terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line - Como o governo se saiu neste primeiro ano, ao testar seus limites?

Luiz Werneck Vianna – Ficou claro neste primeiro ano que o tabuleiro que está posto na nossa frente é de uma guerra de posições. O governo está acantonado na sua trincheira, tentando implementar o seu projeto, que consiste em destruir o que havia antes e começar algo que considera que seja novo. Estamos na fase da demolição, mas haverá outras. O importante, a meu ver, é que não há mais nada enigmático, está tudo claro: o que o governo quer e como a sociedade pode responder às pretensões autoritárias do governo.

Agora estamos num cenário novo. É novo porque neste ano tem a novidade das eleições municipais, que vão mexer com este país, vão facilitar os encontros, as alianças, a formulação de projetos alternativos. Eleição no Brasil é sempre algo que traz novidade e esta não vai ser diferente. Estamos nos dissociando do período anterior, pré-Bolsonaro, assumindo novas identidades, identificando novos problemas e novas soluções. A intenção do governo é simplesmente erradicar todos os obstáculos que estão postos diante de uma afirmação capitalista selvagem no sentido de um projeto neoliberal, como se a experiência chilena encontrasse lugar aqui.

A sociedade brasileira é muito adversa, refratária a isso, independentemente de formações partidárias, ideologias. A resistência a uma ação econômica descontrolada como a que se quer introduzir é algo entranhado na nossa formação. Na questão ambiental, por exemplo, se quer remover os obstáculos que se manifestam nessa dimensão, como a questão indígena, e promover aí um capitalismo selvagem, com garimpos, avanço do agronegócio; isto está visto e não há mais enigma. O projeto do governo está visível diante do olhar de todos.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Em entrevista 13/1/2020

Merval Pereira - A vertigem da política

- O Globo

O que está em jogo nessa escolha é menos a qualidade dos documentários, e mais o sentido político da premiação

É possível que “Democracia em Vertigem”, o documentário de Petra Costa incluído entre os finalistas do Oscar de melhor documentário, saia vencedor em fevereiro. O timing é perfeito para a premiação com cunho político inequívoco, uma crítica hollywoodiana ao governo de extrema-direita que está colocando em risco a Amazônia. E ainda acusou levianamente um dos ícones da indústria cinematográfica internacional, Leonardo di Caprio, a quem Petra, muito pragmaticamente, agradeceu em um twitter pelo muito que tem feito a favor da mesma Amazônia.

Seria o mesmo gesto político que premiou o também documentarista americano Michael Moore com o Oscar por “Tiros em Columbine” e a Palma de Ouro por “Fahrenheit 9/11”. O júri fez com o prêmio o que Moore faz com diversas seqüências de seu documentário: distorceu seu significado para atingir um objetivo político maior, declarar ao mundo naquela ocasião que estava contra Bush e a guerra do Iraque.

Petra Costa parece estar no momento certo também para ser premiada politicamente, na senda de Moore e seus documentários, como o dela, panfletários e enviesados. Assim como protestar contra Bush era necessário naquele momento, protestar contra Bolsonaro tornou-se uma causa internacional, devido ao tratamento desdenhoso com o meio-ambiente, e o menosprezo pelas minorias, inclusive indígenas, provavelmente por remorso.

O problema de “Democracia em Vertigem” é que ele concorre com o documentário “American Factory” (Fábrica americana, em tradução livre), produzido pela Higher Ground Productions, do casal Michelle e Barack Obama, em parceria com a Netflix, assim como o de Petra Costa.

Luiz Carlos Azedo – Vertigem

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Houve intenso trabalho de projeção da imagem de Lula no plano internacional, seguido da construção de uma narrativa própria a destituição de Dilma, comparando-a ao golpe de 1964”

Indicado para o Oscar de melhor documentário, Democracia em vertigem, de Petra Costa, é um bom filme, tanto que está selecionado. Isso não significa que o conteúdo do filme seja neutro em relação aos fatos narrados nem que discordar ou concordar politicamente com a narrativa da diretora seja o ponto de referência para sua avaliação como produto cinematográfico pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. O filme tem uma excelente fotografia, cenas inéditas do impeachment de Dilma Rousseff e proporciona um olhar retrospectivo sobre a política brasileira, que anda muito conturbada.

O filme mostra o dia a dia da presidente Dilma Rousseff, que foi apeada do poder por causa dos seus erros e não em razão de uma suposta conspiração imperialista. Não tivesse lançado o país numa recessão profunda e se relacionado tão mal com o Congresso, o impeachment não teria ocorrido. O filme não esconde seu olhar particular sobre a política brasileira: a protagonista cresceu numa família de esquerda, que sofreu as consequências de sua opção política e ideológica durante a ditadura militar. Quando se torna adulta, a jovem acompanha o processo político da transição à democracia ao governo Lula, um ex-líder operário que chega ao poder.

Petra Costa é crítica em relação a Lula, que somente teria chegado à Presidência depois de ajustar seu discurso aos interesses das elites econômicas do país. Mostra o envolvimento do PT com a corrupção, a pretexto de se manter no poder e garantir maioria no Congresso. Com a chegada da crise econômica internacional ao Brasil, porém, o pacto perverso do PT para conciliar o apoio popular com os interesses das elites acaba se rompendo. Lula se sustentava num tripé: banqueiros e rentistas, a elite política protegida pelos grandes empresários fornecedores do Estado, e projetos sociais de natureza populista.

Carlos Andreazza - Liberdade de expressão seletiva

- O Globo

É o espírito do tempo que emana de uma sociedade avessa ao contraditório

A ação autoritária que resultaria na censura ao especial de Natal da produtora Porta dos Fundos — mais uma exposição de força de mais um imperador togado — foi movida pelo Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. A mesma instituição que, em março de 2018, fora vítima de uma blitzkrieg — à porta da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — contra a distribuição de um jornal, “O Universitário”, cujos delitos se materializavam em discutir criticamente a questão de gênero, abrigar uma entrevista com Olavo de Carvalho e falar de Jair Bolsonaro com aprovação.

Escrevi, neste O GLOBO, um artigo a propósito, “O indivíduo ausente”, que ora cito: “naquela sexta-feira, dois jovens foram empastelados, escarrados, barbaramente impedidos de fazer circular uma publicação e chamados de fascistas por difundirem conteúdo que em nada — absolutamente nada — afrontava a lei brasileira, isso enquanto os agressores destruíam exemplares do jornal (com apoio de ao menos um professor) a não mais que 20 metros da porta de uma universidade”.

A PUC se omitiria a respeito, com o que — assim compreendi — endossava a selvajaria. O Centro Acadêmico de Comunicação Social — sem surpresa — abraçou a iniciativa criminosa imediatamente. O mesmo centro acadêmico que — apostaria — terá agora repudiado a liminar por meio da qual o desembargador Benedicto Abicair, em nova exibição da magistrocracia que nos dirige, censurou o filme produzido pelo Porta dos Fundos.

José Casado - Esqueceram as pessoas

- O Globo

Governo é autor de fiasco tecnológico: a volta das filas na Previdência

Depois de usar e abusar da internet na eleição, Jair Bolsonaro agora utiliza a rede para alavancar um projeto de poder. É legítimo.

O problema está no governo, autor de um fiasco tecnológico: a volta das filas na Previdência. Mais de um milhão aguarda, há meses, solução dos seus pedidos, mas o Estado não responde.

Bolsonaro ecoa Lula. Em 2003, o governo do PT intimou os maiores de 90 anos à fila do INSS. Exigia prova de vida, com corpo presente.

Na origem do problema atual estão trapalhadas do INSS e da Dataprev, vinculados ao Ministério da Economia. O instituto deu licença-saúde a um de cada cinco servidores, revelou a repórter Idiana Tomazelli. A estatal congelou cidadãos num sistema operacional defeituoso. E assim, o milagre da modernidade digital virou vinagre na Previdência Social.

Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, devem desculpas aos brasileiros. Se preocuparam somente com o ajuste das contas previdenciárias. Esqueceram as pessoas.

Bernardo Mello Franco- Portões trancados para a pesquisa

- O Globo

Para quem não gosta de um montão de amontoado de muita coisa escrita, deve ser um lugar terrível. Encravada no coração de Botafogo, a Casa de Rui Barbosa guarda uma coleção única de livros e periódicos. Só o antigo morador deixou mais de 37 mil volumes, incluindo uma edição da “Divina Comédia” de 1481.

A biblioteca é apenas parte do acervo. Ali também funcionam um museu, um núcleo acadêmico e um dos maiores arquivos de literatura do país. Em outubro, o Planalto entregou tudo isso a Letícia Dornelles, ex-roteirista de novelas da Record. Ela foi indicada pelo deputado Pastor Marco Feliciano, recém-expulso do Podemos.

Na semana passada, a nova presidente da Casa mostrou a que veio. Numa canetada, afastou cinco diretores do centro de pesquisas. Eles não receberam aviso nem explicação. Souberam da notícia pelo Diário Oficial.

O expurgo provocou uma onda de protestos. Na internet, uma petição com quase 30 mil assinaturas pede a recondução dos servidores. Em outra frente, 150 professores que estudam o Brasil em universidades americanas divulgaram abaixo-assinado contra as exonerações.

“Isso faz parte de uma política de desmantelamento. O governo Bolsonaro quer impor suas visões sobre a arte, a cultura e as universidades”, critica o historiador James N. Green, da Universidade Brown.

Míriam Leitão - Urgência máxima na Educação

- O Globo

O Congresso tem feito o seu papel para construir um novo Fundeb. As entidades da sociedade civil, também. Quem tem errado consistentemente é o governo. O risco será de todo o país, caso os prazos se esgotem sem que haja um projeto aprovado. O Fundo é formado por recursos dos estados, municípios e governo federal, e ele complementa o financiamento para a educação básica no Brasil. Este será o último ano de vigência. O assunto está tramitando no Congresso há três anos, e agora, na reta final, o Ministério da Educação surpreendeu todo mundo dizendo que mandará uma nova PEC.

A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) explicou para a coluna o risco desse “começar de novo” inventado pelo governo:

—Tive essa informação de envio de um novo texto por meio da entrevista coletiva do ministro. Essa ideia não tem cabimento nem lugar. Como é uma PEC, estamos trabalhando neste texto desde a legislatura passada. É complexo. Não votamos porque ficamos parados em 2018 sem poder votar mudança constitucional por causa da intervenção no Rio, mas o debate e as audiências públicas aconteceram. Nesta legislatura o texto teve que ser reapresentado e continuei como relatora.

Andrea Jubé - A alfabetização digital dos partidos

- Valor Econômico

Eleições terão explosão de ‘fake news’ e menos robôs

Com uma tropa de generais abatida nas urnas em 2018 - Romero Jucá, Eunício Oliveira e Roberto Requião, para lembrar alguns -, justo quando governava o país, o MDB começou a treinar soldados para a guerra eleitoral deste ano.

Com 54 anos de história e protagonista do capítulo da transição democrática brasileira, o MDB colocou a militância na sala de aula para aprender a técnica das redes sociais.

O partido tenta traçar uma estratégia digital em um comportamento que deverá ser seguido por outras siglas tradicionais que também têm história, mas podem perder votos pela falta de interação com o eleitor nas mídias sociais.

Com expertise na área, o instituto Ideia Big Data foi contratado pela Fundação Ulysses Guimarães (FUG) para dar consultoria e supervisionar o treinamento digital dos emedebistas. A aula inaugural ocorreu em Porto Alegre na sexta-feira. Até maio, estão previstos 44 encontros, com 50 vagas por turma, para ensinar a esse batalhão de 2,2 mil militantes desde os passos elementares nas redes sociais até a formulação de uma campanha digital.

Um primeiro vídeo distribuído aos aprendizes, por exemplo, ressalta que o Brasil é o quinto país em ranking de uso diário de celulares no mundo: as pessoas passam em média três horas por dia no celular. Em contrapartida, os seguidores veem menos de 2% das postagens de um perfil no Facebook, a rede mais popular.

Bruno Villas Bôas - Os rumos da desigualdade

- Valor Econômico

País precisa de uma agenda social e reforma tributária

A recuperação da economia ganhou mais força e o mercado de trabalho dá sinais de melhora, com o avanço um pouco mais intenso de postos com carteira assinada. É combinação desejável para o início de um novo ciclo de redução da desigualdade de renda no país, após o aumento do fosso social ao longo da crise. Mas o caminho de volta promete ser longo.


O Brasil sempre foi desigual, mesmo com as tênues conquistas sociais da primeira década e meia do milênio. Em 2015, o índice de Gini do país era de 0,524 - o indicador varia de zero a um, sendo zero a igualdade perfeita. Era, então, o melhor número da série histórica, mas colocava o país apenas entre Botsuana e Suazilândia. Como a recessão destruiu empregos e atingiu trabalhadores que já ganhavam menos, a disparidade ficou ainda maior nos anos recentes. O índice era 2018 em 0,545, o mesmo do Lesoto.

O pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acredita que, daqui para frente, o índice de Gini da renda domiciliar per capita tende a melhorar gradualmente. O índice chegaria a 0,520 em 2030. Seriam necessários, portanto, mais dez anos para retornarmos ao mesmo nível de desigualdade de 2015.

O cenário traçado por Soares, que foi presidente do Ipea entre 2014 e 2015, considera um crescimento econômico médio de 2% ao ano, alguma melhora do mercado de trabalho e pouca novidades no campo da proteção social. É um quadro de recuperação gradual, que chamou de “medíocre”.

Segundo ele, a disparidade entre ricos e pobres vai ceder lentamente mesmo com fatores demográficos e educacionais atuando a favor. Um deles é que as famílias mais pobres têm cada vez menos integrantes, convergindo ao padrão das famílias ricas. Isso contribui porque o Gini é calculado pela divisão da renda da família pelo número de integrantes.

Outro fator é o início do encolhimento da população em idade ativa, o que potencialmente reduzirá a oferta de mão de obra - se o trabalhador qualificado é hoje escasso, o não qualificado também será, elevando salários. O terceiro fator está na redução da desigualdade educacional ocorrida no país no passado recente, o que ainda vai produzir frutos.

Maria Clara R. M. do Prado* - Economista liberal de olho no social

- Valor Econômico

A desigualdade é um veneno que dificulta a construção de uma agenda de reformas necessária ao crescimento

A busca do crescimento sustentável com baixa inflação tem sido ao longo dos anos o objetivo último a ser alcançado pelos estudos econômicos qualquer que seja a corrente de pensamento. Mais recentemente, depois do Consenso de Washington ter saído de moda, o mundo acadêmico internacional passou a apontar a distribuição de renda como um fator relevante para o desenvolvimento econômico. Não chega a ser uma novidade quando se olha para trás e se depara com escritos do final século XIX, quando a desigualdade já era tema importante dos estudiosos. A questão voltou ao debate com força depois da crise de 2008.

No Brasil, pode-se contar nos dedos os economistas que se dedicam desde sempre ao estudo da distribuição de renda. Além de poucos, foram um núcleo muito específico de especialistas na análise das estatísticas sociais.

A trajetória do economista Armínio Fraga Neto é diferente. De formação liberal, com expertise nas artimanhas do mundo financeiro, as preocupações do ex-presidente do Banco Central com respeito ao Brasil evoluíram de forma inusitada para os padrões nacionais em direção aos segmentos da esfera social. Em um país onde a polarização ideológica mantém-se ativa, a ponto de as pessoas serem rotuladas de forma pejorativa como “petistas” ou “esquerdistas” ao postularem pela qualidade na saúde, para ficar só nisso, o posicionamento recente de Armínio em defesa da melhor distribuição de renda não deixa de ser corajoso. Ele sabe que isso pode lhe render a alcunha de “esquerdista”, muito embora se considere um liberal progressista.

“Eu não tenho medo de ser estigmatizado”, disse ele à esta coluna. “O que não é possível”, complementa, “é continuar com o país que temos hoje, onde 80% do gasto fiscal geral vai para o funcionalismo público (despesas com pessoal) e para a previdência”. Portanto, a conta não fecha apenas do ponto de vista puramente aritmético, mas também pelos desequilíbrios na distribuição dos recursos, tendo em vista a redução dos investimentos em saúde, educação, segurança e infraestrutura.

Aqui, surge uma curiosidade: em que momento surgiu a preocupação do presidente e criador da Gávea Investimentos, gestora de recursos de terceiros cujo patrimônio alcançou R$ 12,4 bilhões em junho de 2019 - de acordo com dados da própria instituição - com as questões sociais que afligem boa parte da população brasileira?

Carlos Pereira - Ih... a democracia brasileira não ruiu...

- O Estado de S.Paulo

As chances de erosão da democracia brasileira são quase nulas

Nove em cada dez cientistas ou analistas políticos, no Brasil e no exterior, esperavam o pior da chegada à presidência de um populista de direita. Com bazófia autoritária e retórica belicosa e polarizada, Jair Bolsonaro colocaria em risco a sobrevivência da democracia.

Afirmavam que a derrocada da democracia não se daria por rupturas institucionais drásticas, golpes, tanques nas ruas, censura à imprensa, e o fechamento do Congresso. A ruina viria de forma insidiosa. Como se um miasma de espectro autoritário fosse se apoderando de maneira imperceptível de uma sociedade indefesa e fosse solapando as frágeis instituições democráticas, até ser tarde demais.

Até que ponto líderes populistas, sejam eles de direita ou de esquerda, ameaçam democracias?

Em pesquisa que acaba de ser publicada no periódico Perspective on Politics, com o título “Populism’s Threat to Democracy: Comparative Lessons for the United States”, o professor da Universidade do Texas, Kurt Weyland, demonstra que os riscos que a democracia liberal corre com a eleição de populistas têm sido superestimados.

Weyland argumenta que líderes populistas conseguem sufocar democracias apenas quando duas condições cruciais estão presentes.

A primeira seria a fraqueza institucional. Em alguns países, as instituições são razoavelmente abertas a mudanças, sem pontos de veto robustos e, portanto, incapazes de resistir a interferências de executivos poderosos, podendo assim ser facilmente desmanteladas ao longo de um ciclo eleitoral. Entretanto, mesmo em ambientes institucionais mais frágeis, iniciativas iliberais só teriam sucesso diante de uma segunda condição: a presença de crise econômica aguda que tenha sido rapidamente resolvida ou, seu oposto, bonança exagerada, que tenha o potencial de proporcionar apoio político massivo para o governo.

Eliane Cantanhêde - Favoritos e rejeitados

- O Estado de S.Paulo

Aos amigos evangélicos, tudo; aos adversários indígenas, nada. Ou melhor, as migalhas

Com o presidente Jair Bolsonaro viajando e o Judiciário e o Legislativo em recesso, vão surgindo as bombas a serem lançadas em 2020 sobre a opinião pública, senadores e deputados e ministros do Supremo, a quem cabe a última palavra em questões polêmicas.

São bombas em forma de medidas provisórias ou decretos em elaboração nas áreas técnicas do governo. Um projeto prevê subsídios para a conta de luz de templos evangélicos, ops!, religiosos. Outro escancara reservas indígenas às mais diversas formas de exploração, sem dó nem piedade. Resta saber o que o Ministério da Economia acha de um, e a comunidade internacional, do outro.

Em resumo: aos evangélicos, tudo; aos índios, as migalhas. Estes não terão direito a veto ao que for imposto para suas terras, mas poderão ser recompensados pelas atividades ali instaladas. Assistirão à devastação de camarote, estendendo o pires para colher as moedas. Quando abrirem os olhos, cadê as suas reservas? Puff! Evaporaram.

Um dos mantras de Bolsonaro é que ele acabou com o “toma lá, dá cá” com o Congresso, mas a verdade é que, além de as emendas parlamentares terem sido liberadas diligentemente em 2019, a troca de favores corre solta especialmente com os aliados e amigos, inclusive de fora do Congresso.

Funcionou na reforma da Previdência dos militares, que perderem na aposentadoria, mas ganharam no soldo, e tem sido recorrente com as polícias, os evangélicos e as bancadas ligadas a ambos. Bolsonaro não esconde os privilégios para seus preferidos, que estão na sua base de apoio no Congresso, na sua base eleitoral no Rio de Janeiro e nas suas relações de amizades.

Pedro Fernando Nery* - A economia de Petra

- O Estado de S.Paulo

'Democracia em Vertigem' analisa a polarização no País, sem esconder que tem um lado

Democracia em vertigem de Petra Costa foi ontem indicado ao Oscar de melhor documentário. Petra é a 1.ª diretora brasileira indicada à premiação. Se vencer em 9 de fevereiro será a 1.ª vez que o Oscar será recebido por um brasileiro. Mas desta vez haverá muita torcida contra.

Tom Jobim famosamente afirmou que no Brasil sucesso é ofensa pessoal, mas a grita contra Democracia em vertigem é de outro tipo. E é também natural: o filme se propõe a analisar a polarização no País a partir de 2013, sem esconder que tem um lado. No Twitter, a conta oficial do PSDB já ironizou o feito do filme, parabenizando Petra pela indicação na categoria “melhor ficção e fantasia”. O proeminente crítico Kenneth Turan, do Los Angeles Times, já concebera que o filme é “mais um ensaio do que um documentário clássico” (o que não impediu de tecer elogio à obra).

Esse é um filme sobre a crise política, mas é também sobre a nossa crise econômica: e essa coluna é sobre o confuso olhar de Petra na economia. Assim, não vamos discutir outras controvérsias já debatidas nos últimos meses (elas incluem dúvidas sobre o passado clandestino de seus pais; alterações deliberadas das imagens usadas; e a total omissão quanto a tentativa de assassinato do líder da corrida eleitoral, estranha em um filme sobre polarização e enfraquecimento da democracia).

De início, já há um problema factual quanto ao desemprego, consoante com a narrativa de Petra de que o governo inclusivo de Lula e, depois o de Dilma, teriam levado a um golpe (após a presidente ter enfrentado as elites econômicas). Segundo Petra “a taxa de desemprego atinge o menor índice da história” na Era Lula.

Joel Pinheiro da Fonseca* - E o Oscar vai para... o PT

- Folha de S. Paulo

'Democracia em Vertigem' reproduz narrativa petista da história recente

Será que o primeiro Oscar brasileiro irá justamente para o PT? Confesso —como aliás já escrevi por aqui na época do lançamento— que não sou grande fã de “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, documentário que está entre os indicados para o Oscar deste ano.

É uma ilusão acreditar que um documentário seja, por sua própria natureza, uma descrição minimamente objetiva da realidade. A única diferença para com a ficção é que ele cria sua narrativa selecionando documentos (imagens, depoimentos) reais, e não construídos.

O documentário engajado, gênero consagrado por Michael Moore, não esconde sua parcialidade e seleção enviesada dos documentos que apresentará ao público. É o que temos aqui, e é uma pena.

O filme reproduz a narrativa petista da história recente: Lula e o PT chegaram ao poder e melhoraram a vida dos brasileiros mais pobres ao mesmo tempo que enfrentaram os interesses das elites. Infelizmente, no exercício do poder o PT se aliou à velha política brasileira, serva das elites, e acabou sendo derrubado por ela.

Em nenhum momento o documentário encara de frente dois problemas fatais para sua narrativa: o primeiro é a política econômica dos anos Dilma, que produziram a recessão da qual ainda não nos recuperamos.

Ranier Bragon - Um Oscar para Eduardo Cunha

- Folha de S. Paulo

Subestimado em 'Democracia em Vertigem', ele merecia salvo-conduto para ir a Los Angeles

Habita Bangu 8 a nossa grande aposta para, enfim, faturar um Oscar. Personagem algo lateral em "Democracia em Vertigem" —concorrente a melhor documentário longa-metragem—, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) está a merecer o devido crédito.

Com total domínio de cena, ele não só deu aval ao pedido de impeachment de Dilma Rousseff, como pode parecer ao gringo que assista ao documentário, mas conduziu de forma obsessiva todos os preparativos que culminaram na autorização da abertura do processo, em 17 de abril de 2016. Sim, a célebre sessão em que o até então inexpressivo Jair Bolsonaro exaltou um torturador e em que Cunha clamou aos céus por misericórdia à nação.

Daí em diante, não havia como retroceder. Foi jogo jogado. Dilma foi destituída, e Deus não teve misericórdia de ninguém, muito menos de Cunha, que foi parar na prisão, onde está há há mais de três anos.

Além do imerecido papel dado ao ex-deputado, o documentário também tem ingenuidades e alguns delírios esquerdistas, como o de sempre culpar a imprensa pelos males do mundo —quando convém, claro. Ao usar a gravação em que Romero Jucá fala em "estancar a sangria" provocada pela Lava Jato, por exemplo, a diretora Petra Costa narra ter sido "vazado um áudio" que lançou "luz" sobre o que ocorria nas sombras da República. Esqueceu-se apenas de dizer que o áudio foi revelado, olhe só, pela maldita imprensa golpista —no caso, em reportagem de Rubens Valente, nesta Folha.

Pablo Ortellado* - Censura no Instagram

- Folha de S. Paulo

Censura no assassinato de general iraniano mostra risco de concentrar comunicação em empresas estrangeiras

O Instagram excluiu perfis e publicações de usuários que comentaram o assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Não foram censuradas apenas contas do governo iraniano. Segundo a Federação Internacional dos Jornalistas, pelo menos 15 jornalistas iranianos tiveram suas contas excluídas por publicações a respeito do assassinato.

O Instagram era a única das grandes plataformas de mídia social que não havia ainda sido proibida pelo governo iraniano. Justamente por isso tinha 24 milhões de usuários, cerca de 40% da população adulta. Cidadãos do Irã que utilizavam o Instagram para escapar da censura do regime sofrem agora censura da empresa.

Em abril de 2019, a Casa Branca classificou a Guarda Revolucionária como organização terrorista estrangeira. Logo em seguida, o Instagram derrubou o perfil da Guarda Revolucionária e do próprio Suleimani.

Mas essa leva recente de remoção excluiu também publicações de pessoas sem qualquer filiação com o governo, como mostrou reportagem do site americano Coda. O caso mais proeminente foi o do jornalista Emadeddin Baghi, um notório crítico do governo iraniano, que teve excluídas publicações aparentemente por designar o assassinato de Suleimani como "martírio". Publicações fora do Irã também foram excluídas. A executiva Bahareh Letnes, que vive na Dinamarca, teve uma publicação censurada por chamar Suleimani de "herói de guerra".

Rubens Barbosa* - França dividida

- O Estado de S.Paulo

Depois de 18 meses de governo, Macron parece isolado e com crescente dificuldade política

De passagem por Paris, procurei entender a controvérsia em curso hoje na França sobre a reforma da previdência social. O país está dividido entre a pressão de parte da sociedade para preservar regimes especiais de aposentadorias e a necessidade de se ajustar a um mundo em rápida transformação.

A eleição presidencial de 2017 trouxe uma forte renovação na vida política da França. A vitória do presidente Emmanuel Macron contra o establishment e contra os extremos de direita e de esquerda deu-lhe um mandato para reformar o país. Criou-se uma grande expectativa pelo anúncio de reformas muito semelhantes à da atual agenda brasileira: reforma das relações trabalhistas, da previdência social, tributária e da educação, redução de privilégios corporativos e do gasto público, mudanças na economia para melhorar a competitividade dos produtos franceses. Depois de dois nos e meio de governo, não houve muitos avanços: nem os impostos nem o desemprego (8,5%) foram reduzidos, o déficit comercial é crescente e poucas reformas chegaram a ser efetuadas (as 35 horas de trabalho semanal continuam). A crise política e social vivida pelo governo Macron tem como substrato uma rápida deterioração da dívida pública, que em setembro alcançou seu recorde histórico de 100,2% do produto interno bruto (PIB), sem perspectiva de redução do gasto.

O que a mídia pensa – Editoriais

A educação não é descartável – Editorial | O Estado de S. Paulo

É desconcertante a notícia, revelada pelo Estado, de que o Ministério da Educação (MEC) estuda descartar 2,9 milhões de livros didáticos, comprados por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e que nunca foram utilizados. Adquiridos para serem entregues a alunos de escolas públicas municipais e estaduais, esses livros correm o risco de serem destruídos sob a alegação de que estariam desatualizados e de que o custo de armazenamento seria alto demais. Vinculado ao MEC, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) alertou no ano passado para a necessidade de reduzir o estoque no depósito alugado dos Correios, em Cajamar (SP).

Se o descarte for de fato a medida mais adequada – por exemplo, se os livros estão realmente desatualizados, não fazendo sentido guardá-los para os anos seguintes –, a sua compra provavelmente terá sido um verdadeiro escândalo de má gestão do dinheiro público, a merecer rigorosa apuração. Recursos públicos que deveriam ter sido destinados à educação, ou seja, que deveriam ter contribuído para um melhor aprendizado dos alunos foram duplamente desperdiçados, seja pela compra de livros que nunca foram utilizados, seja pelo investimento em armazenamento de algo que não teve nenhuma serventia. Há exemplares que estão armazenados há 15 anos.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Verde ft. Leila Pinheiro

Poesia | Pablo Neruda - A canção desesperada

Aparece tua recordação da noite em que estou.
O rio reúne-se ao mar seu lamento obstinado.

Abandonado como o impulso das auroras.
É a hora de partir, oh abandonado!

Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cova de náufragos!

Em ti se ajuntaram as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros do canto.

Tudo que o bebeste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!

Era a alegre hora do assalto e o beijo.
A hora do estupor que ardia como um faro.

Ansiedade de piloto, fúria de um búzio cego
túrgida embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrágio!

Na infância de nevoa minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

Tu senti-se a dor e te agarraste ao desejo.
Caiu-te uma tristeza, Tudo em ti foi naufrágio!

Fiz retroceder a muralha de sombra.
andei mais adiante do desejo e do ato.

Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
e em ti nesta hora úmida, evoco e faço o canto.