*K. Marx, “Critica da filosofia do direito
de Hegel – Introdução (1843)”, p. 151. Boitempo Editorial, São Paulo, 2005.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Opinião do dia - K. Marx*: poder das ideias
Marcus André Melo: Eleição e moderação
Folha de S. Paulo
Se os candidatos alterassem radicalmente
seus programas, o voto não seria afetado
Muitos esperavam que a disputa eleitoral
produzisse um deslocamento centrípeto por parte dos dois principais contendores
do pleito. Assim, Lula e Bolsonaro tenderiam à moderação e abandonariam os
pontos mais radicais de suas agendas. Isto pode ser observado no passado, mas
não no presente. Os candidatos têm falado para seus públicos internos.
A escolha de Alckmin para vice parece exceção; mas na realidade representa um
seguro político —um compromisso crível— para cenário de eventual crise
institucional, não concessão programática. A aproximação com o centrão é
estratégia de sobrevivência política, não abandono de questões controversas da
agenda pública.
O modelo analítico que informa a conjetura de convergência é
clássico: a preferência do eleitor mediano baterá as demais, em escolhas
binárias, o que criaria incentivos centrípetos para as candidaturas.
Celso Rocha de Barros: A fome do ‘Bolsocaro’
Folha de S. Paulo
Tragédia da fome bolsonarista é uma
tragédia feminina
Na semana passada, foi publicado um estudo
da Fundação Getúlio Vargas sobre
insegurança alimentar no final de 2021 ao redor do mundo.
A porcentagem de brasileiros que relatou
não ter tido dinheiro para alimentar a si mesmo ou a seus familiares em algum
momento dos últimos 12 meses subiu
de 30% para 36%.
Pela primeira vez desde que a pesquisa é
feita, o percentual brasileiro é maior do que a média mundial (35%).
Como se pode imaginar, o problema foi muito pior entre os brasileiros mais pobres. Em 2021, 75% dos cidadãos que compõem os 20% mais pobres da população brasileira ficaram sem dinheiro para comer ou para alimentar suas famílias em algum momento. Três quartos.
Carlos Pereira: Roteiro do golpe está pronto; e agora?
O Estado de S. Paulo.
Erros do passado e experiências de outros países capacitam instituições contra iliberalismos
Seis meses antes do golpe ocorrido no Chile
em 11/09/1973, apenas 27% dos chilenos acreditavam que o golpe aconteceria
(Navia e Osório 2017). Por outro lado, de acordo com o Datafolha (15/09/2021),
mais da metade dos brasileiros (51%) creem que Bolsonaro pode tentar um golpe,
especialmente em caso de derrota nas eleições de 2022.
Há quem acredite, inclusive, que o roteiro
do golpe contra a democracia brasileira já estaria traçado.
O primeiro passo seria incutir desconfiança
sobre a lisura do processo eleitoral por meio de questionamentos sobre a
segurança das urnas eletrônicas, comprometendo a sua confiabilidade perante os
eleitores ao afirmar que “a urna não é inviolável, é penetrável, sim”.
Argumento central desse roteiro é a crítica a uma hipotética “sala secreta ou escura” que contabilizaria os votos chegados ao TSE, o que afetaria a transparência do processo de apuração. Também contribuiria nessa trama o confronto direto com ministros do STF, como a recente alegação de abuso de autoridade do ministro Alexandre de Moraes por sua condução no inquérito das fake news.
Entrevista | José Aníbal: ‘Tebet é qualificada, mas PSDB precisa ter candidato’
Membro histórico do partido evita se contrapor a declarações de endosso ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Por Gustavo Schmitt / O Globo
Integrante da ala “histórica” do PSDB,
partido ao qual se filiou há mais de 30 anos, o ex-senador José Aníbal defende
que a sigla retome o debate sobre a candidatura própria — e lista no horizonte
os nomes do ex-governador Eduardo Leite e do senador Tasso Jereissati. Ele, no
entanto, reconhece a tendência interna de apoio à senadora Simone Tebet
(MDB-MS) e evita se contrapor a declarações de endosso ao ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), como já fez o ex-ministro Aloysio Nunes: “Não tenho
restrições a essas manifestações”.
A saída do ex-governador João
Doria da disputa presidencial após vencer as prévias macula a imagem do PSDB?
Lamentamos muito, porque fizemos um
movimento inovador na política brasileira com as prévias. Infelizmente, o Doria
ganhou, mas não levou. Ele não levou o partido a ampliar o seu espaço em meio à
polarização. Não foi possível, mesmo com os méritos que ele (Doria) teve ao
viabilizar a Coronavac.
O PSDB gastou R$ 12 milhões
com as prévias. Os advogados de Doria afirmaram que isso poderia levar à
rejeição das contas do PSDB pelo TSE...
Ele usou todos os argumento (para ser
candidato). Mas, se estiver tudo de acordo com o permitido pela lei, não tem
preocupação.
O grupo de Doria disse que
houve “golpe”. O senhor concorda?
Nem ele (Doria) acreditava mais nisso quando decidiu abrir mão da candidatura. Ele observou que havia dificuldade, especialmente dos candidatos aos governos estaduais e deputados, de estarem associados à candidatura presidencial dele. Doria conseguiu ter uma rejeição alta e uma intenção de votos muito baixa. É muito difícil resolver essa equação.
Mathias Alencastro*: A ameaça populista
Folha de S. Paulo
Diante da vitória iminente da esquerda,
direita se rebela e troca moderado por populista
A história da última semana da eleição
colombiana soa como a repetição de um enredo cada vez mais comum nas
democracias liberais. Diante
da vitória iminente da esquerda, liderada pelo moderado Gustavo
Petro, a direita se rebela e troca um opositor moderado por um populista.
Quem desempenha esse papel é o
oligarca-bufão Rodolfo
Hernández. Ele ultrapassou Federico "Fico" Gutiérrez, o jovem
liberal apoiado por todos os partidos da direita tradicional, e chegou
ao segundo turno contra Petro com uma campanha relâmpago que retoma a
receita original dos populistas: demagogia anticorrupção, anticomunismo
enfurecido e uso exclusivo das redes sociais.
A passagem para a segunda volta eleva a
tensão das presidenciais. Todos os candidatos circulam pelo país acompanhados
de escoltas militares, e ameaças
de assassinatos são denunciadas cotidianamente.
Petro sabe que toda a tensão gira em torno da sua candidatura. Sua biografia reflete o longo caminho da Colômbia em direção à paz. O ex-membro da guerrilha M-19 teve uma passagem bem-sucedida pela política institucional, servindo como senador e prefeito, antes de construir a primeira plataforma de partidos progressistas com condições de vencer as presidenciais.
Ana Cristina Rosa: Até quando vamos aturar a barbárie?
Folha de S. Paulo
Mais de 79% dos mortos pela polícia no
Brasil são negros
Até quando vamos aturar a
violação de direitos humanos e seguir convivendo com a barbárie
institucionalizada no país? Mais de 79% dos mortos pela polícia no Brasil são
negros. Um caso mais estarrecedor que o outro.
Condolências e promessas de investigação são gestos de civilidade importantes e
necessários, mas absolutamente insuficientes diante da realidade macabra. É
hora de agir em prol de resultados que coloquem algum freio nessa sanha pelo
extermínio da população negra.
O assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial branco nos EUA, causou comoção global. Passados dois anos, culpados foram punidos e uma reforma da polícia federal foi anunciada pelo presidente americano. "A mensagem das ruas foi clara: basta!", disse Joe Biden.
Lygia Maria: Polícia etimológica
Folha de S. Paulo
Obsessão por palavras está criando uma
sociedade paranoica
"Praga". Esse é o termo que a
pesquisadora Camille Paglia usa para se referir ao politicamente correto. A
busca constante por preconceitos nos mais ínfimos detalhes do cotidiano,
segundo ela, se assemelha a um transtorno mental, uma alucinação coletiva. O que
aconteceu no programa "Em Pauta", do canal Globo News, é prova disso.
Uma jornalista foi repreendida porque falou a palavra "denegrir".
Segundo o apresentador que passou o pito, "não se usa mais essa
palavra". Pelo visto, há por aí uma polícia etimológica. Fato é que a
jornalista pediu perdão e, provavelmente, nenhum outro jornalista da emissora
se atreverá a cometer tal pecado novamente. Se a moda pega, capaz de a censura
atingir outros veículos —o que faz com que esse problema não seja algo banal.
Ruy Castro: Lá vamos nós de novo
Folha de S. Paulo
Uma exposição em Nova York tem barquinhos
com dinheiro brasileiro
Se você já se perguntou onde foi parar todo
o dinheiro velho que trocou pelo novo nas antigas mudanças de moeda no Brasil,
sabe que boa parte dele foi incinerada pelos governos de então. Mas outra parte
sobreviveu e circula hoje como ectoplasma pelos sites de leilões e compras,
disputado por colecionadores de velharias exóticas —e poucas velharias são mais
exóticas do que dinheiro brasileiro. De anos em anos, devorado
pela inflação, cortavam-se três zeros do seu valor e pespegavam-lhe um novo
nome, o que obrigava à destruição de bilhões de cédulas e sua substituição por
outras tantas.
Daí, de 1942 para cá, tivemos as notas de cruzeiro, cruzeiro novo, mais uma vez
cruzeiro, cruzado, cruzado novo, novamente cruzeiro, cruzeiro real e, por fim,
o real. As cédulas novas mal chegavam a ficar velhas e nojentas, porque a
inflação fazia com que fossem logo renomeadas e trocadas. Em 1993, a inflação
no Brasil foi de, pode crer, 2.708,55%.
Fernando Gabeira: A violência como linguagem
O Globo
O mês de maio é muito bonito no Rio.
Desfruto as manhãs e, no restante do dia, mergulho nos livros. Ensaios,
romances, biografias, tudo que consigo ler antes que o cansaço me derrube.
Coincidência ou não, apesar da beleza dos
dias de maio, preparava um texto sobre violência, das chacinas às agressões
verbais de nossos tempos.
É mais fácil explicar por que o velho
Santiago do livro de Ernest Hemingway pesca um imenso peixe e o perde no
caminho da praia do que entender as razões do jovem Salvador Ramos, que
matou 19 crianças e duas professoras em Uvalde, no Texas.
Também é muito difícil entender por que uma
operação de inteligência resulta na morte de 23 pessoas, na Vila Cruzeiro, no
Rio.
Será que estamos falando da mesma palavra
quando dizemos inteligência?
No fundo, é possível dizer que políticas
públicas estão por trás dessas mortes: a que coloca nas mãos do jovem Salvador
dois fuzis; ou a que antevê no fuzilamento em grande escala um trunfo
eleitoral.
O que estava preparando para explicar não trata diretamente de massacres, mas sim das condições que tornaram nossas vidas tão expostas à violência.
Demétrio Magnoli: Ucrânia, encruzilhada da Europa
O Globo
‘Seria
uma falência moral, que a História condenaria.’ O ministro do Exterior
ucraniano, Dmytro Kuleba, referia-se à hipótese de rejeição da candidatura de
seu país ao ingresso na União Europeia (UE). Seus alvos implícitos eram o
presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz,
núcleos da resistência à pretensão da Ucrânia. Kuleba tem razão — e interpreta
melhor a história da UE que os governantes das duas nações líderes do projeto
europeu.
Segundo Macron, “todos nós sabemos que o
processo de adesão da Ucrânia exigiria vários anos, provavelmente várias
décadas”. Scholz seguiu a mesma linha ao declarar que a Ucrânia não pode se
beneficiar de “um atalho”. Os argumentos franceses e alemães embutem uma visão
econômico-burocrática sobre a integração europeia.
Scholz apontou a “injustiça” de acelerar o
ingresso ucraniano à frente das candidaturas de seis países balcânicos. Para
Macron, o “atalho” ucraniano implicaria “reduzir os padrões de acesso” e
“repensar a unidade da Europa”.
— Podemos abrir procedimento de acesso para
um país em guerra? — indagou o francês, oferecendo sua resposta:
— Acho que não.
Dessa posição, improvisou a proposta de criar uma “Comunidade Política Europeia”, algo como um pátio de espera destinado a candidato como a própria Ucrânia, os países dos Bálcãs ocidentais, a Moldávia e a Geórgia.
Bruno Carazza*: Bolhas de desconfiança de lulistas e bolsonaristas
Valor Econômico
Datafolha indica elevação de risco de
questionamento do resultado das urnas
O resultado da última pesquisa Datafolha
agitou a política brasileira. Apontando uma vitória de Lula já no primeiro
turno, com 54% dos votos válidos, ela enfureceu os apoiadores de Jair
Bolsonaro, que passaram a desacreditar o instituto e acusá-lo de manipulação
dos dados, que seriam incompatíveis com o “DataRua” das aparições públicas do
presidente.
Não é a primeira vez que isso ocorre, e há
poucas semanas as críticas tiveram outro alvo e origem oposta. Publicado em 13
de abril, levantamento do PoderData mostrou a diferença de Lula sobre Bolsonaro
caindo para apenas cinco pontos percentuais, o que gerou uma avalanche de
acusações vindas da esquerda sobre a lisura da pesquisa e supostos interesses
escusos nos números indicados.
Vivemos um tempo em que a credibilidade das pesquisas está abalada, e isso se deve a uma série de fatores. Para começar, a ausência de um censo demográfico desde 2010 prejudica o planejamento da amostragem. Diferentes metodologias e tecnologias de coleta também produzem resultados muitas vezes divergentes, deixando muitas dúvidas no ar.
Sergio Lamucci: Contratando problemas fiscais para o futuro
Valor Econômico
Aumentar gastos e reduzir impostos com base
em melhora temporária de indicadores fiscais é perigoso para as contas públicas
O governo e o Congresso passaram a tomar
uma série de medidas com potencial de fragilizar as contas públicas, num
cenário marcado pela melhora dos indicadores fiscais de curto prazo e pela
disposição do presidente Jair Bolsonaro de tentar reverter a qualquer custo a
sua baixa popularidade, causada pela inflação acima de dois dígitos e pelo
desemprego elevado. O exemplo da vez é a aprovação pela Câmara dos Deputados,
na semana passada, de um teto para as alíquotas do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre energia elétrica, combustíveis, gás
natural, comunicações e transporte urbano.
Ao mesmo tempo em que pode reduzir um pouco a inflação num ano em que os índices de preços ao consumidor rodam na casa de 12% em 12 meses, a iniciativa deve provocar uma perda bilionária de receitas, que pode chegar a R$ 83,5 bilhões, nas contas do Comsefaz, o comitê que reúne os secretários estaduais da Fazenda. Além disso, a medida deverá ser judicializada, caso o Senado a aprove sem modificações importantes. Na esfera federal, há uma série de iniciativas para reduzir impostos e elevar alguns gastos. No curto prazo, elas não causam problemas para as contas públicas porque há fatores circunstanciais que tornaram mais benigna a situação fiscal. Não se trata, porém, de uma melhora estrutural.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
Gargalo econômico
Folha de São Paulo
Percepção de piora da situação pessoal
tende a elevar má vontade com Bolsonaro
Entre os muitos fatores que contribuem para
o mau desempenho de Jair Bolsonaro (PL) na mais recente pesquisa Datafolha, a
situação da economia tem lugar de destaque.
Dois de cada três brasileiros aptos a votar
consideram que o quadro econômico piorou nos últimos meses, mesmo resultado da
pesquisa anterior, em março. Entretanto a parcela dos que consideram que sua
situação pessoal teve deterioração subiu de 46%
no levantamento de março para 52% agora.
Dado o quadro de inflação e desemprego
elevados, sem grande perspectiva de melhora rápida, é ainda mais danoso para o
presidente que 77% dos brasileiros declarem que a economia vai ter muita
influência (53%) ou alguma influência (24%) em sua decisão de voto.
Embora 7 de cada 10 eleitores digam que não pretendem mais alterar seu voto se a economia piorar, a possibilidade de mudança é quase 10 pontos percentuais maior entre os eleitores de Bolsonaro (32%) do que entre os do petista Luiz Inácio Lula da Silva (23%).