terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Roberto Freire

Vamos lutar pela democracia, pelas liberdades, entre elas a de expressão e de informação, e pela República, com uma política de frente democrática para enfrentar o governo que aí está. Os problemas vão além do campo econômico, área em que o PT tem se mostrado desastroso. Há uma falta de compromisso do governo com a democracia e com a República e uma amostra disso é o projeto de regulação da mídia que o Planalto se prepara para implantar.

Roberto Freire, deputado federal e presidente nacional do PPS. Entrevista ao Portal do PPS, Brasília, 29 de dezembro de 2014

Dilma deixa Lula e ala majoritária do PT de fora do núcleo do novo governo

• Ao confirmar Pepe Vargas na pasta da articulação política, não cede às reivindicações do padrinho e da corrente Construindo um Novo Brasil

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao anunciar ontem mais sete nomes para a Esplanada dos Ministérios do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff afastou ainda mais a influência do padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva, e da corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil, do núcleo de comando do governo. A escolha do deputado Pepe Vargas (RS) para ocupar a Secretaria de Relações Institucionais, que lida com o Congresso Nacional, selou esse distanciamento.

Ex-ministro do Desenvolvimento Agrário entre 2012 e 2014 e integrante da tendência Democracia Socialista (DS) - mais à esquerda do que a hegemônica Construindo um Novo Brasil (CNB) no espectro ideológico do PT -, Vargas será o segundo gaúcho na “cozinha” do Planalto.

O deputado substituirá Ricardo Berzoini, transferido para o Ministério das Comunicações, e foi escalado por Dilma para fazer dobradinha com Miguel Rossetto, o novo chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Rossetto também é gaúcho e integra a mesma corrente de Vargas no PT.

Embora a cúpula do PT quisesse deslocar Berzoini para Comunicações - uma vez que ele é mais identificado com o projeto de regulamentação da mídia -, a escolha de Vargas para sua antiga cadeira foi considerada por dirigentes do partido como um duro golpe na CNB, a corrente de Lula.

Com a decisão de Dilma, o núcleo duro do Palácio do Planalto não terá mais nenhum nome próximo a Lula. Capitão do time, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante (PT), é da CNB, a ala majoritária do partido, mas Lula sempre criticou o que chamava de excessivo “ego” do petista. Mercadante, hoje, é visto no PT como um representante do time “dilmista”, e não “lulista”.

Além disso, Lula perdeu no Planalto o seu fiel escudeiro Gilberto Carvalho, que sai desgastado da Secretaria-Geral da Presidência, após receber broncas de Dilma por seu conhecido “sincericídio”. Carvalho vai assumir a presidência do Serviço Social da Indústria (Sesi).

Além de Vargas, Rossetto e Berzoini em outra vaga, Dilma anunciou ontem outros dois nomes do PT para a equipe: o recém-eleito deputado Patrus Ananias (PT-MG) no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Carlos Gabas na Previdência. Carimbada de “patinho feio” da Esplanada, a Previdência sempre foi um ministério rejeitado por aliados. A pasta estava nas mãos do PMDB, mas Gabas já era o secretário executivo.

Feudos. Atualmente com 17 dos 39 ministérios, o PT terá o espaço bastante reduzido no segundo mandato de Dilma. Já perdeu Educação para Cid Gomes (PROS) e tudo indica que não conseguirá retomar o Ministério do Trabalho, que deve continuar sob comando do PDT.

Seguindo a lógica de lotear o governo para obter apoio no Congresso, Dilma manteve o Ministério dos Transportes na cota do PR de Valdemar Costa Neto, condenado no processo do mensalão. Para Transportes o escolhido foi o vereador Antônio Carlos Rodrigues (PR), ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo. Suplente de Marta Suplicy (PT-SP), Rodrigues foi senador quando a petista era ministra da Cultura. Em novembro, porém, Marta deixou a Esplanada batendo a porta e criticando o governo.

Dilma chegou a dizer, em conversas reservadas, que extinguiria os “feudos” de partidos nos ministérios, mas o PR conseguiu se manter no lugar.

Troca. O PP do senador Ciro Nogueira (PI) e do deputado Paulo Maluf (SP) foi para outro ministério. Perdeu Cidades. Como recompensa, o ministro Gilberto Occhi (PP) ganhou o cobiçado Ministério da Integração, que cuida das obras do Rio São Francisco e tem orçamento alto.

Dilma ainda não completou o primeiro escalão. Dos 39 ministros, a presidente anunciou até agora 24 nomes. Os primeiros foram os integrantes da equipe econômica (Joaquim Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento, Alexandre Tombini no Banco Central e Armando Monteiro no Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) para acalmar o mercado financeiro e o setor produtivo.

Dilma anuncia mais 7 ministros e desagrada ao PT

Grupo de Lula perde poder

• Dilma anuncia mais 7 ministros; escolhidos para o Planalto são de alas minoritárias do PT

Fernanda Krakovics, Catarina Alencastro e Luiza Damé – O Globo

-BRASÍLIA- Ao anunciar o nome de mais sete ministros, entre eles cinco do PT, a presidente Dilma Rousseff alterou ontem o jogo de poder tanto no governo como em seu próprio partido. A corrente majoritária do PT, conhecida como Construindo um Novo Brasil (CNB), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, perdeu força na Esplanada dos Ministérios, e o bloco composto pelas alas Mensagem e Democracia Socialista (DS), críticas à direção partidária, passou a ter mais influência no Palácio do Planalto. Nos últimos anos, a CNB teve alguns de seus expoentes envolvidos em escândalos de corrupção, entre eles José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, condenados no mensalão. Pela primeira vez desde que o PT assumiu o governo federal, a CNB terá menos interferência no Planalto.

Depois de passar quatro dias descansando no litoral da Bahia, Dilma voltou ontem para Brasília e, no fim da tarde, anunciou o nome de mais sete ministros. Tomarão posse na quinta-feira Antonio Carlos Rodrigues, do PR, no Ministério dos Transportes, e Gilberto Ochi, do PP, na Integração Nacional. Os cinco petistas anunciados são: Miguel Rossetto (Secretaria Geral), Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Carlos Gabas (Previdência).

Patrus, Berzoini e Gabas são da CNB. Rossetto e Vargas, da Democracia Socialista. A questão é estes últimos passam agora a integrar o núcleo político do Palácio do Planalto, em substituição a dois ministros da CNB que sempre foram muitos fiéis a Lula: Berzoini (Relações Institucionais) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral).

O atrito entre Dilma e a corrente majoritária do PT ainda pode piorar. Ontem, integrantes da CNB afirmavam que a presidente pretende nomear o deputado Alessandro Molon (pT-RJ), também da Mensagem, para a Secretaria de Comunicação Social, pasta responsável pela distribuição das verbas publicitárias do governo. Para um dirigente do PT, essa nomeação deflagrará "uma guerra" interna na sigla. Nenhuma crítica ou prognóstico, porém, foi feito em declaração pública.

Equilíbrio de forças
Desde o primeiro governo de Lula, a composição de forças dentro do PT vinha se refletindo na distribuição dos ministérios. Dilma, no entanto, parece estar ignorando essa tradição. Mesmo assim, integrantes da CNB diziam ontem que ainda tinham esperanças de que a presidente levasse em conta o equilíbrio interno de forças do partido e não nomeasse Molon.

Para compensar a perda de espaço, a CNB quer emplacar o deputado José Guimarães (PT-CE) para a liderança do governo na Câmara. Essa função atualmente é exercida pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), também da Mensagem.

Da cota petista, já havia sido anunciado como ministro, na semana passada, Jaques Wagner para a Defesa. Apesar de ele ter boa relação com a CNB, Wagner é de uma corrente chamada Reencantando, que só atua na Bahia.

Da corrente majoritária ainda devem ser confirmados Ideli Salvatti nos Direitos Humanos e Aloizio Mercadante, na Casa Civil, embora este último não defenda os interesses do partido no governo, sendo, inclusive, alvo de queixas da CNB. A presidente deve manter ainda José Eduardo Cardozo, que é da Mensagem, no Ministério da Justiça.

Até o final da tarde de ontem, poucas horas antes do anúncio, integrantes da corrente majoritária do PT ainda alimentavam a expectativa de que Dilma recuasse da intenção de nomear Pepe Vargas, da corrente Democracia Socialista, para as Relações Institucionais, pasta responsável pela articulação política.

Para além da luta interna, o PT perdeu espaço no novo governo ao ser substituído no comando do Ministério da Fazenda e da Educação. Os petistas também queriam emplacar o tesoureiro da campanha à reeleição, Edinho Silva, no Ministério do Esporte, mas a pasta acabou sendo entregue ao pastor George Hilton, do PRB.

Apesar desses entraves, nem tudo é reclamação na CNB. A corrente ficou satisfeita com a ida de Berzoini para as Comunicações. Como ele tem uma posição pessoal favorável à regulação da mídia, uma das bandeiras do PT, sua nomeação foi interpretada como um sinal de que Dilma promoverá a "democratização dos meios de comunicação" em seu segundo mandato.

Lideranças petistas afirmaram que Dilma até conversou sobre a reforma ministerial com Lula e com o presidente do PT, Rui Falcão, mas não levou suas opiniões em conta:

— Ela está fazendo um Ministério à sua imagem e semelhança — afirmou um integrante da CNB.

"Muito difícil"
Ontem, ao revelar mais um bloco de ministros, Dilma deixou outras 15 pastas para serem definidas nas 48 horas finais de seu primeiro mandato. No último dia 17, ao participar da cúpula de presidentes do Mercosul, Dilma chegou a desabafar com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, afirmando que estava "muito difícil" formar um novo governo.

Das 15 pastas em aberto, dez devem continuar com os atuais titulares, e cinco devem mudar de comando. São elas: Relações Exteriores, Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Comunicação Social (Secom), Cultura e Assuntos Estratégicos (SAE).

Na última terça-feira, foram anunciados treze ministros, sendo seis do PMDB, um do PT, um do PSD, um do PCdoB, um do PRB e um do Pros. Foram eles: Aldo Rebelo (Ciência Tecnologia e Inovação), Cid Gomes (Educação), Edinho Araújo (Secretaria de Portos), Eduardo Braga (Minas e Energia), Eliseu Padilha (Secretaria de Aviação Civil), George Hilton (Esporte), Gilberto Kassab (Cidades), Helder Barbalho (Pesca), Jaques Wagner (Defesa), Kátia Abreu (Agricultura), Nilma Lino Gomes (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial); Valdir Simão (Controladoria Geral da União) e Vinicius Lages (Turismo).

No final de novembro a presidente já havia anunciado a nova equipe econômica: Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Armando Monteiro (Desenvolvimento Econômico), além da permanência de Alexandre Tombini no Banco Central. Os ministros tomarão posse no dia 1º de janeiro, no Palácio do Planalto, após a presidente ser empossada no Congresso.

Dilma define mais 7 ministros e reduz espaço do PT na equipe

• Lula não terá mais aliados no círculo próximo da presidente no Planalto

• Petista indicou o vereador paulistano Antonio Carlos Rodrigues (PR) para assumir os Transportes

Andréia Sadi, Mariana Haubert e Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta segunda-feira (29) os nomes de sete novos ministros, redefinindo o espaço que o PT ocupará no centro do poder e fazendo acenos para aplacar a insatisfação de seu partido com as mudanças no governo.

Dilma confirmou a escolha de Miguel Rossetto para chefiar a Secretaria-Geral da Presidência e do deputado Pepe Vargas para ser o ministro das Relações Institucionais, responsável pela articulação do Planalto com o Congresso.

Ligados ao PT gaúcho e a uma corrente política inexpressiva dentro da sigla, ambos são pessoas de confiança da presidente e substituirão aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antecessor e principal padrinho político de Dilma.

Eles deverão formar o núcleo central do governo com o ministro da Casa Civil, o também petista Aloizio Mercadante, que se tornou o principal auxiliar da presidente e deve ser confirmado no cargo pela presidente nesta terça (30).

Com a saída de Gilberto Carvalho, amigo de Lula que ocupava a Secretaria-Geral desde o início do governo Dilma, e de Ricardo Berzoini, que dará o lugar a Vargas, Lula não terá mais aliados no círculo próximo da presidente.

Berzoini foi transferido para o Ministério das Comunicações, onde deverá trabalhar para tirar do papel o projeto de regulação econômica da mídia, uma das prioridades do PT nesta gestão.

Em outro aceno à esquerda do partido, Dilma indicou o ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pelos assentamentos de trabalhadores rurais sem terra.

A esquerda petista ficou contrariada com várias escolhas de Dilma, como a do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, economista de perfil conservador.

Na semana passada, quando Dilma indicou outros 13 ministros, ela tirou do PT o Ministério da Educação, que a sigla controlava desde a chegada de Lula ao poder. O novo ministro será o governador do Ceará, Cid Gomes (Pros).

O PT reivindicou o Ministério do Trabalho, mas Dilma indicou que manterá a pasta sob controle do PDT, provocando insatisfação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que reúne sindicatos alinhados com o PT.

Os novos ministros tomarão posse com Dilma nesta quinta-feira (1). Dos 39 integrantes da equipe, 24 já foram definidos. Além de Mercadante, devem ser confirmados nesta terça os petistas José Eduardo Cardozo, na Justiça, e Arthur Chioro, na Saúde.

O PT, que chegou a ter 17 ministros com Dilma, perdeu agora o controle sobre três ministérios e ganhou um. A presidente indicou nesta segunda o petista Carlos Gabas como novo ministro da Previdência Social, que era comandada pelo PMDB.

A presidente também transferiu o atual ministro das Cidades, Gilberto Occhi (PP-MG), para a Integração Nacional, e escolheu o vereador paulistano Antonio Carlos Rodrigues (PR) para os Transportes.

O PP ganhou a Integração Nacional como compensação pela perda das Cidades, que passou ao ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD).

Para a Cultura estão cotados o ex-ministro Juca Ferreira e o escritor Fernando Morais. Os titulares das Relações Exteriores, da Secretaria de Comunicação Social e da Secretaria de Assuntos Estratégicos deverão ser mantidos por enquanto. Dilma ainda não encontrou substitutos para os atuais ministros.

Governo torna mais rígido acesso a pensão e seguro-desemprego

• Mudanças envolvem regras para concessão de abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença; governo espera economizar R$ 18 bilhões por ano

Nivaldo Souza, Rafael Moraes Moura e Lisandra Paraguassu - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo federal vai tornar mais rígido o acesso a benefícios trabalhistas e espera economizar cerca de R$ 18 bilhões por ano com as medidas anunciadas nesta segunda-feira, 29. As mudanças alteram as regras para concessão de abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença.
O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, anunciou uma série de mudanças em programas ligados à Previdência Social para "corrigir distorções" tanto na oferta dos benefícios como para reduzir gastos do governo.

Segundo o futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa,a redução de despesas "vai aumentando ao longo do tempo".

As mudanças serão publicadas nesta terça-feira, 30, no Diário Oficial da União, por meio de Medidas Provisórias elaboradas pelo Palácio do Planalto.

Mudanças. No caso do abono salarial, o trabalhador passará a ter de comprovar seis meses ininterruptos de trabalho com carteira assinada para ter acesso ao benefício. Na regra atual, o abono é concedido com apenas um mês de contribuição. O valor do benefício, que hoje é de um salário mínimo, passa a ser proporcional ao tempo de serviço, como já acontece com o 13º salário.

O governo também alterou as regras de concessão do seguro-desemprego. No primeiro pedido, serão necessários 18 meses de trabalho com carteira assinada e não mais seis meses. Para a segunda solicitação do seguro-desemprego, o trabalhador deverá ter contribuído durante 12 meses para o INSS. Já no terceiro acesso ao benefício, o trabalhador precisará ter ocupado um emprego formal pelo tempo mínimo de seis meses.

De acordo com Mercadante, a mudança ocorre para corrigir a distorção gerada pela entrada de jovens no mercado de trabalho, cuja rotatividade é maior. "Há uma distorção no programa, com 74% sendo pago para quem está entrando (no mercado), os mais jovens que são mais dispostos a mudar de emprego", disse.

Pensão por morte. No caso da pensão por morte, a partir das novas regras, fica definido que será preciso comprovar o pagamento de 24 meses da contribuição previdenciária para ter acesso. Exceção para casos de mortes por acidentes de trabalho. Será preciso ter dois anos de casamento ou união estável. O valor a ser recebido será de 50% do salário-benefício para o cônjuge, seguido de acréscimos de 10% por dependente até poder completar 100% do total do vencimento. O benefício mínimo segue sendo de um salário mínimo por pensão.

Auxílio-doença. Mercadante anunciou alterações na concessão do auxílio-doença, que não se aplicam aos atuais beneficiários. O Palácio do Planalto determinou o aumento do prazo de afastamento pago pelo empregador antes do início do pagamento do auxílio-doença pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de 15 para 30 dias para segurados empregados. Também será fixado um teto no valor do auxílio-doença, equivalente à média das últimas 12 contribuições.

"O objetivo é mais transparência, que ajuda no controle social dos programas", observou Mercadante. "Não concordo que necessariamente são medidas impopulares. Todos os programas estão sendo mantidos, estamos mudando regras. Os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários estão garantidos."

Irregularidades. Para o seguro defeso, pago ao pescador artesanal no período em que ele não pode pescar para garantir a reprodução dos peixes, as mudanças são mais profundas. Segundo Mercadante, o governo constatou irregularidades na concessão do benefício. "Identificamos problemas na concessão desse programa e insegurança jurídica", disse. "Foi identificado acumulo de benefício, com pessoas que recebem dois, três salários", afirmou, citando uma cidade paraense onde "tem mais pescador recebendo seguro do que cidadão no município".

A partir de agora, os pescadores não poderão receber o seguro defeso se já forem beneficiários de outros programas sociais, como o Bolsa Família. Eles precisarão ter pelo menos três anos de registro como pescador artesanal. Terão de comprovar comercialização de pescador ou pagamento de contribuição previdenciária por pelo menos 12 meses. A concessão do salário mínimo do benefício será avalia por um Comitê Gestor do Seguro Defeso. (Com informações da Reuters)

Economia com o trabalho

• Governo fará mudanças na concessão de benefícios e pensões, para reduzir gastos em R$ 18 bi

Luiza Damé, Geralda Doca e Catarina Alencastro – O Globo

-BRASILIA- O corte nos gastos do governo no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff vai começar pelos direitos trabalhistas, com restrições no acesso a seguro-desemprego, abono salarial (PIS) e auxílio-doença, além de uma minirreforma na Previdência Social, com mudanças nas regras das pensões. As medidas foram anunciadas ontem e serão incluídas em medida provisória a ser encaminhada hoje ao Congresso Nacional. Segundo cálculos do futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o pacote vai gerar uma economia de R$ 18 bilhões por ano, a partir de 2015, equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país).

Entre as medidas de maior impacto está a alteração no cálculo do valor da pensão da viúva ou do viúvo, que cairá pela metade, sendo acrescida de 10% por filhos dependentes, até o limite de 100%. Além disso, assim que os filhos forem completando a maioridade, as quotas relativas a eles serão suspensas, sem reverter para o pensionista. Atualmente, o benefício é integral, vitalício e independente do número de beneficiários.

Centrais sindicais criticam
Com a mudança, acaba a pensão vitalícia para cônjuges considerados jovens (até 35 anos). A partir desta idade, a duração do auxílio dependerá da expectativa de sobrevida: entre 39 e 43 anos, por exemplo, o prazo será de 15 anos; entre 33 e 38 anos, de 12. Somente receberá a pensão vitalícia quem ficar viúvo a partir dos 44 anos. Além disso, será exigida carência de dois anos de contribuição ao INSS para poder requerer o benefício e tempo mínimo de casamento de dois anos. O objetivo é evitar que jovens se casem com idosos de olho na pensão. As medidas valerão também para os funcionários públicos.

Para reduzir as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o governo vai restringir o acesso ao seguro-desemprego, ampliando o período aquisitivo de seis para 18 meses na primeira vez em que o trabalhador recorrer ao auxílio. O abono salarial (PIS), que hoje corresponde a um salário mínimo para quem tem renda de até dois salários, não será mais integral. Ele vai variar de acordo com o tempo de carteira assinada, que subirá de um mês para seis meses na mesma empresa, no mínimo.

As medidas vão atingir também os empregadores, que terão de arcar com os primeiros 30 dias de afastamento do trabalhador, em lugar dos 15 de hoje. O teto do auxílio-doença será equivalente à média dos últimos salários de contribuição, a fim de evitar que os trabalhadores recebam um benefício acima do último salário.

As medidas foram anunciadas pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, acompanhado dos futuros ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Previdência, Carlos Gabas, da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e do ministro do Trabalho, Manoel Dias, depois de uma reunião marcada de última hora com representantes das centrais sindicais. Os presidentes das duas maiores centrais, Força Sindical e CUT, não compareceram. A Força não conseguiu mandar representante.

Procurado, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, criticou o anúncio no apagar das luzes, alegando que as medidas não foram negociadas com as centrais:

— As medidas são muito negativas e prejudicam os trabalhadores, principalmente quem fica desempregado e custou a conseguir o primeiro emprego.

Ele disse que até o fim de janeiro as centrais sindicais vão fechar uma pauta conjunta, prevendo, entre outros itens, o fim do fator previdenciário.

Para o ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho Rodolfo Torelly, o governo escolheu o caminho mais fácil, sem enfrentar as falhas do sistema.

— O governo está metendo a mão no bolso do trabalhador — disse Torelly, que considera a mudança no valor do abono inconstitucional.

Potencial de poupar r$ 30 bi
Mercadante explicou que as medidas foram anunciadas agora porque foram preparadas pela atual equipe do governo. As propostas chegaram a ser discutidas nos últimos anos, mas foram engavetas por ordem de Dilma. Ele negou que as mudanças retirem direitos do trabalhadores.

— Estamos preservando as políticas, preservando os direitos adquiridos, preservando esses programas para o futuro. São ajustes e correções inadiáveis e indispensáveis — disse Mercadante, acrescentando que o foco é quem está entrando no mercado de trabalho.

Segundo o ex-secretário de Previdência Social Leonardo Rolim, as alterações nas regras da pensão são importantes para corrigir distorções e reduzir o déficit da Previdência. O potencial, segundo ele, é de uma economia de R$ 1 bilhão já no primeiro ano e de até R$ 30 bilhões por ano, depois de 15 anos de vigência.

Oposição e centrais dizem que vão tentar mudar regras

• Para tucanos, Dilma está pondo em prática ações que condenou na campanha

• Segundo deputado petista, medidas são necessárias e não têm impacto na renda e no emprego

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA - As centrais sindicais temem o impacto das medidas anunciadas pelo governo para frear as despesas com benefícios trabalhistas em um momento em que se espera alta do desemprego, devido à fraqueza da economia.

As medidas para conter a inflação (aumento dos juros) e para justar as contas do governo contribuem para contrair ainda mais a atividade.

O presidente da UGT, Ricardo Patah, considera o início do ano o pior momento para a adoção das medidas. "É justamente quando ocorre o período de maior vulnerabilidade do trabalhador do comércio e dos serviços, atividades que ainda estavam dinâmicas e gerando empregos".

Segundo Patah, as mudanças mais sensíveis são o aumento do tempo de contribuição para obter o seguro-desemprego e a limitação do auxílio a pescadores (cujos sindicatos integram a central).

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse que o pacote não foi tratado com as centrais. "É um presente de grego para os trabalhadores na virada do ano."

"Estamos abertos a discutir mudanças para evitar desvios. Mas agora, quando a inflação está alta, o desemprego deve subir e o trabalhador mais precisa, o governo quer tirar o benefício?", queixa-se.

Torres afirmou que a Força vai mobilizar outras centrais e deputados para tentar derrubar as propostas. Parlamentares da oposição também disseram que vão trabalhar contra as alterações.

A estratégia dos oposicionistas será conquistar apoio de aliados de Dilma, refratários às regras que atingem aposentados e trabalhadores.

"Começam a se materializar as contradições da candidata com a presidente. Ela mentiu para a população no processo eleitoral", disse o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA).

Presidente do DEM, José Agripino Maia (RN) afirmou que o governo está "debitando a conta" de seu deficit nos aposentados. "A Dilma está fazendo tudo o que satanizava na campanha eleitoral. Vai poupar naquilo que não dói neles, petistas. As gastanças" públicas, cargos comissionados, ninguém mexe nisso."

"As medidas amargas que ela acusou o Aécio [de fazer], ela está tomando. A erosão do seu prestígio começa antes do segundo mandato", declarou o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves.

O deputado José Guimarães (PT-CE) saiu em defesa do governo. "Essas medidas são necessárias para segurar a economia e não impactam emprego e renda. Não se está tirando direito de ninguém, mas, sim, moralizando."

Outros petistas adotaram cautela. "Caso ameace direitos do trabalhador, vou apresentar emendas. Se não forem acatadas, não tenho como votar a favor da proposta", disse o senador Paulo Paim (PT-RS).

Freire aposta em oposição unida e com ação coordenada

•Há falta de compromisso do governo com a democracia e com a República, diz Freire

Por: Assessoria do PPS

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), defende uma oposição unida e comprometida com a luta democrática. Para ele, é necessária uma coordenação que integre os partidos que combatem o governo petista no Parlamento e na sociedade. Na entrevista abaixo, Freire fala dos desafios do campo oposicionista:

Quais são as prioridades da oposição para este ano?

Vamos lutar pela democracia, pelas liberdades, entre elas a de expressão e de informação, e pela República, com uma política de frente democrática para enfrentar o governo que aí está. Os problemas vão além do campo econômico, área em que o PT tem se mostrado desastroso. Há uma falta de compromisso do governo com a democracia e com a República e uma amostra disso é o projeto de regulação da mídia que o Planalto se prepara para implantar.

Recentemente, o senhor chamou atenção para o fato de que essa luta deve se dar no campo democrático.

Sim, devemos combater o PT dentro da democracia, pois não precisamos nos render a uma indignação que perca a dimensão da luta democrática. Não pensem eles que vão nos colocar em qualquer desvio desse caminho. Temos história. Eles, talvez, não.

E o projeto do PPS de se aproximar de outros partidos e formação uma Federação?

O partido aprovou a formação de um bloco parlamentar no Congresso Nacional com o PSB, o PV e o Solidariedade. Estamos dispostos a trabalhar com essas forças no Parlamento. Começamos a construir esse alinhamento com o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). O Bloco da Esquerda Democrática reunirá 67 parlamentares, se consolidando como a segunda força da Casa. Exercemos um papel de fundamental importância com a candidatura de Eduardo e, depois de sua morte, com Marina Silva. Podemos ter um protagonismo tão grande quanto esse. Essa união, baseada na proposta da Federação de partidos, também está sendo ampliada para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores. Nosso objetivo, além disso, é reforçar a aliança para as eleições municipais de 2016. Não é um sonho pequeno, mas um grande desafio, no momento de crise por que passa o Brasil. Tempos difíceis nos aguardam e nossa unidade nos faz grandes para enfrenar o recrudescimento dessa situação que já se mostra extremamente grave.

Pedro Simon - Uma agenda melhor para o Brasil

• Deixo o Senado, mas pretendo permanecer na vida pública contribuindo para o debate político com meus ideais e a experiência que acumulei

- Folha de S. Paulo

O Brasil hoje é uma nação envolta em dúvidas quanto ao seu futuro próximo. Em 60 anos de vida pública, 30 deles como senador da República, recordo de poucos momentos com tal gravidade em nossa história. O que a população percebe é um governo paralisado, chegando ao fim de forma melancólica.

Nesse cenário, a impressionante Operação Lava Jato revelou um nível de corrupção jamais imaginado pelo mais empedernido pessimista. Empresa símbolo de nossa soberania, verdadeira expressão internacional do nosso desenvolvimento, a Petrobras era motivo de orgulho. Hoje experimentamos um sentimento de revolta e de vergonha. Nossa alma foi profundamente ferida.

Não sabemos aonde vai chegar investigação, mas seus efeitos desde já influenciam politicamente, ao ponto de a presidente reeleita, Dilma Rousseff, ter encontrado dificuldade para indicar o novo ministério.

O impasse é também consequência do esgotamento da governabilidade na forma como é entendida pelo governo atual. Uma relação desgastada entre Executivo e Congresso, baseada no troca de votos por ministérios, no loteamento político-partidário de diretorias de estatais e na distribuição de verbas públicas. A tudo isso, o cidadão assiste incrédulo e indignado.

Nessa hora, impõe-se um esforço para a construção de uma agenda melhor para o país. Nosso compromisso deve ser com as reformas, exigidas pelas manifestações de 2013. Passado o impacto inicial, foram todas relegadas a um segundo plano por governo e Congresso.

A reforma política é a mais urgente de todas, pois significa o aperfeiçoamento da democracia, fortalecendo uma maior representatividade. O financiamento público exclusivo de campanhas, com proibição de doações de empresas, é uma providência que poderá evitar ou reduzir o abuso do poder econômico.

Outras questões devem ser contempladas: a) fim do voto proporcional, sistema pelo qual o cidadão voto em um candidato, mas elege outro; b) cláusula de barreira, para inibir a formação de partidos que servem apenas como moeda de troca na eleição; c) voto distrital misto, instrumento capaz de qualificar a representatividade parlamentar.

Nesse contexto, a Lei da Ficha Limpa foi um primeiro passo para a grande reforma. As circunstâncias que envolveram a votação dessa proposta no Congresso indicam a dificuldade para a realização de uma reforma modernizadora. Levada ao Parlamento por meio de uma mobilização popular, convocada pelas redes sociais, a Ficha Limpa seria rejeitada pelos parlamentares.

Poucos na Câmara e no Senado tinham a intenção de aprovar algo nesse sentido. Haja visto o destino dado à proposta que apresentei --com o mesmo conteúdo-- em legislaturas passadas: a gaveta de guardados. Na hora da votação, uma surpresa: a multidão cercou o Congresso, exercendo uma pressão legítima que resultou na aprovação do projeto, e por unanimidade.

O Brasil precisa rever ainda a injustiça das relações entre União, Estados e municípios. Vivemos sob uma espécie de poder unitário, centralizador, que arrecada com grande apetite, mas distribui com parcimônia. Um novo pacto federativo, fundado na cooperação e na solidariedade entre os entes federados, deve ser perseguido com tenacidade, pois não é mais possível a manutenção do sistema atual.

Deixar o Senado, encerrando minha vida parlamentar. Pretendo permanecer na vida pública, contribuindo para o debate político com meus ideais e a experiência que acumulei. Minha intenção é andar pelo país, ao lado de entidades como OAB e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), pregando uma agenda melhor para o Brasil.

Mantenho o otimismo com relação ao futuro, especialmente na capacidade de nossa gente de enfrentar desafios e seguir em frente. Deposito minha fé na juventude, que tantas vezes deu mostras de espírito de luta e desprendimento. Nas horas mais difíceis, o povo brasileiro soube corrigir rumos e apontar caminhos. Não será diferente agora.

Pedro Simon, 84, é senador pelo PMDB-RS. Seu mandato se encerra em 31 de janeiro de 2015

José Antonio Segatto - Democracia e cidadania

• O passado excludente e autoritário insiste em projetar-se no presente. O desafio está posto

- O Estado de S. Paulo

A vitória da Aliança Democrática, há exatamente três décadas (15 de janeiro de 1985), no colégio eleitoral, ao eleger para a Presidência da República Tancredo Neves e, como vice, José Sarney, encerrou um ciclo de 21 anos de regime ditatorial e demarcou a transição para o Estado de Direito Democrático. Constituiu-se, ademais, no momento extraordinário do desfecho do longo e complexo processo de transição democrática que, com avanços e retrocessos, culminou com a promulgação da Constituição de 1988.

Desencadeada ainda nos momentos sombrios da ditadura, foi conduzida por forças que optaram pela luta política em detrimento da ilusão do confronto armado e, pacientemente, construíram uma ampla frente democrática composta por todos os que se opunham ao arbítrio, ao cerceamento das liberdades, à lógica da força, à violação dos direitos e ao domínio do medo. Aglutinando numerosas e variadas organizações e instituições da sociedade civil e política, o movimento pela democracia travou uma longa e árdua "guerra de posições", envolvendo embates eleitorais, mobilizações, resistências, denúncias, lutas, campanhas, greves, protestos, etc.

Nesse processo de construção democrática e de superação de instituições e ordenamentos, concepções e práticas do regime de exceção, criaram-se muitas expectativas e esperanças transformadoras, não só políticas, mas também socioeconômicas. De fato, houve uma ampliação dos direitos de cidadania - tanto civis como sociais e políticos, quanto de "novos direitos" (da mulher, do jovem, do idoso, da população negra, dos portadores de necessidades especiais, dos homossexuais, do consumidor, etc.) -, o fortalecimento das instituições da sociedade civil e política, a ampliação das liberdades e a diminuição da iniquidade.

A Constituição de 1988, denominada "cidadã", incorporou e tornou lei demandas e aspirações, desde as históricas até as hodiernas - nos capítulos referentes aos direitos fundamentais, à organização dos Poderes, de suas atribuições e de suas relações com a sociedade civil, à defesa das instituições democráticas e da soberania popular, compreende normas e princípios inovadores para a garantia da "dignidade da pessoa humana", da igualdade de condições e das liberdades indispensáveis. Posteriormente à sua promulgação, muitas disposições foram regulamentadas, ampliando e aperfeiçoando alguns direitos e instituições.

Simultaneamente, não obstante as conquistas efetivas formalizadas juridicamente, preservou-se muito da cultura política e das práticas pretéritas. O patrimonialismo e o clientelismo, o corporativismo e os privilégios, a desigualdade e a coerção, a violência e a intolerância e outros vestígios característicos da formação do País foram reatualizados e compatibilizados às novas formas de relações sociais e políticas, amiúde nas brechas ou ao arrepio das normas legais.

Observada pela perspectiva formal e/ou institucional, a democracia parece estabilizada em seus procedimentos e regulação. No entanto, no exercício ordinário ou corrente é demasiado insuficiente na salvaguarda e na prática das liberdades, na garantia das condições de igualdade e dos direitos. O ardil político, o patrimonialismo renitente, a transgressão tornada norma, a cultura política autoritária reatualizada, o clientelismo capilarmente enraizado, o bloqueio do poder estatal à ativação da sociedade civil, os direitos manietados, a indulgência dos Poderes, a reativação contínua dos mecanismos fisiológicos e de cooptação do Legislativo pelo Executivo, a judicialização da política, a indiferença aos valores e aos bens públicos, o desapreço pela transparência nos atos e na gestão estatal, a dissociação entre representantes e representados, governos e órgãos estatais destituídos de fé pública, uma sociedade civil e política flácida e carente de protagonismo, partidos políticos privados de ideais, vocação hegemônica e compromissos cívicos, além de outras vicissitudes, constituem um complexo conjunto adverso ao aprimoramento da democracia e ao exercício dos direitos de cidadania.

A desigualdade de condições e oportunidades extremada, associada à disparidade no exercício dos direitos, no acesso à Justiça e às instituições estatais gera uma cidadania mutilada e a reprodução da opressão e da iniquidade.

Pode-se, no limite, afirmar que - apesar de as instituições e normas democráticas terem sido aprimoradas e ampliadas, de os direitos de cidadania terem sido amplificados, reconhecidos e materializados em leis - a desigualdade e a iniquidade, a arbitrariedade e as injustiças teimam em manter-se incrustadas nas relações sociais e políticas. O passado excludente e autoritário insiste em projetar-se no presente, ou, ainda, as marcas provectas e os resquícios extemporâneos se mantêm impressos na contemporaneidade ou a ela acomodados.

De fato, houve um inconteste aggiornamento do processo de transição democrática. As forças renovadoras, que o conduziram, ajustaram-se, em grande medida, à velha ordem. Não tiveram capacidade ou vontade suficiente para encaminhar e dirigir um projeto com referenciais programáticos e práticos reformadores e democráticos - um empreendimento sociopolítico que pudesse efetivar transformações que garantissem a realização do ser social em condições de equidade e democracia. Isso implicaria a reordenação das forças partidárias, a recomposição do poder, a publicização do Estado, a ativação da sociedade civil, a atualização da cultura política, o alargamento dos espaços e esferas de participação, a superação das múltiplas e desmesuradas desigualdades, a criação de instrumentos de reapropriação social do excedente gerado, etc.

O desafio está posto, à espera de agentes que possam remover entraves e dar curso progressivo à dinâmica democrática, criando pressupostos necessários para que suas prerrogativas sejam efetivamente socializáveis e de desfrute coletivo.

Professor titular de sociologia da Unesp

Fausto Matto Grosso - "O reencontro da esquerda democrática"

- Correio do Estado (MS)

Neste mês, foi anunciada a criação de um Bloco Parlamentar na Câmara dos Deputados composto pelo PSB, PPS, PV e Solidariedade. Juntos, esses partidos possuem a segunda maior força política no parlamento, 67 deputados, somente inferior à bancada do PT, com 70 deputados. Essa articulação nacional deverá ser rebatida nas esferas estaduais e municipais, na interlocução com a sociedade e com os movimentos sociais.

PCB, hoje PPS, e PSB, ao longo da história brasileira, protagonizaram, no mais das vezes, ações convergentes que dão sentido ao projeto político que recomeçam a construir.

Em 1927, formaram o “Bloco Operário e Camponês”, que, em 1930, lançou o primeiro candidato operário à Presidência da República. Diante da ascensão do fascismo no mundo, em 1935 construíram, juntamente com outras forças democráticas, a Aliança Nacional Libertadora.

Após a ditadura Vargas, PCB (1945) e PSB (1947) são legalizados. Os socialistas buscaram se diferenciar do PCB por críticas ao modelo soviético, propondo um socialismo democrático e pluralista. Em 1947 o PCB é cassado e entra os anos 50 na ilegalidade e isolado, com uma política estreita, de extrema-esquerda, que só vai se alterar a partir de 1958, com ruptura com o stalinismo e a adoção do compromisso com a via democrática.

A despeito de divergências, PCB e PSB, partir de 1947, convergiram na construção da Frente do Recife, que logrou eleger Arraes, em 1960, prefeito do Recife e, posteriormente, Governador de Pernambuco, posição onde se encontrava quando do Golpe de 1964.

Na resistência à ditadura, os dois partidos apontaram o caminho da Frente Democrática e participaram da fundação do MDB. Em 1974, na eleição indireta para a Presidência, o MDB lança a “anticandidatura” de Ulisses Guimarães com o vice socialista Barbosa Lima Sobrinho.

Inviabilizadas as “Diretas já”, o PMDB participa da eleição contra Maluf, elegendo, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney. No governo Sarney, em 1985, o PCB reconquista a sua legalidade e o PSB se reorganiza com líderes como Antônio Houaiss, Evandro Lima e Silva, Jamil Haddad e Evaristo de Moraes Filho, entre outros.

Nas eleições de 1989, quando a disputa se faz contra Collor, o PSB participa da Frente Brasil Popular em torno de Lula, indicando a vice, o socialista Paulo Bisol. O PCB, após a candidatura presidencial de Roberto Freire, vai se juntar a essa articulação no segundo turno.

Nos estertores do Governo Collor, Evandro Lins e Silva, um dos fundadores do PSB, participou da comissão de juristas responsável pela elaboração do pedido de impeachment, cabendo ao socialista Barbosa Lima Sobrinho, representando a ABI, entregar esse documento à Câmara dos Deputados.

Os dois partidos participam do Governo Itamar, um virtual momento “parlamentarista” de salvação nacional. Freire foi líder do Governo na Câmara dos Deputados e os socialistas Haddad (Saúde) e Houaiss (Cultura) participaram do Ministério, apoiando o lançamento do Plano Real, para o enfrentamento da inflação.

Nas eleições de 1994, o PPS, sucedâneo do PCB, e o PSB estiveram juntos na coligação em torno de Lula, derrotada, no primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso.

A partir daí, fruto da disputa de projetos de poder, o Brasil passa a viver a polarização PT x PSDB. Essa divisão do campo de centro-esquerda levou a um sistema político onde, cada um por sua vez, esses partidos, no presidencialismo de coalizão, tiveram que governar em alianças com a direita e com o atraso fisiológico.

Assim chegamos a 2014, com PSB e PPS, no campo da oposição, articulando um projeto alternativo, primeiro com Eduardo Campos, depois com Marina Silva. Esse é o momento que Roberto Freire chamou de “reencontro da esquerda democrática”.

Agora, o Bloco da Esquerda Democrática, que incorpora também a modernidade da pauta do PV e a base sindical do Solidariedade, se apresenta como um importante polo para a aglutinação de uma grande quantidade de quadros progressistas que se acham ausentes, ou dispersos na política brasileira.

Fausto Matto Grosso é engenheiro, professor aposentado da UFMS

Merval Pereira - Medindo forças

- O Globo

Ninguém pode classificar o anunciado futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de ingênuo ou inexperiente na área pública. Antes de ser secretário da Fazenda do Estado do Rio, já fora secretário do Tesouro do primeiro governo Lula e, portanto, sabe perfeitamente a que estará sujeito no exercício de sua nova função.

A entrevista que concedeu a Claudia Safatle, do jornal "Valor Econômico" — em que defende medidas polêmicas para os petistas, como o fim da dualidade entre juros do setor público e do privado, e a terceirização de mão de obra —, portanto, não pode ser atribuída a um descuido. Tanto que, antes mesmo de assumir, já conseguiu que a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que remunera os empréstimos do BNDES, fosse aumentada.

Também as críticas que recebeu imediatamente de setores petistas, os mesmos que o perseguiram quando trabalhava na equipe de Antonio Palocci, não devem ter sido surpresa para ele. O que estamos vendo é, mesmo antes da posse, a disputa de posições entre o futuro ministro da Fazenda e setores do governo que não aceitam as medidas de controle de gastos e reequilíbrio fiscal anunciadas, ou presumidas pelo estilo fiscalista bastante conhecido do escolhido por Dilma para conduzir o "cavalo de pau" que terá de ser dado para que a economia recupere sua capacidade de crescimento.

O mais provável é que Levy tenha dado a entrevista justamente para testar as reações e balizar sua atuação. Ele deu um recado claro quando falou sobre a necessidade de firmeza do governo com a nova política econômica: "Acredito que os fatos devem mostrar a disciplina. Há bastante harmonia entre o que a equipe econômica vem falando. A própria presidente acenou com a abertura de capital da Caixa, o que tende a mudar a dinâmica de governança da instituição e, provavelmente, até alguns aspectos do seu posicionamento estratégico".

Ontem mesmo mais um passo na direção do enxugamento dos gastos foi dado, com o anúncio de mudanças em questões sensíveis aos sindicalistas. Dilma encaminhará ao Congresso uma medida provisória que entra em vigor imediatamente, com ajustes nas despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da Previdência. O aumento do controle atinge o abono salarial, o seguro-desemprego, o seguro dos pescadores artesanais, a pensão por morte e o auxílio-doença.

O governo estima economia de R$ 18 bilhões ao ano a partir de 2015. Exemplos das mudanças são os aumentos de carência para o recebimento do abono salarial e do seguro-desemprego, que quase dobrou seu custo, apesar do quadro de pleno emprego. Decisões que, se tomadas por um presidente eleito pela oposição, já estariam colocando nas ruas milhares de sindicalistas.

Levy falou na legislação sobre a terceirização de mão de obra que está no Congresso sem mesmo ter sido perguntado, ressaltando que, se aprovada, ela ajudará a fortalecer o mercado de trabalho — que, para ele, teve formalização crescente graças à abertura econômica dos últimos 15 anos, com facilidades de investimento externo.

É justamente o inverso do que pensam os sindicalistas. O secretário sindical nacional sobre o tema do PT, Angelo DAgostini, reagiu imediatamente, chamando de "equivocada" sua posição. Na entrevista a Claudia Safatle, Levy não poupou críticas à atual política econômica, afirmando, por exemplo, que a contenção do custo da energia obrigou o Tesouro a assumir "responsabilidades totalmente desproporcionais à sua capacidade" provocando, em consequência, "deterioração das contas públicas".

As posições estão tomadas. Resta saber agora o quanto de respaldo político Joaquim Levy terá para levar adiante seu programa econômico, que não pode ser seu, e, sim, do governo. Todas as críticas petistas até o momento ressaltam justamente isso: o programa não é pessoal, mas coletivo do governo, e, nele, a palavra final não pode ser de Levy.

Sem novidades
A nova safra de ministros anunciada ontem não traz novidades, mas confirma a decisão de Dilma de montar uma equipe a seu gosto, fortalecendo a ala da Democracia Socialista em detrimento da majoritária Construindo um Novo Brasil, de Lula e José Dirceu. Com a indecisão dos partidos aliados sobre o Ministério da Previdência, Dilma pôde nomear um nome técnico que lhe agrada, inclusive no plano pessoal: é na garupa de Carlos Gabas que a presidente dá seus passeios de motocicleta pelas noites brasilienses.

Hélio Schwartsman - O que aconteceu?

- Folha de S. Paulo

Flashback para os anos 80. O então recém-surgido Partido dos Trabalhadores prometia um jeito diferente de fazer política. Era tão intransigente em relação a seus princípios que nem sequer negociava com outros partidos, mesmo aqueles que poderíamos classificar como de centro-esquerda.

No que diz respeito à moralidade pública, a legenda a cultuava com fervor religioso. Naqueles primeiros anos, o PT era o partido de onde surgiam quase todas as denúncias de corrupção e aquele cujos membros jamais apareciam nos escândalos.

Mesmo quem não gostava das ideias que o PT defendia, concordava que a legenda desempenhava papel relevante ao apresentar e exigir uma nova atitude dos políticos.

De volta ao presente. Dilma Rousseff, recém-eleita presidente pelo PT, propõe ao procurador-geral da República passar-lhe os nomes das pessoas que pretende nomear ministros para que ele diga se estão ou não envolvidas em alguma das delações premiadas relacionadas ao caso Petrobras. Ou seja, ela não apenas está negociando com legendas tão à direita quanto PP (o sucedâneo da Arena) como nem sequer está segura de que seus futuros auxiliares não sejam corruptos. Isso tudo, vale frisar, depois da experiência do mensalão, que atingiu em cheio a cúpula do PT.

O que aconteceu nos últimos 30 anos? Tenho algumas hipóteses, mas não uma resposta acabada. Assim, prefiro destacar o que, pelo menos para mim, foi um aprendizado. Ninguém exerce o monopólio da virtude. Embora um homem possa individualmente ser mais honesto do que outro, basta que reunamos um número razoavelmente grande de pessoas e lhes ofereçamos oportunidades um pouco mais tentadoras de tirar vantagens indevidas, para que as diferenças entre grupos maiores tendam a anular-se, retratando aquilo que chamamos de natureza humana.

O descenso moral do PT não é um espetáculo bonito, mas é didático.

Luiz Carlos Azedo - Ano-novo em Bruzundanga

• A situação no país, porém, é das mais delicadas. Durante a crise mundial, viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga

- Correio Braziliense

No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que está preso ameaça contar tudo o que sabe à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da Corte se o marido passar o ano-novo na cadeia. Está revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal num balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal, no último domingo do ano.

Quase 100 anos depois da publicação da obra póstuma do escritor carioca maldito, mestre da ficção do escárnio, Bruzundanga não mudou muito, apenas trocou as velhas patacas pelo barusco, a nova moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizam o mundo. A diplomacia, a Constituição, as transações e as propinas, os políticos e os privilégios, o poder das oligarquias, os sanguessugas do erário, as desigualdades, a saúde e a educação pouco mudaram.

Como antigamente, diria Barreto, não há homem influente que não tenha parentes e amigos ocupando cargos de Estado; não há doutores da lei e deputados que não se considerem no direito de deixar aos filhos e às viúvas gordas pensões pagas pelo Tesouro da República. Enquanto isso, a população continua escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que alguns gozem de vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, afora os rendimentos que vêm de outras origens.

O Mandachuva de Bruzundanga se imagina uma espécie de Conde Fosca, aquele personagem de Todos os homens são mortais, da francesa Simone de Beauvoir, que podia decidir o que quisesse porque era imortal: os outros é que pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Mesmo assim, anda preocupado. Antes do Natal, a esposa de outro executivo preso procurou seu secretário particular e avisou que contaria tudo o que sabia se o marido continuasse em cana. Foi solto a tempo de participar do amigo-oculto da família, graças ao próprio Mandachuva, que moveu mundos e fundos para obter seu habeas corpus. Coisas que ainda acontecem em Bruzundanga.

A situação no país, porém, é das mais delicadas. Durante a crise mundial, viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é apertar o cinto. Mas, como as desigualdades são grandes, o governo terá que fazer escolhas difíceis, que podem prejudicar a sua popularidade. Em circunstâncias normais, o baixo crescimento, a inflação preocupante e o desequilíbrio nas contas externas seriam tratados com uma boa dose do “mais do mesmo” e logo tudo voltaria a ser como antes.

O diabo é que o escândalo na petroleira atrapalhou tudo. Ameaça gerar uma crise institucional de proporções imprevisíveis, por causa do envolvimento de políticos governistas, de executivos da empresa e dos principais fornecedores, alguns próximos ao Mandachuva. O pior é que a sobra dos petrodólares que irrigaram as campanhas eleitorais, em contas na Suíça, começam a servir de fio condutor para as investigações policiais. Como se sabe, todo crime tem uma motivação e deixa um rastro. A única saída é negar a existência do crime.

Diante do agravamento da crise, o governo de Bruzundanga decidiu agir em duas frentes. De um lado, tenta circunscrevê-la aos executivos envolvidos e salvar as empresas. Das seis empresas arroladas no escândalo, uma já quebrou e outra vai pelo mesmo caminho, porque as herdeiras de seu criador, que moram num reino europeu, preferem viver de rendas do que correr o risco de ver o nome da família na lama. A outra frente é a montagem do ministério, que servirá para blindar o governo com o apoio do baixo clero do Congresso, ou seja, com o apoio dos políticos que não estão nem aí para a chamada opinião pública porque vivem dos votos de clientela, alguns dos quais suspeitos de envolvimento no escândalo.

E no Brasil…
Enquanto Bruzundanga vive a sua agonia, no Brasil, a presidente Dilma Rousseff tenta fechar o seu ministério. Ontem, foram anunciados mais sete ministros: Antonio Carlos Rodrigues (PR), nos Transportes; Gilberto Occhi (PP), na Integração Nacional; Miguel Rossetto (PT), na Secretaria-Geral da Presidência; Patrus Ananias (PT), no Desenvolvimento Agrário; Pepe Vargas (PT), nas Relações Institucionais; Ricardo Berzoini (PT), nas Comunicações; e Carlos Gabas (PT), na Previdência Social. Dos 39 ministérios, ainda faltam serem escolhidos 15 ministros.

Bernardo Mello Franco - O caso do bombeiro

- Folha de S. Paulo

Imagine um pequeno partido que tenha passado dez anos lutando para associar sua imagem a ideais de esquerda e causas libertárias, como o direito ao aborto e o combate à homofobia e a outras formas de intolerância. Agora imagine que este mesmo partido tenha eleito um deputado que fez campanha em quartéis, defendeu um general como ministro da Defesa e comemorou sua diplomação tirando "selfies" com Jair Bolsonaro, porta-voz da direita raivosa no Congresso.

Aconteceu no PSOL, que vive uma crise antes mesmo da posse do cabo Benevuto Daciolo, eleito no Rio de Janeiro com 49.831 votos. Líder da greve dos bombeiros de 2011, ele ajudou a ampliar a bancada federal da legenda de 3 para 5 deputados. Mesmo assim, há quem aposte que sua permanência não vá durar mais que alguns meses.

O choque de culturas começou às vésperas da eleição, quando o evangélico Daciolo fez circular um vídeo em que pedia votos com a Bíblia em punho. "Jesus está na nossa batalha. Homem nenhum pode parar esse movimento", pregava, com tom de pastor, antes de puxar uma oração de olhos fechados.

Eleito, o cabo criticou a subordinação dos militares a um ministro civil e chamou o sistema político brasileiro de "falsa democracia". A gota d"água foi a "selfie" com Bolsonaro, visto como a antítese do PSOL. Dias antes, o partido havia pedido sua cassação por afirmar que uma colega "não merece ser estuprada". Agora seus dirigentes se dividem entre os que sonham em enquadrar Daciolo e os que consideram inevitável expulsá-lo.

O PSOL já flertou com a autodestruição ao deixar que disputas internas afastassem políticos com mais conteúdo, como Heloisa Helena e Randolfe Rodrigues. Nos próximos anos, terá que escolher entre manter a pureza ideológica e continuar nanico ou flexibilizar os critérios de filiação para crescer, sob o risco de virar mais uma sigla igual às outras. O caso do bombeiro ajudará a definir o futuro do partido.

Celso Ming - Amplia-se o rombo

• Nesta segunda-feira, saíram os resultados de novembro que apontam, no acumulado do ano, para um déficit de R$ 19,6 bilhões

- O Estado de S. Paulo

É agora enorme a probabilidade de que, em 2014, as contas públicas apresentem um rombo, o primeiro desde 2001, quando se iniciou a série histórica das estatísticas do Banco Central.

Há algumas semanas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vinha sustentando que entregaria um superávit primário (poupança do governo), neste ano, de R$ 10,1 bilhões. Nesta segunda-feira, saíram os resultados de novembro que apontam, no acumulado do ano, para um déficit de R$ 19,6 bilhões. 

Para apresentar o saldo positivo pretendido em 2014, em dezembro o governo terá de mostrar um superávit de R$ 29,7 bilhões. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, avisou, nesta segunda, que este mês traria “resultado positivo de dois dígitos”, ou seja, superior a R$ 9,9 bilhões. Mas vá saber. Há quantos meses não dá para alguém se fiar na palavra do secretário?

O resultado ruim de novembro não deixa de ter um lado positivo. Indica que o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, arrancou do governo a decisão de limpar as contas públicas dos truques, pedaladas e provavelmente de um bom número de esqueletos, para começar 2015 com vida nova.

De todo modo, é kafkiana a informação publicada no Estadão de domingo de que o ministro Levy conseguiu instituir uma espécie de Comissão da Verdade, apenas para apurar o real estado das contas públicas.

Ou seja, fica admitido que o novo governo Dilma recebe uma herança maldita do próprio governo Dilma. Decididamente, a transição do governo Fernando Henrique para o governo Lula parece ter sido mais natural, sem necessidade de procedimentos desse tipo.

As escamoteações fiscais que agora estão a exigir a tal Comissão da Verdade não foram obra exclusiva do secretário do Tesouro. O ministro Guido Mantega também se deu a manobras esquisitas. 

Em abril, por exemplo, mandou demitir o técnico Leonardo Rolim, da Previdência Social, quando este avisou que o rombo da área em 2014 não seria de R$ 40 bilhões, como estava nas contas do ministro, mas de R$ 50 bilhões. E, no entanto, se Rolim errou, foi para menos. Até novembro, o déficit acumulado da Previdência Social foi de R$ 58,5 bilhões. Se, em dezembro, o déficit for metade do que foi em novembro, o ano fechará com um resultado negativo superior a R$ 60 bilhões.

O Banco Central foi também solidário com essa operação de camuflar parte do rombo. Desde agosto de 2013, insistiu nos seus documentos em que “o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade ”, querendo com isso dizer que estava próximo o dia em que deixaria de produzir inflação. E, no entanto, agora já não sabe o quanto de inflação está para ser produzido por tarifas públicas represadas ou por dívidas do Tesouro assumidas para garantir transferências para o BNDES, para a Caixa Econômica Federal e para o Banco do Brasil.

Seja como for, nada desse encobrimento foi realizado sem o conhecimento da presidente da República. Dilma 1 apresenta-se diferente de Dilma 2 e, no entanto, trata-se da mesma pessoa.

Míriam Leitão - Vermelho novo

- O Globo

O déficit divulgado ontem foi o pior para o mês da série histórica. Quantas vezes você leu esta frase nas páginas de economia este ano? Não pare de ler, não é notícia velha. É um novo vermelho nas contas públicas de novembro, de R$ 6,7 bilhões. No ano, o déficit primário é de R$ 18,3 bilhões. Para fechar na nova meta de R$ 10 bi de superávit, será preciso um dezembro com azul de R$ 28 bilhões.

Edura a herança que Dilma receberá de Dilma. A presidente terá que começar o segundo mandato herdando vermelhos velhos na balança comercial, no déficit público, no resultado da conta-corrente, no setor elétrico, na dívida pública. E tem a meta de chegar a um resultado positivo, em 2015, de no mínimo R$ 66 bilhões, segundo contou Joaquim Levy.

Na minha terra, em Minas, há duas cidades próximas. Uma chamada Vermelho Velho, e a outra, Vermelho Novo. Assim estará o governo a partir de quinta-feira, tentando separar o déficit antigo do que vier a ser responsabilidade da nova administração.

A arrecadação até subiu no ano, em 3,9%, mas as despesas cresceram num ritmo mais veloz: 12,7%. E isso não é tudo. A nova equipe que assumirá está vasculhando as contas atrás de déficits ocultos. Na área de energia, há uma lista infindável de contas dependuradas no Tesouro, além daquelas que já se sabe que foram cobertas com empréstimos bancários que serão pagos através de aumentos da conta de luz.

O problema é que, quanto maior for a herança deixada por Dilma para o novo governo Dilma, mais difícil será o ajuste. Nesta reta final, com os ministros ainda não empossados olhando as contas por dentro, está ficando claro que o rombo é de fato tão grande quanto diziam os mais pessimistas.

Um dos truques que ajudaram a recobrir de azul as velhas contas vermelhas foi o de antecipar dividendos de estatais. Não poderá mais ser feito. Não apenas porque a nova equipe já abjurou a velha prática, como será impossível mesmo. A Petrobras não terá condições de pagar agora os R$ 2 bi previstos por ter recebido mais quatro campos de pré-sal na Bacia de Campos. A Eletrobrás não poderá pagar dividendos, simplesmente por não ter lucro.

Ela está com dificuldades para pagar o que deve à Petrobras. Sobram os bancos públicos, mas o BNDES precisa manter seus recursos porque acaba de receber um novo cheque do Tesouro e o aviso prévio de que não haverá outros.

Em entrevista da qual participei com a então candidata Dilma, em 2010, perguntei se não havia risco de aumentar o déficit público e a dívida bruta caso ela ganhasse. Lembrei que ela, anos antes, na chefia da Casa Civil, havia chamado de rudimentar a proposta do ex-ministro Antonio Palocci de buscar o déficit nominal zero. Dilma respondeu a pergunta, que lhe fiz em entrevista na CBN, dizendo que eu estava errada "no número e no conceito". Ao fim do seu primeiro mandato o que se constata, infelizmente, é que o erro não era meu. O déficit público nominal está fechando o ano em 5,6% do PIB e a dívida pública bruta está em 63% do PIB. Quando ela assumiu, estava em 54%. Veja o gráfico.

O trabalho de arrumar as contas não será fácil. O governo persistiu demais no erro de achar que poderia enganar os números com artimanhas fiscais e aumentar os gastos. Os dois ministros terão muito o que fazer para tentar virar esse jogo. A aposta que fazem é que o gesto de mudar de rumo já seja o primeiro passo para a reconquista da credibilidade da política econômica.

CORREÇÃO: A Petrobras pagou dívidas da Galvão Engenharia, conforme noticiado, e não da Queiroz Galvão.

Vinicius Torres Freire - A economia de Dilma 1 no desmanche

• Futuro ministro da Fazenda revoga política econômica de 2011-2014 em dia de anúncio de deficit público

- Folha de S. Paulo

No mesmo dia em que o governo federal anunciou o resultado mais desastroso do seu balanço de receitas e despesas em cerca de 20 anos, o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vinha a público insinuar o desmonte integral das políticas que produziram a calamidade. Foi em uma entrevista publicada nesta segunda (29) no jornal "Valor".

Ato contínuo, o governo federal divulgou medidas a fim de cortar exageros de gastos com seguro-desemprego no país do pleno emprego. O que mais virá?

Levy ainda discorre em termos genéricos, quando não teóricos, mas depreende-se o seguinte.

Primeiro, a virada na economia mundial torna ainda mais premente um programa que eleve a poupança doméstica (o Brasil gasta demais "lá fora", tem deficit externo excessivo para uma situação em que pode nos faltar financiamento e em que vai mal o preço dos nossos produtos principais de exportação).

Isso implica o já anunciado plano de aumento de poupança do governo (superavit primário), aperto no crédito dos bancos públicos e no consumo e outras medidas que contribuam para a desvalorização do real.

Segundo, o plano de contenção do crédito dos bancos públicos junta a fome com a vontade de comer.

Dada a necessidade de conter o aumento da dívida pública, não haveria de qualquer modo dinheiro adicional para os bancos públicos, sem o qual tais instituições não podem conceder mais crédito. Mas seria conveniente frear os bancos públicos também a fim de dar um tranco no consumo.

Em 2014, o crédito, o total dos empréstimos, terá crescido apenas devido à banca estatal.

Por fim, o plano parece ser o de dar fim não apenas ao inchaço dos bancos públicos e da estatização de parte do crédito como mudar o padrão de financiamento das empresas, de privatizar o crédito de longo prazo, e de retirar o peso que o crédito público barato joga na política monetária.

Terceiro, há preocupação em tomar medidas (ou de remover empecilhos) a fim de contribuir para a desvalorização do real, para o que já contribuiria o tranco no consumo de governo e famílias. Mas o que mais virá? Passada a turbulência global que deve ocorrer em meados de 2015, o BC vai deixar murchar seu programa de intervenção no câmbio?

Quarto, pretende-se reduzir as barreiras ao comércio exterior. Quais, como e quando? Por meio de programas de abertura seletiva, impondo mais competição a alguns setores desde já? Ou também por meio de acordos comerciais, que levariam tempo, pois o Brasil jogou tudo isso no lixo, na última década?

Um real mais desvalorizado pode contribuir para reduzir resistências a mais abertura. Há setores da indústria que não se interessam mais por protecionismo. Ainda assim, depois de anos de razia, o que se vai dizer à indústria, em particular à mais entrincheirada nas proteções (do BNDES às tarifas)?

Quinto, o superavit primário maior compreende um plano de corte de subsídios. Quais? O governo subsidia empresas por meio de empréstimos baratos, os quais promete encolher e que já começaram a encarecer. Há subsídios diretos e indiretos à conta da eletricidade, que, parece, vão ser cortados. Mas há subsídios também no Minha Casa, Minha Vida, por exemplo.

O tamanho do desastre fiscal - O Estado de S. Paulo / Editorial

As contas públicas registraram em novembro um recorde que simboliza a política fiscal do primeiro governo de Dilma Rousseff, e da qual não há motivos para se orgulhar. O Tesouro Nacional teve déficit primário de R$ 6,7 bilhões, o pior resultado para o mês de novembro, e, no acumulado dos 11 primeiros meses de 2014, de R$ 18,3 bilhões. O resultado do período janeiro-novembro é R$ 80,8 bilhões pior do que o período correspondente de 2013. Esse valor dá a dimensão financeira da deterioração da política de gestão do dinheiro público no ano em que a presidente Dilma Rousseff, como havia anunciado antecipadamente, poderia "fazer o diabo" para assegurar sua reeleição. Não há dúvidas de que, na área fiscal, fez.

Como consequência do péssimo desempenho financeiro do governo federal, as contas de todo o setor público consolidado - que incluem os resultados dos Estados, dos municípios e das estatais e são calculadas pelo Banco Central por metodologia diferente da utilizada pelo Tesouro - igualmente registraram o pior desempenho para novembro desde o início da série histórica, em dezembro de 2001.

No resultado consolidado, o setor público registrou em novembro déficit primário de R$ 8,1 bilhões, dos quais o governo central foi responsável por 83%. Nos 11 primeiros meses do ano, o setor público acumulou déficit primário de R$ 19,6 bilhões. Nesse caso, a deterioração entre 2013 e 2014 é de R$ 100,5 bilhões, pois nos primeiros 11 meses do terceiro ano da gestão de Dilma o setor público acumulou superávit primário de R$ 80,9 bilhões.

O governo Dilma conseguiu destroçar o conceito de superávit primário, transformando-o numa ficção contábil. Esse superávit dimensiona o esforço financeiro das autoridades para honrar os compromissos gerados pela dívida pública. Para dar credibilidade à política fiscal e transmitir aos agentes econômicos a confiança necessária para fazer planejamento de longo prazo, o governo federal vinha se comprometendo a alcançar determinado superávit.

Desde 2012, no entanto, as metas prometidas pelo governo federal antes do início de cada exercício não vêm sendo cumpridas. Em 2014, o desrespeito foi completo. A meta era de um superávit primário de R$ 99 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Já há algum tempo o governo Dilma tem utilizado brechas legais para não cumprir a meta - descontando das contas, entre outros gastos, parte dos investimentos no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Valeu-se também, e com grande constância, de manobras contábeis que, embora não ilegais, distorceram os demonstrativos financeiros, como a antecipação de receitas não tributárias (dividendos de estatais, pagamento de concessões) e adiamento do registro de determinadas despesas.

Nem assim, porém, conseguiu melhorar suas demonstrações financeiras. Os resultados acumulados até novembro, tanto no relatório do Tesouro como nas contas do Banco Central, mostram que só com um superávit muito grande em dezembro o resultado primário de 2014 será positivo - ainda assim, muito inferior ao prometido. Não haverá nenhuma punição, pois o governo conseguiu aprovar no Congresso, depois de muita pressão, mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que, na prática, extinguem a exigência de cumprimento de metas fiscais.

O conceito de resultado primário ganhou importância no Brasil porque, tradicionalmente, o setor público registra um déficit nominal elevado. O que o governo Dilma conseguiu, porém, foi tornar ainda pior um resultado já ruim. Nos 11 primeiros meses de 2014, o setor público acumulou um déficit nominal de R$ 283,8 bilhões (97% maior do que o do período janeiro-novembro de 2013) e, nos 12 meses até novembro, de R$% 297,4 bilhões, o que corresponde a 5,82% do PIB.

O governo até pode alegar que é resultado comparável ao previsto para os Estados Unidos, mas o déficit americano vem sendo reduzido de maneira sistemática há anos. Além disso, o déficit brasileiro é mais do dobro do previsto para os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2,5%.

Ano de durezas – Folha de S. Paulo / Editorial

• País passará em 2015 por ajustes mais duros do que o necessário caso a condução da política econômica tivesse sido menos inepta

O Banco Central deu rara indicação enfática e precisa de que pretende reduzir a taxa de inflação à meta oficial de 4,5% até o final de 2016. A entidade, nos termos de relatório divulgado na semana passada, fará o que "for necessário" a fim de atingir tal objetivo.

Trata-se de dizer, na prática, que as condições de crédito serão ainda mais apertadas no ano que vem, e não apenas pelo caráter mais decidido dos planos divulgados pela autoridade monetária.

No mesmo documento, apresentaram-se novas estimativas de altas de preços para 2015 e 2016, maiores que em relação às do trimestre anterior. Além do mais, haveria pressões inflacionárias adicionais que em tese não seriam contrabalançadas por uma taxa básica de juros, a Selic, no atual patamar.

Em suma, a elevação dos juros terá de ser maior do que a prevista; o percentual permanecerá em nível elevado durante mais tempo do que se calculava. A Selic deve ultrapassar os 12,5% registrados pela última vez em 2011.

O dólar mais caro não é o único fator que tende a impulsionar preços além do que se considerava até meados do ano. Também contribui para isso o fim do represamento de tarifas de serviços públicos e de combustíveis, processo que deve se desenrolar em 2015.

O excesso de gastos públicos em 2014 ainda terá efeitos no ano que entra. Apesar da visível desaceleração do aumento do nível de emprego, a baixa taxa de desocupação pressiona os custos salariais.

Por fim, anos de descumprimento da meta de inflação e a perspectiva de reajustes de tarifas fundamentais têm mantido em nível elevado as expectativas de alta dos preços, o que por sua vez realimenta o ciclo vicioso.

Foi portanto descartado o discurso que era o do Banco Central até algumas semanas atrás, de aumentar os juros com "parcimônia".

Em tese, tal atitude vai contribuir para manter a economia em um ritmo de baixa atividade, semelhante ao deste ano. Recorde-se que, teoricamente, também pelo lado da despesa pública não haverá estímulos adicionais, pois o Ministério da Fazenda prometeu encerrar o ciclo de expansão de gastos dos últimos anos.

Causa apreensão e pesar que o país tenha de passar por outro ano de durezas, ainda mais porque a procrastinação inepta e populista exigirá sacrifícios maiores que os necessários caso estivéssemos sob um regime de política responsável.

Espera-se ao menos que a nova equipe econômica cumpra à risca os planos de ajuste, de modo que antes do final de 2015 a atividade produtiva se recupere e o Brasil possa voltar a pensar no futuro, depois de quatro anos perdidos.