terça-feira, 26 de maio de 2015

Opinião do dia - Roberto Freire

No Brasil, há um problema grave: temos partidos que são criados para ter acesso ao Fundo Partidário, tal como se cria sindicato para ter acesso às contribuições sindicais. Esse é um erro. Não se trata de falar em número de partidos, mas se criar uma legislação que não incentiva aquilo que não seja representativo da cidadania. Partido é direito de cidadania.

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Roberto Freire é deputado federal (SP) e presidente nacional do PPS, em entrevista na TV, 22 de maio de 2015.

Reforma política: Cunha atropela comissão

Comissão é enterrada sem votar relatório após meses de debate

• Relator é destituído por pressão de Cunha, e análise vai a plenário

Júnia Gama e Patricia Cagni – O Globo

BRASÍLIA - A comissão especial que discute a reforma política foi enterrada ontem sem a votação do relatório final produzido após 4 meses de discussões. Com a pressão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e de seus aliados, a reunião marcada para o início da tarde de ontem foi adiada, e, mais tarde, os parlamentares foram avisados de que fora cancelada. O relator Marcelo Castro (PMDB-PI) foi destituído, e o presidente da comissão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indicado por Cunha para relatar a reforma direto no plenário.

Cunha e Maia têm posição comum a favor do distritão, segundo o qual os candidatos mais votados são eleitos sem que se levem em conta os votos nos partidos. E ressurgiu outra possibilidade que havia sido sepultada há anos, o chamado distritão misto, no qual metade das vagas é escolhida pelo distritão, e a outra, por voto em lista partidária fechada. A apresentação do relatório está prevista para as 11h de hoje.

À noite, Cunha comandou reunião de líderes para definir a votação da reforma no plenário da Casa a partir de hoje, ignorando o relatório da comissão. Definiu-se que a votação será em grupos, nesta ordem: sistema eleitoral, financiamento de campanha, manutenção ou não da reeleição, tempo dos mandatos, coincidência das eleições, cota para mulheres, fim das coligações proporcionais, cláusula de barreira, voto obrigatório e dia da posse do presidente da República.

A decisão de cancelar a reunião da comissão mista gerou protestos. A justificativa oficial para o cancelamento foi "acordo entre os líderes". Mas ela foi contestada pelo PT e pelo PSOL.

- Não fui consultado. Não concordo com o cancelamento da reunião, tudo que eu sonhava era ter o relatório. Não foi com minha anuência, eu não participei dessa decisão - disse o líder do PT, Sibá Machado (AC).

- Explicam que a extinção da comissão foi decisão dos líderes. O do PSOL seguramente não foi consultado e não compactuaria com este golpe - disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).

Alguns deputados foram protestar na sala onde o encontro deveria ocorrer. Marcelo Castro atacou a decisão e disse que o cancelamento foi infundado:

- Não fizemos relatório para agradar ou desagradar a ninguém. Todo o acúmulo de conhecimento de 3 meses de trabalho será substituído por um documento construído em cinco minutos no plenário.

Cunha chegou a desautorizar Castro e defender sua saída da relatoria, quando o piauiense alegou que votaria contra seu próprio relatório, feito sob pressão da cúpula do PMDB. Outro ponto de discordância entre Cunha e o relatório da comissão é sobre financiamento. Cunha defende financiamento privado com doações das empresas a partidos e candidatos. No relatório, Castro define que as empresas só poderão doar a partidos.

Deputados que integraram a comissão reclamaram. Henrique Fontana (PT-RS) acusou Cunha de agir de forma "ditatorial".

Cunha disse que o relatório da comissão estava em "dissonância" com o que a maioria desejava Não descartou, porém, que a Casa acabe sem aprovar qualquer mudança, já que é preciso ao menos 308 votos para isso:

- A reforma pode sair ou pode não sair. Se não for aprovado nada, significa que a maioria dos deputados está satisfeita como está. Vai acabar com a hipocrisia de pregar reforma política.

Voto distrital: Divisão das cidades é viável

• Estudo do Centro de Liderança Pública mostra que capitais como Rio, SP e BH podem ser divididas em distritos com critérios do IBGE; maior parte dos vereadores seria reeleita

Alexandre Rodrigues – O Globo

Enquanto a Câmara dos Deputados discute a troca do atual sistema proporcional de votação para o Legislativo pelo chamado distritão, tramita no Senado uma proposta de voto distrital para vereador nas cidades com mais de 200 mil habitantes. Os primeiros resultados de um estudo do Centro de Liderança Pública (CLP) mostram que a divisão de capitais como Rio, São Paulo e Belo Horizonte a partir dos setores censitários do IBGE resultaria em unidades geográficas contínuas, de um ou mais bairros, com eleitores suficientes para eleger representantes com votações semelhantes às dos eleitos no sistema atual. O trabalho estima que cerca de 80% dos atuais ocupantes do Legislativo teriam chances de se eleger no novo sistema, com uma redução de até 70% no custo das campanhas.

O estudo do CLP derruba um dos principais argumentos dos defensores do distritão contra a adoção do sistema distrital, como o dos Estados Unidos e Reino Unido, ou do distrital misto, existente na Alemanha: a dificuldade de delimitar os distritos. A pedido do CLP, um grupo liderado pelo pesquisador Örjan Olsén, da consultoria Analítica, testou a divisão dos distritos a partir da base do Censo do IBGE, como prevê o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

No caso do Rio, o estudo propõe a divisão da cidade em 51 distritos (número de vagas na Câmara dos Vereadores) com média de 123 mil eleitores. Na maior parte dos casos, a divisão censitária do IBGE gera distritos com relativa homogeneidade socioeconômica. Mas há situações em que comunidades ricas e pobres se misturam no mesmo distrito, como o que envolve São Conrado, Rocinha e Vidigal, no Rio, e o que une a favela de Paraisópolis e o bairro de classe alta do Morumbi, em São Paulo.

Nos países que usam o voto distrital, a divisão dos distritos é política. O temor de que isso inviabilizasse o sistema no Brasil foi um dos principais argumentos usados pelos criadores do distritão, em que estados e municípios seriam um único distrito com a eleição dos mais votados. Seria um sistema mais fácil de ser entendido pelos eleitores, argumentam os defensores.

- O distritão é uma solução preguiçosa. O voto, de certa forma, já é distritalizado. As pessoas tendem a votar próximas da sua realidade local. O voto distrital reforçaria essa identidade, atraindo mais lideranças locais para a política - diz Luiz Felipe d"Ávila, diretor-presidente do CLP. - O nosso trabalho mostra que é possível distritalizar as cidades usando um critério que é o mais imparcial possível, o do IBGE.

A pesquisa usou dados da eleição municipal de 2012 para avaliar como seria o desempenho dos atuais vereadores nos distritos e concluíram que cerca de 80% seriam eleitos no novo sistema porque tendem a concentrar votos em determinadas áreas da cidade. Bastaria escolher o distrito certo. No Rio, o melhor exemplo é o da vereadora Rosa Fernandes (DEM). Mais votada com o eleitorado concentrado na Zona Norte, ela alcançou 21% dos 116 mil votos válidos das urnas de Irajá. Isso significa que ela provavelmente seria eleita se disputasse apenas naquele distrito. Já o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que se elegeu vereador com 44 mil votos espalhados por toda a cidade, teria dificuldades no sistema distrital. Nos bairros em que foi mais votado (Tijuca, Centro e Méier), teve menos de 3% dos votos.

- O nosso trabalho é só um ensaio, já que o voto e as campanhas seriam diferentes se o sistema fosse distrital. De qualquer forma, a simulação mostra que a população vota no sentido do distrital misto. Ao mesmo tempo em que há um voto muito fragmentado na cidade, incluindo votos da legenda, a maior parte dos vereadores tem votação concentrada em uma região - diz o pesquisador Örjan Olsén.

Reforma Política: No mundo, distritão só existe em 2% dos países

• Levantamento entre 200 nações mostra que só Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão adotam sistema político defendido pelo PMDB

Fábio Vasconcellos – O Globo

RIO - Com pouco mais de 50 habitantes, as Ilhas Pitcairn, no Pacífico Sul, poderão, em breve, ser um referência para o Brasil. E não por suas belezas naturais. O atual modelo de sistema eleitoral defendido pelo PMDB na reforma política, o chamado distritão, é adotado no pacato arquipélago e em apenas outros três lugares no mundo: Vanuatu (outra ilha do Pacífico), na Jordânia e no Afeganistão. O distritão tem uma lógica simples de escolha. Vence no distritão, que seria um estado, os candidatos a deputado mais votados. Mas essa simplicidade não é sinônimo de maior preferência entre os países.

Uma lista com 200 países elaborada pelo International Institute of Democracy (Idea) mostra que nada menos de 38% usam o modelo proporcional, o mesmo usado atualmente no Brasil, que leva em conta os votos dos partidos na definição de quem é eleito. Outros 39% utilizam o sistema distrital e suas variações. Nesse modelo, os estados são divididos em distritos e é eleito o mais votado em cada um deles. O sistema internacionalmente classificado como Single Non-Transferable Vote (SNTV), mas aqui batizado de distritão, existe em apenas 2% dos países. No anos 1990, o Japão abandonou o distritão sob alegação de que favorecia a lógica da disputa individual e estimulava casos de corrupção e caixa dois.

Nos últimos dias, cientistas políticos têm apontado problemas que o Brasil poderá aprofundar se adotar o distritão, como o alto custo das campanhas, a hiperpersonalização e o enfraquecimento dos partidos. Professor de ciência política da UFMG, Carlos Ranulfo argumenta que o distritão tende a manter os atuais deputados e, por isso, tem apoio na Câmara:

— O distritão não traz nenhuma insegurança para quem está propondo. Diz que fez uma reforma política mas, na verdade, essa mudança mexe muito marginalmente no quadro atual. No sistema atual, tendemos a desconfiar dos partidos, mas as pessoas esquecem que o eleitor também desconfia dos candidatos. Se mudamos para o distritão, daqui a cinco anos estaremos discutindo novamente uma reforma política.

O professor de ciência política da UFRJ Jairo Nicolau lembra que uma das principais promessas do distritão é acabar com a transferência de voto do sistema atualmente em vigor. Ele diz, contudo, que a transferência não é necessariamente ruim.

— Muitos estudos do sistema proporcional falam da transferência negativa, aquela de que você vota em alguém e elege outro candidato. Mas é importante lembrar que você votou em alguém do mesmo time, do mesmo clube, do mesmo partido. Esse voto vai para esse time. O sistema proporcional pressupõe que esse time esteja junto. Num time de futebol, dificilmente você gosta de todos os jogadores, mas você não deixa de torcer por seu time por causa disso. No distritão, a lógica não é o conjunto, mas os indivíduos — compara.

O cientista político Marcus André Mello, professor da UFPE, acredita que os problemas atuais do sistema poderiam ser resolvidos com a inclusão de cláusulas de barreira, proibição de coligações e reforma do horário eleitoral. Sobre o impacto do distritão, Mello diz que haverá uma redução de até 800% do número de candidatos:

— As simulações divulgadas ignoram isso. A coordenação do eleitorado será dificílima e grandes partidos podem perder votos.

Câmara vota nova regra para eleger deputados

Votação da reforma política começa pelo sistema eleitoral

• Plenário também vai apreciar o financiamento das campanhas, o fim ou não da reeleição e o tempo e a coincidência dos mandatos

Ricardo Della Coletta, Daiene Cardoso e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em reunião do colégio de líderes realizada nesta segunda-feira, 25, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), definiu a ordem de votação, que deve começar amanhã, dos itens da reforma política. Momentos antes,Cunha havia cancelado a votação do relatório final da comissão especial criada para analisar o tema e avocou a análise do tema para o Plenário, onde pode manobrar com mais facilidade para aprovar pontos os quais defende.

Pelo acertado com os líderes da Câmara no encontro, os deputados começarão a votar nesta terça as mudanças no sistema eleitoral. A ideia é que eles elejam entre o voto em lista, o distrital misto, o distritão, o distritão misto ou a manutenção do modelo atual.

Na maratona de deliberações sobre reforma política, os parlamentares vão discutir ainda o financiamento das campanhas, o fim ou não da reeleição, o tempo e a coincidência dos mandatos, entre outros pontos. Entre os parlamentares, existe a leitura de que dificilmente os itens alcançarão a maioria de 308 votos necessária para a aprovação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC).

Pela extensão dos itens que serão abordados e pela falta de consenso, líderes partidários avaliaram que dificilmente as votações serão concluída em uma única semana. O líder do Solidariedade, Arthur Oliveira Maia (SD-BA), disse que a Câmara precisará de ao menos duas semanas.

Na mesma reunião, foi fechado um acordo de não obstrução, mas os parlamentares também encaram esse compromisso com ceticismo. "Vamos defender o regimento", disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS), um dos maiores críticos à determinação de Cunha de puxar as votações da reforma política para o Plenário.

Cunha submeterá distritão e doações privadas ao plenário

• Presidente da Câmara descarta trabalho de comissão especial da reforma política

• Peemedebista foi acusado de autoritário e desrespeitoso pelo colega Marcelo Castro, relator da reforma

Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Após descartar o trabalho da comissão especial que debateu a reforma política nos últimos meses, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu colocar em votação nesta terça (26) uma nova proposta de reforma, focada no distritão e na manutenção do financiamento privado das campanhas.

Cunha comandou nesta segunda o sepultamento da comissão, que ameaçava aprovar propostas diferentes das que ele defende. Num almoço, fechou com líderes governistas votação direta no plenário.

Com isso, o colegiado que debateu as propostas encerrou seus trabalhos sem votar um relatório, o que irritou vários de seus integrantes.

O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), relator da comissão, disse que Cunha foi "autoritário e desrespeitoso" e que um trabalho de meses será substituído por um texto feito em cinco minutos.

"O que se pretende, na verdade, é fazer uma contrarreforma que assegure a constitucionalização do financiamento empresarial dos partidos", disse Chico Alencar (PSOL-RJ), que também fez parte da comissão especial.

Cunha disse que uma votação na comissão, que em sua visão não representaria a vontade da maioria da Casa, poderia engessar a análise da reforma política no plenário. O relator da votação desta terça será Rodrigo Maia (DEM-RJ), que presidiu a comissão.

"Ninguém foi feito de bobo. Ele [Castro] sabia há muito tempo qual era a vontade o presidente da Câmara e do partido dele", disse Maia.

Dois pontos terão prioridade. O primeiro trata da mudança do sistema de eleição dos deputados, que é proporcional. O PMDB defende a adoção do chamado distritão. PT e PSDB se uniram na defesa do distrital misto.

No modelo atual, a divisão de cadeiras na Câmara leva em consideração os votos aos candidatos a deputado de todos os partidos em cada coligação e os votos de legenda. No distritão, seriam eleitos simplesmente os mais votados em cada Estado, sem considerar votos nas legendas.

No sistema distrital misto, metade das cadeiras iria aos mais votados nos distritos em que cada Estado seria dividido. A outra metade --numa eleição em que só daria para votar em partidos-- seria distribuída proporcionalmente entre as siglas. Os eleitos seriam os nomes pré-definidos em listas pelas legendas.

O PT defendia originalmente um sistema só de listas fechadas, sem o distrital. Sem chances de passar, a ideia foi deixada de lado.

Doações
A outra prioridade de Cunha diz respeito ao financiamento das campanhas, que hoje recebem dinheiro público e doações privadas. A maioria dos deputados quer manutenção do modelo, com algumas travas (que seriam definidas em lei posterior), e sua inclusão na Constituição.

O objetivo é evitar que o STF (Supremo Tribunal Federal) proíba as doações de empresas. Em 2014, o julgamento da questão foi suspenso no tribunal quando já havia maioria definida contra as doações.

A inclusão das doações privadas na Constituição é defendida por Cunha e tem amplo apoio na Câmara, com exceção do PT, que defende financiamento 100% público.

A Câmara ainda pretende votar a manutenção ou não da reeleição para cargos executivos, a alteração no tamanho dos mandatos e o fim do voto obrigatório, esses dois últimos com pouca chance de aprovação.

Também irá a voto a unificação das eleições a cada quatro anos, cotas para mulheres, o fim das coligações de partidos nas eleições de deputados e vereadores e regras para barrar a proliferação de partidos nanicos.

Como se trata de emenda à Constituição, qualquer dessas alterações precisa do voto de pelo menos 308 deputados (60% do total), em dois turnos de votação. Todas as medidas têm que passar ainda pelo Senado.

'Falta cultura política aos meninos da marcha'

Entrevista. Miguel Reale Junior

• Jurista e ex-ministro critica movimento que acusa senador Aécio Neves de 'traidor' por ter desistido da tese de impeachment de Dilma

Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

Autor da petição de ação penal contra a presidente Dilma Rousseff que os partidos de oposição protocolam hoje na Procuradoria-Geral da República, o jurista Miguel Reale Junior, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, diz que o PSDB já tem pronto um parecer jurídico justificando o pedido de impeachment, mas ele não será usado agora.
Isso seria, segundo ele, desperdiçar "a bala de prata". Nesta entrevista ao Estado, Reale, que foi um dos signatários do parecer pedindo o impedimento do ex-presidente Fernando Collor, diz que os ativistas do Movimento Brasil Livre que criticam a iniciativa não têm "informação e cultura política".

Os meninos da marcha de São Paulo até Brasília pelo impeachment acusaram Aécio Neves de "traição" por ter desistido do impeachment. O que achou disso?

Os meninos da marcha têm que entender: não é porque fizeram diferente do que eles queriam que (o senador) virou um traidor da pátria. Há uma falta de informação e cultura política. O caminho da representação, que é mais seguro e está muito bem fundamentado, leva o procurador (geral da República, Rodrigo Janot) a ter que tomar uma medida.

O que acontece depois de protocolada a petição?

Ele (Janot) pode apresentar a denúncia com base nos elementos que serão apresentados (as pedaladas fiscais, que consistem no atraso no repasse de valores do Tesouro Nacional a bancos públicos para aumentar o valor do superávit primário). Uma vez apresentada a denúncia, o Supremo Tribunal Federal, obrigatoriamente, tem que solicitar autorização à Câmara. O presidente (da Casa) é obrigado a colocar em votação no plenário. Um pedido de processo que vem do Supremo por solicitação do procurador-geral chega com um peso. Janot eventualmente pode pedir também que se instaure um inquérito e uma investigação.

Os petistas e o governo sustentam que as "pedaladas fiscais" não ofendem a Lei de Responsabilidade Fiscal e que essa sistemática de pagamentos ocorre desde 2001. Portanto, passou pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Era bem diferente. Foi por um prazo muito exíguo, 15 dias, sem haver nenhum ocultamento. Agora foram reiteradas vezes, e com valores astronômicos. Não foi uma quantia mínima, uma antecipação de uma quantia por poucos dias. Foi por um longo prazo.

Então não caberia uma ação penal como essa contra FHC?

Eu não conheço direito os fatos, sei apenas que eram quantias muito irrisórias e por pouquíssimo tempo.

Por que é estrategicamente melhor entrar com a ação penal assinada pelo sr. e pela advogada Janaína Paschoal em vez de pedir o impeachment? Há, no PSDB, quem defenda deflagrar os dois processos.

As duas coisas não são incompatíveis. O efeito é o mesmo. O problem todo é o "timing". Sabe quantos pedidos de impeachment entraram (na Câmara)? Trinta. Todos foram indeferidos pelo presidente da Câmara. De qualquer forma, há também uma petição de impeachment preparada pelo partido e que teve a minha interferência. Participei da elaboração final. Consegui me convencer, por via de uma decisão do ministro Celso de Mello (do Supremo Tribunal Federal), da possibilidade do impeachment em relação a fatos do mandato anterior.

Essa segunda petição, a do impeachment, ficará na gaveta até quando?

Ainda não é o momento. Não é conveniente que se faça agora porque fatos novos devem ocorrer. São duas petições longas, de 60 páginas.

A bancada do PSDB insistiu muito na tese do impeachment. O sr. sentiu-se pressionado?

Os deputados do PSDB precisam reconhecer a contabilidade. Ela mostra que não há condições de levar a plenário. Mas os mesmos fatos que alicerçam o crime, também alicerçam o de responsabilidade.

Se o pedido de impedimento fosse feito agora e engavetado, nada impede que se tentasse novamente em outra ocasião.

O impeachment me parece ser uma bala de prata. Uma derrota da petição de impeachment na Câmara dos Deputados daria uma enorme vantagem para a presidente. Fatos novos estão acontecendo a toda momento.

Aécio tenta evitar polêmica com 'andarilhos' anti-Dilma

• Líderes e dirigentes tucanos temem ser hostilizados em razão da decisão do partido de abandonar tese do impeachment contra Dilma

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

Alvo recente de críticas e ironias do Movimento Brasil Livre, parlamentares do PSDB decidiram minimizar a marcha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff organizada pelo grupo que deve chegar amanhã ao Congresso Nacional.

A ideia original dos líderes da oposição era inflar o movimento para criar um fato político. Mas a tese do impeachment perdeu força internamente no partido, que preferiu investir em na tentativa de abrir, antes, uma ação penal contra a presidente em razão das "pedaladas fiscais" (o atraso nos repasses de valores do Tesouro a bancos públicos para aumentar o superávit primário).

Inconformados com a mudança de estratégia do PSDB, os ativistas passaram a chamar o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do partido, de "traidor", em vídeos e mensagens nas redes sociais.

A reação crítica dos "andarilhos" ao recuo pegou os parlamentares tucanos de surpresa.
Embora não tenham debatido oficialmente o assunto, líderes e dirigentes tucanos temem ser hostilizados e reclamam da "intolerância" do grupo.

Alvo dos ataques, Aécio optou por não polemizar com os líderes da marcha, que no seu melhor momento reuniu cerca de 30 pessoas. Mas também decidiu não se juntar ao grupo.

Anteontem, ele escreveu um tuíte prestando solidariedade aos ativistas da marcha que foram vítimas de um acidente na noite de sábado. Líder do MBL, Kim Kataguiri respondeu com ironia:

"Aécio Neves, obrigado. Lhe aguardamos no dia 27 para marchar conosco. Espero que não tenha nenhuma viagem marcada para NY". Foi uma referência ao fato de Aécio e outros tucanos estarem em Nova York semanas atrás no momento em que Luiz Fachin, indicado de Dilma ao STF, era sabatinado no Senado.

Planalto desiste de unir PT e monta tropa pró-ajuste

Acerto de contas: Toque de reunir

• Dilma cobra fim de cisões que ameaçam ajuste fiscal; Levy diz que "o dinheiro acabou"

• Momento delicado. Mercadante e Levy na entrevista em que defenderam o ajuste fiscal. Ministro da Fazenda disse que é preciso repensar o gasto de recursos públicos a longo prazo

Geralda Doca, Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Eliane Oliveira, Gabriela Valente, Fernanda Krakovics e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Diante das divergências entre os ministros da área econômica, evidenciadas sexta-feira com a ausência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao anúncio dos cortes no Orçamento, o Palácio do Planalto deflagrou ontem uma ofensiva para evitar a rejeição do ajuste fiscal no Congresso. A presidente Dilma Rousseff convocou nove ministros e tentou organizar a tropa para mostrar que a posição do governo é única. Esta é uma semana decisiva para a votação das medidas provisórias 664 e 665 (que alteram as regras das pensões e restringem o acesso aos benefícios trabalhistas). Caso não sejam aprovadas, as MPs perderão validade na próxima segunda-feira, o que afetará a credibilidade na condução da economia, com fuga de investidores.

Ao chegar ao Ministério da Fazenda ontem, o ministro Joaquim Levy, foi enfático ao defender o ajuste e frisou que o país precisa repensar o gasto de recursos públicos a longo prazo e avisou: "acabou o dinheiro". Levy citou como desafio a obtenção de recursos para financiar os projetos de infraestrutura:

- Vamos ver como reorganizamos o financiamento de longo prazo, agora que acabou o dinheiro e aquele modelo mais baseado em recursos públicos. Esses recursos acabaram - disse ele.

Dilma escala Levy para entrevista
Se na sexta-feira Levy evitou dar declarações durante o anúncio dos cortes, que reservadamente não considerou suficientes, ontem ele começou o dia concedendo entrevistas. Desmentiu divergências no governo, defendeu o contingenciamento e as medidas de ajuste. Na tentativa de pôr panos quentes na ausência de Levy no anúncio de corte no Orçamento da União, a presidente Dilma Rousseff o escalou para dar entrevista ontem após a reunião de coordenação político do governo - uma tentativa de passar a mensagem de que não há ruídos na equipe econômica e acalmar o mercado.

Sobre a insatisfação de Levy com o valor do contingenciamento, um ministro contemporizou: disse que o colega da Fazenda sabe que o corte de R$ 69,9 bilhões foi feito "no osso" e é o maior bloqueio de recursos já feito no Orçamento.

- É hora de se unir, mostrar uma posição única. O governo não pode fraquejar neste momento - disse um interlocutor do Planalto.

Mercadante fala em "ampla maioria"
O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que o governo tem informações de que as três medidas provisórias que serão analisadas pelo Senado esta semana - 664, 665 e 668 - serão aprovadas por "ampla maioria", apesar de traições no próprio PT. Ao defendê-las, Mercadante disse que as mudanças no acesso aos benefícios trabalhistas estão sendo feitas para corrigir distorções. Citou o aumento do limite mínimo trabalhado para que o funcionário tenha direito ao seguro-desemprego (dos atuais seis meses para 12 meses):

- Temos que criar uma cultura de que as pessoas crescem na vida trabalhando, e não quando eu saio do trabalho (demitido). Há uma distorção.

Levy não foi ao anúncio dos cortes no Orçamento para marcar posição, pois estaria irritado com o valor decidido. Ontem, porém, chamou de "adequado" o contingenciamento divulgado pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Alternativa ao fator previdenciário
No início da noite, Barbosa e o ministro da Previdência, Carlos Gabas reiteraram que o governo promete apresentar em pelo menos 60 dias uma proposta que acabe com o fator previdenciário - sinal de que Dilma deverá vetar a medida, se ela for aprovada no Senado.

- Para substituir o fator, é necessário colocar alguma coisa no lugar, e alguma coisa que dê sustentabilidade à Previdência. É por isso que (o governo) não concordou com o que foi aprovado na Câmara - disse Barbosa, admitindo a possibilidade de se criar uma idade mínima para a aposentadoria.

A pedido do governo, o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), estudará novas alterações em seu relatório sobre o projeto que aumenta a contribuição previdenciária de empresas beneficiadas pela desoneração da folha de pagamentos. Em reunião ontem com Levy, Mercadante e o vice-presidente Michel Temer, Picciani ouviu a sugestão de que considere alíquotas intermediárias para os setores que elle desejava excluir totalmente do projeto, como os de comunicação social, transporte terrestre de passageiros e cesta básica.

Picciani só deve apresentar seu relatório em duas semanas, para votação em plenário a partir de 10 de junho. 

Resfriado na hora H: Uma versão engasgada

• Levy chega a tossir, ao repetir que gripe o fez faltar a anúncio de corte

Catarina Alencastro - O Globo

BRASÍLIA - Três dias após faltar ao anúncio do contingenciamento do Orçamento, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, provocou risos ontem ao reiterar que sua ausência não estava relacionada à insatisfação com o volume do corte anunciado. Ele deu a mesma justificativa da semana passada e disse que estava gripado. No meio de sua fala, fez uma pausa para tossir, na entrevista concedida no Palácio do Planalto.

- Não houve nenhuma divergência, nem nada, eu realmente estava não sei se gripado ou resfriado, enfim (pausa para a tosse que causou risos). Houve certo alvoroço em cima dessa história, não entendi muito bem o porquê, até porque expliquei exatamente o que estava acontecendo? Mas, enfim, é dado o direito de todo mundo se alvoraçar - disse.

Ao ser perguntado sobre boatos de que deixaria o governo, completou:

- Não, não pensei em nada de sair.

Na entrevista, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, resolveu brincar e pediu aos jornalistas que não especulassem sobre a ausência do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na reunião da manhã com a presidente Dilma:

- Para evitar especulação: o ministro Nelson Barbosa não veio hoje, mas não pegou a gripe do Levy. Está numa atividade com investidores.

Mas Barbosa não estava nessa atividade. Com fortes dores nas costas, foi ao hospital e de lá para casa, onde estava medicado na hora da coletiva.

Com três senadores rebelados, PT desiste de fechar questão na bancada

• Líder do partido no Senado diz, porém, que maioria votará a favor do ajuste

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto jogou a toalha e não pretende tentar enquadrar senadores do PT contrários ao ajuste fiscal. A avaliação é que seria inócuo e causaria um desgaste desnecessário. Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) afirmou ontem que as dissidências na bancada são "insignificantes" e que não haverá fechamento de questão, ou seja, os petistas estão liberados para votar como quiserem.

- O PT vai votar, na sua maioria esmagadora, pelo ajuste. Vamos tentar convencer os dissidentes, mas não sei se isso será possível. Esse número é insignificante perante o tamanho da bancada - afirmou.

LÍder tenta acordo com Paim
Dos 13 senadores do PT, três estão rebelados: Lindbergh Farias (RJ), Paulo Paim (RS) e Walter Pinheiro (BA). O líder da bancada disse que há uma negociação em curso com Paim para que ele vote a favor das medidas provisórias, se a presidente Dilma Rousseff não vetar a flexibilização do fator previdenciário. Mas não há garantia de que isso acontecerá.

Na reunião de coordenação política do governo, ontem, foi criado um comitê técnico para propor alternativas ao fator previdenciário. A ideia é obter uma proposta intermediária que crie condições políticas para que Dilma vete a fórmula 95/85 aprovada pela Câmara e que prevê o fim dos descontos na aposentadoria para aqueles cuja soma da contribuição com a idade for 85 anos (mulheres) e 95 anos, (homens).

Críticos do ajuste fiscal, Paim, Lindbergh e Pinheiro apresentaram ontem requerimento para retirar do texto da Medida Provisória 665 a alteração na regra de pagamento do abono salarial. "Assim, estaríamos preservando o que a Constituição Federal garante ao trabalhador brasileiro, quanto ao pagamento do abono salarial, um salário mínimo e um mês de carência", diz a justificativa do requerimento.

Recado de Temer não agradou
Ministros afirmam que a maioria da bancada votará a favor. Mesmo assim, auxiliares da presidente não gostaram do recado enviado pelo vice-presidente e articulador político do governo, Michel Temer: em entrevista à "Folha de S. Paulo", ele cobrou o enquadramento do PT. Como o Planalto diz estar de mãos atadas, a avaliação é que Temer criou um desgaste desnecessário.

Planalto prestigia Levy, que classifica contingenciamento como ‘adequado’

• Para acalmar o mercado e superar a insatisfação do titular da Fazenda com o tamanho do corte e o rumo das medidas do pacote no Congresso, governo reafirma seu papel de condutor do ajuste

Tânia Monteiro, Ricardo Della Coletta, Rafael Moraes Moura, Victor Martins, João Villaverde, Bernardo Caram, Lorenna Rodrigues e Rachel Gamarski - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Para dissipar as notícias de divergências na equipe econômica em uma semana decisiva para o ajuste fiscal no Congresso e acalmar o mercado financeiro, o Palácio do Planalto escalou ontem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para uma entrevista após reunião da coordenação política com a presidente Dilma Rousseff e reafirmou seu papel de fiador do reequilíbrio das contas do governo. Levy disse que o corte de R$ 69,9 bilhões veio no valor “adequado”, mas fez também um alerta sobre a queda nas receitas deste ano.

“A arrecadação não tem atendido às necessidades do governo. A arrecadação tem sobrevivido de receitas extraordinárias, como o Refis”, afirmou Levy ao chegar à Fazenda, no começo da manhã. “As receitas não têm sido muito significativas. As receitas previstas no Orçamento não têm conexão com a realidade da arrecadação.”

Previsão. Dados do Ministério do Planejamento dão razão ao titular da Fazenda. Na proposta orçamentária enviada ao Congresso no ano passado, o governo previa arrecadação de R$ 1,466 trilhão. O Orçamento aprovado pelos parlamentares teve as receitas federais reduzidas para R$ 1,448 trilhão, mas a equipe econômica fez novo cálculo ao editar o decreto do contingenciamento: R$ 1,372 trilhão. Se essa previsão também não for confirmada - uma possibilidade não descartada por completo -, a Fazenda cogita recorrer a novos aumentos de tributos.

Mesmo antes da reunião com Dilma, Levy tratou de dissipar notícias de que estaria insatisfeito com os rumos do ajuste fiscal, após sua ausência no anúncio do contingenciamento, na sexta-feira - só o titular do Planejamento, Nelson Barbosa, esteve presente. O ministro da Fazenda defendia um corte mais severo, próximo de R$ 80 bilhões. Ontem, pôs panos quentes na polêmica. “O contingenciamento ocorreu no valor adequado e é uma das políticas que estão sendo colocadas em prática.”

Na reunião de Dilma com a coordenação política sobre as votações das MPs do ajuste no Congresso, a ausência, desta vez, foi de Barbosa, que alegou dores lombares para faltar ao encontro (Mais informações abaixo). Após a conversa com a presidente, Levy e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, participaram juntos de uma entrevista coletiva, num sinal de apoio do governo ao ministro da Fazenda. Levy negou divergências com o colega do Planejamento e foi direto no recado sobre uma eventual saída do governo. “Não, eu não pensei em nada de sair”, afirmou o ministro.

Votações. Prestigiar o ministro da Fazenda é estratégico para o governo em uma semana considerada “definitiva” para os rumos do ajuste fiscal. Três medidas provisórias editadas para recompor o caixa do governo precisam ser votadas pelo Senado até segunda-feira, para não perderem a validade. Entre elas, a prioridade é a MP 665, que endurece o acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial e que, nas contas do governo, deve gerar economia de R$ 5 bilhões neste ano. Parte dos senadores, inclusive petistas, resiste a aprovar as MPs do jeito que o governo quer.

Na terceira entrevista do dia, ao sair de reunião na Vice-Presidência, Levy respondeu assim ao Estado, quando questionado se poderia deixar o governo caso não conseguisse atingir o ajuste desejado: “Só tratamos de coisas reais. De fatos. Isso não foi discutido. Discutimos como fazer para votar as medidas provisórias esta semana. Nossa preocupação, nossa prioridade é com o tema da desoneração”. “Vocês estão muito excitados.”

A economia sob efeito da gripe e dor lombar

• Desencontros entre Joaquim Levy e Nelson Barbosa, justificados por problemas de saúde, provocam desconfiança

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Não está fácil unir os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, em um mesmo evento público, o que estimulou os comentários no mercado e no governo de que os dois andam se estranhando. A explicação oficial para os desencontros dos titulares da equipe econômica é que as condições de saúde da dupla não andam das melhores. O relacionamento, juram ambos, segue muito bem, obrigado.

Na sexta-feira, Barbosa anunciou o contingenciamento de R$ 69,9 bilhões promovido pelo governo Dilma Rousseff sem Levy. A explicação: uma gripe teria abatido o titular da Fazenda e o impedido de estar ao lado do colega. Ontem, os papéis se inverteram. Enquanto Levy respondia a perguntas de jornalistas ao lado do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e via ser reafirmada pelo governo sua posição de fiador do ajuste fiscal, Barbosa era o ausente, pois estaria enfrentando dores na coluna.

Já pela manhã, a assessoria do Ministério do Planejamento avisou à imprensa em Brasília que Barbosa não participaria da abertura de um seminário internacional sobre infraestrutura nem de reunião de Dilma com ministros da área política e econômica para tratar das votações do ajuste fiscal nesta semana. A justificativa foi um "problema na lombar".

Só que essa explicação não chegou a Mercadante. Em entrevista após a reunião com Dilma, ele avisou, "para evitar especulações", que "Nelson Barbosa não veio, mas não pegou a gripe do Levy". O chefe da Casa Civil afirmou que Barbosa estava em uma convenção com investidores.

À tarde, a assessoria do Planejamento informou que o ministro foi ao médico pela manhã e, após ser medicado, decidiu despachar em seu gabinete na Esplanada. No começo da noite, Barbosa apareceu ao lado do ministro da Previdência, Carlos Gabas, para defender a necessidade de aprovação da MP 664, que altera benefícios do INSS.

Tosse. Na entrevista da manhã com Mercadante, Levy foi questionado sobre a ausência na sexta-feira e sobre desavenças com o titular do Planejamento. Negou qualquer divergência com o colega e repetiu a explicação dada por sua assessoria na semana passada e pelo próprio Barbosa. Para tentar convencer os repórteres da gravidade da gripe, Levy chegou a ensaiar uma tosse, que provocou risos na plateia.

Se a gripe de sexta-feira ainda provocava desconfianças, ontem Levy apareceu à tarde, após reunião no gabinete do vice-presidente Michel Temer, visivelmente abatido. Mesmo assim, fez questão de dizer que estava "se sentindo super energético". E ironizou: "É esse clima daqui. Esse clima de Brasília...".

Para construtoras, cortes no Orçamento podem parar obras e elevar demissões

• Indústria da construção afirma que redução de recursos para o PAC e o Minha Casa Minha Vida terão efeito direto em um setor que já vive um período conturbado, com cortes acumulados de 290 mil pessoas entre os meses de outubro e abril

Renée Pereira - O Estado de S. Paulo

Os cortes no Orçamento Federal anunciados na sexta-feira devem ter um impacto profundo em um setor que já atravessa um momento difícil: a construção civil. Segundo empresários, a redução no volume disponível de recursos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e para o programa Minha Casa, Minha Vida deve levar à paralisação de obras e aumentar as demissões no setor, que já estão em nível muito alto.
No total, os dois programas - considerados as principais bandeiras do governo Dilma Rousseff - terão redução de quase R$ 33 bilhões no orçamento. O volume representa quase metade de todo o corte orçamentário, de R$ 69,9 bilhões.

"Ninguém tem dúvida de que o ajuste fiscal é necessário para o País, mas basear os cortes em investimentos é muito ruim", afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Rodrigues Martins. Ele destaca que, antes mesmo do corte, o setor já vinha sofrendo com o desaquecimento da economia (e também com os efeitos da Operação Lava Jato). Só no período entre outubro de 2014 e abril deste ano, a indústria da construção perdeu 290 mil postos de trabalho - número que deve se acelerar daqui para frente, diz o executivo.

As expectativas ruins para a construção estão expressas em dados divulgados ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O nível de atividade do setor atingiu o menor nível da história, segundo a Sondagem Indústria da Construção, realizada pela entidade. O indicador que mede o nível de atividade em relação ao usual chegou a 29,4 pontos em abril, ante 30,6 pontos em março. Em abril do ano passado, o índice estava em 42,6 pontos. A série da CNI teve início em dezembro de 2009 e, pela metodologia usada, os valores variam de zero a 100 pontos, sendo que números abaixo dos 50 pontos apontam cenário de queda.

Cenário. Para Martins, da Cbic, a principal preocupação do setor agora é o que vai ocorrer com as obras em andamento, já que não haverá dinheiro para pagar toda a conta. Desde o ano passado, o setor vem sofrendo com os constantes atrasos nos pagamentos das faturas de várias obras executadas. Até a semana passada, as contas em atraso do governo federal com as empresas somavam R$ 4,8 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão referente ao Minha Casa Minha Vida, R$ 1,8 bilhão de obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o restante de obras do PAC, segundo dados da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop).

No anúncio dos cortes, na sexta-feira, no entanto, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que o orçamento do Minha Casa Minha Vida foi preservado e ficou em R$ 13 bilhões - o valor aprovado inicialmente para o programa, no entanto, era de R$ 19,9 bilhões. Segundo ele, o valor é "compatível com o esforço" de contenção de gastos e garante o término das obras que estão com ao menos 70% de andamento. "Isso vai incluir uma adequação do cronograma dos projetos que têm um porcentual abaixo dos 70%", revelou.

Segundo ele, os projetos serão mantidos, mas o ritmo vai se adequar ao "novo limite orçamentário". "O ritmo de execução é que vai ter de se adequar ao novo limite financeiro", disse. Ele também afirmou que a previsão de gastos no programa prevê o lançamento da terceira fase do Minha Casa Minha Vida, no segundo semestre.

Para o diretor executivo da Apeop, Carlos Eduardo Lima Jorge, porém, adequar o orçamento significa prolongar os cronogramas das obras, estendendo os prazos dos contratos. Isso deve resultar em diminuição do ritmo das obras e, em muitos casos, elevação do valor do empreendimento, já que a mudança no cronograma implica aumento das despesas fixas. No Minha Casa, como a margem de ganho é menor, poderá haver interrupção de obras.

O que se avalia, diz Lima Jorge, é paralisar os projetos cujas obras estejam com execução inferior a 10% do total. Na faixa entre 10% e 60%, os cronogramas poderiam ser alongados. Os projetos com execução superior a 60% teriam prioridade no orçamento. O executivo afirma que entre 15% e 18% das obras do programa estão na faixa de até 10% de execução.

Na opinião do analista de mercado imobiliário do JP Morgan, Marcelo Motta, os segmentos mais populares do Minha Casa, Minha Vida devem ser os mais afetados pelos cortes. "Como as faixas 1 e 2 do programa dependem mais de subsídio do Tesouro, imaginamos que essas serão as mais impactadas." Para ele, ainda há dúvidas sobre o futuro do programa, que só devem ser esclarecidas com o anúncio da terceira etapa.

Segundo Lima Jorge, uma das grandes preocupações do setor é que o ajuste fiscal terá reflexo em cadeia para investimentos de Estados e municípios. "E o impacto na economia poderá ser uma recessão mais profunda do que se espera", afirma o presidente da consultoria InterB, Cláudio Frischtak.

Para piorar, a defasagem de investimento representará degradação da infraestrutura nacional.

"O Brasil investe entre 2% e 3% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano no setor. Pelos padrões internacionais, esse é o investimento necessário apenas para manter o que existe, não para expandir os serviços. Se não fizermos nem isso, a qualidade da infraestrutura piora muito", diz Martins, da Cbic. / Colaboraram Anne Warth e Lucas Hirata

Governo monta 'dia do fico' de Levy para acalmar o mercado

• Ministro falou com a imprensa duas vezes e Planalto assegurou a analistas que apoia o titular da Fazenda

• Dólar, que no início do dia chegou à maior alta em 2 meses, recuou depois das entrevistas dadas em Brasília

Valdo Cruz, Marina Dias, Sofia Fernandes, Natuza Nery e Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo Dilma e o ministro Joaquim Levy (Fazenda) montaram um roteiro nesta segunda-feira (25) para afastar rumores de que ele deixaria o cargo. A possibilidade foi aventada após a ausência de Levy no anúncio do corte de R$ 69,9 bilhões no Orçamento na sexta-feira (22).

A estratégia desta segunda incluiu entrevistas do ministro, uma delas ao lado de Aloizio Mercadante (Casa Civil), e contatos de integrantes do governo com analistas de mercado garantindo que Levy continua tendo o apoio da presidente Dilma e não pretende sair do ministério.

O mercado financeiro, que começara o dia fortemente influenciado pelas dúvidas sobre a permanência de Levy, passou a ajustar suas cotações após a operação do governo.

Na Bolsa, o principal índice da BM&FBovespa, o Ibovespa, chegou a cair até 0,75%, mas fechou em alta de 0,43%, aos 54.609 pontos.

No câmbio, o dólar comercial, usado no comércio exterior, chegou a bater R$ 3,135 durante o pregão, mas recuou e fechou a R$ 3,098.

Fora do padrão
Logo pela manhã, Levy, que é pouco afeito a falar com jornalistas na entrada do ministério, deu as primeiras declarações do dia. "Acho que o contingenciamento foi no valor adequado", afirmou, defendendo o corte. Internamente, ele defendera um bloqueio maior, na faixa de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões.

O ministro afirmou que o corte foi necessário porque as receitas previstas no Orçamento, aprovado um mês atrás, "não têm conexão com a realidade da arrecadação".

Mais tarde, Levy participou da reunião de coordenação política com a presidente Dilma. Seu colega Nelson Barbosa (Planejamento) não compareceu. A justificativa foi uma consulta médica para tratar de dores nas costas.

Os dois ministros divergiram em relação ao tamanho do corte e esse teria sido um dos motivos da ausência de Levy no anúncio do bloqueio na sexta. O titular da Fazenda também teria ficado irritado com o Planalto pela forma como foi conduzida a divulgação do aumento de tributos para os bancos, na quinta (21).

Ao final da reunião com a presidente, Levy deu nova entrevista, ao lado de Mercadante. O objetivo foi sinalizar que o governo continua unido na defesa do pacote fiscal e que o ministro da Fazenda segue firme na equipe.

Alvoroço
Questionado por jornalistas, Levy falou pela primeira vez publicamente sobre sua decisão de faltar à divulgação do corte. "Não pensei em nada de sair", disse. Afirmou ainda que não houve divergências sobre o tamanho do corte. "Estava realmente resfriado ou gripado. Houve um certo alvoroço em torno dessa história, mas eu expliquei o que estava acontecendo."

Na entrevista, Levy chegou a tossir ao microfone, arrancando risadas dos presentes. Ele também fez uma defesa do ajuste e pediu agilidade ao Senado para votar as medidas do pacote fiscal. Segundo o ministro da Fazenda, "delongas não favorecem a retomada do crescimento".

Buscando mostrar sintonia com o colega, Mercadante justificou o corte de R$ 69,9 bilhões com o mesmo discurso de Levy. "Nós não temos a receita para podermos executar o Orçamento que foi aprovado tardiamente."

Levy reforçou seu discurso de que, sem equilíbrio fiscal, a economia não vai se recuperar. "É uma ilusão pensar que as pessoas vão investir se elas virem problema fiscal. É uma ilusão que alguém vai botar dinheiro em infraestrutura (...) se as pessoas têm receio de que em dez anos a Previdência vai estar em desequilíbrio grave."

Sobre novos aumentos de impostos, o ministro afirmou: "Tem que ir com calma na parte de imposto. Não adianta inventar novos impostos como se isso fosse salvar a economia. A gente tem uma questão mais profunda que não se resolve com coisas fáceis, por mais emocionantes que possam ser".

Dilma promete a Temer enquadrar senadores do PT

Valdo Cruz, Marina Dias, Gabriela Guerreiro – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em conversa privada com o vice-presidente Michel Temer, a presidente Dilma prometeu unificar o discurso de apoio ao ajuste fiscal dentro do governo e enquadrar os senadores petistas que ameaçam votar contra o pacote.

O encontro ocorreu na manhã desta segunda (25). Temer disse que, se o Palácio do Planalto não enquadrasse o PT, o risco de derrota no Senado na votação das medidas era elevado. A expectativa é que as mudanças propostas em benefícios trabalhistas e previdenciários sejam votadas nesta terça (26).

Temer reclamou ainda que setores do governo estão trabalhando contra alguns pontos do ajuste fiscal, o que fragilizava suas negociações.

Segundo a Folha apurou, Dilma disse que iria acabar com as "dubiedades" de posição no governo e prometeu entrar em contato diretamente com alguns senadores petistas, como Paulo Paim (RS).

A presidente determinou que os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Comunicações) e o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), definam com Temer a estratégia para fazer com que pelo menos 11 dos 13 senadores do PT votem com o Planalto.

Mesmo com o aceno do governo de vetar a carência de três meses para que ocorra o acesso ao abono salarial de até dois salários mínimos, pelo menos dois senadores petistas mantêm a decisão de derrubar a medida provisória 665 (que restringe benefícios trabalhistas): Paim e Lindbergh Farias (RJ).

Na votação da MP 664 (benefícios previdenciários), a ala rebelde do PT promete se aliar à oposição para tentar derrubar a medida, aprovando apenas a mudança no cálculo das aposentadorias. Durante a votação na Câmara, os deputados incluíram uma alternativa ao chamado fator previdenciário.

Os governistas temem que as MPs percam a validade se forem alteradas no Senado, já que "caducam" no dia 1º de junho.

Há uma corrente de congressistas, aliados de Dilma, que defende que o Senado deixe a MP 664 perder a validade diante das perdas esperadas com a alternativa ao fator previdenciário.

Lula pede a Dilma que libere R$ 8 bi do PAC para São Paulo

• Verba serviria para 'criar uma marca na periferia' para o prefeito Fernando Haddad, pré-candidato à reeleição

• Dinheiro iria para 55 mil moradias e corredores de ônibus, mas esbarra no esforço do governo em apertar os cintos

Natuza Nery Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Preocupado com o cenário eleitoral em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a liberação de recursos federais para ajudar o prefeito Fernando Haddad, pré-candidato do PT à reeleição na capital paulista.

A administração municipal espera, desde o ano passado, o repasse de aproximadamente R$ 8 bilhões oriundos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O montante seria destinado à reurbanização de favelas e outros projetos. Mas a liberação da verba ainda não recebeu o aval da presidente Dilma Rousseff.

Nos bastidores, a avaliação é a de que, sem esses investimentos, Haddad terá ainda mais dificuldades para ser reconduzido ao comando da maior cidade do país.

Lula apresentou a demanda a Dilma em reunião na sexta (22) na Granja do Torto, uma das residências oficiais da presidente, em Brasília.

O ex-presidente também cobrou que ministros petistas com base eleitoral em São Paulo desembarquem no Estado para fazer agenda política e, com isso, "ocupar espaço" em prol de Haddad.

Na avaliação interna, os R$ 8 bilhões do PAC serviriam para ajudar a criar uma "marca na periferia" para Haddad, dando impulso ao propósito de sua reeleição.

Pesquisas mostram a dificuldade do prefeito nesse estrato social. Levantamento do Datafolha apurado em fevereiro deste ano mostrou que sua gestão foi considerada ruim ou péssima por 44% dos paulistanos. A taxa é semelhante nas faixas de menor renda, onde os petistas tradicionalmente costumam ter melhor desempenho.

O cenário eleitoral é considerado "difícil". Daí o esforço para melhorar a conexão com a população mais pobre. Hoje, esse espólio ainda é da ex-prefeita Marta Suplicy, que deixou o PT para desafiar Haddad no ano que vem --a tendência é que ela se filie ao PSB para disputar a eleição.

Periferia
O dinheiro defendido por Lula para a cidade de São Paulo seria usado na construção de 11 corredores de ônibus, 12 obras de prevenção de enchentes e moradias para 55 mil famílias.

Petistas já não escondem um prognóstico desanimador para o ano que vem. A maioria teme a derrota nas urnas dos grandes centros urbanos.

O desgaste é motivado pela impopularidade da gestão petista em âmbito federal, somada à rejeição crescente ao PT em diversos redutos.

O escândalo de corrupção na Petrobras, desvendado pela Operação Lava Jato, ajudou a corroer a imagem da legenda e de seus representantes.

Por essa razão, investimentos extras são considerados cruciais para dar competitividade à candidatura do petista em São Paulo.

O repasse, no entanto, esbarra no esforço do governo federal em apertar os cintos para economizar dinheiro do Orçamento.

Na mesma sexta-feira em que Lula pedia transferências do PAC para ajudar Haddad, o governo federal anunciava um corte de R$ 25,9 bilhões no próprio programa.

Apesar do empenho do ex-presidente, ministros são céticos quanto ao sucesso da demanda. "Está difícil pensar numa ajuda assim. Talvez o prefeito precise se virar sozinho", afirmou um deles, sob condição de anonimato.

Merval Pereira - Crise petista

- O Globo

Em meio à crise política que envolve o governo petista, coube a Marco Aurélio Garcia, assessor especial do Palácio do Planalto, fazer a mais realista análise sobre o momento político negativo por que passa o Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar há 35 anos.

Especialista em política externa, mas um dos mais importantes pensadores do PT, Garcia fez um duro alerta, sábado, durante o congresso estadual do partido, em São Paulo.

"As classes dominantes estão em clara ruptura conosco, e, se não tomarmos cuidado, parte da nossa base social histórica também estará", afirmou, talvez para espanto dos poucos militantes presentes.

O próprio Marco Aurélio registrou com crueza: "Como fundador e alguém que militou 35 anos no partido, nunca vi uma reunião do PT tão vazia como esta, quando no passado se disputava um crachá. Isso é um sintoma grave de uma crise que nos atinge de forma objetiva e subjetiva".

O problema é que, se o diagnóstico está correto, a receita de Garcia para superar a crise está completamente equivocada, e serve só para aprofundá-la. Ele defendeu o retorno urgente do PT a seus "compromissos históricos" depois de superada a fase de ajuste fiscal.

"Temos que propor, no imediato, que essas correções que estão sendo feitas do ponto de vista fiscal possam efetivamente permitir que, daqui a uns poucos meses, nós estejamos com esse problema resolvido e que possamos, então, aplicar políticas que são aquelas que vão garantir ao segundo governo Dilma uma qualidade, uma força, uma transformação importante", complementou.

Esqueçamos o fato de que, na sua análise, não existe uma só palavra sobre a crise moral que tomou conta do partido desde que o mensalão veio à tona, revelando uma manipulação política que distorce a democracia representativa.

Só que, mesmo que o ajuste fiscal acabe prevalecendo no Congresso, demorará muito tempo para que a economia volte a crescer. Ainda mais se as restrições, que cada vez mais aparecem de setores petistas, limitarem seus efeitos nos próximos dois anos, que já estão prejudicados em termos de crescimento econômico.

Este ano teremos crescimento negativo que pode chegar a - 2%, e para 2016 o prognóstico, por melhor que seja, é de crescimento do PIB por volta de 1%. A média de crescimento do 1º governo Dilma, de 2011 a 2014, foi de 2,2% ao ano, e a perspectiva dos dois primeiros anos do novo mandato piora o que já era ruim.

Não há como um país que cresce a uma média dessas poder sustentar os programas sociais e ainda os investimentos necessários para um crescimento sustentável.

Portanto, dificilmente o PT chegará em 2018 em condições de competitividade eleitoral, como já admitiu o próprio Lula, que não vê chances de concorrer à Presidência se o governo Dilma não se recuperar.

Também o senador Lindbergh Farias, que vocaliza a área descontente do PT, diz em claro e bom som que o programa de ajustes de Joaquim Levy tira as condições de o PT lançar Lula em 2018. Só que nem Lindbergh nem Marco Aurélio Garcia apresentam alternativa viável ao programa de ajustes.

Garcia chega perto ao afirmar que a conjuntura atual não permite a repetição da bonança dos anos Lula. "Tenho absoluta convicção de que encerramos um ciclo importante da nossa História", disse.

"Nós vivíamos um momento de ganha-ganha. Todos podiam ganhar, os trabalhadores, os pobres, as classes médias, até os industriais e banqueiros. Havia um reordenamento da economia brasileira que permitia que todos ganhassem. Acabou. Não há mais essa possibilidade", afirmou.

O problema do PT é que essa conclusão leva ao caminho errado para recuperar a credibilidade. Em vez de reformas estruturais necessárias para garantir um crescimento sustentável a longo prazo - vistas como neoliberais -, a receita é insistir em mais do mesmo. Garcia admite que "os militantes não se sentem mais representados pelo PT. Isso significa que perdemos a batalha política. Isso é, sim, responsabilidade do governo, mas é muito mais uma responsabilidade do nosso partido".

A solução apontada pelo grupo dissidente, incentivado por baixo dos panos por Lula, no entanto, é abrir mão do ajuste fiscal e voltar à política desenvolvimentista, para aquietar "a base social histórica" do petismo. Deu no que deu no primeiro governo.

Bernardo Mello Franco - Uma reforma para pior

- Folha de S. Paulo

Os eleitores que gastaram saliva pedindo uma reforma política correm sério risco de se arrepender nesta semana. A Câmara votará um conjunto de propostas que ameaça agravar, em vez de consertar, os problemas do sistema atual.

As manifestações de 2013 expressaram o anseio por mais participação, mais representação e mais transparência. A reforma que vem aí acena com o contrário disso: menos participação, menos representação e menos transparência nas eleições.

Hoje o brasileiro vai às urnas a cada dois anos. O calendário se divide entre eleições gerais (para deputado estadual e federal, senador, governador e presidente) e eleições municipais (para vereador e prefeito). A proposta mais cotada na reforma institui uma só eleição a cada cinco anos. Quem acha que participa pouco participará menos ainda.

O grupo que manda na Câmara também quer mudar a forma como são eleitos os deputados. O único modelo com chance de ser aprovado é o afegão, aqui rebatizado de distritão. É um sistema que ignora o desempenho dos partidos, estimula o personalismo e reduz a representação das minorias no Congresso.

Por fim, está em jogo o financiamento das campanhas, origem de nove entre dez escândalos de corrupção. Ninguém esperava milagres, mas havia uma oportunidade de reduzir a influência do poder econômico nas eleições. O sistema deve permanecer como está, com uma mudança para pior. As doações irão apenas para os partidos, o que tende a deixar as prestações de conta ainda menos transparentes.

Para coroar o pacote, o presidente da Câmara jogou no lixo o trabalho da comissão que passou os últimos três meses discutindo a reforma. Como o resultado não o agradou, ele encerrou o grupo sem a votação do relatório. "Fizemos papel de bobo", desabafou o relator Marcelo Castro. Se a reforma de Eduardo Cunha for aprovada, a frase também valerá para os manifestantes de 2013.

Luiz Carlos Azedo - Desonerações e reforma

• Eduardo Cunha não está nem aí para a pressa de Joaquim Levy quanto ao ajuste fiscal, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar na Câmara

Correio Braziliense

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem a sua própria agenda. Ontem, descartou as pressões dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e da Casa Civil, Aloízio Mercadante, para pôr em votação o projeto de lei que acaba com as desonerações sobre a folha de pagamento das empresas. Depois de se reunir com os dois ministros e o vice-presidente Michel Temer, ontem, no Palácio do Planalto, anunciou que somente porá o projeto em votação a partir de 10 de junho. Nesta semana, Cunha pretende votar a toque de caixa a reforma política

Peça importante do ajuste fiscal proposto pelo governo para reduzir gastos e reequilibrar as contas públicas, o projeto da desoneração é que deveria ser votado nesta semana. Mas o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), relator do projeto, resolveu criar uma regra de exceção para as desonerações e forçou o adiamento. Segundo ele, em relação ao setor de transportes, o aumento dos tributos trabalhistas e previdenciários pode reajustar passagens de ônibus e de trem. Outros setores que seriam beneficiados são os de comunicação e de tecnologia da informação, que têm margens estreitas e são empregadores intensivos. Os produtores da cesta básica e outros setores da indústria beneficiados pelas desonerações também fazem lobby no Congresso para serem incluídos na regra de exceção.

Picciani alega que sua equipe está fazendo cálculos, com base em números da Receita Federal, para definir quais setores poderiam continuar com o benefício, mas nos bastidores da Câmara a movimentação dos que serão atingidos pelo fim das desonerações é grande. A Meca da peregrinação é o gabinete de Eduardo Cunha, que estaria por trás do posicionamento do líder do PMDB. Ao lado de outras medidas que sofreram mudanças na Câmara, como o da Previdência, o fim das desonerações trabalhistas é um dos assuntos que tiram o sono do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Desde quanto classificou de “brincadeira” sua adoção pelo ex-ministro Guido Mantega, o que gerou mal-estar no governo, Levy defende o fim das desonerações. Na cúpula do PMDB, porém, muitos avaliam que o governo deveria mudar de paradigma e, em vez de voltar à cobrança sobre a folha de pagamentos, fazê-lo sobre o faturamento, ainda mais depois da regulamentação da terceirização. Ontem, Levy declarou que as “delongas” em torno do ajuste fiscal não favorecem a retomada do crescimento da economia brasileira. Segundo ele, as empresas aguardam a aprovação do ajuste para fazer investimentos.

A fórceps
Cunha não está nem aí para a pressa de Levy, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar por falta de entendimento entre os membros da comissão especial encarregados de apreciar o projeto. Ontem, durante almoço com aliados na residência oficial, Cunha cancelou a reunião da comissão e detonou de vez o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), contrário à aprovação do chamado “distritão”, pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou a coligação. O presidente da comissão, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi designado como um relator ad doc.

A fórceps, Cunha quer aprovar a coincidência de mandatos (mantendo 4 anos para deputados e 8 para senadores), o fim da reeleição, a fidelidade partidária e o “distritão”. Também quer manter a forma de financiamento tanto pública quanto privada, com um teto para as doações. Não existe uma maioria clara sobre o conjunto da obra, mas Cunha acredita que aprovará a reforma assim mesmo. O problema é que ninguém é capaz de prever o mostrengo político que resultará das votações.

Os assuntos mais polêmicos são o “distritão”, o fim da reeleição e a coincidência de mandatos, que muitos interpretam como uma tentativa de engessar o quadro político-partidário e favorecer o PMDB. A conjuntura do país, com o surgimento de uma oposição de massas independente dos partidos políticos, fortaleceu a posição da cúpula do PMDB na condução da reforma política. O partido seria o mais beneficiado pela sua aprovação. A vitória eleitoral de partidos surgidos de movimentos independentes, como o Siriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, reforça a tentativa de engessar o sistema político brasileiro.

Raymundo Costa – Governo vacila no momento decisivo

• Falta convicção a Dilma e ao PT sobre a extensão do ajuste

- Valor Econômico

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Alberto Goldman - Distritão, a mais grave tentativa de se atingir a democracia.

Está em gestação no Congresso Nacional a mais grave tentativa de atingir a democracia no que ela tem de característica essencial, no seu coração: a existência e funcionamento dos partidos políticos.

Nem mesmo a ditadura militar teve a coragem de sustentar um regime sem partidos. Após o golpe de 1964 criou a ARENA e incentivou a formação do MDB, ainda que imaginados sob o controle dos militares. No entanto foi a existência do MDB que permitiu a formação de um embrião que veio a ser, anos depois, o instrumento de derrubada da ditadura.

Qual o instrumento proposto por alguns líderes que nunca tiveram qualquer apreço verdadeiro pela democracia: o distritão, isto é, em cada Estado se elegem os deputados mais votados, que preenchem todas as cadeiras, sem qualquer vinculação com os partidos políticos. Esses, no máximo, vão apresentar listas de candidatos, mas o voto que hoje é computado para o candidato e também para o partido passa a ser apenas para o candidato. Se alguém quiser votar apenas no partido, sem escolher candidato determinado, não poderá fazê-lo. Vale dizer nenhum deputado terá que se submeter às decisões coletivas de seu partido, passando a ser o mandato sua propriedade exclusiva.

Em qualquer democracia no mundo a democracia se realiza através dos partidos, com todos os seus defeitos e virtudes. Assim se dá a formação dos gabinetes nos sistemas parlamentaristas e se dá a formação da maioria nos sistemas presidencialistas. É através dos partidos que se identificam programas de governo, projetos de sociedade e projetos de país. O chamado distritão faz com que os deputados tenham compromisso apenas com si mesmo, não tenham a obrigação de ter ou responder por qualquer projeto de interesse do país.

O distritão acaba, numa só penada, com os partidos políticos.

O distritão é o aperfeiçoamento do autoritarismo que supúnhamos já superado e deixará os prefeitos, govenadores e presidentes eleitos ainda mais reféns dos parlamentares mais votados, com os quais terá de se haver, um a um. Assim se chegará ao nível máximo possível do fisiologismo.

Quando a gente pensa que nada pode ser pior do que o sistema hoje em vigor no Brasil, passamos a saber que as coisas ainda podem piorar. Do jeito que pretendem reformar menos mal será manter o que já existe.

Só espero que o meu partido, o PSDB vote, unânime, contra essa aberração que põe em risco todas as conquistas políticas das últimas décadas.

PT agrava impasse – Editorial / O Estado de S. Paulo

Premido pelo tempo, uma vez que as medidas provisórias (MPs) do ajuste fiscal caducarão se não forem aprovadas pelo Congresso até o fim desta semana, o governo se defronta com um impasse que se agrava porque seu próprio partido, o PT, se opõe com crescente contundência às medidas impopulares indispensáveis ao saneamento das contas públicas. Enquanto isso, o vice-presidente Michel Temer, responsável pela articulação política do Planalto, cobra da presidente Dilma Rousseff o apoio formal e sem restrições dos petistas, como precondição óbvia para que possa persuadir os demais partidos da base aliada a votar a favor das medidas propostas pela equipe econômica.

Na última sexta-feira, mesmo dia em que o ministro da Fazenda sinalizou sua insatisfação com as dificuldades que enfrenta se ausentando do ato oficial de anúncio do contingenciamento orçamentário, a direção estadual do PT em São Paulo divulgou manifesto em que explicita pela primeira vez em documento oficial do partido suas objeções às medidas do plano de ajuste fiscal que impõem restrições a benefícios sociais.

O documento, aprovado na etapa paulista de preparação do V Congresso Nacional do PT que se reunirá em junho, é taxativo: “Entendemos as razões do governo, mas o governo tem que entender as razões do PT”. E que razões são essas? Coerente com sua própria práxis, os petistas querem deixar nas costas do governo o ônus das medidas impopulares necessárias à correção de seus próprios erros na gestão econômico-financeira do País e reservar-se o direito ao bônus de manter o discurso populista de defesa incondicional dos benefícios sociais. O texto do manifesto é cinicamente claro: “É imprescindível compreender que nossa energia criadora e nossa capacidade de atrair a juventude se sustentam na utopia e no futuro e não deve se limitar, como o governo tem que fazer, aos limites do que o Orçamento impõe”. Em português claro: “O orçamento? Ora, o orçamento. Fique o governo com as vaias do mundo real que nós ficamos com os aplausos – e os votos – para o discurso da utopia”.

Essa contradição é absurda para um partido responsável pela eleição da chefe do governo e agora coloca o País à beira de uma crise econômica de dimensão imprevisível. Não se trata de optar, na atual emergência, por um discurso mais ou menos agradável a este ou aquele segmento social ou grupo de interesses. Trata-se de criar condições – infelizmente com a necessária adoção do remédio amargo de medidas impopulares que resultarão em sacrifícios de toda a sociedade – para a retomada do crescimento indispensável à garantia de conquistas sociais pretéritas e futuras.

O agravamento do descontrole fiscal que inevitavelmente ocorrerá se não se fizerem correções urgentes na política fiscal para conter a gastança irresponsável provocará, também de modo inevitável, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil no mercado globalizado e a consequente redução dos financiamentos e dos investimentos estrangeiros no País.

É claro que ajuste fiscal se promove basicamente com corte de gastos e aumento de receitas. Mas, para preservar o sentido de justiça social que deve estar presente nas políticas públicas de uma sociedade democrática, a definição do amplo elenco de medidas necessárias a esse ajuste deve incluir providências para distribuir de maneira tão equitativa quanto possível, por todos os segmentos sociais, o ônus de um sacrifício que por definição é provisório. Dessa perspectiva, são lamentáveis as críticas movidas pela demagogia política, que se concentram exclusivamente nas medidas que atingem os benefícios trabalhistas dos assalariados, num contexto em que a natureza necessariamente restritiva do ajuste afeta, sem exceção e guardadas as devidas proporções, todos os segmentos sociais.

Por outro lado, tudo leva a crer que, apesar de participar de reuniões com a presidente da República e seus ministros para “ajudar” na aprovação do ajuste fiscal, o ex-presidente Lula presta ao Brasil o desserviço de fazer jogo duplo, na tentativa de salvar a própria pele. Há quem lhe atribua ter estimulado o senador petista Lindbergh Farias (RJ), na semana passada, a subscrever um manifesto de intelectuais de esquerda contra o ajuste fiscal e apresentá-lo em plenário com pedido de afastamento de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda.