Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Para enfrentar esse desafio será necessário
mudar a visão que parcela relevante e influente da sociedade tem do atual
modelo de convivência e desenvolvimento do país
Os principais cientistas sociais e
economistas, para não falar de grande parte dos políticos, apontam a
desigualdade como o maior problema do país. Não é para menos: o fantasma da
desigualdade acompanha cada crise brasileira. Foi assim, embora em formatos
diferentes, nos casos recentes da tragédia humanitária dos Yanomami, do
desastre no litoral norte de São Paulo e do trabalho escravo em vinícolas do
Rio Grande do Sul. Diante dessa onipresença, uma pergunta se impõe: o que
explica a força desse monstro de várias faces?
As profundezas da desigualdade residem,
primeiramente, na história mais ampla de um país em que a ideia de igualdade
não norteou o projeto de construção nacional. Somente recentemente, a partir da
Constituição de 1988, a visão de que há direitos iguais para todos começou a se
implantar numa escala maior. Mesmo assim, uma parcela influente da sociedade
ainda não acredita num modelo civilizatório mais igualitarista e continua
seguindo o diagnóstico feito pelo abolicionista Joaquim Nabuco: no Brasil, todo
mundo quer ser senhor. E quem não pode ser Cavalcanti, para continuar no
universo cultural dos pernambucanos, vira cavalgado.
Herança do modelo escravocrata que perdurou por mais de 300 anos, o Brasil é uma sociedade na qual quem faz parte da elite ou mesmo consegue alguma ascensão social relevante procura manter essa posição por meio da criação de distinções em relação aos mais pobres e às populações mais vulneráveis socialmente. Tais barreiras podem derivar da divisão de renda e/ou propriedade, do acesso à educação, de formas diferenciadas de tratamento dos cidadãos por parte do Estado e da origem social/territorial de cada brasileiro, ou, como ocorre muitas vezes, de uma combinação variada desses marcadores de cidadania - nos casos mais extremos, com todos eles juntos atuando ao mesmo tempo.