“No Brasil atual, as forças democráticas enfrentam dificuldades para romper os círculos que estreitam sua movimentação e impedem sua reposição vigorosa na cena nacional. Precisam recusar o papel subalterno a que foram relegadas. Devem contestar os ataques da direita jurássica, confrontar a ingenuidade social e problematizar a ideia de que a solução passaria por um condottiere acima do bem e do mal, apresentando em contrapartida uma renovada ideia de País e uma agenda nacional inclusiva.
A esquerda democrática cumpre um papel nessa operação. Um “centro” sem ela terá reduzida potência reformadora e tenderá a ser hegemonizado pelo conservadorismo. Um centro democrático inteligentemente inclinado para a esquerda, por sua vez, poderá organizar uma agenda com sensibilidade social e disputar as multidões.
Uma esquerda democrática não é “inimiga do mercado”: seu anticapitalismo é realista, respeita a correlação de forças e apoia-se numa teoria social que se dedica a compreender as novas formas do capitalismo, da luta de classes, do modo de vida, do mundo do trabalho e do emprego. Seu eixo é a regulação política do sistema econômico, de modo a que se reduzam suas incongruências e sua capacidade de produzir desigualdades.
Mas essa esquerda aprendeu que também é preciso regular e controlar o Estado, de modo a fazê-lo atuar em consonância com as expectativas de crescimento econômico e de justiça social, sem se comprometer com políticas de gasto público desprovidas de “responsabilidade fiscal”. Incorporou os valores do liberalismo político e da democracia progressiva, com os quais defende a necessidade de um reformismo gradual aberto para a justiça social, os direitos e a modificação das estruturas sociais que produzem desigualdade.
Um centro que se componha a partir do liberalismo político precisa assimilar a generosidade democrática e social da esquerda. Num país como o Brasil, aliás, somente assim poderá cumprir uma função progressista e preparar a pista para que o País derrote seus piores inimigos: a desigualdade, a injustiça, o crescimento não sustentável, a corrupção sistêmica, o desrespeito, as discriminações que vitimizam pobres, negros, pardos, índios, homoafetivos e mulheres.”
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*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp, ‘Um centro inclinado à esquerda’, O Estado de S. Paulo, 25/11/2017