sexta-feira, 28 de novembro de 2008

AI5:Serra recebe a notícia no Chile, e fica no exílio


Raymundo Costa
DEU EM VALOR ECONÔMICO

Entre os perseguidos do regime que hoje podem ser candidatos a presidente da República está o governador de São Paulo, José Serra. Dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1964, no golpe militar, ele teve de se exilar no Chile, mas certamente não esperava que 14 anos se passariam até que retornasse ao país e à política.

Qualquer plano imediato de retorno foi interrompido naquele 13 de dezembro de 1968, quando o regime editou o AI-5. Os brasileiros que se encontravam em Santiago, a capital chilena, então um refúgio seguro para exilados de várias partes do continente, já aguardavam o recrudescimento do regime, mas a notícia foi particularmente marcante para José Serra. "Para mim, a notícia chegou num momento péssimo: eu estava de cama, com febre tifóide intensa, doença de incidência relativamente elevada naquela época na região da capital chilena", descreveu ao Valor.

Ele sentia uma "forte e ininterrupta dor de cabeça, febre elevada, necessidade de permanecer imobilizado na cama" e tomava o que classifica hoje de "doses cavalares de um antibiótico enjoativo". Quem lhe transmitiu a má notícia foi a economista Maria da Conceição Tavares, na época funcionária da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O governador de São Paulo dá a impressão de ainda sentir o mau humor com que ouviu as palavras dela: "Pareceu-me mais verdadeiro do que nunca aquele aforismo pessimista: toda desgraça é pouca", diz Serra, com acidez.

"Eu havia acabado de concluir o mestrado em economia pela Universidade do Chile, tinha sido contratado pela faculdade, estava casado fazia cerca de um ano e minha mulher estava grávida. Já estava exilado desde 1964 - era o único estudante exilado naquela época, por causa de uma condenação absurda da Justiça Militar, baseada em "provas" forjadas. Mesmo assim, planejava voltar para o Brasil em algum momento de 1969."

Plano que o governador teve de adiar até 1978. Durante algum período ele ainda permaneceu no Chile, mas o sangrento golpe militar do general Augusto Pinochet o levou à prisão e, depois, a uma fuga providencial - era um nome marcado para morrer.

"Num segundo, enquanto a Conceição, a um par de metros da minha cama, me relatava o que havia acontecido, percebi que ficaria ainda muito mais tempo no exterior."

Segundo Serra, com a doença, ocorreu algo raro: depois de recuperado, semanas depois, ela voltou, apesar de o médico ter dito que a probabilidade de recidiva era de 1%. "Foi o efeito do AI-5, pensei, em meio às novas dores de cabeça e da febre de 40 graus."

Rolando Lero


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Período compreendido entre o balanço de perdas e ganhos de uma eleição e a apresentação das cartas em jogo no próximo pleito, a entressafra eleitoral é a fase das floradas do recesso.

A atual revela-se especialmente fértil em fabulações de toda sorte por causa da dificuldade que a crise econômica impõe à visão do horizonte. Na falta de algo consistente para dizer ou fazer, os partidos, os políticos e os pretendentes a candidatos fazem e dizem qualquer coisa.

Desde que ocupem espaços e aumentem os respectivos cacifes para disputar as melhores posições na largada, valem todas as marolas.

Vale o presidente Lula sacramentar Dilma Roussef como candidata à sucessão sem perguntar o que o PT tem a dizer; vale o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, abraçar a candidatura da ministra ao arrepio da posição de seu partido, mesmo cansado de saber que o PMDB tem outros (no sentido de múltiplos) planos.

Vale Dilma trocar os óculos por lentes de contato, reunir uma claque eleitoral em palácio e posar como provável chefe de Estado não obstante careça dos 50, 60 milhões de votos necessários; vale o DEM pedir rigorosa investigação para “apurar” se Lula está ou não fazendo campanha eleitoral antecipada para Dilma usando da máquina pública, sabendo da esterilidade da ação.

Vale até mesmo os governadores José Serra e Aécio Neves defenderem com assertividade a realização de prévias para escolher o candidato do PSDB à Presidência, quando a hipótese não está nem nunca esteve em cogitação. Se os tucanos falam dia e noite em unidade, há três eleições sofrem as dores da divergência interna, era o que faltava abrirem uma disputa a votos dentro do partido em pleno transcorrer de 2009.

Só o que não vale é o eleitor investir seu estoque de crença nessas conversas, cujo conteúdo é para ser registrado por um ouvido, dispensado pelo outro e nunca, jamais, ser escrito.

Nada do que está sendo dito ou feito merece confiabilidade rigorosa. Muito menos o que é dito e feito em público, entregue ao exame da população previamente enquadrado na moldura que mais interessa a seus autores.

Nos exemplos acima citados, os interesses são os seguintes: Lula precisa de Dilma para não esvaziar o mandato em curso antecipadamente; o PMDB precisa simular fidelidade para não perder espaço; o DEM precisa posar de oposição aguerrida e o PSDB precisa fazer ares de família que reza unida.

Vida pregressa

A absolvição do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética da Câmara é dada como certa. Foi alcançado por investigação da Polícia Federal sobre desvio de empréstimos no BNDES e flagrado em telefonema prometendo “mexer os pauzinhos” no Congresso para convocar o ministro da Justiça a dar explicações sobre a prisão de um assessor na operação.

As provas, ao presumido sentir do conselho, são inconsistentes.

Insuficiente também para caracterizar falta de decoro é o inquérito que corre contra ele no Supremo Tribunal Federal por causa de repasses de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Presidente da Força Sindical, o deputado responde pela entidade sob suspeita de ter recebido dinheiro do Ministério do Trabalho para promover cursos inexistentes oferecidos a alunos fantasmas.

As acusações atingem outras centrais, entidades patronais e apontam para a conivência do ministério, que avalizou todos os convênios feitos ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Na campanha eleitoral de 2002, candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes, Paulo Pereira ameaçou fazer e acontecer contra seus “caluniadores”. Terminou ele sendo o investigado e, dependendo da decisão do STF, processado.

Na Câmara nada disso conta. O mandato parlamentar serve para conferir foro privilegiado por atos cometidos antes do mandato, mas esses mesmos atos não pesam na avaliação da conduta do parlamentar.

Autocombustão

À falta de argumentos consistentes para defender o correligionário Cássio Cunha Lima, governador cassado da Paraíba, os tucanos disseminam desconfiança sobre o voto do ministro-relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral, Eros Grau.

Dizem que ele votou “muito rápido”. Sobre os 35 mil cheques de programa social distribuídos no período eleitoral como “um presente do governador” ou a respeito de boladas usadas para pagamento de contas pessoais de Cunha Lima, nem uma palavra. Não lhes ocorre, por exemplo, que o ministro tenha sido ligeiro exatamente porque os fatos são espessos.

O tucanato repete aqui o gesto da defesa do senador e então presidente do PSDB Eduardo Azeredo no caso do “mensalão mineiro”, em 2005.

Lá, perdeu a moral para acusar o PT e, recolhido à insignificância conferida pelo equívoco, viu Lula renascer.

Aqui, joga no lixo o discurso da probidade e eficácia administrativas.

O viés da crise na reforma tributária


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A dificuldade de se arregimentar adesão pública a quaisquer propostas de reforma tributária vem do temor de que a demonstração de apoio diminua o poder de barganha numa negociação em que parte alguma quer sair perdendo.

A votação do projeto de reforma tributária pelo plenário da Câmara na próxima semana vai ser um teste da influência dos governadores sobre as bancadas de seus Estados. Vendida como uma proposta destinada a desonerar a produção, enfrenta, presumivelmente, a resistência dos Estados do Sudeste e conta com mais apoio dos governadores do Norte e Nordeste.

O argumento de que a crise econômica inviabiliza a reforma antes explica a resistência que a justifica. Não há grita significativa do setor produtivo. A desoneração da folha é responsável por grande parte desse apoio. "Se houvesse evidências de aumento da carga não seria previsível que gritassem?", indaga o deputado Pepe Vargas (PT-RS), que tem encaminhado a posição de sua bancada na tramitação do projeto. Entre as muitas projeções que circulam pela Câmara, de um e outro lado, Vargas exibe aquela em que o ganho do PIB com a reforma aprovada chega a 10%.

É compreensível que em Estados como São Paulo, onde a concentração industrial e financeira fará com que a crise emita seus sinais mais eloquentes, o governo tenha receio de perder receita.

Mas não há como rechaçar as evidências de que a desoneração pode vir a amortecer os efeitos da crise em alguns setores da economia. Esses efeitos são conhecidos, mas a decisão de conceder isenções e benefícios fiscais é pouco do federalismo que restou depois que os governadores ficaram sem bancos e estatais.

É o que fundamenta, por exemplo, a resistência de um dos Estados nordestinos mais resistentes à reforma - o Ceará - onde é conhecida a posição do deputado Ciro Gomes (PSB) e do seu irmão governador sobre o tema.

Os governistas argumentam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional subsidiará políticas de atração de investimento de maneira mais transparente que a guerra fiscal mas não negam que os governadores perderão poder político com a troca.

Na disputa, os militantes pró e anti-reforma terão que arregimentar os Estados do Centro-Oeste e do Sul. Entre os primeiros, sobressai por exemplo, a resistência do Mato Grosso. Cortado pelo gasoduto Brasil-Bolívia, o Estado não aceita tributação do no destino.

No Sul, não bastasse o temor de que as compensações de perdas não sejam suficientes, o alerta soou com a emenda que propõe a desoneração da cesta básica. De autoria da deputada Ana Arraes (PSB-PE), mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a emenda foi incorporada à reforma na madrugada em que o texto foi aprovado pela comissão especial na Câmara.

Apesar das grandes divergências em torno do texto final, a decisão é de levar ao plenário na próxima semana. A julgar pela sessão da comissão especial, que só terminou ao amanhecer da quinta-feira passada, a votação promete. Na hipótese, ainda incerta, de que a votação, em dois turnos, seja concluída este ano pela Câmara, a dura batalha do Senado ficará para 2009. Como a legislatura se iniciará no auge da esperada desaceleração da economia, a expectativa governista é de que a pressão do setor produtivo escude a reforma contra a resistência dos Estados.

A indústria da insensibilidade

Foi-se o tempo em que os catarinenses reagiam aos caprichos da natureza com procissões religiosas. Catarinense de Itajaí, onde viveu até a adolescência, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, titular de História do Brasil da Universidade de Paris IV, acompanha à distância a tragédia que se abateu sobre sua cidade, mas acredita que a cobrança ao poder público se avolumará. Nunca tinha visto nada igual, mas contabiliza avisos que já teriam sido suficientes para alertar as autoridades: as grandes enchentes dos anos 80, o ciclone Catarina em 2004, tido como o primeiro da América do Sul, e um furacão de baixa intensidade há dois anos. Recorre ao furacão Katrina, que demonstrou uma capacidade de reação do governo George W.Bush restrita a tragédias que afetassem seus interesses geopolíticos, para alertar sobre o desgaste da inércia pública. Nos anos 80, os moradores da região tiveram uma reação organizada às enchentes. Dela resultou, por exemplo, a Octoberfest de Blumenau que, pensada para angariar recursos, tornou-se tradição. Desta vez, não há empreendedorismo local que resolva a terra arrasada do Vale do Itajaí. No Brasil, a tradição do poder público de reagir a desastres naturais gerou indústrias como a da seca. A imagem de catarinenses com água pelo pescoço catando produtos que bóiam em supermercados demonstra que a única indústria que floresceu nessas décadas em que não faltaram avisos foi a da insensibilidade.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Mancha na solidariedade do povo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A calamidade que castiga Santa Catarina, com o seu trágico balanço de quase uma centena de mortos, dezenas de milhares de casas destruídas ou abandonadas e a mancha negra na solidariedade do povo do registro policial do medo e da insegurança da população com o saque de residências e estabelecimentos comerciais, como supermercados e farmácias, por grupos de vândalos que não furtam comida para aplacar a fome, mas levam bebidas alcoólicas, caixas de cigarros e objetos de valor abandonados pelos donos na pressa para escapar da morte.

Não é a primeira vez que a emoção da sociedade contrasta com a insensibilidade de marginais. Mas, se é cedo para o balanço e a crítica dos muitos erros que agravaram a tragédia, com a cidade de Itajaí submersa, Blumenau alagada e municípios ainda isolados, a dimensão da tragédia alerta para erros, omissões e desleixo dos responsáveis.

O crescimento desordenado das cidades, com o êxodo do interior, nunca chegou a merecer uma tentativa de planejamento que, sem proibir ninguém de tentar melhorar de vida, disciplinasse a ocupação das áreas disponíveis, garantindo os serviços essenciais e impedindo a favelização das áreas de risco, cenário dos ciclos anuais de desgraças.

A favelização do Rio, assistida de camarote pelos sucessivos governos estaduais e municipais – e até com o estímulo do secretário que cunhou a frase que não pode ser esquecida: "Favela não é problema, é solução".

Com cinco dias de atraso, a contar desde que Santa Catarina começou a ser castigada pela maior enchente de todos os tempos, o presidente Lula venceu a estranha indecisão que paralisa em momentos de adversidade e não apenas cumpriu o seu dever, como resgatou a dívida que estava sendo cobrada pela sociedade. Nas três horas em que trocou o Aerolula pelo helicóptero, sobrevoou as áreas alagadas, não apenas de Florianópolis, mas do Vale do Itajaí.

E, em cima da hora, sob visível emoção, reconheceu que "aquela é a maior tragédia acontecida nos seus seis anos de governo". Liberou R$ 1,97 bilhão para socorrer as vítimas da enchente em Santa Catarina, no Espírito Santo, Minas e Rio de Janeiro e também para o socorro aos castigados pela seca no Nordeste. E está fazendo o que pode. Ou quase tudo. Ministros, secretários e demais figurões devem estar presentes para fiscalizar as operações de socorro às vítimas. Mas, a presença do presidente é insubstituível. E Lula não faltou ao dever da solidariedade.

No impulso, para não perder o rumo, o presidente deveria adiar para melhor ocasião a anunciada campanha publicitária com todos os cacoetes de jogada eleitoral para alavancar a candidatura da ministra Dilma Rousseff.

O governo embarcou na fórmula simplista de estimular o povo a gastar o dinheiro que tem no bolso para não paralisar o giro do consumo, no modelito do moto-contínuo: se a população não comprar o que precisa ou deseja – do rádio a televisão, ao computador e até o automóvel a preço de liquidação – as fábricas reduzem o ritmo de produção, despedem empregados e a crise acompanha a retração.

É impactante o mote da campanha que vai ganhar espaço no plano oficial: o mundo aprendeu a confiar no Brasil, e o Brasil confia nos brasileiros.

Mas, a campanha não pode ser levada à população de Santa Catarina, aos milhares sem casa, que perderam tudo e não sabem como recomeçar a vida, sem que pareça um deboche.

E se não pode ser lançada em Santa Catarina, também não deve ser no resto do país, para respeitar o sentimento de solidariedade do povo brasileiro.

De falcões e pombos


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Os ataques terroristas na Índia trouxeram novamente a questão da segurança nacional para o centro das preocupações dos americanos, que estariam sendo caçados em Mumbai e, no plano interno, de novo às voltas com ameaças de atentados no metrô de Nova York em pleno Dia de Ação de Graças. Assim, a apresentação da equipe que vai comandar a política de segurança nacional do futuro governo Barack Obama ganhou dimensões políticas maiores ainda do que normalmente já teriam, e as críticas de ambos os lados já cercam as escolhas, ainda não anunciadas oficialmente.

Os democratas mais empenhados no movimento pacifista vêem com desagrado escolhas como a de Hilary Clinton para a Secretaria de Estado, ou a permanência de Robert Gates na Secretaria de Defesa, que seriam sinais de que o espírito de "pombos" não estaria guiando a seleção do futuro gabinete.

A senadora Hilary Clinton, por exemplo, apoiou a Guerra do Iraque quando foi desencadeada, sendo inclusive criticada por isso por Obama durante a campanha, e também defende posições mais duras contra o Irã, aparentemente em desacordo com as idéias defendidas por Obama nos debates das primárias.

Ao mesmo tempo, republicanos belicosos criticam a ausência de "falcões" na equipe de Obama, no momento em que a ameaça terrorista já se mostrou novamente ativa. Se confirmar a manutenção de Gates à frente do Pentágono, o futuro presidente estará dando um caráter de urgência à primeira transição em tempo de guerra em 40 anos, optando por manter a operacionalidade do esquema de segurança já existente.

É inegável que uma transição desse nível, mesmo em tempos de paz, leva alguns meses para ser realizada com sucesso, e manter Gates significa que Obama não quer ficar um minuto de seu novo governo sem estar pronto para ações concretas contra o terrorismo.

Com uma longa carreira nos serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos, sobretudo a CIA, Gates foi o primeiro nome cogitado para ocupar o novo ministério de segurança interna, criado logo depois dos atentados de setembro de 2001, mas recusou o convite para permanecer à frente de uma universidade no Texas.

Entrou para o governo Bush em 2006, depois de ter feito parte de um grupo de estudos bipartidário sobre a Guerra do Iraque, comandado pelo ex-secretário de Estado James Baker.

Gates tem condições de auxiliar o novo governo em duas políticas cruciais: o corte de programas militares não prioritários, na busca de equilibrar o orçamento interno, e ao mesmo tempo a retirada das tropas americanas do Iraque.

O cronograma de retirada dos 150 mil homens do Exército americano prevê um período de 16 meses, mas certamente esse projeto poderá ser ampliado caso as circunstâncias do momento indiquem a necessidade de um período maior.

Um dos principais objetivos do novo governo, o de transferir os esforços de guerra para o Afeganistão na busca dos terroristas da Al Quaeda, tem nos atentados da Índia talvez o primeiro sinal de reação na região.

Outros dois cargos de fundamental importância no esquema de segurança nacional já foram anunciados, e ambos mereceram críticas de republicanos mais radicais. A escolha da governadora do Arizona Janet Napolitano para o ministério da Segurança Interna foi vista como uma clara opção de dar prioridade às questões imigratórias, em detrimento à luta contra o terrorismo.

A governadora de um estado que faz fronteira com o México é vista como uma especialista na área de imigração, sem os conhecimentos necessários para atuar em outras áreas abrangidas pelo ministério, como a prevenção das drogas e o terrorismo.

Outra escolha criticada pelos republicanos foi a de Eric Holder para Ministro da Justiça, um antigo servidor do governo Clinton e ligado à senadora Hilary Clinton. Ele é acusado de ter ajudado Hilary na sua disputa pelo Senado em Nova York ao, como vice ministro da Justiça, ter apoiado o perdão dado pelo presidente Clinton a um grupo de terroristas de Porto Rico que colocou bombas em vários locais de Nova York, matando quatro pessoas em um restaurante.

O grupo Forças Armadas de Liberação Nacional (Faln) lutava pela independência de Porto Rico, que tem uma grande comunidade de residentes em Nova York. O fato é que os terroristas já estavam presos há 19 anos e uma comissão de prêmios Nobel da Paz, entre eles o ex-presidente Jimmy Carter, pediu a clemência, alegando que as penas eram muito maiores do que as normalmente atribuídas ao tipo de crime que haviam cometido.

Hilary, na sua campanha para o Senado, apoiou o perdão, mas depois retirou o apoio por que uma das condições da Casa Branca era de que os terroristas abdicassem da violência, o que eles se negaram a fazer depois de libertados.

O futuro ministro da Justiça, Eric Holder, foi um dos primeiros apoios na campanha de Obama dentro do Partido Democrata, assim como a governadora Janet Napolitano, e as duas nomeações estão sendo tratadas mais como uma recompensa política do que uma escolha técnica.

A verdade está no meio termo, e a de Obama não será uma equipe nem de "falcões" nem de "pombos", assim como a política de segurança nacional não será a continuação do espírito belicoso da era Bush, mas não será também dominada pela ingenuidade que muitos acusam Obama de ter.

O futuro das chuvas


Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Quando passou um furacão em Santa Catarina, por acaso, estava lá.

Constatei que havia infra-estrutura razoável e que a defesa civil era boa. Numa cidade como o Rio, 40 minutos de temporal bastam para inundar alguns dos seus principais bairros.

Isso significa que chuvas como as que caíram em Santa Catarina podem ser mais devastadoras ainda em algumas regiões do país. Lá mesmo, houve grandes chuvas em 1980 e 83. Não se falava ainda no processo de mudanças climáticas.

Metrópoles como Londres acreditam na possibilidade dessas mudanças. Têm estrutura e autoridade designada para realizar o que os debates internacionais recomendam diante do futuro: adaptação.

Não sei se o caminho no Brasil se resume em alertar para mudanças climáticas, nas quais muitos, apesar de 20 anos de alerta, não acreditam. Há coisas mais elementares que poderiam nos unir: limpar galerias, desentupir bueiros, recolocar pessoas que vivem em perigosas encostas ou, ilegalmente, próximas aos espelhos-d"água.

Durante algum tempo, fixei-me na idéia de adaptação e cheguei e prever no Orçamento uma verba para Petrópolis desenvolver um plano. A idéia era simples: se fizéssemos um plano numa cidade castigada por temporais, poderíamos oferecê-lo a outras cidades do mundo, respeitadas as singularidades.

Mas é preciso baixar a bola. Criar um mecanismo para avaliar se as cidades estão mesmo fazendo o trabalho subterrâneo. Nem sempre as empresas cumprem os contratos: algumas vezes, perto de eleições, o dinheiro poupado é dividido com os políticos.

Bastaria um robô para inspecionar as galerias. Com tanta ONG no Brasil, por que não criar uma para fazer o que os governos desprezam? Não importa se as mudanças climáticas virão. Estamos indefesos diante das chuvas de verão.

Até debaixo d"água


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A humanidade não está brincando com fogo, está brincando com água. Já houve as tragédias da Índia, da China, da Tailândia, dos EUA, e chegou a vez do Brasil, o paraíso tropical onde faz sol de janeiro a janeiro, não há terremotos, maremotos, nem furacões. Pelo menos até agora.

A tragédia que afunda Santa Catarina em água, lama e uma centena de mortes não é uma questão política, nem de gerência, é um alerta da "Mãe Natureza". Está na hora de parar de achar que esse tal de aquecimento global e essa tal de mudança climática são devaneios de lunáticos que não têm o que fazer.

A natureza está mandando sinais de alerta, que o homem agrava ao desenvolver cidades e povoados perigosamente margeando os rios e desrespeitando o limite de 20% de inclinação das encostas para construir suas casas, pobres ou ricas, como surgem nas fotos de Santa Catarina agora.

Em todas as calamidades assim, possivelmente o maior número de mortos e desabrigados é justamente entre os que habitam as encostas.

A chuva excede a média, o rio transborda, a terra se afofa. As casas vêm abaixo junto com a água, a lama e os seus moradores. Até a próxima tempestade, os próximos desabamentos, as próximas mortes.

O caos em Santa Catarina é como se um dos mais bonitos cartões-postais brasileiros estivesse sendo rasgado, despedaçado, justamente às vésperas do seu período anual de glória: o verão.

Aliás, é uma trágica ironia que a mais nova edição da revista da Gol enalteça até na capa as belezas catarinenses, conclamando os viajantes a se deliciarem com suas praias e comidas.

É difícil escrever num momento assim, mas é impossível ficar indiferente e não escrever nada.


Até porque as chuvas passam e vêm o desabastecimento, a desordem, a falta de estradas, de água tratada e de luz e o imenso risco de doenças, até epidemias. Sem falar na dor de milhares, que fica para sempre.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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