Desde o primeiro passo de minha vida pública tenho contado com o apoio dos trabalhadores. Elegi-me vereador em São João dei Rey com os votos dos ferroviários e nunca deixei de lhes merecer a confiança política.
Uma Nação evolui na mesma medida em que cresce a sua participação na divisão de renda e na direção dos negócios públicos.
Ao prestar minha homenagem a esses brasileiros, que são a maioria de nosso povo, reafirmo-lhes o compromisso de dedicar todo o meu esforço para que se ampliem e se respeitem os seus direitos.
A reconstrução democrática do País significa o retorno, em toda a liberdade, dos trabalhadores à vida política. Sem seu apoio, nenhum Governo poderá cumprir suas tarefas constitucionais.
Brasileiros,
Esta memorável campanha confirmou a ilimitada fé que tenho em nosso povo. Nunca, em nossa História, tivemos tanta gente nas ruas, para reclamar a recuperação dos direitos da cidadania e manifestar seu apoio a um candidato.
Em todo o País foi o mesmo entusiasmo. De Rio Branco a Natal, de Belém a Porto Alegre, as multidões se reuniram, em paz, cantando, para dizer que era preciso mudar, que a Nação, cansada do arbítrio, não admitia mais as manobras que protelassem o retorno das liberdades democráticas.
Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão.
Se todos quisermos dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste País uma grande Nação.
Vamos fazê-la.
O sonho de Marina:: Merval Pereira
A senadora Marina Silva tem um sonho. Quer transformar a questão ambiental num tema central da discussão política, mas sem virar uma candidata de uma nota só. Mais que transversalidade, palavra que Marina ensinou a Lula, mas que o governo adotou só na retórica, a intenção é dar centralidade no programa de governo à questão socioambiental, saindo do que considera uma discussão do passado para preparar o país do futuro.
Sua equipe está convencida de que elaborar um programa de governo que reflita os tempos atuais com uma visão de futuro é mais difícil do que fazer um programa tradicional, como os partidos políticos costumam fazer, em que a questão ambiental geralmente é um dos últimos itens.
A candidata do Partido Verde está preparando um programa que não será dividido em tópicos separados, mas composto de temas integrados por uma visão que tente antecipar os desafios do futuro.
Ela pretende se diferenciar dos dois candidatos favoritos à sucessão presidencial justamente pela ação voltada para um desenvolvimento que não objetive apenas o lado econômico, o crescimento do PIB como medida do sucesso de um governo, embora não subestime a importância desses indicadores.
Ela vai manter, como Lula manteve, as bases da política econômica, com o equilíbrio fiscal e controle da inflação, mas também os programas sociais que melhoraram a distribuição de renda no país.
Nesse sentido, ela é pós-FH e pós-Lula. Mas é sobretudo pró-desenvolvimento que englobe outros aspectos, um desenvolvimento que melhore o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não apenas como consequência do crescimento econômico, mas como fruto de uma ação governamental que privilegie a qualidade do ensino, a melhoria da situação na saúde, as pesquisas tecnológicas que coloquem o país em outro patamar, muito além da mera disputa entre tendências políticas antagônicas.
A senadora Marina Silva sente falta de um período em que a política era feita de desassombros, quando o país vislumbrava o futuro como um sonho coletivo, contra um presente que é muito pragmático e limitado.
Ela acha que a política que está sendo feita no país obedece muito a certos ditames que visam à manutenção do poder político, não a avanços institucionais, a melhorias na qualidade do bem-estar do cidadão.
Sabe que será difícil oferecer ao eleitorado um sonho que ele pensa já estar sendo realizado pelo que o governo Lula tem oferecido, e que a sensação de bem-estar existente reduz as possibilidades de tentativa de superação desses limites.
Mas acha que é possível convencer o eleitorado de que há outros objetivos a serem alcançados além de participar da sociedade de consumo.
A própria qualidade desse consumo tem que ser revista, para que a sensação de bem-estar seja mais ampla e atinja mais cidadãos.
Um bom exemplo seria a venda de automóveis, um sonho de consumo de todas as classes. Trabalhar para que as cidades a longo prazo tenham um sistema de transportes eficiente e de energia limpa seria uma maneira de oferecer à maioria dos cidadãos uma opção de deslocamento saudável, e aos donos de automóveis vias menos congestionadas.
A exploração do petróleo do pré-sal seria outro exemplo da diferença entre um projeto de futuro de país mais saudável em vários sentidos, e um imediatista, que é o que está sendo desenhado, com o jogo político disputando a suposta riqueza de uma energia poluente que hoje já está em vias de ser ultrapassada.
O empresário Guilherme Leal, copresidente do Conselho de Administração da Natura Cosméticos e candidato a vice-presidente na chapa do PV, compara o petróleo do pré-sal à herança de uma avó: o dinheiro guardado pode se transformar em pó, não valer mais nada quando se puder usá-lo.
O petróleo como fonte de energia poluente, caminha para a obsolescência no mundo do futuro, e sua exploração teria que ser feita com vistas à preparação da economia do futuro, financiando pesquisas que colocassem o país em condições de competitividade num novo mundo que está se desenhando.
E não como se fosse um tesouro inesgotável que será a salvação de todos no presente.
Mas a senadora Marina Silva tem um sonho mais abrangente, que engloba a democracia como valor universal.
Valores como a liberdade de expressão são caros a ela.
Pensar o futuro do país é pensar o fortalecimento da democracia brasileira, em um continente que passa por experiências democráticas que estão resultando em regimes com tendências autoritárias.
Ela tem louvado a decisão do presidente Lula de não ter aceitado tentar mudar a Constituição para poder disputar um terceiro mandato consecutivo, e costuma dar seu testemunho pessoal de que o presidente sempre reagiu mal às sugestões nesse sentido, e desencorajou quem chegava próximo com a tentação da continuidade.
Mas, ao mesmo tempo em que tem feito esse reconhecimento, ela, bem no seu estilo tranquilo, tem perturbado seus interlocutores com um raciocínio no mínimo interessante: o empenho do presidente Lula na eleição de uma candidata escolhida a dedo, que não saiu da disputa partidária, não guardaria alguma semelhança com aqueles mesmos processos?
Não haveria o risco de que a intenção do presidente seja transformar o governo Dilma em apenas um intervalo entre dois governos Lulas, o que poria em xeque a alternância de poder, um dos pilares da democracia?
Quem tem estado com Marina fica com a certeza de que, na visão dela, para que a democracia se fortaleça no país é fundamental que a divergência de opiniões seja respeitada, que a imensa popularidade do presidente não transforme em verdade absoluta o que diz ou pensa, que a discordância seja aceita, e que os governos se submetam à pluralidade da sociedade, governando para todos, e não apenas para os seus.
Eleição plebiscitária:: Cesar Maia
Curiosa e paradoxal situação para a eleição de 2010. Lula quer uma eleição plebiscitária entre Dilma e Serra. Parte relevante do grupo de Serra também passou a querer isso. Ou seja: ambos não querem a presença de Ciro no processo eleitoral. Quem está com a razão?
Há contradição em que adversários queiram a mesma coisa? Ou não há alternativa?
Numa eleição polarizada, a proximidade nas pesquisas levará o eleitor a fazer o voto tático, útil, emagrecendo Marina e reduzindo o não voto (abstenção, brancos, nulos). Isso se passou com Heloísa Helena em 2006.
As razões de Lula são de confiar em que a sua popularidade pode eleger um poste. Em 2008, na cidade de São Paulo, Lula foi para as carreatas e para a TV, mas Marta só fez cair. Se o primeiro turno fosse programável, num mano a mano Serra/Dilma ou Serra/Dilma+Lula, a tendência seria Serra vencer. O eleitor primeiro pondera os riscos, depois avalia as promessas.
Mas a candidatura Dilma tem um elemento diferencial em relação a Serra. A mobilização da militância profissional recrutável em associações, sindicatos, ONGs e tudo o mais, que vivem da mesada do Estado e veem os riscos de seus (digamos) espaços serem perdidos. E isso já está em montagem: tantos militantes profissionais por número de eleitores, distribuídos pelos municípios brasileiros.
Um depósito alugado para receber material, um cadastro do Bolsa Família na mão, a visitação domiciliar (técnica Bush), a visita aos prefeitos/vereadores e os "fortes" argumentos para conseguir apoio. A rede "Gushiken" de rádios e jornais regionais já existe e pode continuar via prefeituras, associações e testemunhas. E, paralelamente, uma tempestade de spams anti-Serra e pró-Dilma/Lula. Não faltarão recursos, como sempre, generosos.
Mas há uma pedra no meio do caminho, e que pedra. O primeiro turno gera contradições na base do governo nas eleições parlamentares e gera poluição visual e confusão na cabeça dos eleitores. Placas e cartazes para todo lado, milhões de panfletos, TV e rádio, dia sim, dia não, com descanso dominical, caras e bocas passando na telinha e as piadas relativas.
Nesse ambiente, a marca e o currículo anteriores contrapõem-se à "máquina" e reduzem a aderência de Dilma a Lula. No segundo turno, o quadro será muito diferente.
Uma eleição sem ruídos, com TV todos os dias, sem cartazes ou caras e bocas, com parlamentares eleitos e espaços muito mais amplos para Lula e militantes. E ainda a experiência que a estreante Dilma adquiriu numa campanha presidencial. No segundo turno, ela não pisará nas mesmas armadilhas.
Por isso tudo, não parece haver dúvida de que a eleição plebiscitária interessa muito mais a Serra que a Lula -desculpe, que a Dilma.
De olho no mercado, PSDB foca questão fiscal
Ideia de tucanos é evitar que ruídos alimentem o temor de que, em caso de vitória de Serra na disputa, haja mudanças na política econômica
Julia Duailibi
Os tucanos pretendem tirar de pauta a discussão sobre eventuais alterações na condução da política monetária, deixando como foco o debate em torno da questão fiscal. A ideia é evitar que ruídos alimentem o temor em parte do mercado financeiro de que, em caso de vitória do governador de São Paulo, José Serra, haverá mudanças na política macroeconômica.
Nomes do PSDB ligados à área econômica defendem, de fato, alterações na política monetária, por meio de uma atuação mais forte do Banco Central. Os principais alvos são a alta taxa de juros e o câmbio valorizado, que já foram dezenas de vezes criticados pelo próprio governador. É praticamente consenso entre tucanos ligados a Serra de que deve haver ação mais incisiva do BC para brecar a valorização excessiva do real. Isso não significa, argumentam, diminuição da autonomia do órgão. Tampouco passa pela criação de mecanismos de controle de capital, o que causa arrepios no mercado.
A defesa do tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário) é explícita. Mas a avaliação de economistas próximos ao governador é de que o BC deve usar mecanismos de que dispõe de forma mais contundente. Um exemplo ouvido pelo Estado foi a atuação do BC no mercado para comprar dólar. Avalia-se que deveria ser feita de modo menos sistemático a fim de evitar "consensos absolutos sobre o câmbio".
É justamente a defesa de uma atuação mais voluntária que desperta incerteza. Para o mercado, isso pode significar algo mais, como diminuição dos juros por canetada ou restrição da autonomia do BC - já é lugar comum ouvir de operadores do mercado comentários de que Serra será "ministro da Fazenda e presidente do Banco Central dele mesmo".
A direção do partido tem orientado seus quadros a não fazer comentários sobre esses tópicos. Quer fixar o debate em torno da "herança maldita" do PT - leia-se o déficit em conta corrente. O objetivo é discutir a qualidade dos gastos, relacionando os "baixos investimentos do governo federal ao crescimento dos gastos correntes". Tucanos alegam que a questão juro-câmbio é demanda do empresariado. Na semana passada, Serra reuniu-se com executivos para ouvir e falar sobre a conjuntura econômica. A discussão é delicada. Parte do eleitorado vê o câmbio valorizado como sinônimo de preços baixos.
Tucanos promovem primeiro grande encontro sobre eleições
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Cerca de 90 pessoas, entre líderes e parlamentares, foram convidadas para reunião segunda em São Paulo
Elizabeth Lopes
O PSDB faz na segunda-feira, a partir das 15 horas, na sede de seu Diretório Estadual em São Paulo, a primeira grande reunião para discutir as estratégias e o planejamento que serão adotados na campanha presidencial deste ano. Cerca de 90 pessoas foram convidadas para o encontro, entre parlamentares de todo o País, dirigentes e coordenadores regionais do Estado. "Engana-se quem pensa que o partido está indefinido e sem rumo nestas eleições, já estamos trabalhando há tempos com nossas bases e vamos começar a definir os rumos desta campanha já nesta segunda-feira", informou um dos dirigentes da legenda.
Os tucanos iniciaram há mais de dois anos um trabalho com as bases da sigla, sobretudo em São Paulo, para dar sustentação ao governador José Serra, presidenciável da legenda, e arregimentar novos militantes e colaboradores para uma campanha que está sendo avaliada como uma das mais duras dos últimos tempos. "Nosso foco vai além das discussões em torno do nome do vice na chapa majoritária, queremos vencer estas eleições e, para isso, temos de trabalhar duro", ressaltou esse tucano, referindo-se à polêmica em torno da resistência do governador de Minas, Aécio Neves, em integrar uma chapa encabeçada por Serra.
O encontro de segunda-feira vai reunir os coordenadores políticos e executivos que vão atuar na campanha e os 47 coordenadores regionais do Estado. Esses coordenadores já estão atuando nas bases da legenda e tentando mobilizar a militância para inserir o PSDB nas localidades onde o PT tem maioria. "O trabalho que estamos fazendo em São Paulo será multiplicado para outras regiões do País, estamos bem organizados e pretendemos fazer uma grande campanha de mobilização", diz outro dirigente tucano.
Dentro da estratégia de mobilização que já começa a adotar para as eleições presidenciais, o PSDB decidiu também antecipar para o fim deste mês a propaganda partidária estadual no rádio e na TV. A iniciativa, que foi revelada ontem com exclusividade pelo Estado, faz parte dos planos do partido para dar mais visibilidade a Serra.
Serra se comporta como candidato
José Maria Tomazela
O governador José Serra (PSDB) deixou escapar uma pista de que sairá do governo para concorrer à Presidência, ao participar da assinatura de contratos do programa Vila Dignidade, ontem, em Avaré. Discursando de improviso, falou como se estivesse em fim de gestão:
Esse não foi o único sinal de que o governador está prestes a anunciar sua candidatura. Durante o evento que reuniu os idosos moradores do núcleo de Avaré, inaugurado no mês passado, ele se comportou como candidato. Abraçou os idosos e posou para filmagens de sua equipe de assessores. No discurso, Serra agradeceu aos prefeitos presentes, beneficiados por novos núcleos do Vila Dignidade, e falou de projetos para a terceira idade.
Ao antecedê-lo no palco, o prefeito Rogério Bachetti (PSDB) seguiu um script de campanha. "O José Serra faz grandes obras, mas o Zé gosta de cuidar de gente. É o homem do seguro-desemprego, popularizou o coquetel antiaids, peitou a indústria farmacêutica e criou o genérico", enumerou.
Diretório do PT recua em crítica à mídia
Frase sobre "guerra de extermínio ao PT" é cortada da primeira versão de documento por pressão do governo
Vera Rosa
A pedido do governo, o PT retirou ontem do documento aprovado pelo Diretório Nacional as críticas à imprensa que constavam de versão preliminar da resolução sobre o cenário político-eleitoral. Ao deixar a reunião do comando petista, porém, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, manteve as alfinetadas à mídia e definiu o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão - realizado na segunda-feira, em São Paulo - como um "colóquio de direita".
"Dizem que se Dilma ganhar vai ter censura à imprensa e se o Serra ganhar, não. O que é isso? Podem nos combater de forma violenta e nós não podemos nem reclamar?" perguntou Dutra, numa referência à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto, e ao governador de São Paulo, José Serra, provável concorrente do PSDB. "Entendemos que há setores da mídia fazendo campanha contra nós."
Dutra distribuiu estocadas aos tucanos ao dizer que o problema do PSDB não é de candidatura. "A oposição se transformou em biruta de aeroporto por falta de projeto", afirmou. "Eles são contra fortalecer a Petrobrás e falam que nosso projeto é chavista. Nós manteremos o câmbio flutuante. Eles vão botar banda diagonal endógena?"
O PSDB também foi alvo de críticas na resolução que passou pelo crivo do Diretório. Embora sem citar o partido, o texto destaca que a oposição adota discurso de "radicalização política e social" contra o governo Lula e a candidatura de Dilma. "Registrem-se as iniciativas (...) contra o Programa Nacional de Direitos Humanos, a Conferência Nacional de Comunicação, a instalação da CPI do MST e a criminalização dos movimentos sociais", diz um parágrafo.
A tesourada ocorreu justamente no trecho que vinculava a imprensa à oposição. O rascunho dizia que a "guerra de extermínio ao PT", deflagrada em 2005, com o escândalo do mensalão, está longe de acabar. "Faltam projeto e base social à oposição neoliberal, mas ela ainda tem fortes aliados em amplos setores do empresariado, particularmente da mídia, que já começam a criar factoides e falsos escândalos visando enfraquecer o nosso projeto", afirmava a primeira versão.
A portas fechadas, petistas se queixaram de reportagens ligando o ex-ministro José Dirceu a lobby com interesse na reativação da Telebrás e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel - coordenador da campanha de Dilma - ao mensalão.
Dutra assinalou que o PT sempre defendeu a liberdade de imprensa. Foi nesse momento que ele citou o fórum organizado pelo Instituto Millenium. O combate ao monopólio dos meios de comunicação foi aprovado pelo 4.º Congresso do PT, no dia 19, quando o partido imprimiu tom mais radical ao programa de governo de Dilma.
"Não gosto de usar o termo "controle social da mídia" porque pode ser confundido com controle da informação", insistiu Dutra. "Tentam nos colocar ao lado de alternativas golpistas, mas não vamos propor fechar jornais nem emissoras de TV."
Lula quase avança o sinal::Villas-Bôas Corrêa
O presidente Lula puxou o freio de mão à beira do precipício, ao desmentir que alguma vez tenha passado pela sua cabeça licenciar-se da Presidência da República por dois meses, passando o cargo ao senador José Sarney, presidente do Senado.
O vice-presidente José Alencar é provável candidato a uma vaga de senador por Minas, dependendo do seu estado de saúde. No caso, o desmentido é menos convincente do que o recuo diante da estapafúrdia manobra pela simples evidência de que na pré-campanha para eleger a candidata da sua exclusiva escolha, Lula tem passado por cima da ética e da lei, com o desembaraço de quem, deslumbrado com a popularidade recordista do maior líder da história deste país, faz o que bem entende.
A pré-campanha ao arrepio dos prazos constitucionais da candidata Dilma, é uma descarada demonstração de soberba, desde a arrancada com as viagens pelo Brasil para acompanhar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da construção de 1 milhão de residências populares do Minha Casa, Minha Vida. Presidente não é fiscal de obras. E para as viagens, a prioridade óbvia seria às regiões castigadas pelas enchentes, com milhares de famílias que perderam tudo e não sabem como recomeçar a vida. Ou a rede rodoviária em pandarecos, com pontes destruídas, barreiras que exigem malabarismos para o tráfego de carros e caminhões em mão única. O que não faltam são pedidos de socorro e gritos de desespero.
Depois, vamos abrir o jogo: o que é que o presidente Lula e a ministra Dilma podem fiscalizar em obras de rotina? Contar os tijolos assentados no milhão de residências em construção? Ou, com discurso em palanque com microfone e ampla publicidade, estimular a turma a tocar a transferência das águas do Rio São Francisco para encher os açudes do Nordeste? Uma estatística dos dias e horas que o presidente Lula passa no Brasil e em Brasília e toca a rotina em seu gabinete seria embaraçosa para o governo.
E é daqui para pior. A oposição não ameaça o governo com as hesitações do governador de São Paulo, José Serra, em confirmar a sua candidatura e articular a escolha do seu companheiro de chapa, já que o governador mineiro, Aécio Neves, demonstrou que aprendeu as lições do seu avô Tancredo Neves, o mais completo homem público que conheci, e foge da candidatura a vice-presidente como o capeta da cruz.
Os exageros do presidente Lula na obstinação de eleger a ministra Dilma como sua sucessora deveriam ser revistos com bom-senso. Lula praticamente abandonou o governo. Se nunca gostou de tocar a rotina, marcava presença com o eficiente esquema publicitário que enchia os vazios com a presença frequente de convidados que rendem foto em jornais e revistas e minutos nos noticiários da rede de televisão. E que apenas complementa a cobertura recordista da maior rede oficial de comunicação de todos os tempos.
Mas, se a eleição da ministra Dilma é a obsessão de Lula, seria razoável esperar uma plataforma de pré-campanha definindo as prioridades no país de tantas urgências. È indefensável o desprezo por Brasília ou a falta de sensibilidade para reconhecer que o Distrito Federal foi transformado numa bagunça administrativa, com governador – e que governadores, de Roriz a José Roberto Arruda! – com Câmara Distrital, Câmara de Vereadores, milhões de favelados quando a população deveria ser de 500 a 600 mil habitantes e hoje encosta em 3 milhões.
Brasília é vítima da incompetência e da demagogia. E esta é a hora de enfrentar a sua salvação como a prioridade absoluta de todos os candidatos à Presidência da República. Pelo menos o centro administrativo da capital deveria ser recuperado na dignidade do projeto de Lúcio Costa e dos palácio do gênio de Oscar Niemeyer. E fechar as arapucas de falsificações do Senado e da Câmara dos Deputados.
Com Brasília restabelecida como a capital de fato do país, o Senado e a Câmara recuperariam a compostura e a dignidade, acabando com a farra das viagens semanais de senadores e deputados para as suas bases eleitorais, com passagens pagas pela Viúva e a penca de mordomias, vantagens, gabinete individuais com dezenas de assessores e cabos eleitorais.
Lula inaugura obras com ataques à oposição
"Lulinha incomoda, mas uma Dilminha incomoda muito mais", cantarola ele, com sua candidata ao lado
Donaldson Gomes e Samara Duarte
JUAZEIRO (BA). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ontem a provocar a oposição, ao participar do lançamento da primeira etapa do Projeto de Irrigação Salitre, em Juazeiro, ao lado da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, précandidata do PT à sucessão presidencial. Ele afirmou que os opositores estão incomodados com os avanços sociais de seu governo e, irônico, chegou a cantar: — Se a oposição pudesse, cantaria que “um Lulinha incomoda muita gente, mas uma Dilminha incomoda muito mais” — cantarolou.
O discurso de que o país teria mudado de rumos com ele, e que Dilma daria continuidade a seu governo, foi a tônica de Lula, que chegou a pôr Dilma no ar durante entrevista que concedeu a uma rádio local: — Vou chamar a Dilma aqui porque ela pode falar sobre isso (questão energética) com muito mais propriedade..
Ainda na chegada ao aeroporto de Juazeiro, Lula respondeu a perguntas de rádios locais e disse que defende a comparação entre o seu governo e o de Fernando Henrique Cardoso.
— Não quero falar em candidatura para não comprometer.
Mas, quando assumi o governo, este país estava há um ano e meio parado, sem grandes obras públicas de infraestrutura.
Grandes empreiteiras brasileiras passaram um longo tempo trabalhando apenas no exterior.
Duvido que em algum outro momento no Brasil tenha havido tanto investimento como hoje — afirmou.
Em discurso no palanque, para uma plateia de duas mil pessoas, destacou o trabalho de seus ministros-candidatos.
— Dilma, Geddel, vocês que em breve não estarão mais neste governo, tenham certeza que fizemos muito por este país.
Mesmo sem diploma, fizemos mais que qualquer outro — disse Lula, referindo-se também ao ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, que é candidato ao governo da Bahia.
Obra estava atrasada desde setembro Preocupado com as divergências entre PT e PMDB na eleição estadual na Bahia, Lula disse acreditar na possibilidade de um acordo entre o governador petista Jaques Wagner, que tentará a reeleição, e Geddel. Diante dos dois, Lula fez questão de expressar a contrariedade com o quadro, apesar de reconhecer que a política local tem as suas especificidades.
— Posso dizer, diante de Wagner e Geddel: não fico confortável nesta situação. Eu gostaria que os dois estivessem juntos — disse Lula. — Seria importante ter apenas uma chapa.
Na inauguração, os 255 produtores contemplados com a licitação dos primeiros 5 mil hectares irrigáveis do Salitre receberam a comitiva presidencial com blusas e chapéus brancos.
Para o presidente da Comissão dos Agroempreendedores Familiares do Salitre, Moabi Ramos, porém, mesmo com a festa, o anseio dos agricultores era o de já estar trabalhando na terra.
Ele disse que os primeiros lotes eram para ter sido liberados desde setembro do ano passado, mas que um problema na emissão das escrituras, atrasou a entrega.
* Da Agência A Tarde
Presidente nega que pretenda se licenciar do cargo
Lula critica imprensa e diz que não cogitou sair para ajudar Dilma
JUAZEIRO (BA). Em sua visita ontem à Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou que pretenda se licenciar do cargo, nos dois meses anteriores às eleições de outubro, para se dedicar à campanha da ministra Dilma Rousseff, que disputará sua sucessão pelo PT. Caso isso ocorresse, a Presidência seria exercida interinamente, durante agosto e setembro, pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), como informou esta semana Ilimar Franco, na coluna Panorama Político.
— A liberdade de imprensa é praticada no Brasil a ponto de publicarem mentiras — afirmou Lula.
De acordo com o presidente, a possibilidade de deixar a Presidência é uma “coisa completamente descabida”.
Posteriormente, quando discursava na cerimônia de lançamento de um projeto de irrigação, em Juazeiro, ele ainda fez questão de repetir que vai cumprir seu mandato até o último dia: — Eu só deixarei de ser presidente no dia 1º de janeiro.
Integrante da campanha confirmou ideia de licença Em entrevista a emissoras de rádio de Juazeiro e de Petrolina, Lula abordou o assunto e foi enfático: — Seria descabido você imaginar que um presidente da República fosse pedir licença do cargo mais importante do Brasil para fazer campanha. Segundo, que fosse possível um presidente da República se afastar, sendo que pode não ter o vice-presidente para exercer o mandato.
Não teria cabimento, não teria lógica, seria uma irresponsabilidade como mandato que foi me dado pelo povo brasileiro — afirmou o presidente.
Anteontem, ministros e petistas também negaram que Lula cogite se licenciar. Um integrante da coordenação da campanha de Dilma, porém, confirmou que a licença foi debatida num pequeno círculo, e que esse era o desejo de Lula, para evitar problemas com a Justiça Eleitoral. A licença pode não ser necessária, acrescentara esse aliado, se Dilma crescer muito nas pesquisas até julho.
Nenhum candidato poderá participar de inaugurações
Atendendo à minirreforma aprovada ano passado pelo Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que, este ano, nenhum candidato às eleições de outubro poderá participar de inauguração de obras públicas a partir de 3 de julho. Até então, a proibição valia apenas para candidatos a presidente da República e governador, além de vices. Agora, todos os que disputam cadeiras de deputado estadual, deputado federal e senador também terão de deixar de usar as inaugurações como palanques eleitorais. Outra novidade é que as fichas corridas dos candidatos serão divulgadas pela Justiça Eleitoral na internet.
Passagem proibida a candidatos
Ida a inaugurações de obras é vetada a todos que disputarão eleições, a partir de julho
Carolina Brígido
BRASÍLIA - A partir de 3 de julho, nenhum candidato às eleições deste ano poderá participar de inaugurações de obras públicas. O calendário oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgado ano passado estipulava a proibição apenas para candidatos a presidente da República e governador, além dos vices. A extensão da regra a todos os concorrentes — incluindo candidatos ao Senado, a deputados federal e estadual — atende às mudanças estabelecidas na minirreforma eleitoral, aprovada pelo Congresso. Até 3 de julho, porém, a farra de inaugurações vai continuar.
O deputado Flávio Dino (PCdoBMA), relator da reforma na Câmara, disse ontem que a intenção dos parlamentares foi dar o mesmo tratamento a todos os concorrentes, além de tentar evitar o uso da máquina administrativa em ano eleitoral.
Ele lembrou que não houve polêmica para aprovar essa mudança.
— É uma questão de isonomia. Antes, a proibição era só para cargos do Executivo. A mudança veio para amenizar um pouco o uso da máquina.
Dino disse que boa parte das decisões recentes do TSE foi tomada para contemplar a nova legislação. É o caso da resolução que obriga os candidatos a entregarem à Justiça Eleitoral cópia da ficha corrida, que poderá ser consultada pelos eleitores.
Uma das novidades das resoluções do TSE, este ano, são regras mais rigorosas para impedir as chamadas doações ocultas, o que não ficou proibido na minirreforma eleitoral.
O novo calendário eleitoral divulgado ontem pelo TSE dá prazo maior, até 10 de julho, para os políticos solicitarem à Justiça Eleitoral o registro da candidatura. Segundo a regra anterior, o concorrente tinha até 48 horas após o encerramento do prazo dado às legendas para se registrar, que é 30 de junho. Esse tempo passa a ser contado a partir da publicação da lista oficial dos candidatos pela Justiça Eleitoral.
Dino explica que, com a nova legislação, ficaram mais rígidos os freios ao uso da máquina também com relação à publicidade. Antes, o governante que gastava mais que o limite imposto em lei com propaganda em ano eleitoral era punido com pagamento de multa. A partir deste ano, o infrator ficará sujeito à cassação do mandato.
Sabemos que não há texto legal mágico para superar o uso da máquina nas eleições. Mas na minirreforma demos alguns passos importantes para combater a prática.
Os prazos até as eleições
DEU EM O GLOBO
3 de abril: Prazo para desincompatibilização de ministros, governadores, secretários estaduais e municipais e prefeitos que concorrerão a cargos no Legislativo ou no Executivo. Parlamentares e candidatos que concorrem à reeleição não precisam deixar o cargo.
10 de junho: A partir desta data, até 30 de junho, prazo para realização de convenções partidárias.
10 de junho: Último dia para a fixação, por lei, dos limites de gastos de campanha.
1º de julho: Os partidos políticos não poderão, a partir deste dia, veicular nenhum tipo de propaganda paga na televisão e no rádio.
3 de julho: Nenhum candidato poderá participar de inauguração de obras públicas a partir desta data. Ficam proibidas também a nomeação, contratação ou demissão sem justa causa de servidores públicos, salve exceções prescritas na Lei Eleitoral.
5 de julho: Último dia para que os partidos apresentem à Justiça Eleitoral o requerimento de registro dos candidatos às eleições.
6 de julho: Data a partir da qual é permitida a propaganda eleitoral geral e na internet.
8 de julho: Começa a ser definido o tempo a que cada partido tem direito nas TVs e rádios. É o último dia para que o TSE apresente a relação de pedido de candidatos apresentados pelos partidos políticos ou coligações.
Até 10 de julho: Prazo para pedir o registro de candidatura caso o partido não o tenha feito no prazo legal.
6 de agosto: Os partidos políticos, coligações e candidatos passam a ser obrigados a colocar na internet relatórios sobre o financiamento da campanha eleitoral e seus gastos.
17 de agosto: Início da propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio.
18 de setembro: Data a partir da qual nenhum candidato poderá ser detido ou preso, com exceção dos casos de flagrante de delito.
30 de setembro: Fim da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV e prazo para a retirada de páginas institucionais da internet.
2 de outubro: Último dia para a propaganda eleitoral com alto falantes, para carreata e distribuição de folhetos.
3 de outubro: Primeiro turno das eleições.
5 de outubro: Início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV do segundo turno.
29 de outubro: Fim da propaganda eleitoral gratuita do segundo turno e prazo para a retirada de páginas institucionais da internet.
30 de outubro: Último dia para a propaganda eleitoral com alto falantes, carreata e distribuição de folhetos.
31 de outubro: Segundo turno das eleições.
Novo comando do PT ataca mídia na 1º reunião
Na presença de mensaleiros como José Dirceu, partido diz que imprensa quer voltar a falar em mensalão petista
Maria Lima e Cristiane Jungblut
BRASÍLIA. A cúpula do PT está disposta a intensificar o debate ideológico sobre o papel da mídia na cobertura da campanha presidencial. Isso foi explicitado pelo presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, na primeira reunião da Executiva e do Diretório Nacional do partido este ano. Com a presença dos novos integrantes da cúpula petista, como José Dirceu, José Genoino (PT-SP) e outros mensaleiros, foram aprovadas resoluções para orientar a militância e coordenadores da campanha a travar uma batalha contra o que chamam de “aliança da oposição neoliberal com setores da mídia de direita conservadora”.
O primeiro texto aprovado na reunião da Executiva, quinta-feira à noite, assinado por Dutra, era duro e tinha como objetivo principal responder às críticas à chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata petista à Presidência, no Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, promovido esta semana pelo Instituto Millenium, em São Paulo.
Foi também uma reação às denúncias envolvendo Dirceu no caso Eletronet, e à reportagem da “Isto É” sobre suposta participação do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel no escândalo do mensalão do PT.
Texto falava em “guerra de extermínio” contra PT O texto de Dutra aprovado inicialmente dizia que a “oposição neoliberal” tem fortes aliados em amplos setores do empresariado “particularmente da mídia, que começam a criar factoides e falsos escândalos visando enfraquecer nosso projeto.
Os recentes episódios envolvendo denúncias vazias contra dirigentes petistas comprovam que a guerra de extermínio contra o PT, deflagrada em 2005, está longe de acabar”.
Ainda segundo o primeiro texto, “está clara a intenção da mídia de devolver às manchetes a expressão mensalão do PT, justamente num momento em que seus preferidos afundam num mar de corrupção e incompetência administrativa, como o DF e SP”.
Na reunião ampliada do Diretório Nacional, ontem, essa parte do texto foi tirada. No texto final aprovado, os dirigentes reafirmam as supostas ligações da oposição com setores de direita, mas sem citar a mídia. O texto trata também sobre a retomada da articulação na oposição e os sinais de que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), será mesmo o candidato do partido.
As expressões anteriores foram substituídas por: “os ataques feitos contra o PT, nossas diretrizes de programa e nossa pré-candidata não são novidades.
Nos anos 80/90 /2002/2006 e ao longo de oito anos do governo Lula, as forças de direita e neoliberais agiram da mesma forma. Mas a história do Brasil e a experiência do povo brasileiro confirmam: a direita neoliberal não tem compromisso nenhum com a soberania nacional, com o estado democrático e igualdade social, nem com a verdade dos fatos. Frente à derrota que sofrerão nos próximos anos, já alimentam um discurso golpista”.
Palocci e Costa participaram do fórum criticado pelo PT Durante a reunião do Diretório Nacional, os petistas apelidaram informalmente o forum do Instituto Millenium de “Confecom da mídia de direita conservadora”.
Do mesmo fórum participaram, como palestrantes, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o deputado Antonio Pallocci (PT-SP).
Os dois negaram a intenção do governo de adotar controle social da mídia. E Palocci criticou o capítulo sobre comunicação no Plano Nacional de Direitos Humanos que prevê a criação de um órgão para forçar a mídia a cumprir a Constituição.
Ele disse no evento que jornais e jornalistas já estão submetidos às leis. E Costa foi contra qualquer controle social da mídia.
Mas Dutra criticou o evento, após a reunião de ontem: — Esse fórum do Instituto Millenium foi claramente um colóquio de direita. Entrevistados disseram que, se Dilma ganhar, vai ter censura à imprensa, mas se Serra ganhar, não. Isso é ataque a nós!
CUT, Força e PT estimulam greves em SP
Servidores da educação e da saúde fazem paralisações
SÃO PAULO. Estimulados pela CUT e pela Força Sindical, que fecharam plataforma eleitoral contra a eleição do governador José Serra (PSDB) para a Presidência da República e a favor do PT, os professores da rede estadual decidiram paralisar as aulas nas escolas a partir de segunda-feira. Ontem de manhã, em várias cidades do estado, os docentes já haviam aderido à greve.
Os servidores da saúde também fizeram uma passeata de manhã e entraram em estado de greve. Os policiais ameaçam com paralisações. Os movimentos dos servidores é estimulado pela oposição a Serra, mas os sindicatos negam conotação eleitoral.
— Nossa greve é salarial.
Não adianta o PSDB tentar colocar o bode na sala. Não temos motivação eleitoral alguma.
Queremos aumento salarial e avisamos há dois meses que, se não dessem reajuste, a categoria entraria em greve — disse Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da Apeoesp, o sindicato dos professores paulistas, tradicional aliado do PT e da CUT.
Até a noite de ontem, o secretário de Educação, Paulo Renato Costa Souza, não havia dado entrevista ou divulgado nota sobre a greve.
Cartazes fazem referência à eleição presidencial Na assembleia dos professores ontem na Praça da República, no entanto, os cartazes não esconderam o momento político, com frases como “Governador, quer entrar na Presidência? Faz a provinha” e “Governador vampiro”. Os cerca de 215 mil professores paulistas dizem que não têm reajuste salarial há cinco anos e reivindicam 34,3% de aumento.
Ontem, cerca de 300 servidores da rede de saúde fizeram uma passeata em São Paulo. Além de reajustes, eles reclamam que o governador estaria promovendo um sucateamento do sistema.
Os servidores reclamam que as terceirizações no sistema prejudicam funcionários e pacientes. A categoria decidiu adotar o estado de greve e se prepara para montar um calendário com as paralisações.
O protesto do servidores da Saúde durou cerca de três horas. A concentração começou em frente à Secretaria de estadual de Saúde, junto ao Metrô Clínicas, na Zona Oeste.
Dali, o grupo partiu em direção à Avenida Paulista e encerrou o protesto na Rua Bela Cintra, na Bela Vista, em frente ao prédio da Secretaria de Gestão Pública.
Muito holofote, pouca obra
Lula faz "vistoria" em canteiro do Comperj. Projeto, atrasado em 2 anos, está na mira do TCU
Bruno Villas Boas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no Rio na próxima segunda-feira para vistoriar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), empreendimento de US$ 8,4 bilhões da Petrobras questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em julho do ano passado por indícios de irregularidades, que ainda não foram esclarecidos. O presidente, que participa de um evento no Comperj pela terceira vez em quatro anos, vai encontrar obras atrasadas em mais de dois anos. Inicialmente previsto para meados de 2011, o Comperj teve mais uma vez sua data de inauguração adiada ontem pela Petrobras: agora, para setembro de 2013.
Mais de três mil operários de Itaboraí foram convidados para servir de plateia no evento, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de São Gonçalo (SinticomSG), dando ares de campanha eleitoral à agenda presidencial. Um palanque foi montado para a assinatura de três contratos, no valor de R$ 2,6 bilhões, entre a Petrobras e consórcios que venceram licitação para construir duas das unidades de refino do complexo. Será um dos últimos palanques oficiais no Rio da ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, précandidata do PT à Presidência, que em 2 de abril precisará deixar o cargo para a desincompatibilização.
Dúvidas sobre verba por dias parados
Mas esta não será a primeira vez que o Comperj é usado de palanque. A primeira visita de Lula ao projeto, em junho de 2006, ocorreu a 15 dias do início da última campanha presidencial, com direito a distribuição de bonés e camisas. Em março de 2008, o presidente subiu em um trator ao lado do governador Sérgio Cabral (PMDB), em cerimônia que marcou o início das obras de terraplenagem. Cabral se referiu a Dilma, na época, como presidente: “Este Comperj aqui tem a rubrica da presidente Dilma”.
Ontem, a Petrobras acertava os últimos detalhes para receber a comitiva de Lula. O palanque era montado e a rodovia de acesso, melhorada.
Segundo o presidente do SinticomSG, Manoel Vaz, os três mil operários que devem participar do evento receberam recentemente aumento salarial de 8% a 15%, mais participação nos lucros e vale-alimentação de R$ 150 mensais, embora almocem dentro do Comperj.
— Os operários acabaram de acertar o reajuste salarial com o consórcio que faz a terraplanagem e estão muito animados para a vinda de Lula.
Perguntado sobre o aumento salarial e de benefícios aos operários, o Consórcio Terraplanagem Comperj (CTC) — formado pelas empreiteiras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht, e responsável pela obra — respondeu que caberia à Petrobras comentar questões contratuais. A estatal, por sua vez, informou que as relações trabalhistas diziam respeito ao CTC.
As obras do Comperj estão na mira do TCU. Em agosto de 2009, técnicos do tribunal identificaram superfaturamento na verba indenizatória paga pela Petrobras ao consórcio no caso de paralisação das obras por chuvas. Segundo a auditoria, foram pagos R$ 23,2 milhões a mais do que era devido entre 15 de maio e 25 de outubro de 2008. Um superfaturamento de 1.490%.
Segundo o TCU, os indícios de irregularidades ainda não foram esclarecidos.
No Orçamento da União de 2010, o Comperj foi colocado na lista negra de obras pelo Congresso. Isso impediria o repasse de recursos. Mas, ao sancionar o Orçamento, Lula liberou as obras, mesmo com os indícios apontados pelo Tribunal.
O diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, disse ontem que o novo atraso no prazo do Comperj ocorreu devido a uma negociação exaustiva dos contratos a serem assinados na segunda-feira.
Entre a oferta inicial e o valor aceito, incluindo o contrato de mais uma unidade a ser fechado na próxima semana, de R$ 1,89 bilhão, a economia seria de R$ 2,6 bilhões.
— A Petrobras não vai fazer (as obras) a qualquer preço se entender que a proposta não é compatível com o mercado internacional e seu orçamento.
Preferimos que o prazo do Comperj escorregue — garantiu.
Segundo Costa, o Comperj terá sua capacidade ampliada. Por isso, o custo do projeto está sendo revisto. A capacidade de processamento diário passará de 150 mil para 165 mil barris, e está prevista uma duplicação para três ou quatro anos após a inauguração.
— O conceito inicial do Comperj era de 2006. Estamos em 2010. O mundo mudou, o mercado mudou.
Em nota, a Petrobras disse que “não há superfaturamento ou qualquer outra irregularidade” nas obras do Comperj.
E acrescentou que discute com o TCU e a Controladoria Geral da União (CGU) que critérios devem ser usados na “apropriação dos custos relativos a dias parados, por causa de chuvas, que deverão ser ressarcidos”.
Na Rocinha, inauguração de Centro de Saúde
Mas maioria das obras do PAC do bairro só ficará pronta até novembro
Quando vier ao Rio nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também vai inaugurar o Centro Integrado de Atendimento à Saúde (Cias) e o Complexo Esportivo da Rocinha, obras que fazem parte do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Mas o PAC da Rocinha, orçado em R$ 231,2 milhões, ainda tem outras ações a serem concluídas. A Passarela projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer — que ligará o Complexo Esportivo à comunidade — ficará pronta em junho, segundo previsão da Secretaria estadual de Obras.
Até novembro, estarão prontas as seguintes obras: uma creche com capacidade para 120 crianças; um centro de convivência, com cursos e projetos voltados para os jovens; abertura e alargamento da Rua 4 e outras vias; urbanização do Largo do Boiadeiro e da Rua do Valão; dois planos inclinados; e 144 unidades habitacionais.
Com 2,8 mil metros quadrados e dois pavimentos, o Cias ficará sob a administração da Secretaria municipal de Saúde. Terá clínica da família, Unidade de Pronto Atendimento 24 horas (UPA) e centro de atendimento psicossocial. Já o complexo esportivo tem 15 mil metros quadrados e campo de futebol em grama sintética, piscina semiolímpica, quadras poliesportivas, pista de skate, entre outros espaços.
O ministro das Cidades, Márcio Fortes, que ontem esteve no Rio, afirmou que Lula assinará, durante a solenidade na Rocinha, quatro novos contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, que representam investimentos de R$ 227,2 milhões. (Rogério Daflon)
Minha Casa entrega só 25% da meta de Lula
Uma das principais bandeiras do presidente Lula, o programa Minha Casa, Minha Vida vai ficar longe da meta de construção de 1 milhão de unidades até o fim de seu mandato. A constatação é do ministro Márcio Fortes (Cidades). Sua estimativa é que o total entregue até novembro seja de 250 mil casas. Fortes afirmou que a meta nunca teve prazo e atribuiu o atraso a dificuldades técnicas.
Governo reduz subsídios do ""Minha Casa""
Faixas salariais do programa não foram reajustadas este ano, fazendo com que benefícios sejam menores
Edna Simão
Uma parte dos brasileiros que aderirem ao programa Minha Casa, Minha Vida este ano devem receber menos subsídio do que quem aderiu em 2009. Outros poderão até ser excluídos por causa da decisão do governo de não reajustar a renda dos beneficiários de acordo com a correção do salário mínimo.
O programa tem como objetivo atender o público com renda entre zero e 10 salários mínimos. O governo, no entanto, este ano decidiu usar o salário mínimo de 2009 (R$ 465) para calcular as faixas de renda dos beneficiários. Assim, muitos brasileiros vão mudar de faixa e até ultrapassar o teto de R$ 4.650, deixando de integrar o público do programa. Se houvesse atualização, o limite passaria para R$ 5.100.
A lei que criou o programa prevê três faixas de beneficiários: famílias com renda de até três salários mínimos mensais, de três a seis e de seis a dez. Quanto menor a renda, maior o subsídio. Assim, quem pular de faixa pode receber subsídio menor. A atualização das faixas de renda exigiria do governo um volume maior de recursos. A previsão era que a União desembolsasse R$ 16 bilhões em subsídios.
O ministro das Cidades, Marcio Fortes, disse que a menção de até determinado valor do salário mínimo na legislação serve apenas de referência para identificar o público alvo. Ou seja, não há um limite. "O importante é que não estamos deixando de atender as pessoas", disse.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, afirmou que a demanda pelo programa na faixa de zero e três salários mínimos era de 5 milhões a 6 milhões famílias em 2009. Sem correção da renda conforme o reajuste do mínimo, esse público cai para 4 milhões. Desse total, a previsão do governo é beneficiar 400 mil famílias.
Fortes lembrou que para a liberação de recursos também é utilizada a regulamentação do FGTS, que usa valores nominais. Além disso, segundo ele, a massa salarial não sofre grandes alterações com o aumento do mínimo. Para ele, também "não há justificativa" para que as pessoas entrem na Justiça para questionar a decisão do governo de não reajustar as faixas de renda.
Segundo o ministro, o foco do programa continua nas famílias entre um e três salários mínimos, que concentram 89,4% do déficit habitacional de 6,2 milhões de moradias. Esse déficit será combatido gradualmente.
Outra justificativa para que a renda dos beneficiários do programa não seja atualizada é que haveria uma indexação ao salário mínimo. "Hoje a economia está desindexada", disse Fortes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) informou, por meio de sua assessoria, que há apenas um caso de inconstitucionalidade na vinculação do salário mínimo, que é a questão do adicional de insalubridade. Ou seja, o salário mínimo não pode ser usado como indexador para vantagens e gratificações de servidores públicos e de empresas privadas. Não há caso decidido sobre a vinculação do mínimo a renda utilizada para atender brasileiros no Minha Casa, Minha Vida.
A Academia e os novos tempos:: Marcos Vinicios Vilaça
O século 21 trouxe uma necessidade ainda maior de se ampliarem os trajetos no sentido de que a Academia Brasileira de Letra seja mais vista e ouvida. Há - e está bem aos nossos olhos - uma geração que parece ter nascido com controle remoto e mouse à mão. Basta um clique e a tela muda. Portanto, é vital que nos afinemos com os moços.
Desde a adoção do alfabeto na Grécia antiga, passando pela invenção da imprensa com os tipos móveis do Renascimento, não há nada mais revolucionário do que a chegada do digital. Até ontem, por exemplo, toda plataforma para ler era modulada de forma passiva e indireta pela luz do sol ou pela lâmpada. Hoje, o fundo emite luz e nós teclamos sobre seu fluxo, e o fundo sobre o qual aparecem letras e imagens é fonte de luz ativa.
Nada anula a atração de elucidar o alcance dos novos usos. E uma Academia de Letras também está obrigada, na contemporaneidade, a refletir sobre linguagem e tecnologias, do contrário ficará como sombra, ao perder a fonte de irradiação.
A Academia examina mais opções na internet, twitter, e-books e tudo mais que este século nos trouxer de novo. Independentemente do kindle, mesmo que se argumente que o leitor com ele se dispõe a carregar nas mãos 3.500 livros, e mesmo que exija pouco espaço para até milhares de livros, sabemos que não serão superados os incomparáveis prazeres táteis e cerebrais dos livros de papel. Ainda assim, claro está que, se não preenche o imaginário da leitura literária, não nos enganemos sobre a força que o e-book exercerá no futuro em relação ao livro didático.
Não somente por isso, mas também, e principalmente, por isso, nós nos tornamos uma casa aberta a toda forma de cultura. Unir a literatura a todas as formas de manifestação cultural, como artes plásticas, desenho, cinema, música e teatro, entre muitas outras, mais novas ou não, é o objetivo da casa. Temos, de letras, o sentido das humanidades, não apenas o de letras literárias.
Mais de um século separa as obras de um Degas, por exemplo, da era digital. No entanto, em muitos museus essas obras e a computação estão integradas em perfeita combinação artística. Especialistas temem que o homem esteja a inaugurar uma cultura autodestrutiva - uma cultura da incultura. É possível que haja nisso alguma razão. É também possível que haja nisso algum exagero. Mas uma coisa é certa: nada anula a atração de elucidar o alcance de novos usos.
O tempo presente nos põe em alerta sobre o que significam para a cultura as instantaneidades da comunicação. Diversidade cultural é fator de coesão, e não caminho de fragmentação. Cultura há de ser, portanto, a unidade dos momentos, o que é bem diferente de ser mera unicidade. Por isso pretendemos estabelecer de forma gradual, ininterrupta e coesa uma aliança com o País que ainda está chegando. Sem esse enlace, no futuro não haverá como preservar a tradição. Seremos pó. E as cinzas não aquecem.
A Academia reivindica, por sua representatividade, que nada pode ser decretado no âmbito da cultura sem que passe pela nossa casa. Damos exemplos: direito autoral é assunto que deveremos afinar, a internet não pode aparecer como plataforma hostil ao arrepio dos direitos do usuário, a proteção à obra não pode inibir a sua apropriada divulgação no equilíbrio do interesse econômico e do interesse público.
Este ano a Unesco se dedicará ao que denominou "Ano da Aproximação das Culturas". Nada mais aliciante. A indiferença no que toca às diferenças culturais mata a capacidade de compreender. A diversidade é fator de enriquecimento mútuo. Nada de amnésia. A memória alimenta a capacidade criadora. Essa compreensão, esse conhecimento nos põem aptos a fazer da cultura um fator de emancipação, de descobrimento e de justiça.
Nós nos orgulhamos muito de que a Academia seja em grande parte o contraste dentre dois homens inseparáveis: Machado de Assis, o humilde que se fez aristocrata das letras; e Joaquim Nabuco, que, pertencendo à hierarquia do Império, se fez humilde, para melhor escutar os gritos de liberdade.
A Academia comemorará, como não poderia deixar de fazê-lo, o centenário de morte de Joaquim Nabuco, com permanente curiosidade e completa empatia, tal como fez em relação a Machado de Assis. Estamos a promover ciclo de conferências e reedição de algumas de suas obras. Iremos a Londres e a Washington para comemorações especiais com a intelectualidade dessas cidades, nas quais serviu como embaixador. Nabuco, como homem público, é precioso emblema de ética na política.
Como um operador da transformação social, trouxe o povo para o combate pela liberdade. Temos certeza, certeza acadêmica, de que os brasileiros estarão ainda mais convencidos da sabedoria dele, recordando o que, em 1909, escreveu no Diário pessoal: "O corpo pode ser demolido, não o seja nunca o espírito." E juntos atentaremos para a lucidez de quem, há cem anos, enxergando da vida o claro/escuro e mesmo já com a voz a falhar, segredou ao médico que o atendia: "Doutor, pareço estar perdendo a consciência... Tudo, menos isso!..."
Temos certeza, também, à sombra desses dois exemplos clássicos, que aos intelectuais compete lutar para que se impeça concentração de poder, com amargo sabor totalitário. Democracia não é só o voto na urna, mas, igualmente, o acesso cotidiano à justiça e à repartição dos frutos do crescimento econômico e do desenvolvimento social. A Academia não se senta, nem se sentará, na plateia para se ausentar do palco. Sem deixarmos de ser gente, queremos ser a Academia. Não permitiremos a atitude tribal de fechar a casa. Há muito fizemos a abertura. Sua claridade tem de estar em movimento. Irreversivelmente.
Marcos Vinicios Vilaça é presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL)
Ainda a escravidão:: Miguel Reale Júnior
No meu último artigo nesta página (Sob o prisma da escravidão, 6/2) lembrei frase de Joaquim Nabuco em que ressaltava que "a escravidão passou 300 anos a permear a sociedade brasileira". Assim caberia saber como a lei e a jurisprudência trataram o escravo.
O direito é reflexo da compreensão de vida em determinado momento histórico-cultural, espelhando os valores prevalecentes. O quadro legal e a jurisprudência, reproduzindo essa permeabilidade da escravidão na sociedade, legitimaram a submissão integral do negro, visto como coisa, e não como pessoa.
A Constituição imperial de 1825 silenciou sobre a escravidão. Porém estabelecia no artigo 1º que o Império do Brasil constituía uma associação política de todos os cidadãos brasileiros, ou seja, segundo o artigo 4º, "os que tivessem nascido no Brasil, sejam ingênuos ou libertos". Admitia-se, portanto, que apenas homens livres e os libertados por via da alforria eram cidadãos brasileiros e destinatários dos direitos civis e políticos consagrados no artigo 179 da mesma Constituição. Destarte, implicitamente se admitia existirem escravos, não incluídos como cidadãos.
No referido artigo 179, relativo aos direitos individuais, o inciso XIX estatuía: "Ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis."
Até a promulgação da Constituição se aplicavam sevícias graves aos escravos, como mutilações ou marcas no rosto com ferro quente. Após a Constituição, como punição cruel perdurou apenas o açoite, mesmo porque esse castigo, abolido para o homem livre, veio a ser expressamente previsto no Código Criminal do Império com referência aos escravos: "Art. 60. Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar. O número de açoites será fixado na sentença, e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta."
Além da previsão da pena de açoites no artigo 60, o artigo 14, § 6º, do Código Criminal catalogava, dentre as causas de exclusão do crime, como exercício regular de um direito, o poder do senhor de impor, a seu talante, castigo físico moderado ao escravo. Este, moderado ou não, era prática cotidiana, como se via nas fazendas, quando ao fim do dia cabia ao escravo dar contas das tarefas determinadas, cujo descumprimento podia levar à imposição de punições físicas, instaurando-se regime de medo, causa de muitos suicídios.
A violência legal contra os escravos verificou-se de forma mais evidente na draconiana Lei nº 4, de 10 de junho de 1835. O assassinato de família de fazendeiros em 1833 provocou a proposta de projeto de lei contra os escravos que pusessem em perigo ou lesionassem a vida de seus senhores, de seus familiares ou do feitor. O projeto permaneceu sem votação até a Revolta dos Malês, muçulmano em iorubá. Em janeiro de 1835, negros das etnias nagô e hauçá, em Salvador, rebelaram-se para a formação de um califado.
Em vista desses fatos, o rígido projeto de lei de 1833 foi aprovado, tornando-se a Lei nº 4 de 1835, cujo artigo 1º estabelecia: "Serão punidos com pena de morte os escravos que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendentes, ou ascendentes que em sua companhia morarem e ao administrador, feitor e às suas mulheres, que com eles viverem. Se o ferimento ou ofensa física forem leves a pena será de açoites à proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes."
Estipulava-se também, para rapidez do julgamento, que haveria, logo após os fatos, a convocação imediata do júri, para a sentença se dar no calor das paixões. No artigo 4º determinava-se que, se a sentença fosse condenatória, seria ela executada sem recurso algum.
Havia, portanto, uma lei penal e processual para os escravos e outra para os homens livres, com imposição da pena de morte para fatos de gravidade diversa: homicídio ou "outra qualquer ofensa física".
A coisificação do escravo atinge, no entanto, ponto culminante ao se admitir como legítima a exploração da prostituição de escravas em benefício do senhor. A jurisprudência apresenta o caso de duas moças negras autorizadas a sair à noite pelo senhor, pois era proibida a circulação de escravos após as 19 horas, em troca da entrega de soma de dinheiro, na manhã seguinte, como produto da atividade carnal, sendo o seu proprietário pessoa de posses modestas, um funcionário público.
Nessas hipóteses de exploração sexual de escravas, sentenças de primeira instância determinavam, em Ações de Liberdade propostas por advogados abolicionistas, a aplicação de pena civil de perda do domínio por abuso imoral. Encontrava-se fundamento para concessão de liberdade às escravas levadas à prostituição por seu senhor em textos do Direito Romano, segundo o qual, por mais amplo que fosse o direito de propriedade, não poderia vir a constituir ofensa à moral.
O Supremo Tribunal de Justiça, no entanto, considerou que a legislação romana não poderia ter aplicação entre nós, pois a Constituição garantia o direito de propriedade em sua plenitude. A jurisprudência, portanto, reputava legítimo o senhor ter na prostituição de suas escravas uma fonte de rendimento, tido o escravo como mera mercadoria.
Diante desse quadro, apenas cabe lembrar frase de Coetzee em À Espera dos Bárbaros: "Quando alguns homens sofrem injustamente é destino dos que testemunham esse sofrimento envergonhar-se disso."
Essa vergonha não deve ser purgação de culpa, mas via propulsora de se fazer do direito um meio de viabilizar condições para os despossuídos se realizarem como pessoas, mormente graças à educação e ao acesso à Justiça.
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça