Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021
Merval Pereira - Os caminhos até 22
Vera Magalhães - Bolsonarismo faz arrastão nas comissões
Na
minha participação desta tarde no CBN Brasil comentei a respeito da indicação
para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara da
deputada bolsonarista Bia Kicis.
Reportagem
do GLOBO já mostrou, com dados, fatos e ponto a ponto, por que a deputada do
PSL do Distrito Federal pode, sim, ser chamada de extremista pelas posições
anticientíficas e antidemocráticas que defende, por ser investigada pelo
inquérito das fake news que corre no Supremo Tribunal Federal e por ter
contribuído, usando o mandato, para boicotar o distanciamento social e as
medidas de combate ao espalhamento do novo coronavírus.
Mas o pior risco para a democracia, como eu disse na conversa com Carlos Alberto Sardenberg e Cássia Godoy, é pelas pautas que, no comando da CCJ, a deputada pode colocar em votação, com uma articulação mais eficiente que no passado pela sua aprovação.
Míriam Leitão - Festa, mentiras e videotapes
Quem
tem 35 prioridades no meio de uma crise desta dimensão não tem nenhuma. Mas foi
essa a lista que o presidente Jair Bolsonaro entregou ontem ao Congresso. Quem
acha que o importante é o homescholling não tem ideia da tragédia que está
acontecendo na educação brasileira, com 47 milhões de estudantes longe das
escolas. Quem acha que o importante é liberar armas num país em que há um
milhão de civis armados, como este jornal informou, quer alimentar a formação
de milícias no Brasil.
Na abertura do ano legislativo, a oposição recebeu o presidente com gritos de “genocida” e “fascista”, e os governistas responderam com “mito, mito”. O presidente Bolsonaro, diante disso, afirmou que foi deputado por 28 anos e nunca desrespeitou as autoridades. Ele disse que fuzilaria Fernando Henrique e exaltou torturadores de Dilma Rousseff. Só para citar duas agressões das muitas com as quais ele cimentou sua notoriedade. No seu discurso, ele falou uma coleção de mentiras. O espaço é curto para listá-las. Falarei de uma. Bolsonaro disse que concedeu mais títulos de terra do que os distribuídos nos 14 anos anteriores. Mentira. A média anterior era três mil títulos distribuídos por ano. A pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, conta que em 2019 houve “um apagão fundiário”. Foram apenas seis títulos. No blog, publiquei nota com gráficos. Os dados foram obtidos pela ONG graças à Lei de Acesso à Informação.
Luiz Carlos Azedo - A dura travessia
“A ampla coalizão de centro-direita, formada
por Arthur Lira (PP), sinaliza o campo de alianças de Bolsonaro”
Será
dura a travessia da oposição até as eleições de 2022, principalmente para as
forças do chamado centro democrático. Isso ficou evidente após as vitórias de
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e Arthur Lira (PP-AL), na Câmara. No
primeiro caso, houve uma composição entre o candidato governista e os
principais partidos de oposição — PSDB, PT e PDT —, que mitigou a vitória de
Jair Bolsonaro e foi, sobretudo, uma conquista do DEM. O novo presidente do
Congresso passou a ser a principal referência do país para estabilidade
institucional. No segundo caso, a vitória do presidente da República foi
inequívoca e sua aproximação com o PP — partido do qual já fez parte — pode
levá-lo a escolher essa legenda para disputar a reeleição.
A volta de Bolsonaro ao PP faz todo sentido, uma vez que o projeto de construção de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, não foi adiante. O Partido Progressista, presidido pelo senador Ciro Nogueira (PI), é herdeiro direto da antiga Arena e do PDS, tendo incorporado os antigos Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido Progressista, de quem herdou o nome atual. Entre os quadros da legenda estão veteranos personagens da política nacional: Paulo Maluf, Francisco Dornelles, Esperidião e Ângela Amin, Raimundo Colombo, Delfim Netto, Celso Russomano, Pratini de Moraes, Afonso Celso Pastore, Blairo Magri, Ricardo Barros e Aguinaldo Ribeiro, além dos atuais prefeitos de Rio Branco (AC)), Tião Bocolon, e João Pessoa (PB), Cícero Lucena. A filiação de Bolsonaro ao PP, caso se confirme, reorganizará sua base eleitoral a partir da centro-direita, retirando-o do isolamento em que estava ao protagonizar a formação de um partido de extrema-direita.
Maria Hermínia Tavares - Ligações perigosas
Conversas
inadequadas entre juiz e promotores, intimidade entre políticos e empresas são
tão comuns quanto reprováveis
Graças
ao ministro Ricardo
Lewandowski, do STF, tem-se agora acesso ao registro das
conversas privadas —e tóxicas— do então juiz Sergio Moro com procuradores da
Operação Lava Jato quando se instruía a denúncia contra o ex-presidente Lula.
As 50 páginas de transcrições desvendam uma relação mais do que imprópria entre
um magistrado, que deveria primar pela isenção, e os membros do Ministério
Público responsáveis pelas alegações que justificassem transformar o líder do
PT em réu no célebre caso do tríplex do Guarujá.
Advogados relatam que conversas inadequadas entre juiz e promotores durante o processo de instrução são tão comuns quanto reprováveis, pois se dão sempre em prejuízo do acusado. Mas, além de inaceitável do ponto de vista ético, o escambo entre Moro e os acusadores de Curitiba produziu um resultado politicamente letal: excluiu do jogo, na marra, o candidato que, goste-se disso ou não, detinha àquela altura a preferência dos eleitores, constatada nas pesquisas.
Bruno Boghossian - 'Dois anos difíceis' no STF
Com
aliados no Congresso, integrantes do tribunal acreditam que presidente voltará
a 'se soltar'
Os
sinais emitidos depois do casamento de
Jair Bolsonaro com o centrão fizeram com que ministros do
Supremo erguessem a guarda. A ala que enxerga o tribunal como um contrapeso
necessário aos planos mais audaciosos do presidente prevê “dois anos difíceis”,
nas palavras de um deles.
O
comportamento de Bolsonaro nos próximos meses vai mostrar de que maneira o
governo pretende aproveitar a rede de proteção que foi estendida a seu favor no
Congresso. Com a saída de um opositor que lhe impôs alguns freios no comando da
Câmara, a expectativa é que o presidente volte “a se soltar”.
No ano passado, Bolsonaro se viu ameaçado por investigações que cercavam seu grupo político e abandonou o espírito conflituoso com o Legislativo e o Judiciário. Agora, um grupo de ministros do STF prevê novos episódios de tensão com o Palácio do Planalto. A diferença é que, em algumas brigas, o centrão deverá ficar ao lado do presidente.
Gabriela Prioli - Quem ganhar vai perder
Bolsonaro
vai sorrir amarelo para o centrão?
Quando
seu candidato ganhou a eleição à presidência da Câmara, Bolsonaro perdeu um
ponto de sustentação da sua narrativa. E ele sabe disso, por isso a reação de
afastamento: "eu apenas fiquei na torcida".
Jair
existe na reação porque a sua presidência —ou a sua existência— não tem plano
de ação. A estratégia é colocar a culpa nos outros. Foi assim até agora e tem
funcionado.
O problema é que Arthur Lira não me parece ter qualidade essencial para que alguém seja considerado aliado do plano egocêntrico do capitão: a disposição para servir de muleta para o presidente. Alguém imagina Lira num vídeo como o de Regina Duarte na sua saída da Secretaria de Cultura? O sorriso amarelo de uma existência que se coloca a serviço do mito? Eu não. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Ricardo Noblat - A lista do faz de conta que o governo quer aprovar
Nenhuma
menção a programas sociais
Era
previsível. Um governo que se instalou sem dispor de um projeto para o país e
que assim continua dois anos depois, não tem prioridades, e, por isso, nada
pode propor ao Congresso que surpreenda. Foi o que mais uma vez ficou
demonstrado.
Jair
Bolsonaro entregou aos novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados o
que espera deles, eleitos com seu aval – uma lista com 35 medidas a serem
votadas em breve ou quando der. São medidas demais para o conturbado tempo que
lhe resta.
2020
foi o ano da pandemia, onde o vírus atrapalhou o funcionamento normal do
Congresso. 2021 será o ano da vacinação que, na melhor das hipóteses, entrará
pelo próximo ano. 2020 é o ano que não acabou, e 2021 o que acabou cancelado.
Os
políticos já estão em 2022 quando terão de renovar seus mandatos ou disputar
outros. Nada farão que possa lhes custar votos. Reforma tributária? É
complicado demais. Administrativa? Bolsonaro não parece disposto a cortar
privilégios.
Privatização
de empresas estatais? A Eletrobras poderá ir à leilão como falsa prova de que
esse é um governo liberal. Mas não se conte nessa área com um processo robusto
de vendas de empresas. Bolsonaro compartilha o nacionalismo equivocado dos
militares.
O que de fato interessa a ele é que o Congresso chancele o que mantenha coesa sua base tradicional de sustentação. Assim – quem sabe? – ela engula sem reclamar tanto sua aliança recente com o Centrão, algo que ele disse que jamais faria.
Maria Cristina Fernandes - O vício do Congresso
Com
o sequestro do Orçamento por emendas parlamentares de valor crescente de que
vale um presidente da República?
O
presidente Jair Bolsonaro ganhou, mas não levou. A eleição na Câmara dos Deputados
bifurca o futuro do país entre dois rumos, um ruim e o outro, péssimo. Um
deriva de um presidente que comete estelionato eleitoral na aliança com o
Centrão de olho na contestação do resultado de 2022. Pode fazê-lo agitando o
voto impresso e atiçando a reação de praças e sargentos que cultiva nas tropas
fardadas ou do bolsonarismo raiz que armou até os dentes.
As
instituições que sobrarem podem impedi-lo? Sim, mas sequestrarão o país. Ou
melhor, aumentarão um resgate inflacionado ao longo dos últimos vinte e poucos
anos. No Congresso o processo foi inebriante. Basta ver, por exemplo, o que
aconteceu com as emendas parlamentares. No início deram barato, mas viraram a
dependência de uma droga crescentemente abastecida pelos impeachments,
ameaçados e concretizados.
A
prisão do chefe do tráfico de emendas levou à ascensão de outras lideranças,
algumas que nasceram na boca, outras que a frequentam pelas beiradas e ainda
aquelas que a toleram pelo poder. Com maior ou menor dependência, hoje não
sobrevivem sem a droga.
O vício, por óbvio, é paulatino. Em meio aos arranjos parlamentares que se sucederam ao impeachment do primeiro eleito da Nova República e à posse de um vice desconfortável no cargo, sete parlamentares foram pegos com a botija. Os anões do Orçamento vagaram insepultos no governo Itamar Franco e permaneceram influentes até outro dia. O esquema, porém, se institucionalizou.
Ribamar Oliveira - Para cumprir teto, risco é subestimar despesa
Redução
do “empoçamento” é uma das ideias em estudo para abrir espaço para outros
gastos
O
senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator-geral da proposta orçamentária deste
ano, tem uma missão ingrata. Ele terá que descobrir uma maneira de fechar o
Orçamento sem paralisar investimentos ou afetar serviços públicos. A avaliação
dos especialistas é que as despesas não cabem dentro do teto de gastos sem que
cortes adicionais sejam realizados. O relator não pode, no entanto, dar ouvidos
a propostas que resultariam, em última análise, em subestimar despesas.
Um
caminho nessa direção já foi trilhado em 2019, quando o Congresso Nacional
aprovou o Orçamento de 2020. O então relator-geral da proposta orçamentária,
deputado Domingos Neto (PSD-CE), reduziu as despesas com pessoal em R$ 6
bilhões, na suposição de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019
teria “aprovação célere”, pois ela era “considerada fundamental por expressiva
parcela dos membros do Congresso”.
A PEC 186/2019 prevê, entre outras coisas, a redução da jornada de trabalho em até 25% com diminuição proporcional da remuneração nos exercícios financeiros em que a União descumprir a chamada “regra de ouro”, que proíbe o aumento da dívida pública acima da elevação da despesa de capital (investimentos e amortização da dívida). A PEC veta também o aumento do valor de benefícios de caráter indenizatório para servidores, assim como proíbe a progressão e a promoção funcional em carreira.
João Doria* - Mais vacinas já!
Com
elas retomaremos a vida normal e a motivação para encarar novos desafios
Muitos
países vivem hoje o paradoxo da pandemia com a chegada de vacinas contra a
covid-19, mas enfrentando a segunda onda do novo coronavírus. O cenário nunca
foi tão preocupante. É um quadro que aumenta a responsabilidade dos governos.
Ao mesmo tempo que adotamos medidas para reduzir taxas de transmissão,
concentramos esforços para comprar e aplicar o maior número possível de
vacinas.
No
Brasil, o cenário é ainda mais acentuado pela desastrosa ação do governo
negacionista de Jair Bolsonaro. Não por acaso, um estudo internacional apontou
que o Brasil teve a pior gestão da pandemia entre 98 países. Bolsonaro
desdenhou da crise e combateu medidas de isolamento social e de uso de
máscaras. Foi letárgico no processo de compra de vacinas e entusiasta da
cloroquina. Errou em tudo.
Desde
o início, Bolsonaro colocou-se na contramão da medicina e da vida. Gastou
recursos preciosos com drogas inócuas e chegou ao absurdo de incitar a invasão
de hospitais. O governo federal foi incapaz de garantir o suprimento de
oxigênio para os pacientes de Manaus, mesmo tendo sido avisado com
antecedência. A má gestão de Bolsonaro agravou os problemas da pandemia. Os
péssimos resultados são hoje um fato: em 2020 o Brasil viveu a pior recessão da
sua História. E tornou-se o segundo país do mundo com maior número de mortes
pela covid-19.
Passados 11 meses do primeiro caso no Brasil, a boa notícia é que os cientistas produziram, em tempo recorde, vacinas seguras e eficazes. O governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, foi pioneiro no desenvolvimento da Coronavac com o laboratório Sinovac. Essa parceria bem-sucedida garante a oferta de 100 milhões de doses para o Programa Nacional de Imunizações. Graças ao esforço da ciência de São Paulo, já temos mais de 2,2 milhões de brasileiros vacinados. E a vacina do Butantan responde por 85% das imunizações dos brasileiros. A cada dez vacinados no Brasil, ao menos oito receberam a vacina do Butantan.
Roberto Macedo* - Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados
Os
congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão
A
Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur
Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a
distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.
O
que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido
se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma
que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos,
vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment
e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar
sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da
Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve
responder com gratidão.
Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.
Adriana Fernandes - PEC emergencial, antes vista como salvadora, já morreu no Congresso
Por
ora, a coisa mais responsável a fazer é aprovar o auxílio emergencial
Por
interesse político-eleitoral, criou-se a falsa ideia de que seria possível
prorrogar o auxílio emergencial com responsabilidade fiscal e dentro
do teto de gastos.
Essa
possibilidade nunca existiu de verdade e a realidade virá à tona nas discussões
de Orçamento de 2021 que começam de fato na próxima semana.
Com
o fim das eleições, a história já é outra. O primeiro passo foi dado: o anúncio
da decisão de conceder o auxílio no manifesto assinado pelos novos
presidentes Rodrigo Pacheco (Senado)
e Arthur Lira (Câmara) e entregue ao presidente Jair
Bolsonaro. O documento chegou carimbando no Palácio do Planalto.
Com
o auxílio chegando pelas mãos do Congresso,
ninguém poderá dizer que o presidente quis ser populista. De quebra, Bolsonaro
ganha depois os bônus pela concessão do benefício da população. A mesma
estratégia já foi usada outras vezes com sucesso.
A urgência da pandemia não permite esperar a discussão difícil de corte de gastos que demora tempo. Também há a pressão para a acomodação de novas demandas políticas, acertadas durante a campanha eleitoral. Sem falar na necessidade mais do que evidente de ampliação de gastos para a área de saúde com a segunda onda da pandemia (ninguém está falando disso agora, mas esse tema vai aparecer) e os pedidos de recursos que surgem para a produção de novas vacinas no Brasil.
William Waack - O que sempre fomos
Depois de tantas mudanças,
a política brasileira se parece tanto ao que sempre foi
O que é o governo Bolsonaro dominado
pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas
décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de
esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam
recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o
processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos
decisivos).
Visto com uma distância de
três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer
no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que
cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade
conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não
importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.
Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.
Carlos Melo* - Ampla lista de prioridade é não ter prioridade
Vencer eleição não é difícil, sobretudo, com recursos às mancheias. Difícil é satisfazer expectativas: cumprir promessas espalhadas ao ar como confetes, honrar acordos, conciliando interesses; definir prioridades e demonstrar como realizá-las. Passadas as disputas na Câmara e no Senado, os vencedores devem mostrar que estão prontos e sabem o que fazer. Liderança é um estado de prontidão.
Agrega-se
a eles nessa obrigação também o Executivo, pois, no limite, foi o presidente da
República proclamado como grande vitorioso do processo. Para Jair Bolsonaro
será, aliás, um desafio interessante: a partir de agora, não poderá dizer que é
impedido pelo Congresso, não poderá atribuir a desafetos a origem de suas
dificuldades: ao vencedor, não cabe desculpas.
Nesse sentido, era natural que os principais dirigentes políticos do país viessem a público expressar seus propósitos. No processo eleitoral, Arthur Lira, por exemplo, não conseguiu elaborar nada que extrapolasse o corporativismo, o interesse e as questiúnculas de seus pares do baixo clero. Logo, cumpria mostrar ao que vieram. Foi o que tentaram simbolizar ao trocarem quase protocolarmente cartas de intenção.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
O
tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado no momento em que o
bolsonarismo avança sobre as instituições brasileiras.
O chavismo estabeleceu uma sólida ditadura na Venezuela não apenas como resultado da truculência golpista do falecido caudilho Hugo Chávez e de seu impiedoso herdeiro, Nicolás Maduro, mas também – e talvez principalmente – pelo sucesso do assalto promovido pelos gângsteres bolivarianos às instituições de Estado. E esse assalto foi bem-sucedido, entre outras razões, pela ausência de uma oposição organizada, unida e com propósitos claros.
O
tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado justamente no momento em que o
bolsonarismo avança insidiosamente sobre as instituições democráticas
brasileiras. Cada dia que passa sem reação à altura desse desafio ajuda a
consolidar esse desmonte do sistema de freios e contrapesos, que limita o poder
numa democracia representativa.
Tal
como ocorreu na Venezuela, a oposição a Bolsonaro claramente perdeu-se em lutas
internas, movidas por objetivos imediatos e paroquiais, que só dizem respeito
aos interesses eleitorais de seus caciques, sem qualquer conexão com os anseios
da sociedade.
A
mediocridade das forças que poderiam obstar a marcha bolsonarista permitiu que
o presidente Jair Bolsonaro, malgrado suas inúmeras agressões à democracia e
seu criminoso desserviço ao povo em meio à pandemia de covid-19, conseguisse
eleger seus candidatos ao comando da Câmara e do Senado.
Para
adicionar insulto à injúria, vários parlamentares supostamente de oposição
aderiram às candidaturas patrocinadas por Bolsonaro, ávidos por participar do
festim governista no Congresso e por obter espaços nas Mesas Diretoras e nas
comissões. Nem na Venezuela a oposição foi tão pusilânime.
Os
partidos com maior consistência ideológica – PSDB, DEM e PT – parecem perdidos
com questiúnculas de poder e profundas contradições internas, que embaralham
seu discurso e enfraquecem a mensagem com a qual pretendem motivar o
eleitorado.
Com a fragilização desses partidos tradicionais, restam no horizonte político pouco mais de duas dezenas de legendas que só existem para aproveitar as oportunidades fisiológicas abertas pelo governismo. Há de tudo nesse balaio: de partidos cujos proprietários foram condenados por corrupção a agremiações que se alugam para quem pagar mais. No topo de tudo, temos um presidente da República que já foi de oito partidos e hoje nem partido tem, o que dá a exata medida do menosprezo bolsonarista pelo debate partidário próprio das democracias.
Poesia |Graziela Melo – Os cacos da vida
Os cacos
de
vida
que
me
restam
misturados
a
pedaços
ainda
inteiros
dos
meus ossos
que
pululam
sem
guarida
pelos
becos
obscuros
deste
mundo
pelas
rampas
inclinadas
desta
vida
são
vestígios
de
um corpo
destruído
fragmentos
de
uma nuvem
deluída
nos
temporais
que
circulam
no
universo
dos
meus tempos
de
transtornos
rotineiros
oriundos
de
transtornos
verdadeiros!!!