sábado, 8 de abril de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - O futuro do Supremo

Folha de S. Paulo

Recai sobre o chefe do Executivo obrigação de fazer a melhor escolha para um colegiado que tem por missão defender a Constituição

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a próxima pessoa a ser indicada para o Supremo Tribunal Federal deverá ser gabaritada juridicamente, ter compromisso com a Constituição, manifestar-se apenas nos autos, além de ter sensibilidade social.

Deixou claro que levará em consideração a questão da raça e do gênero na indicação. Por fim, manifestou certa impaciência com a plantação de nomes na imprensa: "não é assim que se escolhe Ministro da Suprema Corte". Num país em que a razão pública e as prerrogativas jurídicas foram sequestradas por predadores institucionais, nos últimos anos, essa manifestação do presidente, embora pareça óbvia, não é nada trivial.

João Gabriel de Lima* - Os piratas digitais da floresta

O Estado de S. Paulo

Serviço Florestal Brasileiro anunciou ‘malha fina’ para identificar e punir fraudadores do CAR

Um furo de reportagem de Vinícius Valfré, do Estadão, revelou nesta semana uma artimanha dos “grileiros”, os ladrões de terra pública. Na Amazônia, os criminosos agem digitalmente. Eles preenchem os formulários do Cadastro Ambiental Rural (CAR) na versão online, e avançam ilegalmente sobre terras indígenas. Pior: usam os formulários para conseguir benesses e financiamentos, aproveitando-se da lentidão da Justiça.

Valfré recorreu a ferramentas de jornalismo de dados – cruzou os formulários do CAR com tecnologia de geolocalização – e encontrou 325 fazendas registradas ilegalmente, entre 2014 e 2023. A grilagem online é um crime da era digital – e foi a própria tecnologia digital que apanhou em flagrante os piratas da floresta.

Hélio Schwartsman - Ecos da reforma

Folha de S. Paulo

Reforma da Previdência francesa poderá aposentar precocemente o centrismo

Os franceses não curtiram a reforma previdenciária do presidente Emmanuel Macron, como denotam as manifestações que já levaram milhões às ruas. O que mais incomoda a população é a elevação da idade mínima para a aposentadoria de 62 para 64 anos. Democracia é isso mesmo. Governos propõem leis e quem é contra tem todo o direito de protestar. Apenas a violência pode e deve ser reprimida.

Só que protestos não fazem sumir os problemas reais, e a França tem um problema real no sistema de pensões. O país adota um regime de repartição pura. Isso significa que são contribuições dos trabalhadores da ativa que pagam as aposentadorias. Esse sistema funciona bem quando a demografia é favorável, isto é, quando não há falta de jovens no mercado. Mas esse já não é mais o caso da França. Em 1950, quatro trabalhadores financiavam um aposentado; em 2040, estima-se, será apenas 1,3. Não é difícil ver que uma hora a coisa estoura.

Dora Kramer - Picuinhas no comando

Folha de S. Paulo

No cabo de guerra das medidas provisórias, suas excelências devem seguir a Constituição ou mudá-la

Criadas em 1988 para substituir os decretos-leis como instrumentos de atuação rápida do Poder Executivo, as medidas provisórias desde então se mostram problemáticas. Já passaram por várias modificações de rito —pois são uma adaptação do parlamentarismo— e seguem sendo fontes de atritos permanentes aos quais Planalto e Congresso pareciam razoavelmente acomodados.

Nunca, no entanto, haviam sido motivo de uma escancarada disputa de poder como agora entre os presidentes da Câmara e do Senado. Há ensaio de acordo, mas a birra prossegue. O deputado Arthur Lira (PP) não quer perder o controle conquistado na pandemia, quando foram suspensas as comissões mistas e as MPs iam direto ao plenário da Câmara e, depois, ao exame do Senado.

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro, primeiro-cavalheiro de Michelle

Folha de S. Paulo

Perto da inelegibilidade, emplacar candidatura da ex-primeira-dama é o que resta ao capitão

Ao voltar ao país após a temporada turística de três meses nos EUA, Bolsonaro vetou a candidatura da mulher, Michelle, ao Palácio do Planalto em 2026. Das duas, uma: ou o ex-presidente está mentindo como sempre ou não manda mais nada.

Presidenta do PL Mulher, Michelle já se considera candidata, reforçando a imagem de uma mulher ligada a valores conservadores, ao lar e à família, mas com direito a ocupar o espaço público. No Brasil de hoje, é capaz de colar. A ex-primeira-dama age sob efeito da mosca azul do poder —e o responsável pela mordida foi o próprio Bolsonaro, que a fez entrar na campanha de 2022 numa tentativa de reverter a rejeição do voto feminino e de reforçar o apoio entre os evangélicos. Ao contrário de Bolsonaro, Michelle saiu vitoriosa.

Demétrio Magnoli - Missão em Moscou

Folha de S. Paulo

Lula escolheu um lado: acobertar crimes contra a humanidade

Discretamente, Celso Amorim visitou Moscou e conversou com Putin na sua célebre mesa sem fim. A finalidade alegada da missão era sondar caminhos para a paz. A finalidade real era cancelar a assinatura brasileira no Estatuto de Roma, tratado de fundação do Tribunal Penal Internacional (TPI). Lula escolheu um lado: acobertar crimes contra a humanidade.

Na diplomacia, momento é quase tudo. Bolsonaro sentou-se à mesa cerimonial de Putin em 16 de fevereiro de 2022, uma semana antes do início da invasão da Ucrânia. A visita provocou náuseas entre os brasileiros que dão algum valor ao princípio de respeito à integridade territorial das nações e contribuiu para o isolamento internacional do governo do golpista de extrema-direita.

Carlos Alberto Sardenberg - Depois da China

O Globo

O presidente parte para Pequim deixando por aqui uma sequência de instabilidades. Inúteis

Pelo que o presidente Lula disse na conversa com jornalistas na quinta passada, ficamos assim:

1) As metas de inflação mudarão, certamente para níveis superiores, mas não se sabe quanto e quando isso será feito. O governo discutirá depois que o presidente voltar de sua viagem à China.

2) O presidente nomeará para o Banco Central (BC) dois diretores alinhados com os interesses do governo. Esses interesses não foram explicitados, mas todo mundo sabe que o governo quer a redução da taxa básica de juros. Logo, devem ser indicados nomes comprometidos com a redução. Mas isso também fica para depois da viagem à China.

3) A política de preços da Petrobras mudará, abandonando a referência às cotações internacionais do petróleo. A nova política levará em conta os custos internos da estatal. Como? Isso ainda será discutido, também depois da China.

O presidente parte para Pequim deixando por aqui uma sequência de instabilidades. Inúteis.

A meta de inflação, ao contrário do que sugeriu Lula, não é um problema do BC. Ou melhor: só é problema do BC depois que o governo, por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN), fixa as metas. O CMN é integrado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Logo, o governo tem maioria e pode alterar as metas a qualquer momento.

Pablo Ortellado - Massacres em escolas trazem muitas perguntas

O Globo

Acredito que a busca de reconhecimento pelos pares deve ser o que faz com que os atentados aconteçam em escolas

Estou longe de ser um especialista na matéria, mas, por coordenar um grupo de pesquisa com integrantes que estudam este tema e por ter olhado mais de uma vez para as comunidades on-line que cultuam massacres, acho que tenho algo a compartilhar com os leitores. Abaixo, elenquei algumas perguntas que me faço sobre esse fenômeno sinistro. Agradeço a Michele Prado pela generosa interlocução.

A pergunta mais inquietante e mais fundamental é a seguinte: o que move adolescentes e crianças a cometer assassinatos em massa? A literatura acadêmica americana dá algumas pistas, se supusermos que aqui acontece algo parecido com lá: os agressores normalmente — mas nem sempre — têm problemas mentais, de tipos diversos, e enfrentaram um período recente de forte adversidade social (bullying, desemprego ou humilhação) ou agravamento de sua condição psicológica.

Eduardo Affonso - Enzo, Larissa, Bernardo...

O Globo

Não há como limitar o uso de armas brancas. O problema está na motivação por trás da mão que ataca, não naquilo que a mão carrega

Na manhã da última quarta-feira, Bernardo, de 4 anos, se espreguiçou na cama pela última vez. Enzo, também de 4 anos, vestiu pela última vez o uniforme. Outro Bernardo, de 5, tomou seu último café da manhã. Larissa, de 7, se penteou — e foi a última vez que se viu no espelho.

Todos eram filhos únicos. E que filho não é único?

Dali a pouco estariam mortos, diante de outras crianças feridas, em choque, e de professoras atônitas.

Essa deveria ser a notícia. Esses, os nomes a ser lembrados.

Mas há outro personagem — que também se espreguiçou pela manhã, se vestiu, deve ter tomado café e se olhado no espelho. E que continuará a fazer isso todos os dias. Por algum tempo, dentro de uma cela; logo, muito antes que Larissa, Enzo e os xarás Bernardos pudessem saber o que é estar apaixonado e ter sofrido a primeira dor de amor, esse personagem estará de volta às mesmas ruas que Enzo, Bernardos e Larissa nunca mais pisarão.

Marcus Pestana* - A grande convergência possível e necessária

Visitamos até aqui o universo teórico e ideológico das principais correntes de pensamento que inspiraram projetos políticos e experiências de poder no mundo moderno.  

Analisamos criticamente, de forma um tanto sumária e resumida, as principais matrizes teóricas que dominaram o universo do pensamento humano e inspiraram a ação política desde o Século XVII: conservadorismo, liberalismo, comunismo, socialdemocracia, fascismo, socialismo democrático e populismo autoritário.

O mundo hoje é outro. Grandes transformações ocorreram. Fim da Guerra Fria, dissolução do bloco soviético, globalização econômica, radical e veloz revolução científica e tecnológica, emergência das plataformas digitais e das redes sociais, aparecimento de novos players globais como a China, crise da democracia liberal, mudanças radicais do mundo do trabalhado, radicalização do fundamentalismo islâmico, desafio da imigração em massa de populações pobres, sobretudo para a Europa, e o consequente fortalecimento do nacionalismo xenófobo de extrema-direita, crise global em 2009 a partir do mercado financeiro americano, pandemia do CORONAVÍRUS, guerra da Ucrânia, integração cultural e social inédita em escala global.

As ideias clássicas de esquerda e direita há muito estão problematizadas. Mas creio que a partir da linha aberta pelo pensador social-liberal italiano Norberto Bobbio em seu “Direita e Esquerda – Razões e significado de uma disputa política”, de 1994, é possível ressignificar os conceitos e perceber que ainda fazem sentido no mundo contemporâneo.

Cláudio de Oliveira* - "Irmão sol, irmão Lua", cinema e política (relações de poder)

Ontem, revi “Irmão Sol, irmão Lua”. Assisti ao filme do diretor Franco Zefirelli por volta dos meus 15 anos. Conta a vida de São Francisco de Assis (1182 -1226) e sua radical opção pelos pobres. Naquela primeira vez que assisti, fiquei profundamente impressionado com o filme.

A cena que mais me marcou foi a da audiência de Francisco com Inocêncio III, considerado o papa mais poderoso de todos os tempos. Rica em simbolismo, mostra um contraste agudo entre pobreza e riqueza: Francisco entra descalço e maltrapilho, numa grande e suntuosa sala, onde está o Papa e sua corte, na pompa e no fausto de suas roupas. Sem maniqueísmo, o Papa não é mostrado como vilão, mas como um homem prisioneiro do seu tempo.

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

Lula promove retrocesso que pune os pobres

O Globo

Atos sobre saneamento e privatização provam que ele prefere agradar a políticos e corporações das estatais

Nas urnas, Luiz Inácio Lula da Silva foi o preferido dos pobres. Na campanha, repetiu reiteradas vezes que seu objetivo era acabar com a miséria e a fome no Brasil. No poder, começa a ficar claro que, na hora de escolher entre interesses dos pobres ou dos políticos e corporações incrustadas no Estado, Lula prefere a segunda opção. Tal fato fica evidente nos decretos em que ele alterou o Marco do Saneamento aprovado há três anos e suspendeu a venda de sete estatais.

Até outubro, a nova legislação do saneamento propiciou, além da venda da Cedae no Rio de Janeiro, licitações em AlagoasEspírito SantoMato Grosso do Sul, Amapá, Ceará e Goiás. Os investimentos garantidos pelas concessionárias somam R$ 72,2 bilhões. A intervenção do governo Lula instala insegurança jurídica — já há processo no STF contra a contratação sem licitação da estatal paraibana por 30 municípios — e retardará a modernização do setor.

O objetivo da mudança é proteger estatais, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, onde prefeitos de cerca de 800 municípios querem continuar a renovar contrato com as companhias estaduais de saneamento sem licitação nem metas a cumprir. Lula ainda atribuiu ao Ministério das Cidades autoridade para regular o saneamento básico, esvaziando a Agência Nacional de Águas (ANA). O que era feito com base em critérios técnicos passará a ser ditado por interesses políticos.

Poesia | Nosso Tempo (Carlos Drummond de Andrade)

 

Música | Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto - Borboleta / P da Paixão (Ao Vivo em Portugal)