quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Merval Pereira - Os caminhos até 22

- O Globo

O presidente Bolsonaro descreve uma rota de escape em sua trajetória política, movendo-se para longe de sua origem, deixando a incoerência como sua marca, o que não chega a ser novidade entre nós. Eleito à Presidência da República em situação radicalizada, identificada pelos cientistas políticos como um ponto fora da curva, tentará a reeleição a bordo de uma coligação partidária comandada pelo “Centrão”, expressão máxima da baixa política que fingiu abominar durante a campanha presidencial.

Quis, sem sucesso, governar prescindindo dos partidos e das instituições democráticas. Perdeu seu primeiro ano de mandato com tentativas golpistas, alimentando uma turba extremista. Conflitos com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF) provocaram crises institucionais, que só abandonou quando a prisão de seu ex-auxiliar, o ex- PM Fabrício Queiroz, pôs em risco seus filhos, especialmente o senador Flávio Bolsonaro, investigado pelas “rachadinhas” quando era deputado estadual.

Buscou cordialidade com o Supremo quando os processos sobre fake news e manobras antidemocráticas chegaram dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do ódio. Livrou-se de Sergio Moro, um ministro simbólico de seu pseudo-empenho em combater a corrupção, e foi se blindar justamente no avesso do avesso disso. O Centrão tem a pretensão de domá-lo, para transformá-lo de líder político tosco e autoritário em candidato populista e sensível às necessidades do povo.

Vera Magalhães - Bolsonarismo faz arrastão nas comissões


- CBN

Na minha participação desta tarde no CBN Brasil comentei a respeito da indicação para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara da deputada bolsonarista Bia Kicis.

Reportagem do GLOBO já mostrou, com dados, fatos e ponto a ponto, por que a deputada do PSL do Distrito Federal pode, sim, ser chamada de extremista pelas posições anticientíficas e antidemocráticas que defende, por ser investigada pelo inquérito das fake news que corre no Supremo Tribunal Federal e por ter contribuído, usando o mandato, para boicotar o distanciamento social e as medidas de combate ao espalhamento do novo coronavírus.

Mas o pior risco para a democracia, como eu disse na conversa com Carlos Alberto Sardenberg e Cássia Godoy, é pelas pautas que, no comando da CCJ, a deputada pode colocar em votação, com uma articulação mais eficiente que no passado pela sua aprovação.

Míriam Leitão - Festa, mentiras e videotapes

- O Globo

Quem tem 35 prioridades no meio de uma crise desta dimensão não tem nenhuma. Mas foi essa a lista que o presidente Jair Bolsonaro entregou ontem ao Congresso. Quem acha que o importante é o homescholling não tem ideia da tragédia que está acontecendo na educação brasileira, com 47 milhões de estudantes longe das escolas. Quem acha que o importante é liberar armas num país em que há um milhão de civis armados, como este jornal informou, quer alimentar a formação de milícias no Brasil.

Na abertura do ano legislativo, a oposição recebeu o presidente com gritos de “genocida” e “fascista”, e os governistas responderam com “mito, mito”. O presidente Bolsonaro, diante disso, afirmou que foi deputado por 28 anos e nunca desrespeitou as autoridades. Ele disse que fuzilaria Fernando Henrique e exaltou torturadores de Dilma Rousseff. Só para citar duas agressões das muitas com as quais ele cimentou sua notoriedade. No seu discurso, ele falou uma coleção de mentiras. O espaço é curto para listá-las. Falarei de uma. Bolsonaro disse que concedeu mais títulos de terra do que os distribuídos nos 14 anos anteriores. Mentira. A média anterior era três mil títulos distribuídos por ano. A pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, conta que em 2019 houve “um apagão fundiário”. Foram apenas seis títulos. No blog, publiquei nota com gráficos. Os dados foram obtidos pela ONG graças à Lei de Acesso à Informação.

Luiz Carlos Azedo - A dura travessia

- Correio Braziliense

 “A ampla coalizão de centro-direita, formada por Arthur Lira (PP), sinaliza o campo de alianças de Bolsonaro”

Será dura a travessia da oposição até as eleições de 2022, principalmente para as forças do chamado centro democrático. Isso ficou evidente após as vitórias de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e Arthur Lira (PP-AL), na Câmara. No primeiro caso, houve uma composição entre o candidato governista e os principais partidos de oposição — PSDB, PT e PDT —, que mitigou a vitória de Jair Bolsonaro e foi, sobretudo, uma conquista do DEM. O novo presidente do Congresso passou a ser a principal referência do país para estabilidade institucional. No segundo caso, a vitória do presidente da República foi inequívoca e sua aproximação com o PP — partido do qual já fez parte — pode levá-lo a escolher essa legenda para disputar a reeleição.

A volta de Bolsonaro ao PP faz todo sentido, uma vez que o projeto de construção de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, não foi adiante. O Partido Progressista, presidido pelo senador Ciro Nogueira (PI), é herdeiro direto da antiga Arena e do PDS, tendo incorporado os antigos Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido Progressista, de quem herdou o nome atual. Entre os quadros da legenda estão veteranos personagens da política nacional: Paulo Maluf, Francisco Dornelles, Esperidião e Ângela Amin, Raimundo Colombo, Delfim Netto, Celso Russomano, Pratini de Moraes, Afonso Celso Pastore, Blairo Magri, Ricardo Barros e Aguinaldo Ribeiro, além dos atuais prefeitos de Rio Branco (AC)), Tião Bocolon, e João Pessoa (PB), Cícero Lucena. A filiação de Bolsonaro ao PP, caso se confirme, reorganizará sua base eleitoral a partir da centro-direita, retirando-o do isolamento em que estava ao protagonizar a formação de um partido de extrema-direita.

Maria Hermínia Tavares - Ligações perigosas

- Folha de S. Paulo

Conversas inadequadas entre juiz e promotores, intimidade entre políticos e empresas são tão comuns quanto reprováveis

Graças ao ministro Ricardo Lewandowski, do STF, tem-se agora acesso ao registro das conversas privadas —e tóxicas— do então juiz Sergio Moro com procuradores da Operação Lava Jato quando se instruía a denúncia contra o ex-presidente Lula. As 50 páginas de transcrições desvendam uma relação mais do que imprópria entre um magistrado, que deveria primar pela isenção, e os membros do Ministério Público responsáveis pelas alegações que justificassem transformar o líder do PT em réu no célebre caso do tríplex do Guarujá.

Advogados relatam que conversas inadequadas entre juiz e promotores durante o processo de instrução são tão comuns quanto reprováveis, pois se dão sempre em prejuízo do acusado. Mas, além de inaceitável do ponto de vista ético, o escambo entre Moro e os acusadores de Curitiba produziu um resultado politicamente letal: excluiu do jogo, na marra, o candidato que, goste-se disso ou não, detinha àquela altura a preferência dos eleitores, constatada nas pesquisas.

Bruno Boghossian - 'Dois anos difíceis' no STF

- Folha de S. Paulo

Com aliados no Congresso, integrantes do tribunal acreditam que presidente voltará a 'se soltar'

Os sinais emitidos depois do casamento de Jair Bolsonaro com o centrão fizeram com que ministros do Supremo erguessem a guarda. A ala que enxerga o tribunal como um contrapeso necessário aos planos mais audaciosos do presidente prevê “dois anos difíceis”, nas palavras de um deles.

O comportamento de Bolsonaro nos próximos meses vai mostrar de que maneira o governo pretende aproveitar a rede de proteção que foi estendida a seu favor no Congresso. Com a saída de um opositor que lhe impôs alguns freios no comando da Câmara, a expectativa é que o presidente volte “a se soltar”.

No ano passado, Bolsonaro se viu ameaçado por investigações que cercavam seu grupo político e abandonou o espírito conflituoso com o Legislativo e o Judiciário. Agora, um grupo de ministros do STF prevê novos episódios de tensão com o Palácio do Planalto. A diferença é que, em algumas brigas, o centrão deverá ficar ao lado do presidente.

Gabriela Prioli - Quem ganhar vai perder

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro vai sorrir amarelo para o centrão?

Quando seu candidato ganhou a eleição à presidência da Câmara, Bolsonaro perdeu um ponto de sustentação da sua narrativa. E ele sabe disso, por isso a reação de afastamento: "eu apenas fiquei na torcida".

Jair existe na reação porque a sua presidência —ou a sua existência— não tem plano de ação. A estratégia é colocar a culpa nos outros. Foi assim até agora e tem funcionado.

O problema é que Arthur Lira não me parece ter qualidade essencial para que alguém seja considerado aliado do plano egocêntrico do capitão: a disposição para servir de muleta para o presidente. Alguém imagina Lira num vídeo como o de Regina Duarte na sua saída da Secretaria de Cultura? O sorriso amarelo de uma existência que se coloca a serviço do mito? Eu não. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Ricardo Noblat - A lista do faz de conta que o governo quer aprovar

- Blog do Noblat | Veja

Nenhuma menção a programas sociais

Era previsível. Um governo que se instalou sem dispor de um projeto para o país e que assim continua dois anos depois, não tem prioridades, e, por isso, nada pode propor ao Congresso que surpreenda. Foi o que mais uma vez ficou demonstrado.

Jair Bolsonaro entregou aos novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados o que espera deles, eleitos com seu aval – uma lista com 35 medidas a serem votadas em breve ou quando der. São medidas demais para o conturbado tempo que lhe resta.

2020 foi o ano da pandemia, onde o vírus atrapalhou o funcionamento normal do Congresso. 2021 será o ano da vacinação que, na melhor das hipóteses, entrará pelo próximo ano. 2020 é o ano que não acabou, e 2021 o que acabou cancelado.

Os políticos já estão em 2022 quando terão de renovar seus mandatos ou disputar outros. Nada farão que possa lhes custar votos. Reforma tributária? É complicado demais. Administrativa? Bolsonaro não parece disposto a cortar privilégios.

Privatização de empresas estatais? A Eletrobras poderá ir à leilão como falsa prova de que esse é um governo liberal. Mas não se conte nessa área com um processo robusto de vendas de empresas. Bolsonaro compartilha o nacionalismo equivocado dos militares.

O que de fato interessa a ele é que o Congresso chancele o que mantenha coesa sua base tradicional de sustentação. Assim – quem sabe? – ela engula sem reclamar tanto sua aliança recente com o Centrão, algo que ele disse que jamais faria.

Maria Cristina Fernandes - O vício do Congresso

- Valor Econômico

Com o sequestro do Orçamento por emendas parlamentares de valor crescente de que vale um presidente da República?

O presidente Jair Bolsonaro ganhou, mas não levou. A eleição na Câmara dos Deputados bifurca o futuro do país entre dois rumos, um ruim e o outro, péssimo. Um deriva de um presidente que comete estelionato eleitoral na aliança com o Centrão de olho na contestação do resultado de 2022. Pode fazê-lo agitando o voto impresso e atiçando a reação de praças e sargentos que cultiva nas tropas fardadas ou do bolsonarismo raiz que armou até os dentes.

As instituições que sobrarem podem impedi-lo? Sim, mas sequestrarão o país. Ou melhor, aumentarão um resgate inflacionado ao longo dos últimos vinte e poucos anos. No Congresso o processo foi inebriante. Basta ver, por exemplo, o que aconteceu com as emendas parlamentares. No início deram barato, mas viraram a dependência de uma droga crescentemente abastecida pelos impeachments, ameaçados e concretizados.

A prisão do chefe do tráfico de emendas levou à ascensão de outras lideranças, algumas que nasceram na boca, outras que a frequentam pelas beiradas e ainda aquelas que a toleram pelo poder. Com maior ou menor dependência, hoje não sobrevivem sem a droga.

O vício, por óbvio, é paulatino. Em meio aos arranjos parlamentares que se sucederam ao impeachment do primeiro eleito da Nova República e à posse de um vice desconfortável no cargo, sete parlamentares foram pegos com a botija. Os anões do Orçamento vagaram insepultos no governo Itamar Franco e permaneceram influentes até outro dia. O esquema, porém, se institucionalizou.

Ribamar Oliveira - Para cumprir teto, risco é subestimar despesa

- Valor Econômico

Redução do “empoçamento” é uma das ideias em estudo para abrir espaço para outros gastos

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator-geral da proposta orçamentária deste ano, tem uma missão ingrata. Ele terá que descobrir uma maneira de fechar o Orçamento sem paralisar investimentos ou afetar serviços públicos. A avaliação dos especialistas é que as despesas não cabem dentro do teto de gastos sem que cortes adicionais sejam realizados. O relator não pode, no entanto, dar ouvidos a propostas que resultariam, em última análise, em subestimar despesas.

Um caminho nessa direção já foi trilhado em 2019, quando o Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2020. O então relator-geral da proposta orçamentária, deputado Domingos Neto (PSD-CE), reduziu as despesas com pessoal em R$ 6 bilhões, na suposição de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019 teria “aprovação célere”, pois ela era “considerada fundamental por expressiva parcela dos membros do Congresso”.

A PEC 186/2019 prevê, entre outras coisas, a redução da jornada de trabalho em até 25% com diminuição proporcional da remuneração nos exercícios financeiros em que a União descumprir a chamada “regra de ouro”, que proíbe o aumento da dívida pública acima da elevação da despesa de capital (investimentos e amortização da dívida). A PEC veta também o aumento do valor de benefícios de caráter indenizatório para servidores, assim como proíbe a progressão e a promoção funcional em carreira.

João Doria* - Mais vacinas já!

- O Estado de S. Paulo

Com elas retomaremos a vida normal e a motivação para encarar novos desafios

Muitos países vivem hoje o paradoxo da pandemia com a chegada de vacinas contra a covid-19, mas enfrentando a segunda onda do novo coronavírus. O cenário nunca foi tão preocupante. É um quadro que aumenta a responsabilidade dos governos. Ao mesmo tempo que adotamos medidas para reduzir taxas de transmissão, concentramos esforços para comprar e aplicar o maior número possível de vacinas.

No Brasil, o cenário é ainda mais acentuado pela desastrosa ação do governo negacionista de Jair Bolsonaro. Não por acaso, um estudo internacional apontou que o Brasil teve a pior gestão da pandemia entre 98 países. Bolsonaro desdenhou da crise e combateu medidas de isolamento social e de uso de máscaras. Foi letárgico no processo de compra de vacinas e entusiasta da cloroquina. Errou em tudo.

Desde o início, Bolsonaro colocou-se na contramão da medicina e da vida. Gastou recursos preciosos com drogas inócuas e chegou ao absurdo de incitar a invasão de hospitais. O governo federal foi incapaz de garantir o suprimento de oxigênio para os pacientes de Manaus, mesmo tendo sido avisado com antecedência. A má gestão de Bolsonaro agravou os problemas da pandemia. Os péssimos resultados são hoje um fato: em 2020 o Brasil viveu a pior recessão da sua História. E tornou-se o segundo país do mundo com maior número de mortes pela covid-19.

Passados 11 meses do primeiro caso no Brasil, a boa notícia é que os cientistas produziram, em tempo recorde, vacinas seguras e eficazes. O governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, foi pioneiro no desenvolvimento da Coronavac com o laboratório Sinovac. Essa parceria bem-sucedida garante a oferta de 100 milhões de doses para o Programa Nacional de Imunizações. Graças ao esforço da ciência de São Paulo, já temos mais de 2,2 milhões de brasileiros vacinados. E a vacina do Butantan responde por 85% das imunizações dos brasileiros. A cada dez vacinados no Brasil, ao menos oito receberam a vacina do Butantan.

Roberto Macedo* - Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados

- O Estado de S. Paulo

Os congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão

A Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.

O que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos, vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve responder com gratidão.

Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.

Adriana Fernandes - PEC emergencial, antes vista como salvadora, já morreu no Congresso

- O Estado de S. Paulo

Por ora, a coisa mais responsável a fazer é aprovar o auxílio emergencial

Por interesse político-eleitoral, criou-se a falsa ideia de que seria possível prorrogar o auxílio emergencial com responsabilidade fiscal e dentro do teto de gastos. 

Essa possibilidade nunca existiu de verdade e a realidade virá à tona nas discussões de Orçamento de 2021 que começam de fato na próxima semana.

Com o fim das eleições, a história já é outra. O primeiro passo foi dado: o anúncio da decisão de conceder o auxílio no manifesto assinado pelos novos presidentes Rodrigo Pacheco (Senado) e Arthur Lira (Câmara) e entregue ao presidente Jair Bolsonaro. O documento chegou carimbando no Palácio do Planalto.

Com o auxílio chegando pelas mãos do Congresso, ninguém poderá dizer que o presidente quis ser populista. De quebra, Bolsonaro ganha depois os bônus pela concessão do benefício da população. A mesma estratégia já foi usada outras vezes com sucesso.

A urgência da pandemia não permite esperar a discussão difícil de corte de gastos que demora tempo. Também há a pressão para a acomodação de novas demandas políticas, acertadas durante a campanha eleitoral. Sem falar na necessidade mais do que evidente de ampliação de gastos para a área de saúde com a segunda onda da pandemia (ninguém está falando disso agora, mas esse tema vai aparecer) e os pedidos de recursos que surgem para a produção de novas vacinas no Brasil.

William Waack - O que sempre fomos

- O Estado de S. Paulo

Depois de tantas mudanças, a política brasileira se parece tanto ao que sempre foi

O que é o governo Bolsonaro dominado pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos decisivos).

Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.

Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.

Carlos Melo* - Ampla lista de prioridade é não ter prioridade

- O Estado de S. Paulo

Vencer eleição não é difícil, sobretudo, com recursos às mancheias. Difícil é satisfazer expectativas: cumprir promessas espalhadas ao ar como confetes, honrar acordos, conciliando interesses; definir prioridades e demonstrar como realizá-las. Passadas as disputas na Câmara e no Senado, os vencedores devem mostrar que estão prontos e sabem o que fazer. Liderança é um estado de prontidão.

Agrega-se a eles nessa obrigação também o Executivo, pois, no limite, foi o presidente da República proclamado como grande vitorioso do processo. Para Jair Bolsonaro será, aliás, um desafio interessante: a partir de agora, não poderá dizer que é impedido pelo Congresso, não poderá atribuir a desafetos a origem de suas dificuldades: ao vencedor, não cabe desculpas.

Nesse sentido, era natural que os principais dirigentes políticos do país viessem a público expressar seus propósitos. No processo eleitoral, Arthur Lira, por exemplo, não conseguiu elaborar nada que extrapolasse o corporativismo, o interesse e as questiúnculas de seus pares do baixo clero. Logo, cumpria mostrar ao que vieram. Foi o que tentaram simbolizar ao trocarem quase protocolarmente cartas de intenção.

Charge do dia - Claudia de Oliveira


O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A hora da verdadeira oposição – Opinião | O Estado de S. Paulo

O tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado no momento em que o bolsonarismo avança sobre as instituições brasileiras.

O chavismo estabeleceu uma sólida ditadura na Venezuela não apenas como resultado da truculência golpista do falecido caudilho Hugo Chávez e de seu impiedoso herdeiro, Nicolás Maduro, mas também – e talvez principalmente – pelo sucesso do assalto promovido pelos gângsteres bolivarianos às instituições de Estado. E esse assalto foi bem-sucedido, entre outras razões, pela ausência de uma oposição organizada, unida e com propósitos claros.

O tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado justamente no momento em que o bolsonarismo avança insidiosamente sobre as instituições democráticas brasileiras. Cada dia que passa sem reação à altura desse desafio ajuda a consolidar esse desmonte do sistema de freios e contrapesos, que limita o poder numa democracia representativa.

Tal como ocorreu na Venezuela, a oposição a Bolsonaro claramente perdeu-se em lutas internas, movidas por objetivos imediatos e paroquiais, que só dizem respeito aos interesses eleitorais de seus caciques, sem qualquer conexão com os anseios da sociedade.

A mediocridade das forças que poderiam obstar a marcha bolsonarista permitiu que o presidente Jair Bolsonaro, malgrado suas inúmeras agressões à democracia e seu criminoso desserviço ao povo em meio à pandemia de covid-19, conseguisse eleger seus candidatos ao comando da Câmara e do Senado.

Para adicionar insulto à injúria, vários parlamentares supostamente de oposição aderiram às candidaturas patrocinadas por Bolsonaro, ávidos por participar do festim governista no Congresso e por obter espaços nas Mesas Diretoras e nas comissões. Nem na Venezuela a oposição foi tão pusilânime.

Os partidos com maior consistência ideológica – PSDB, DEM e PT – parecem perdidos com questiúnculas de poder e profundas contradições internas, que embaralham seu discurso e enfraquecem a mensagem com a qual pretendem motivar o eleitorado.

Com a fragilização desses partidos tradicionais, restam no horizonte político pouco mais de duas dezenas de legendas que só existem para aproveitar as oportunidades fisiológicas abertas pelo governismo. Há de tudo nesse balaio: de partidos cujos proprietários foram condenados por corrupção a agremiações que se alugam para quem pagar mais. No topo de tudo, temos um presidente da República que já foi de oito partidos e hoje nem partido tem, o que dá a exata medida do menosprezo bolsonarista pelo debate partidário próprio das democracias.

Música | Gilberto Gil, Gilsons e Bem Gil - Estrela

 

Poesia |Graziela Melo – Os cacos da vida


Os cacos

de vida

que

me restam

 

misturados

a pedaços

ainda inteiros

 

dos meus ossos

que pululam

sem guarida

 

pelos becos

obscuros

deste mundo

 

pelas rampas

inclinadas

desta vida

 

são vestígios

de um corpo

destruído

 

fragmentos

de uma nuvem

deluída

 

nos temporais

que circulam

no universo

 

dos meus tempos

de transtornos

rotineiros

 

oriundos

de transtornos

verdadeiros!!!