terça-feira, 3 de setembro de 2019

Opinião do dia – Norberto Bobbio*

Poderíamos dizer que a história do liberal-socialismo tem início com John Stuart Mill, que contudo é um dos maiores representantes do pensamento liberal. É conhecida a sua simpatia, em especial nos últimos anos, pelas ideias socialistas. Entre as varias passagem dos seus textos com maior frequência citados nessa direção, um dos mais significativos é a carta a K.D. Rau, de 20 de agosto de 1852, na qual se lê: Creio que o principal fim do melhoramento social deva ser preparado através da educação para uma situação da sociedade que combine a maior liberdade pessoal com a justa distribuição dos frutos do trabalho, situação que as vigentes leis sobre propriedade não permitem atingir. Ressalto apenas que, para indicar a ‘superação”, como diriam os nossos filósofos, da antítese histórica entre liberalismo e socialismo, Mill usa o verbo “combinar” (combine), que indica de um ponto de vista pragmático, como convém a um filósofo empirista, a exigência de um encontro entre princípios liberais e princípios socialistas no terreno da luta política.

*Norberto Bobbio (18/10/1909-9/1/2004), filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e foi senador vitalício italiano. “Teoria Geral da Política – A filosofia Política e as Lições dos Clássicos”, p. 357. Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000.

Merval Pereira - Poder ilimitado

- O Globo

Indulto nos termos em que pode ser concedido por Bolsonaro atingirá qualquer policial, mesmo miliciano

O precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, no governo Michel Temer, considerando que o indulto é uma prerrogativa política do presidente da República que não pode ser limitada, permite que agora o presidente Jair Bolsonaro queira indultar os policiais presos pelos massacres de Carandiru e Carajás. Como define o constitucionalista Gustavo Binenbojm, “sempre no Brasil a exceção se transforma em permanente, uma anomalia leva a outra”.

Quando o Supremo, através de uma liminar da então presidente Cármen Lúcia, e posteriormente por uma ação do ministro Luís Roberto Barroso, proibiu que o indulto fosse concedido em certas situações, para os ministros favoráveis à autonomia completa do presidente da República extrapolou suas funções, exercendo uma ação privativa do presidente.

Indulto tem que ser “genérico e abstrato”, expressão técnica jurídica para definir que não pode ser pessoal nem determinado, direcionado a um grupo. Como Bolsonaro pode ter êxito ao indultar presos por casos específicos como os que já citou? Fazendo do jeito que Temer fez.

Basta pegar os tipos penais que os policiais cometeram, e não precisa mais nem mesmo definir o tempo de cumprimento de pena. Os presidentes de uns tempos para cá têm sido muito generosos. O tempo mínimo da pena para os aptos ao indulto, que já foi mais de 12 anos, foi diminuindo até que, com Temer, deixou de existir. Isto é, todos os condenados estão habilitados a ser indultados.

No indulto do seu primeiro ano de governo, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos, e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes.

O indulto seguinte não estabelecia um período máximo de condenação, e reduzia para um quinto o tempo de cumprimento da pena para os não reincidentes.

No caso da Lei de Anistia, ela foi geral e irrestrita, mas diferencia-se do indulto. A anistia tem que ser aprovada pelo Congresso, e o indulto depende exclusivamente do presidente da República. O problema é que o indulto nos termos em que pode ser concedido por Bolsonaro atingirá qualquer policial, mesmo miliciano.

Carlos Andreazza - Contra o centro

- O Globo

Não terá sido à toa que Jair Bolsonaro se declarou como de centro direita. Não importa o que realmente seja; mas o espaço que pretende ocupar —e, sobretudo, o lugar para o qual quer empurrar os demais atores políticos. Em campanha permanente, trabalha para engessar o tabuleiro de modo a reproduzir, em 2022, o ambiente polarizado no qual se elegeu em 2018.

O discurso exprime um movimento de defesa —e só se defende quem intui, ao menos, uma ameaça. Bolsonaro é desaparelhado para uma disputa contra o centro, o que pressupõe debate convencional. É desprovido de ferramentas para enfrentar algo que não seja uma guerra, o que presume um oponente extremista — um adversário que possa ser vendido como inimigo. Ele sabe que o centro está esfacelado tanto quanto que seu rearranjo colocaria em risco seu projeto de poder.

Concluí meu artigo anterior afirmando que o ressentimento bolsonarista — a linguagem de investimento total em crises —só poderia ser politicamente vencido por meio da superação do sentimento social de vingança “contra tudo isto que está aí”, gatilho antipolítico que converteu a radicalização em atitude pública normal, e da reconstrução da ideia de centro entre nós, o que equivaleria a recolocar o valor do equilíbrio, da estabilidade, na cesta de desejos da sociedade.

Não será fácil; porque, para tanto, precisaríamos tornar ao menos respeitável a cultura republicana da impessoalidade e do governante limitado, e isto justamente quando a demanda representativa do cidadão, este sujeito de “saco cheio”, fincou-se na percepção da política como obra da vontade rompedora do populista eleito, o que transformou, por exemplo, a defesa do estado de direito em conversa elitista — em golpe do establishment, materializado em Congresso e STF —para preservar o status quo.

Não será fácil; porque, assaltados pela gramática da conflagração, perdemos a capacidade de leitura para o óbvio, conforme expressa a evidência de, estando sob uma depressão política profunda decorrente de quase duas décadas de exaltação do “nós contra eles”, havermos consagrado um presidente —mais um personalista salvador da pátria — que é própria a encarnação da mitologia dos extremos.

Bernardo Mello Franco - O presidente que encolheu

- O Globo

A estratégia de radicalização pode agitar as redes, mas não ajuda Bolsonaro com o mundo real. Para 55%, o presidente não se comporta à altura do cargo que ocupa

A nova pesquisa Datafolha mostra que Jair Bolsonaro encolheu. Depois de oito meses, o índice de brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo
subiu para 38%. É uma reprovação bem maior que a dos antecessores Fernando Henrique (15%), Lula (10%) e Dilma (11%) no mesmo período.

Para se ter uma ideia do buraco: com seis meses no poder, Fernando Collor era rejeitado por 20%. Ele já havia confiscado as poupanças, mas ainda não chegava perto do capitão em impopularidade.

A rejeição a Bolsonaro é maior entre negros (51%), nordestinos (52%) e desempregados (48%). No entanto, também avança em setores que o apoiaram maciçamente na eleição. Chega a 46% entre os mais ricos e a 43% no público com ensino superior.

Outro dado ajuda a dimensionar o desgaste do presidente. De cada quatro eleitores dele, um afirma que não repetiria o voto hoje. Isso aponta um exército de 14 milhões de arrependidos — um incentivo e tanto para quem pretende confrontá-lo em 2022.

Míriam Leitão - Economia não ajudará aprovação

- O Globo

Presidente Bolsonaro perdeu popularidade, e a economia não virá em seu socorro, porque a situação não é de melhora a curto prazo

A economia não deverá vir em socorro do presidente Bolsonaro para melhorar sua popularidade, porque o nível de atividade este ano está muito fraco, não houve a retomada prevista pelo mercado financeiro. Para 2020, a previsão é de um crescimento de 2,1%, insuficiente para criar um clima de otimismo e que pode nem ser confirmado. Ele terá que mudar totalmente sua forma de governar, focar nos problemas que herdou e que tem que solucionar, se quiser que a conjuntura melhore. A desculpa de “eu não entendo de economia” é boa como truque de campanha. Não serve para governar.

O mais importante na pesquisa Datafolha é que ela confirma a tendência de piora precoce da aprovação. Os dados mostraram que 38% avaliam o desempenho do presidente como ruim ou péssimo, apenas 29% acham que é ótimo ou bom. Na mesma época, Fernando Henrique era reprovado por 15% das pessoas consultadas, Lula, por 10%, e Dilma, 11%. Bolsonaro mesmo derrubou a sua popularidade, com a estratégia conflituosa que colocou em prática.

Sua decisão de criar sucessivos atritos, a crise ambiental, a demora da resposta da economia estão fazendo com que ele perca o apoio daquele eleitor que votou nele por determinadas circunstâncias, mas que não necessariamente se identifica com todas as suas propostas. Uma importante maioria, 62%, acha que ele fez menos do que o esperado em seu governo. E até entre os que votaram nele 41% acham isso.

O apoio que ele tem é baixo principalmente porque há uma longa travessia para fazer até o fim do governo, e ele já está pensando no próximo mandato. Se ele tivesse esses percentuais de aprovação após um período longo de administração e, portanto, de natural desgaste, se poderia dizer que era um bom nível para a disputa da reeleição. Mas ele tem pela frente três anos difíceis, com as contas públicas em situação calamitosa.

Quanto mais impopular é o presidente, mais difícil é ele reunir uma base de apoio no Congresso para os seus projetos. Bolsonaro criou dificuldades desnecessárias com o Congresso no seu melhor momento, em início do mandato, e agora está distribuindo cargos e aceitando as indicações que dizia que não aceitaria. A reforma da Previdência foi aprovada na Câmara pelo esforço de outros partidos, alguns hostilizados por ele, mas a sua desidratação pode levar a maiores dificuldades de construir consensos que levem a avanços na pauta econômica.

José Casado - Ruim para os negócios

- O Globo

Jair Bolsonaro parece mais inquieto com a próxima reunião da ONU, em Nova York, do que com a sua quarta cirurgia no abdômen no próximo domingo, em São Paulo. “Eu vou, nem que seja de cadeira de rodas, de maca”, disse ontem, “porque eu quero falar sobre a Amazônia”.

Será mais do mesmo, se insistir na retórica radical que manipula em fuga da realidade. Melhor faria se mobilizasse governos e Congresso num projeto consistente para a região.

Exigiria trabalho, o que é diferente da venda de ilusões sobre a refundação da República em tuítes para convertidos. Implicaria num choque com a realidade, por exemplo, das empresas que preferem lucrar sob regras ambientais claras e estáveis ao caos da paisagem calcinada, instável para investimentos de longo prazo, como na mineração.

Bolsonaro, talvez, ficasse surpreso com os anúncios dos últimos dias feitos por transnacionais do comércio, indústria, agricultura e finanças, exorcizando suspeitas de cumplicidade com o desmate amazônico.

Eliane Cantanhêde – Papai Noel existe

- O Estado de S.Paulo

Em vez de brigar com os dados e só ouvir os áulicos, Bolsonaro devia ouvir mais Terezas Cristinas

Quando os jornalistas perguntaram ontem ao presidente Jair Bolsonaro sobre a preocupante erosão de sua popularidade, com aumento bem fora da curva dos índices de rejeição, ele voltou-se para um deles e desdenhou, com seu jeitão “simples e transparente”: “Você acredita em Papai Noel?”.

Não, presidente, acreditamos nas pesquisas de opinião, como no IBGE, Inpe, Ibama, Fiocruz, ICMBio, Ancine, na ciência, nas universidades, na educação que vai além do ensino, na diplomacia dos bons modos, nos direitos humanos e, claro, na defesa do meio ambiente.

Todos os presidentes, em diferentes épocas, reagem mal a dados negativos sobre seu governo e sua popularidade e preferem se trancar nos palácios, ouvir os áulicos cheios de elogios ou circular em ambientes francamente favoráveis – como os militares e evangélicos, no caso de Bolsonaro. É uma fuga da realidade. Quem mais perde é o próprio presidente, além do seu governo.

Melhor do que filhos, generais, assessores e a legião de “amigos” que frequentam palácios e melhor do que multidões selecionadas, seria o presidente chamar políticos experientes e de bom senso, com coragem e independência, para lhe dizer as verdades que ele não gosta de ouvir e os outros não admitem falar.

Um exemplo é a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Na crise doméstica e internacional das queimadas, ela jogou um balde de serenidade para apagar as labaredas reais e de comunicação. Enquanto outros atiçavam o fogo e as guerras do presidente, ela lembrou os danos que isso causaria à imagem e aos produtos brasileiros e sugeriu: em vez de botar mais lenha na fogueira, por que não apresentar soluções práticas e agir?

Eros Roberto Grau* - Meu amigo Alberto Goldman

- O Estado de S.Paulo

Curiosamente, quando conversamos por telefone tive vontade de afirmar que quem da nossa geração não foi fichado como comunista não viveu a vida completamente

Começo a escrever estas linhas, cá em Tiradentes, minutos após receber a notícia de que meu amigo Alberto Goldman se foi para o Paraíso. Agora, primeiro dia do mês de setembro. Ele subindo ao céu, onde há de encontrar Armênio Guedes e o José Roberto Fanganiello Melhem.

Meus amigos para todo o sempre desdobrando paz e esperança! Não me canso de repetir que a vida é maravilhosa. Há uns onze ou doze dias telefonei-lhe para bater papo, contar- lhe que nosso livro em homenagem ao Armênio logo será editado, e fiquei sabendo que ele fora internado no Hospital Sírio Libanês. Chamei-o então pelo celular e conversamos longamente.

Uns dias depois jantando com a viúva do Armênio, Cecília, ela me alertou para o fato de que o Goldman estava em estado de coma. Um frio passou pela minha espinha. Curiosamente, quando conversamos por telefone tive vontade de afirmar que quem da nossa geração não foi fichado como comunista não viveu a vida completamente.

Ele se filiara ao Partidão quando tinha dezenove anos, aluno da Politécnica da USP, de cujo Centro Acadêmico foi diretor, em seguida da União Estadual dos Estudantes, a UEE. Uma formidável existência política a partir de 1970. Deputado estadual duas vezes, seis mandatos de deputado federal, Ministro dos Transportes e Vice-Governador, depois Governador do Estado de São Paulo, em 2010.

Reto, direto, objetivo em tudo quanto dizia e fazia. Durante nossa última conversa relembramos um nosso encontro há muitos anos, na esquina da avenida Ipiranga com a avenida São Luís. Ele, o Melhem e eu em um encontro inesquecível!

Fui um dos últimos amigos que com ele falou antes de - como dizem os gaúchos como eu - ter pulado a cerca da vida, partindo para o Infinito. Não me canso também de repetir que a amizade, além de maravilhosa, é mágica. É assim como um campo de trigo lançado para além do horizonte, o que nos faz dotados de um olhar sem fim.

Meu amigo Alberto Goldman há de se reencontrar agora com o Armênio e o Melhem. Eu permaneço por aqui, com a certeza, porém, de que um dia nos veremos lá no Céu. Lá em cima, todos juntos reunidos.

*Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal

Paulo Hartung* - Educação como motor de uma nova história

- O Estado de S.Paulo

Só a ação política republicano-democrática e equilibrada pode promovê-la e incentivá-la

A distinção humana entre os seres viventes, como descreveu Hannah Arendt, é a vida do espírito (“the life of the mind”), conformada pelas faculdades do “pensar, querer e julgar”. Tais potencialidades nos conectam e nos mantêm, ou não, na contingência do humano, condição a que apenas nascemos devotados, mas não necessariamente obrigados. Elas alcançam, por meio da ação, desde o mundo do sujeito em si (o que sou, quero e devo ser) até a inter-relação deste com os outros (o que somos, queremos e devemos ser).

A educação, dinamizada pela produção, difusão e constante teste crítico, científico e racional de ideias, saberes e conhecimentos, é a via régia por meio da qual nossas faculdades humanizantes se podem colocar em favor da construção e evolução do desenvolvimento sustentável destinado à geração de prosperidade e de bem-estar de forma crescentemente inclusiva, em ambiente de igualdade, fraternidade e liberdade, nos marcos da diversidade humana.

A despeito dos gigantescos desafios e das incontáveis limitações impostas ao processo civilizatório brasileiro, situação ainda mais agravada nestes tempos de assustadores desapreços à educação, o Brasil tem constituído exemplos vanguardistas nessa área, tendo em vista o incremento socioeconômico e político-cultural, com autonomização cidadã de nossas populações, especialmente as juventudes.

Uma das ferramentas disponíveis para a melhoria da educação é o planejamento estratégico. Também por seu uso intensivo, à frente do governo do Estado do Espírito Santo, seguimos esse norte na elaboração e implementação de políticas públicas estruturantes e inovadoras (Escola Viva, de educação integral em tempo integral; Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo, de regime de colaboração entre o Estado e os municípios; Jovem de Futuro, em parceria com o Instituto Unibanco, etc.).

Pablo Ortellado* - Polarização assimétrica

- Folha de S. Paulo

Defensores da polarização alegam que ódio e mentira se concentram no outro lado

Embora a polarização política seja frequentemente criticada por promover a intolerância política, fechar as portas ao diálogo e bloquear as soluções de compromisso, ela tem seus defensores, normalmente entre aqueles envolvidos na disputa.

Há, em geral, duas linhas de argumentação. A primeira, mais acadêmica, enfatiza as virtudes sistêmicas da polarização, que ampliaria a participação política e organizaria melhor o espectro, tornando as opções mais claras e mais coerentes do ponto de vista ideológico.

Mas há também as defesas engajadas, que veem a polarização como uma disputa cristalina entre posições justas e injustas, éticas e antiéticas.

Assim, na esquerda, a polarização é frequentemente apresentada como luta de classes, com um lado defendendo o trabalhador e o outro defendendo o capital; já na direita, ela é vista como a batalha entre quem defende a ética na política e quem defende a roubalheira.

Um argumento frequentemente utilizado pelos defensores da polarização contra os seus críticos é o de que os polos não são iguais em valores e métodos e que, portanto, a polarização seria assimétrica, com as mentiras e o ódio concentrados num lado só. Esse argumento é muito comum na esquerda.

Vemos ecos dele na entrevista que Lula concedeu na semana passada à BBC Brasil.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Afasta de mim esses cálices

- Folha de S. Pauilo

Ou surge uma alternativa a PT e Bolsonaro, ou oscilaremos entre o ódio e o medo

Se a eleição fosse hoje, Bolsonaro perderia para Fernando Haddad de 42% a 36%, segundo o Datafolha. Parece que a maré virou. O que não quer dizer, evidentemente, que a fotografia da opinião pública tirada agora ainda valerá daqui a três anos.

Felizmente, a eleição não é hoje. Não que eu deseje quatro anos adicionais da bagunça violenta que hoje nos governa e que deve seguir nesse ritmo até o fim do mandato. Longe disso. Torço, contudo, para que o Brasil adquira algum tipo de sabedoria e rejeite a volta do projeto petista. Ainda temos tempo de evitar mais um segundo turno de pesadelo, como foi o de 2018.

“Ah, mas pera lá, Joel. Será que o PT foi tão ruim assim?” Infelizmente, foi. Lula até que começou bem, preservando o legado macroeconômico e institucional de FHC e investindo na política social para a base da pirâmide. Depois desse aceno de moderação, contudo, entramos numa espiral de irresponsabilidade fiscal, acirramento do discurso divisivo e alargamento da “goela” da corrupção, para usar a expressão de Emilio Odebrecht.

Lula e Dilma tiveram nas mãos a chance de nos colocar num novo patamar, mas as demandas da sede implacável pelo poder nos deixou um país dividido, de economia destroçada e instituições corrompidas. De lá para cá, nada aprenderam.

Ranier Bragon – Jair, o Fake

- Folha de S. Paulo

Só 19% dizem confiar plenamente naquilo que é dito pelo atual chefe do Executivo

Alexandre, o Grande. Ivan, o Terrível. Pepino, o Breve. Dona Maria, a Louca... Cada um entra para a história com o epíteto que merece. A mais recente pesquisa do Datafolha mostra que, por ora, o presidente do Brasil pode se apresentar aos comensais como Jair, o Fake.

O Datafolha é o instituto de pesquisas do Grupo Folha. Criado em 1983, traz no currículo um notável histórico de credibilidade e rigor técnico.

Não na visão, porém, dos que acordaram anteontem para a vida e estudaram, em vídeo, nas melhores academias olavistas espalhadas por este mundão grande e plano.

Também guardam o instituto em baixa conta escova-botas de variados matizes, gente que inclina colunas por essas terras possivelmente desde que os primeiros petistas desembarcaram das caravelas de Cabral com suas mamadeiras de piroca.

Nesta segunda (2), de seus gabinetes e até em redações de rádio e TV, se estapearam para gritar mais alto nas redes sociais contra o Datafolha.

Entre eles o ministro da Educação. Sua pasta figura como uma das mais aparvalhadas do governo, cortou bolsas de pesquisa e está no mais absoluto deus nos acuda, mas Abraham Weintraub demonstra aborrecimento, mesmo, é com o Datafolha.

Alvaro Costa e Silva - Mente que não sente

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro incorporou o coronel Pantaleão, personagem de Chico Anysio

Todo mundo mente. Mas alguns exageram. Na literatura universal há exemplos notáveis desde Penélope, mulher de Ulisses, que na "Odisseia", de Homero, engana seus pretendentes tecendo de dia e desfazendo de noite uma colcha. Para não morrer, Sherazade vira contadora de histórias.

O barão de Münchhausen também escapou da morte, mas cavalgando balas de canhão. O explorador Fernão Mendes Pinto ficou conhecido como "Fernão Mendes Minto" ou "Fernão, Mentes? Minto!". Tartarin de Tarascon, o burguês arrogante que se imagina herói da pátria, é um personagem que cada vez mais se vê por aí. Sem falar no Pinóquio, com seu nariz crescente.

Entre nós, Macunaíma era mentiroso (além de preguiçoso). Emília não escondia o parentesco com Pinóquio: ambos eram bonecos que ganharam vida. De "Alexandre e Outros Heróis", obra que Graciliano Ramos coletou no folclore alagoano, Chico Anysio tirou o coronel Pantaleão, acrescentando o bordão "É mentira, Terta?".

Fernando Exman - Precisamos falar de política industrial

- Valor Econômico

CNI apresenta propostas ao governo federal

Industriais e parlamentares têm procurado autoridades do governo Jair Bolsonaro com uma mensagem direta: "Precisamos falar de política industrial".

A notícia é positiva. Há tempos não se ouve, em Brasília, que empresários tenham procurado a equipe econômica inicialmente circunscrevendo o debate a medidas estruturais e meios de aumentar a produtividade do setor industrial. Não para pedir que o Estado seja complacente com ineficiências, aceitando novamente amenizá-las com um mero pacote de incentivos e subsídios. Mas principalmente visando a criação de um ambiente favorável à implementação de uma agenda voltada à inovação, que estimule a tomada de risco e promova o aumento da eficiência da economia.

Essa é justamente a essência do documento inédito "Critérios para uma nova agenda de política industrial", que será divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) nesta semana e visa dar novo fôlego às discussões.

Aos poucos, o setor produtivo vai se adaptando à administração Bolsonaro. Na sexta-feira, por exemplo, fechou um acordo com o governo para desonerar a folha de pagamento da cobrança que é feita para financiar o Sistema S, alvo do presidente e de sua equipe desde a campanha eleitoral.

São frequentes também, no Planalto e no Ministério da Economia, críticas a gestões anteriores e ao papel que deram ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dados oficiais entregues à equipe de Bolsonaro na transição fundamentam o juízo pelo menos desde o fim de 2018. Por exemplo: os subsídios saltaram de 3,7% do Produto Interno Bruto em 2008 para 4,2% no ano seguinte, passando por 5,6% em 2013 e atingindo incríveis 6,7% em 2015.

O documento "Critérios para uma nova agenda de política industrial" não foge da polêmica. A reforma tributária foi alçada ao topo das prioridades e o chamado "custo Brasil" não poderia deixar de ser mencionado. A CNI, contudo, apresenta propostas práticas para uma nova governança.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Arrependimentos corporativos

- Valor Econômico

É impressionante a saída líquida de recursos das grandes empresas para remunerar acionistas e recomprar ações

O site Project Syndicate patrocinou um debate entre economistas. Joseph Stiglitz, Michael Spence e Katharina Pistor foram convocados para avaliar um mea culpa dos CEOs americanos. Na American Business Roundtable, os bacanas das grandes corporações bateram no peito para purgar os pecados cometidos em nome da maximização do "valor do acionista".

Em 1962, um dos sacerdotes do Deus-Mercado, Milton Friedman, publicou o livro Capitalism and Freedom. O livro foi crucial para a defesa da primazia dos acionistas: as corporações não devem ter outro propósito, senão maximizar os lucros para seus acionistas. "Poucas tendências", Friedman escreveu, "poderiam minar tão completamente os fundamentos de nossa sociedade livre quanto a aceitação da responsabilidade social pelos gestores corporativos. Suas obrigações devem se restringir a ganhar dinheiro para seus acionistas".

A expressão "valor do acionista" sintetiza as práticas de gestão empresarial que buscam maximizar a extração de valor de um ativo já existente em detrimento da criação de valor mediante o investimento em um novo ativo reprodutivo. É impressionante a evolução da saída líquida de grana das grandes empresas para remunerar os acionistas e recomprar as próprias ações. No período 1976-1985 as transferências de valor para os acionistas chegaram a US$ 290 bilhões (0,4% do PIB americano). Entre 1986 e 1995 alcançaram a casa dos trilhões, US$ 1,54 trilhão, para avançar entre 1996-2005 para US$ 4,46 trilhões (2,6% do PIB) no período 2006-2015.

Daniel Rittner - Fernández x Maduro, Argentina x Venezuela

- Valor Econômico

O que há de realidade e de alarmismo com as eleições no vizinho

Os detalhes variam dependendo de quem conta a história, mas o importante mesmo é a lição. Dizem que, ainda no exílio em Madri, Juan Domingo Perón foi questionado em uma conversa com jornalistas sobre as preferências do eleitorado argentino. E começou a explicar: há uns 30% de liberais, talvez 30% de conservadores, mais 30% de socialistas ou comunistas. Aí viram que ainda faltava incluir o grupo mais dinâmico e a conta não fecharia. "General, e os peronistas?", perguntou um dos repórteres. Mais em tom de didatismo do que de gracejo, o líder populista respondeu: "Ah, sim, peronistas somos todos".

Essa é a parte verdadeira sobre as eleições de outubro na Argentina. O favoritíssimo Alberto Fernández encarna uma espécie de peronismo-raiz, tendo Cristina Kirchner como vice. O presidente Mauricio Macri se via destinado a expurgar o fantasma de Perón da Casa Rosada quando ganhou em 2015 e acabou recorrendo a um moderado senador peronista como companheiro de chapa em sua tentativa de reeleição. Roberto Lavagna, o ex-ministro que tirou a economia do atoleiro no início da década passada, apresentou-se como terceira via e representante do... "peronismo dissidente"!

A parte histriônica, mas sem amparo na realidade, é a de que o retorno do kirchnerismo transformará a Argentina em uma nova Venezuela. Ernesto Araújo comparou Fernández a uma matrioska, uma boneca russa, que "você abre e está Cristina Kirchner, abre [de novo] e está Lula, depois Chávez". Seu chefe não quer "irmãos argentinos fugindo para cá" e alertou que o Rio Grande do Sul pode ficar igualzinho a Roraima se "essa esquerdalha" vencer. Noves fora os milhares de jovens brasileiros que cruzam a fronteira todos os anos para estudar medicina no país vizinho, onde universidade é direito sagrado, há muita torcida política e pouca construção de pontes com o provável futuro presidente nas declarações de Jair Bolsonaro.

Alberto Fernández não é Nicolás Maduro. E a Argentina não é uma Venezuela. A começar pelo óbvio: tudo indica que ele será o vencedor em eleições justas e livres, sem coação de qualquer natureza, com independência entre os poderes, uma imprensa vibrante, terá oposição ativa.

Não há motivos para festejar a arrasadora vitória de Fernández nas primárias, como fez Dilma Rousseff no Twitter, vendo no resultado "enorme alento" para a democracia na América Latina e um "triunfo animador das forças progressistas sobre o neoliberalismo". Menos, Dilma.

Cristina Kirchner governou por oito anos (mais quatro de seu marido Néstor) e entregou um país em recessão, com escalada inflacionária, protecionismo exacerbado, mercado paralelo que fazia Buenos Aires reviver as práticas cambiais dos anos 1980.

Um séquito de assessores kirchneristas caiu em esquemas de corrupção, a própria Cristina está encrencada na Justiça, um promotor que a investigava foi encontrado morto em Puerto Madero no dia de apresentar suas conclusões ao Congresso. Seu secretário de Comércio mandava redes de supermercados congelar preços e recebia empresários no gabinete com um revólver à mesa. É sempre bom lembrar como era.

Só fica difícil argumentar pela reeleição de Macri. De príncipe dos mercados a patrocinador de um default, ele conseguiu piorar quase todos os indicadores sociais e econômicos em quatro anos. A variação acumulada do PIB em seu mandato é negativa, o nível de pobreza disparou e até a taxa de inflação - um triunfo habitual dos economistas ortodoxos - ficou mais alta.

Ricardo Noblat - Bolsonaro chama Villas Bôas contra a Igreja Católica

- Blog do Noblat | Veja

A crise anunciada
Sempre que se via em apuros, o general João Batista de Oliveira Figueiredo, o último presidente da ditadura militar de 64, ameaçava chamar “o Pires”. José Sarney, o primeiro presidente civil depois do fim da ditadura, ameaçava chamar “o Pires” sempre que era fortemente pressionado pelos políticos.

Foram dois os Pires – Walter, ministro do Exército do governo Figueiredo, e Leônidas, ministro do Exército do governo Sarney. O primeiro chegou a cogitar um golpe para melar a posse de Sarney. O segundo atuou para esfriar a temperatura política e fazer prevalecer a Constituição em vigor à época.

O Pires de Jair Bolsonaro é o ex-comandante do Exército de Dilma e de Michel Temer, o general Eduardo Villas Bôas, hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. No ano passado, Villas Boas soltou uma nota advertindo o Supremo Tribunal Federal para o risco de soltar Lula.

Quando o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, começou a atacar duramente a ala militar do governo, Villas Bôas saiu em socorro dos seus pares e, por tabela, do próprio Bolsonaro. A menos de um mês do Sínodo da Amazônia convocado pelo Papa Francisco, Villas Boas voltou a se manifestar.

Disse que o encontro dos bispos levará em conta “dados distorcidos” sobre “o que não acontece na Amazônia”. E que o governo se preocupa como tudo isso chegará “à opinião pública internacional” porque será “explorado pelos ambientalistas”. O Sínodo “escapou para questões ambientais e também tem o viés político”, afirmou.

O governo fez gestões junto à Igreja para enviar um representante ao Sínodo. O cardeal dom Cláudio Hummes, nomeado pelo Papa relator-geral do Sínodo, respondeu que será vetada a participação de políticos com mandato. “Não virão políticos com mandato, nem militares. Não participarão”, comentou secamente.

A colisão com a Igreja Católica é a mais nova crise contratada pelo governo Bolsonaro desde que em fevereiro último ele ouviu falar do Sínodo e acionou a Agência Brasileira de Inteligência para espionar padres, bispos e cardeais. A Amazônia ainda não estava em chamas como agora, mas os focos de incêndio cresciam.

Para Bolsonaro e seus ex-companheiros de farda, o Sínodo faz parte de uma série indigesta de fatos que só contribuem para enfraquecer a imagem do governo no exterior. O presidente da França foi o primeiro a bater o tambor. Depois, o secretário-geral da ONU e, em seguida, ministros de pequenos países europeus.

Embora não digam publicamente, as vozes de maior peso nos meios militares por aqui consideram Francisco um Papa de esquerda se comparado com os que o antecederam depois que João XXIII, no final dos anos 60 do século passado, sucedeu a Pio XII e convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II.

Devotos de Bolsonaro nas redes sociais costumam reverberar o pensamento dos chefes militares quando acusam Francisco de ser partidário de Lula livre e, por isso, comunista. Perguntou-se a Bolsonaro no último sábado se o Papa era de esquerda. “Não quero encrenca com a Igreja Católica”, ele se esquivou. Mas terá.

Aposta no militante de raiz

Lançada frente democrática brasileira

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Representantes de 16 partidos declararam ontem apoio ao movimento "Direitos Já", uma frente suprapartidária e com representantes da sociedade civil criada em defesa do Estado Democrático de Direito. Lideranças nacionais do PT e PSDB, no entanto, não compareceram ao evento, por divergências internas, apesar de integrantes dos dois partidos terem aderido ao movimento. Alas do PT, por exemplo, boicotaram abertamente o evento alegando que o partido estaria à reboque de forças de direita. Num efeito surpresa, o filósofo e ativista político Noam Chomsky apareceu como convidado de honra.

Chomsky fez uma análise do cenário internacional, dando ênfase a ataques a democracias consolidadas, como no Reino Unido, com o Brexit, e nos Estados Unidos, com a Presidência de Donald Trump. Segundo Chomsky, infelizmente o Brasil passa a sentir familiaridade com ataques às instituições democráticas com a Presidência de Jair Bolsonaro. Apesar de "fragilidades democráticas" em países como Turquia e Hungria, ele alertou que o ataque a democracias consolidadas como o que ocorre nos EUA e na Inglaterra é ainda mais alarmante.

Entre ex-candidatos à Presidência da República, Ciro Gomes (PDT) e Eduardo Jorge (PV) marcaram presença. Ciro foi saudado com gritos da plateia quando começou a discursar. Ciro criticou a inconsequência das elites, que ameaça sistemas democráticos. A ex-candidata Marina Silva (Rede) era aguardada, mas não compareceu. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que tem sido visto como um possível nome para a disputa em 2022, também compareceu.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) gravou vídeo no qual afirma ser necessário que "nos juntemos" para manter as regras da Constituição. Pelo PT, o orador foi o vereador Eduardo Suplicy. Discursaram políticos do PSB, Solidariedade, PL, Podemos, Novo, PV, Cidadania e PDT. O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, também aderiu, em mensagem por vídeo e disse que as instituições democráticas estão ameaçadas. "Estávamos anestesiados com tanta barbaridade. E isso acaba aqui e agora", afirmou a ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy, que já foi do PT e do MDB, mas se desfiliou e anunciou a retirada da vida pública.

Plano de sigla única do centro sofre resistência

Articulação é vista em siglas como impossível para 2020 e muito difícil para 2022

Igor Gielow | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A criação de um partido único de centro é ideia que empolga diversas lideranças, João Doria (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) à frente, mas enfrenta resistências fortes por parte das principais siglas envolvidas na discussão.

A Folha conversou com líderes tucanos, do DEM e do PSD, agremiações que formariam o núcleo do novo partido.

O diagnóstico é semelhante: é algo impossível ocorrer para o pleito municipal de 2020 e muito difícil para a eleição presidencial de 2022, quando uma frente contra Jair Bolsonaro (PSL) e a esquerda surge como hipótese mais provável.

A fusão, num cenário com 30 partidos com representação na Câmara dos Deputados, sempre pareceu lógica.

No mês passado, durante evento de estreia do deputado Alexandre Frota (SP) na bancada do PSDB em Brasília, o presidente da Casa, Maia, pediu a palavra quando o tema surgiu numa entrevista.

Disse que o fim das coligações em eleições proporcionais, que começa a valer em 2020, levaria à união entre DEM e os tucanos. Ao seu lado, o governador Doria (SP), principal interessado no arranjo.

O tucano trabalha para se viabilizar como candidato à sucessão de Bolsonaro, tentando afastar a imagem de político próximo ao então presidenciável no segundo turno de 2018 —o voto BolsoDoria.

Uma musculatura partidária que incluísse DEM e PSD, fora siglas menores, está no radar de seus estrategistas.

A virtude dos partidos como pretendentes a cortejar é a mesma que os faz serem refratários a tal acordo agora.

O maior ceticismo vem do DEM, paradoxalmente dadas as declarações de Maia. Seu presidente, ACM Neto, já disse ser contra a fusão.

O que pensa a mídia – Editoriais

Insatisfação consolidada: Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma nova pesquisa de opinião realizada pelo instituto Datafolha revelou que o porcentual de brasileiros que consideram o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo” cresceu de 33% para 38% em dois meses, entre o início de julho e o final de agosto. O presidente desqualificou as conclusões da pesquisa, como sempre o faz quando contraposto a tudo que não lhe pareça positivo. “Alguém acredita em pesquisa Datafolha? Você acredita em Papai Noel?”, questionou Jair Bolsonaro ao ser indagado sobre os motivos para resultado tão negativo para um governo com oito meses de mandato.

Ocorre que o resultado divulgado pelo Datafolha não é um dado isolado da realidade. O presidente pode ignorá-lo – não convém, mas ele pode – ou dele desdenhar publicamente, mas o fato é que a nova pesquisa vem consolidar os sentimentos de desconfiança e decepção de uma parcela crescente da população brasileira em relação ao desempenho de seu governo. Outros institutos de pesquisa já haviam capturado este estado de espírito.

No início de agosto, pesquisa XP/Ipespe revelou que o porcentual de brasileiros que consideravam o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo” também era de 38%, ante 34% na sondagem anterior. No fim do mês passado, pesquisa CNT/MDA apontou para a mesma tendência de aumento da percepção negativa sobre a qualidade do governo – ou a falta dela. De acordo com esta pesquisa, dobrou o porcentual dos que classificam o governo de Jair Bolsonaro como “ruim ou péssimo” entre fevereiro e agosto, saltando de 19% para 39%, mesmo patamar apurado pelos outros institutos.

A análise conjunta das pesquisas permite concluir que é cada vez maior o número de brasileiros insatisfeitos com o governo de Jair Bolsonaro. A percepção negativa que parcela expressiva da população tem do governo é perfeitamente compatível com o comportamento de um presidente que fez a clara opção por desconsiderar as exigências do cargo.

Poesia | Manuel Bandeira - Evocação do Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro

Música | Geraldo Azevedo - Chorinho de Criança