quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Merval Pereira - Paradoxos da democracia

- O Globo

Esta eleição presidencial dos Estados Unidos está sendo paradoxal, com cerca de 157 milhões de americanos comparecendo às urnas sem serem obrigados a isso, a maior participação popular nos últimos cem anos, ao mesmo tempo que o presidente Trump, que tenta a reeleição, coloca em dúvida a lisura da apuração em estados como Wisconsin e Michigan, mas joga suas fichas numa vitória em alguns outros estados que ainda apuram para impedir que Biden seja declarado presidente.

Ou seja, Trump quer parar a apuração em estados em que está perdendo, e acelerar a apuração nos que acredita poder vencer. Mas ele tenta parar também a apuração em estados em que vence, como a Pensilvânia, mas teme perder ao final, pois considera suspeita a recuperação de Biden com os votos vindos pelo correio.

A diferença entre Biden e Trump em vários estados é muito pequena, e o presidente Trump já começa a pedir recontagem. Mas ele venceu Hilary em 2016 por uma margem muito apertada também em vários estados, e não houve apelação dos democratas. Os republicanos na era Trump passaram a fazer jogadas políticas muito mais desleais do que historicamente acontecia. Trump dominou o partido republicano e suas práticas. Como nomear uma ministra da Suprema Corte em processo rapidíssimo, poucos meses antes da eleição, quando impediram que o então presidente Obama nomeasse o substituto de Antonin Scalia quase um ano antes da eleição.

Míriam Leitão - O estadista e a assombração

-  O Globo

O discurso de Joe Biden ontem à noite foi uma serena declaração de vitória, mesmo que ele tenha negado já ter vencido a eleição. Precisava confirmar seu lema de que “todo voto será contado”. Agiu e falou como um estadista tentando reunir o país após a eleição. No mesmo momento, o presidente Donald Trump queria parar a contagem dos votos. Trump continuará sendo forte após a derrota na eleição? Não. O que lhe deu força nos últimos quatro anos foi o extraordinário poder da presidência americana. Fora dela, será apenas o ex-presidente. Mas o país que sai das urnas está com fratura exposta, o que exigirá de Biden um enorme esforço para superar tão funda ferida.

O partido Republicano terá que fazer algum tipo de transição para uma liderança mais moderada para voltar a se comunicar com uma parte do eleitorado. Até por instinto de sobrevivência, precisará se afastar de Trump, o líder tóxico. O partido Democrata, mesmo vencendo a eleição, precisará de muita habilidade para governar. Primeiro, para costurar as diferenças das tendências internas, depois para governar sem o controle do Senado, e por fim, e mais importante, para reduzir a extrema tensão que dominou o país nos últimos anos.

Luiz Carlos Azedo - A vitória de Biden

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A gravidade do que Trump está fazendo, ao tentar melar as eleições, é a ruptura com a ordem democrática dos Estados Unidos, o regime republicano mais antigo e estável do planeta

Ao contrário do republicano Donald Trump, que se declarou reeleito e prometeu contestar o resultado da apuração das eleições à Presidência dos Estados Unidos na Suprema Corte, o candidato democrata Joe Biden não cantou vitória antes da hora. Aguarda a conclusão da apuração dos votos em todos os estados, embora Arizona, Nevada e Wisconsin, desde a tarde de ontem, e Michigan, no começo da noite, já sinalizassem a vitória democrata, que ainda podem virar o resultado na Pensilvânia e ampliar a margem sobre os republicanos. Trump, porém, não quer deixar a Casa Branca, está fazendo tudo para melar a apuração dos votos e pode levar os Estados Unidos à inédita crise institucional, o que torna o pleito ainda mais paradigmático.

O sistema eleitoral norte-americano é complicado, difere de todos os demais países democráticos. As eleições nacionais são para a Câmara dos Deputados, o Senado e a Presidência. Há um total de 435 representantes na chamada Câmara Baixa (House of Representatives) do Capitólio americano, com mandato de dois anos. A cada 10 anos, um censo é realizado para contabilizar a população e dividir essas cadeiras. No Senado, a Câmara Alta, cada estado tem dois representantes, independentemente do tamanho de sua população, totalizando 100 senadores, com mandato de seis anos.

Há somente dois partidos grandes, o Partido Republicano e o Partido Democrata; os pequenos só têm abrangência estadual ou local. O sistema eleitoral foi criado em 1787, pela Constituinte, fruto da Revolução Americana. O pacto da Independência firmado pelos estados e as colônias, que se relacionavam diretamente com a administração britânica — o nome já diz, Estados Unidos da América —, estabeleceu um sistema que lhes garantisse a maior autonomia possível em relação à União. Por isso, o presidente não é eleito pelo voto popular direto, como ocorre no Congresso (Câmara e Senado). A instituição que escolhe o presidente é o Colégio Eleitoral, que tem previsão constitucional, formado por delegados indicados pelos estados. Foi a maneira encontrada para manter a influência dos estados e, assim, mitigar a decisão da maioria dos eleitores.

Ricardo Noblat - Trump deve perder, mas o trumpismo continuará vivo

- Blog do Noblat | Veja

Eleição histórica, mas não decisiva

Na noite de 4 de novembro de 2008, minutos depois de Barack Obama ter feito o discurso da vitória, começou nas redes sociais a articulação para eleger um presidente de direita. Para a eleição seguinte não deu – Obama foi reeleito com folga.

Mas deu para a próxima quando o empresário do ramo imobiliário e astro de televisão de nome Donald Trump derrotou a candidata democrata Hillary Clinton, duas vezes primeira-dama dos Estados Unidos e senadora pelo Estado de Nova Iorque.

A primeira eleição de Obama pode ser considerada histórica. Foi o primeiro presidente negro. A de Trump pode ser tachada de eleição improvável, surpreendente. Nem ele acreditava que fosse possível. Entrou na Casa Branca sem saber o que fazer.

Deverá sair por sua culpa. Subestimou a pandemia do coronavírus que já matou mais de 235 mil americanos, e que somente ontem registrou 100 mil novos casos, o que levou as pessoas a anteciparam seus votos e a votarem pelo Correio.

Bruno Boghossian – A testemunha da rachadinha

- Folha de S. Paulo

Com depoimento de ex-assessora, fica difícil negar festa com dinheiro público na Assembleia

Em agosto de 2011, Fabrício Queiroz não tinha ideia de que Jair Bolsonaro se tornaria presidente da República. Na época, o policial militar aposentado conduzia normalmente os negócios de um dos gabinetes da família. Uma nomeação que ele acertou naquele mês ressurge como um fator de risco para o clã que agora comanda o Planalto.

Uma ex-assessora de Flávio Bolsonaro admitiu a investigadores do caso da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio que devolveu quase todo o salário para Queiroz por seis anos, como noticiou o jornal O Globo. Luiza Sousa Paes disse que repassava 90% da remuneração, os benefícios do cargo e até a restituição do imposto de renda.

Com a confissão, fica mais difícil esconder a festa com recursos públicos que, segundo os promotores, corria no gabinete do filho do presidente. A ex-assessora apresentou comprovantes dos depósitos para Queiroz e ainda se comprometeu a restituir a pequena parcela do dinheiro que ficou com ela no fim das contas.

Lúcia Guimarães - Trump não é uma anomalia

- Folha de S. Paulo

Falta de repúdio ao presidente mais perigoso da história americana é reveladora

Já sabemos o resultado da eleição americana de 2020. Não importa a lenta contagem da Pensilvânia, que pode ser decidida num tribunal. Ou o suspense de uma recontagem em outro estado.

O resultado que importa chegou mais rápido do que a inesperada vitória de Donald Trump, que os nova-iorquinos testemunharam na madrugada fria de 9 de novembro de 2016. Naquele dia, a multidão atordoada que vi se dispersar em Times Square, coração da metrópole democrata, parecia compartilhar a ilusão de que Trump era um acidente de percurso.

Os últimos quatro anos demonstraram que Trump não é uma anomalia. É um espelho do país que o elegeu. Sim, Joe Biden terá recebido o maior número de votos populares de qualquer candidato desde a fundação da República. É a sétima vez, em oito eleições, que o Partido Democrata sai vitorioso no voto popular, mas os republicanos levaram a Casa Branca em quatro delas.

Vinicius Torres Freire – Uber, alucinógenos e presidente fraco

- Folha de S. Paulo

Congresso e país divididos animaram os negócios nos mercados financeiros dos EUA

No estado do Oregon, aquele logo ao norte da Califórnia, ter pequenas quantidades de ecstasy, cocaína, LSD, metanfetamina e cogumelos alucinógenos ou seus derivados deixa de ser crime, decidiram os eleitores na terça-feira (4) de eleições e de outras votações americanas. Mais quatro estados legalizaram a maconha –agora são 15.

Na Flórida, aumentaram o valor do salário mínimo. Na Califórnia, o lobby das empresas de aplicativos de transporte e entregas convenceu o eleitorado a derrubar a decisão da Suprema Corte estadual que obrigava essas firmas a tratar motoristas e entregadores como empregados, não como terceirizados sem vínculo e direitos trabalhistas.

Mas o decisivo mesmo, como vai se vendo, é que os Estados Unidos continuam divididos até a medula, que o presidente não terá maioria no Congresso e que políticas públicas fundamentais podem não avançar por causa de impasses e desacordo partidário incontornável.

Maria Hermínia Tavares* - A sombra do populismo

- Folha de S. Paulo

Ganhando ou perdendo eleições, o populismo está aí para ficar

Se confirmada, a derrota de Donald Trump fará bem à democracia nos Estados Unidos e no mundo. Atestará que a corrosão das instituições representativas não é a única sina dos países que se entregaram a líderes populistas. Tendo ascendido pelo voto livre, podem ser por ele dispensados antes de consumar os seus projetos autoritários.

Mas o provável resultado das eleições americanas não garante a transferência suave do governo para os democratas. E ainda que ocorra no final das contas, enfraquecerá, mas não erradicará, lideranças que, naquele país ou em qualquer outro, e não apenas nos dias que correm, se afirmam representantes do "povo verdadeiro" —o volk, no jargão nazista— em contraposição a elites cosmopolitas, surdas aos anseios das pessoas comuns. Em seu nome, os populistas agem para solapar as regras que limitam o poder dos governantes e garantem os direitos de todos, inclusive das minorias.

Fernando Schüler* - Negacionismo democrático

- Folha de S. Paulo

Em vez de ajustar nossas opiniões à realidade, tendemos a ajustar a realidade a opiniões

 “Os cidadãos são racionais em sua visão das instituições políticas, atualizando sua avaliação em resposta ao que observam”, diz relatório recém-lançado da Universidade de Cambridge sobre a percepção da democracia.

A confiança nas instituições declina porque os governos falharam em coisas como “a coordenação econômica na zona do euro” e na resposta mais efetiva à “mudança climática global”.

Fiquei em dúvida se os autores listavam alguns itens de suas próprias predileções políticas ou de fato imaginam que sejam estas as preocupações das pessoas e causa de sua crescente insatisfação com a política. Mas este não é o ponto. O ponto é que suas conclusões expressam bem o que os professores Christopher Achen e Larry Bartels chamam de teoria “folk” da democracia.

Achen e Bartels discutem o tema em seu livro “Democracia para Realistas”. Seu alvo são as visões ingênuas que teimam em tratar a democracia como expressão dos “interesses” dos eleitores que talvez tenha florescido à sombra da famosa frase de Lincoln em Gettysburg.

Zeina Latif* - Aqui, a música é outra

- O Estado de S.Paulo

Na eleição dos EUA, quem quer que seja o vencedor, terá dificuldades internas

A sociedade americana valoriza as liberdades individuais e isso se refletiu na construção do Estado, ao se evitar dar poderes excessivos ao chefe do Executivo. Esse aspecto foi reforçado historicamente pelo funcionamento de freios e contrapesos para conter excessos de governantes. Como resultado, há menos intervencionismo estatal e, assim, menor dependência da economia na ação governamental.

A despeito do descontentamento dos americanos com as instituições, os Estados Unidos são uma democracia madura. Os riscos de retrocessos e ações truculentas do presidente, que firam espírito da Constituição, são menores. Não há complacência das instituições democráticas. Exemplo disso foi a aprovação do impeachment do presidente Trump na Câmara dos Deputados. Não passou no Senado, mas o recado foi dado.

Trump se encaixa bem na figura de falastrão. Ainda que não se possa escrever em pedra promessas de campanha (nem nos Estados Unidos), o fato é que não seria justo acusá-lo de inação ou de trair seus compromissos. Enquanto isso, as instituições funcionam.

Eugênio Bucci* - A Terra plana, assim cantou José Miguel Wisnik

- O Estado de S.Paulo

Os terraplanistas sentem-se humilhados diante do saber e respondem com insultos

No dia 10 de setembro perdemos o astrofísico brasileiro João Steiner. Tinha 70 anos de idade. Professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, foi também diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da mesma universidade e coordenou a participação brasileira na construção do Telescópio Gigante de Magalhães, o maior já feito até hoje, que será inaugurado em 2024, nos Andes chilenos.

Sorriso acolhedor, cabelos brancos, longos, por vezes indisciplinados, João tinha o physique du rôle do gênio bonachão, um tipo meio cinematográfico. Não havia na USP ninguém mais desarmado e menos arrogante do que ele. Membro da World Academy of Sciences, foi uma das maiores autoridades do mundo em buracos negros, mas não botava banca. Amava a ciência e a humanidade.

Uma vez, almoçando com um colega menos graduado no restaurante que fica atrás da Faculdade de Economia, na Cidade Universitária, ouviu uma pergunta que o desconcertou: qual era a sua opinião sobre o fato de um astronauta ser ministro da Ciência e da Tecnologia no Brasil? João sabia perfeitamente do descalabro e da incultura que começavam a se instalar no poder, mas, discreto por estilo e convicção, não se prestava a alaridos panfletários. Serenamente, pousou as duas mãos sobre a mesa, uma de cada lado do prato, e achou um ângulo de escape onde só havia más notícias: “Pelo menos ele sabe que a Terra é redonda”. A inteligência de João Steiner era assim, sempre nos presenteava com um pouco de bom humor.

William Waack - Trump não perdeu

- O Estado de S.Paulo

A política americana, tal como personificada por Trump, continua intacta

Donald Trump não foi repudiado nestas eleições. Não se trata da pessoa Donald Trump, mas do que ele expressa em suas ações políticas, nesse intrincado jogo no qual o indivíduo é ao mesmo tempo sujeito (em pequena medida, dirão os historiadores clássicos) da História e apenas seu mero resultado. 

E o que Trump expressa? O fato de que foram destruídos em larga medida os hábitos de moderação – debate aberto e tolerante, a oposição leal – em cima dos quais prosperou o liberalismo americano e seu espírito de comunidade e Nação. Essa destruição ocorreu vigorosamente nos dois “grandes lados” do espectro político.

As elites de negócios conseguiram transformar o governo e suas agências de regulação em instrumentos que favorecem interesses paroquiais ou setoriais, em detrimento de outros. Em parte como resposta a crises financeiras, aprofundaram desigualdades e desequilíbrios que tem se perpetuado em função de movimentos demográficos e, principalmente, pelo “big divide” que é o acesso à educação (um dos grandes definidores de “elite”).

Ascânio Seleme - Frustração, vergonha e medo

- O Globo

Uma parcela gigantesca da população acreditou e segue acreditando em Trump

Mesmo que Joe Biden ganhe a eleição, o fato que se sobrepõe é que os poderosos Estados Unidos são uma nação aterrorizada pelo medo. Há diversas explicações para os milhões de votos dados a Donald Trump, o mais antidemocrático presidente americano de todos os tempos, mas o fantasma do radicalismo de esquerda é de longe o fator mais importante. Uma parcela gigantesca da população acreditou e segue acreditando na acusação de Trump de que Biden e os democratas são perigosos socialistas. Uma bobagem sem tamanho. Nas questões econômicas, os democratas estão mesmo à direita dos republicanos.

Ainda assim, o discurso de que políticas socialistas dos democratas mudariam a cara dos EUA se Biden ganhasse conquistou número astronômico de eleitores. O avanço de Trump sobre os votos hispânicos, tradicionalmente democratas, ajuda a explicar esse medo. Trump disse ao longo da campanha, e mesmo antes dela, que os democratas abririam as fronteiras. Mentira. Mas, se fosse verdade, poderia se supor que seria uma boa novidade, porque enfim os imigrantes se reuniriam com familiares que ficaram para trás. Nada disso. Mais de 75% dos hispano-americanos nasceram nos EUA, seus círculos familiares e pessoais estão lá assentados, e uma abertura ampla para imigração ameaçaria diretamente seu posto de trabalho.

Deve-se considerar também que os hispânicos são religiosos e conservadores. Na Flórida, onde Biden perdeu, os cubano-americanos lideram a comunidade e extravasam seu ódio ao comunismo desde 1960, quando Fidel Castro tomou o poder em Cuba. Nos últimos 20 anos, um grande contingente de venezuelanos imigrou para o estado americano, fugindo da política de Chávez e Maduro, e trouxe na bagagem o mesmo espírito. Além disso, ao redor dos Estados Unidos, o medo do desarranjo econômico que os “esquerdistas radicais” poderiam produzir também impulsionou a campanha de Trump.

Carlos Alberto Sardenberg - Que susto, hein?

- O Globo

Bolsonaristas vão dizer que Trump foi roubado, assim como Bolsonaro acha que foi roubado numa eleição que ganhou

Quando Donald Trump derrotou Hillary Clinton em 2016, fazendo jogo sujo, fazia sentido supor que isso tivesse acontecido por falta de conhecimento. Os americanos conheciam Trump como apresentador de TV e, digamos, um milionário metido a besta.

Era razoável supor também que boa parte dos eleitores estivesse farta da velha política, ali representada pela figura de um clã. Ok, Bill Clinton havia sido um bom presidente, Hillary tinha uma carreira pessoal de muito sucesso, mas de novo?

Também dava para imaginar que, depois de Obama, os americanos estariam decididos a experimentar uma virada à direita, como acontecia noutras partes do mundo.

Mas tudo isso se pensou depois da eleição. Porque, antes, era difícil imaginar que, depois de eleger o primeiro presidente negro, com o nome Barack Hussein, os americanos passassem para Trump.

Passaram, ganharam o benefício da dúvida.

Mas, passados quatro anos e Trump confirmando todo o jogo sujo que se esperava dele — e sendo agora amplamente conhecido como político —, admito que me surpreendi com a competitividade dele.

Bernardo Mello Franco – Democracias comparadas

- O Globo

Os americanos gostam de dar lições de democracia, mas não têm muito a ensinar sobre eleições. Mais uma vez, a corrida à Casa Branca terminou em tumulto. Ontem à noite, ainda não era possível cravar quem venceu a disputa presidencial.

Parte dos problemas decorre de um sistema arcaico. Os Estados Unidos resistem a abandonar o voto indireto, que distorce a vontade dos cidadãos. Quem recebe mais votos nem sempre leva a Presidência. Na matemática do colégio eleitoral, um morador do Wyoming vale por três da Califórnia.

A apuração dos votos também deixa a desejar. No país mais rico do mundo, muitos estados ainda usam cédulas de papel. Em 2000, a eleição empacou por falhas na contagem de cartões perfurados. Agora o problema é a demora para contabilizar os votos enviados por correio.

Na disputa deste ano, surgiu um novo e poderoso fator de incerteza. Mau perdedor, Donald Trump quer garantir sua reeleição no grito. Ele cantou vitória antes da hora e disse, sem qualquer prova, que haveria fraude para prejudicá-lo. Um factoide para tumultuar o processo e desacreditar os números oficiais.

Guga Chacra - O mundo paralelo de Trump

- O Globo

Quando me despedi dos meus filhos na terça-feira de manhã e vim para os estúdios da Rede Globo, em Nova York, para a cobertura da votação presidencial nos Estados Unidos, fiquei pensando se esta seria a última vez que os veria antes de uma derrota humilhante de Donald Trump, ou de uma reeleição heroica do republicano com a consolidação do trumpismo. O mais provável, porém, era de que não teríamos uma definição na noite eleitoral destas surreais eleições americanas. Foi o que aconteceu.

Desde 2000, no histórico embate da Flórida entre George W. Bush e Al Gore, não tínhamos uma eleição tão imprevisível ao se abrirem as urnas. Mesmo em 2016, ficou claro poucas horas depois do início da apuração que Hillary Clinton seria derrotada. Neste ano, ao escrever este texto, o resultado permanece incerto, mas há uma via mais clara para Biden ser vitorioso. Com as vitórias no Arizona, Michigan e Wisconsin, de acordo com a Associated Press, Biden precisa apenas confirmar a sua liderança em Nevada, o que é extremamente provável. Sequer precisaria vencer na Geórgia e na Pensilvânia, onde também tem chance.

Ivan Alves Filho* - O populismo, ontem e hoje

Trata-se de um equívoco acreditar que o fascismo seja um fenômeno de economias pouco desenvolvidas. Os fatos não mentem: tanto a Itália de Mussolini quanto a Alemanha de Hitler se alinhavam entre as nações mais industrializadas da Europa, nas décadas de 20 e 30, do século XX. O fascismo pode ser expressão do atraso, mas do atraso político.

O mesmo podemos dizer em relação ao populismo brasileiro. Seu berço maior é São Paulo, a chamada locomotiva do Brasil. Dali partiram Ademar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf e Lula da Silva.

Ademar foi interventor federal sob o regime estadonovista (1938-1941), duas vezes governador de São Paulo (1947-1951 e 1963-1966) e duas vezes candidato à presidência da República, ficando na terceira colocação em ambas as disputas (1955 e 1960). Deu origem ao ademarismo.

O QUE A MÍDIA PENSA – Opiniões / Editoriais

O abismo –Opinião | O Estado de S. Paulo

Foi-se o tempo em que o ministro da Economia era o esteio do governo federal, especialmente em tempos de crise. Com status privilegiado, o chefe da equipe econômica quase sempre teve autoridade e prestígio para suportar as pressões inerentes a seu cargo, sobretudo porque é dele que se esperam decisões que vão afetar diretamente a vida da maioria dos brasileiros. Hoje não é mais assim.

O presidente Jair Bolsonaro conseguiu a proeza de transformar seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em personagem secundário no jogo de poder em Brasília. Nisso emparelhou com a presidente Dilma Rousseff, que fez de sua equipe econômica uma simples despachante de seus delírios fiscais.

E não se diga que a responsabilidade por esse fiasco é inteiramente do presidente da República e de sua patente incapacidade para estabelecer um rumo para seu governo. O ministro da Economia colaborou decisivamente para seu próprio apequenamento. 

Escalado para ser a face racional de um governo que tinha tudo para ser, digamos, excêntrico, o ministro Paulo Guedes frustrou todas as expectativas, graças à sua incapacidade de aceitar o diálogo político, único meio de encaminhar propostas numa democracia. O ministro foi inábil para convencer até mesmo o presidente Bolsonaro de suas ideias.

Música | Luiz Melodia - Estácio, Holly Estácio

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.