- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico
Da população do país, 10% são pessoas com essa idade ou mais: precisamos saber como vivem os velhos ao discutir a nova previdência.
Qualquer um de nós, não importa que idade tenha, nega que seja velho, palavra transformada em ofensa. Entretanto, precisamos saber como vivem os velhos no Brasil ao discutir a nova previdência. A reforma do regime previdenciário é urgente, porque as contribuições da população ativa não cobrem os gastos das aposentadorias e pensões.
Porque há necessidade de ajustar o regime previdenciário à realidade da rápida mudança demográfica, muitos defendem a reforma usando o argumento falso de que o regime atual seria concentrador de renda. Entretanto, a evidência não sustenta o clamor de que nosso regime previdenciário tenha se transformado em "máquina de distribuir renda dos pobres para os ricos". Antes de entrar nessa discussão, quero falar do envelhecimento da população e traçar um breve retrato da população acima dos 65 anos.
Envelhecimento da população
O significado da velhice depende do sentido que a sociedade confere à vida e da maneira pela qual a sociedade se comporta. A Política Nacional do Idoso define o brasileiro com mais de 60 anos como idoso. Na Itália, os médicos apontam para os 75 anos. A percepção da velhice vem mudando aqui e lá. A expectativa de vida ao nascer, que hoje supera os 82 anos em alguns países da Europa, era de apenas 18 anos entre os romanos. Ela era de 25 anos no século XVII: em 100 crianças, 25 morriam antes de um ano, outras 25 antes dos 20. Daquelas 100, apenas uma dezena atingia 60 anos.
Dos fenômenos contemporâneos, o menos contestável é o envelhecimento da população. Segundo a teoria da transição demográfica, a população de um país pobre exibe taxas altas de natalidade e mortalidade. Os progressos na agricultura e cuidados de saúde levam à queda da mortalidade e a aumentos populacionais. Nesse estágio o país é jovem.
Em seguida, a taxa de natalidade cai e o bem-estar econômico aumenta, porque muitos adultos, com menos filhos dependentes e poucos aposentados para cuidar, formam uma nação de trabalhadores fisicamente capazes. À medida que o país enriquece e se urbaniza e mais meninas estudam, as crianças deixam de ser um ativo econômico. As pessoas passam a ter bebês, não por precisão ou costume, mas por gostar de criá-los. Em seguida, a queda da taxa de natalidade cai abaixo da taxa de mortalidade e o país envelhece.
Vários fatores, como a renda e a urbanização, se correlacionam com famílias menores. O mais importante é a educação das meninas. Se as mulheres começam a ter filhos tarde, terão menos crianças. O aumento dos anos de escolaridade reduz a taxa de fecundidade, também porque dá à mulher mais escolhas. Esse aumento se reflete em chances de encontrar trabalho remunerado. Equipa a mulher para questionar tradições e usar métodos anticoncepcionais. Transforma as ambições da mãe em relação aos filhos e, portanto, a escolha do número de filhos que deseja ter.
Em todos os países, o envelhecimento da população deriva dos mesmos fatores: a queda da mortalidade infantil (que contribui fortemente para o aumento da expectativa de vida ao nascer) e a queda da natalidade. O envelhecimento da população não significa, portanto, que a longevidade (isto é, o limite da vida) tenha se estendido de forma acentuada. Esse limite ainda se situa em torno dos 120 anos. Quando se diz que a população envelheceu, isso significa que aumentou a proporção de pessoas idosas na população total.
Da população total do Brasil em 2017, 10% representam as pessoas com 65 anos ou mais. E, nos 20 anos entre 1997 e 2017, a participação de pessoas com 75 anos ou mais na população total dobrou de 2% para 4%. Houve, portanto, um aumento importante da expectativa de vida das pessoas que já tinham alcançado 60 anos ou mais. Mas o fenômeno mais importante por trás do envelhecimento da população ainda é o aumento da expectativa de vida ao nascer. Nos últimos 19 anos, enquanto o aumento da expectativa de vida ao nascer subiu oito anos (de 68 para 76 anos), a expectativa de vida para quem já completou 70 anos subiu apenas quatro.
No regime previdenciário brasileiro, como em outros sistemas de repartição, o envelhecimento da população significa uma redução do número de trabalhadores ativos que financiam a parcela de aposentados ou pensionistas. Um sistema sustentável exige alguma combinação do adiamento da idade de aposentadoria, redução do benefício dos aposentados (em relação ao salário dos ativos) e aumento das alíquotas de contribuição dos trabalhadores.
Mapeando o conceito de velhice
"Envelhecimento da População e Desigualdade" - um "Trabalho para Discussão" no site da EESP-FGV, do qual sou coautora com Thais Peres Dietrich e André Portela de Souza - traça a linha dos idosos aos 65 anos, embora reconheça que traçar as fronteiras da velhice apresenta dificuldades.
Além de fenômeno biológico, a velhice tem dimensão existencial, pois modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, com o mundo. A sociedade estabelece o status do idoso. A situação do velho é muito diferente se ele é rico e se preparou para a velhice ativa ou se é pobre, despreparado e sem assistência.
Apesar da enorme variedade das experiências, podemos separar as principais visões refletidas na literatura, umas desalentadas, outras enaltecedoras.
Amarga é a visão do "teatro do absurdo". Em "As Cadeiras", de Eugène Ionesco (1909-1994), um velho casal, preso à lembrança engrandecida do passado, tenta trazer de volta os dias que se foram. Dão uma recepção à qual ninguém comparece, acolhem convidados invisíveis e circulam entre cadeiras vazias. No fim, saltam pela janela, porque entendem que a vida não tem sentido.
Em "Fim de Partida", Samuel Beckett (1906-1989) mostra, entre uma e outra lata de lixo, um casal de velhos evocando amores passados. Beckett também trata com crueldade o desmoronamento da memória em "Dias Felizes". As lembranças aparecem em desordem, mutiladas, arruinadas. É como se nada tivesse acontecido e o presente emergisse do vazio. Ainda de Beckett, o herói já idoso do romance "Molloy" vê uma das pernas endurecer e perde a metade dos dedos do pé. Arrasta-se. Rasteja. Ocupa-se com lembranças que desmoronam, nebulosas, inconsistentes, falsas. A vida é apenas a memória que temos dela, e a memória não vale nada.