sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Vera Magalhães - Adeus, Bolsonaro

O Globo

Que o Brasil saiba desarmar a bomba do extremismo golpista que ele deixou antes de sair pela porta dos fundos do palácio e da História

O ano termina amanhã e, com ele, o mais desastroso governo do Brasil pelo menos desde a redemocratização. O país precisará, a partir de domingo, ser reconstruído em todas as suas esferas, das relações sociais à economia, passando por direitos humanos, educação, saúde, ciência, cultura, meio ambiente e todas as demais áreas da vida nacional.

Não será tarefa simples fazer as pessoas voltarem a confiar em vacinas e a seguir o calendário de imunização, mesmo de suas crianças. Parece trivial, mas dará trabalho voltar a reunir as famílias para almoçar sem que alguém levante dúvida sobre a segurança das urnas eletrônicas e a regularidade das eleições.

Levará tempo para que pais outrora moderados deixem de enxergar infiltrados comunistas nos professores dos seus filhos ou parem de bradar nos grupos de WhatsApp contra a ideologia de gênero nas escolas caras em que matriculam suas crianças, sem ter a mais pálida ideia de que bobagem estão falando.

A sociedade brasileira foi violenta e rapidamente radicalizada nos últimos quatro anos por Jair Bolsonaro, seus filhos e apaniguados. Alimentada à força com doses diárias e cavalares de teorias da conspiração incubadas no exterior e inoculadas aqui.

Pedro Doria - A missão de Lula

O Globo

Se queremos uma chance daqui a dez ou 20 anos, precisamos resolver o problema da educação básica de massas neste governo

O pesadelo nacional durou quatro anos e se encerra neste domingo com a posse de um novo presidente. Um presidente que, pouco importam seus defeitos, construiu sua carreira política a partir da democracia. Estivemos muito próximos de perdê-la, mais próximos do que muitos se dão conta. Muitos não se dão conta, tampouco, de que Jair Bolsonaro recebeu, neste último segundo turno, mais votos do que teve para elegê-lo em 2018. O eleitorado de Bolsonaro não diminuiu, aumentou ao longo de seu mandato destrutivo, iliberal, anti-iluminista. Daí nasceu o principal desafio para o governo que entra: lidar com a angústia que leva à busca pelo populismo autoritário.

Porque é fácil gritar “fascista”, fazer troça de quem acredita nas mentiras do zap, simplesmente tratar de ignorante quem recusa a vacina, bruto quem compra armas ou com desdém a massa que fez da camisa da seleção a versão contemporânea do uniforme verde-escuro com a braçadeira do Sigma. Por trás de todo esse comportamento que arrasta não só dezenas de milhões de brasileiros, mas também outros tantos americanos que votaram em Donald Trump ou os italianos que elegeram Giorgia Meloni, está a angústia com um mundo em rápida transformação.

Luiz Carlos Azedo - Morte de Pelé ofusca o anúncio dos novos ministros

Correio Braziliense

Era a personalidade brasileira mais admirada e reconhecida internacionalmente; sua morte está tendo enorme repercussão mundial.

A Esplanada, com 37 novos ministros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa uma coalizão de nove partidos no primeiro escalão. Há 11 ministros sem filiação ou vinculação partidária. Ontem, foram indicados os 16 que faltavam, entre os quais duas estrelas, Simone Tebet (MDB) no Planejamento e Marina Silva (Rede) no Meio Ambiente, ambas ex-candidatas a presidente da República. MDB, União Brasil e PSD levaram nove dos novos indicados, a maioria políticos sem projeção nacional. Agora, Lula administra o descontentamento do Solidariedade, PV e Cidadania, partidos que o apoiaram no segundo turno e ficaram fora do primeiro escalão. Lula pretende ampliar seu governo com indicações dessas legendas para cargos importantes no segundo escalão, mas isso ficará para depois da posse.

Entretanto, o anúncio dos novos ministros foi completamente ofuscado pela morte do Pelé, aos 82 anos, que estava internado em estado grave, no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo. Ele era a personalidade brasileira mais admirada e reconhecida internacionalmente; sua morte está tendo enorme repercussão mundial. Foram proféticas as palavras do escritor e jornalista Nelson Rodrigues, ao ver Edson Arantes do Nascimento jogar pela primeira vez e se surpreender com a idade do craque: “É um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado”, escreveu na coluna intitulada “Meu personagem do ano”, de janeiro de 1958. Pelé tinha apenas 17 anos.

Flávia Oliveira - É o fim da monarquia

O Globo

Foi um tesouro que ajudou, mais que qualquer outro jogador, a transformar o Brasil no país do futebol

A monarquia no Brasil chegou ao fim na tarde de uma chuvosa quinta-feira, 29 de dezembro de 2022. Cento e trinta e três anos depois de proclamada a República, partiu o Rei Pelé, primeiro e único, reconhecido aqui e mundo afora — Roberto Carlos, rei para nós, seus fãs, não é universal. Aos 53 anos, não carrego memória de assistir ao vivo Edson Arantes do Nascimento em campo, tampouco contestei sua realeza. Inequívoca.

Jornalista, tive por ofício a possibilidade de viajar para alguns países. Em todos, ao me saberem brasileira, as pessoas faziam referência ao Rei do Futebol. Quando não acontecia, citava eu mesma o ilustre monarca. Pelé, para brasileiros no exterior, era cartão de visita, visto, passaporte. Era a senha para escancarar sorrisos, abrir portas. Ainda é. Será.

Por ser compatriota de Pelé, mais de uma vez recebi pedido ou recomendação de levar na bagagem camisas da seleção brasileira, as amarelas, para ofertar a estrangeiros, dos Estados Unidos à África. Em 1969, ano em que nasci, Pelé viajou com o Santos para jogar um amistoso contra uma seleção do Centro-Oeste da Nigéria. A História conta que a região, em conflito, parou a guerra para lotar o estádio e assistir à partida, que terminou 2 a 1 para o time do Rei. Soberano do futebol, o mineiro de Três Corações fez do uniforme instrumento de diplomacia.

Fabio Giambiagi - Bella Ciao

O Globo

Em breve, voltaremos a tratar de números e outros aspectos frios da realidade. Hoje, porém, é hora de celebrar o ano que vem pela frente

 “O sadismo não pode ser considerado uma estratégia política, mas uma perversão moral” (Procurador Strassera, em “1985”)

Sempre gostei da filosofia de Desmond Tutu, que sugeria: “Não levante a voz: melhore seu argumento.” Em condições normais, encaro esta coluna como um espaço de convencimento, em que a batalha se dá em função da qualidade do raciocínio e não da intensidade do sentimento.

Hoje, porém, irei esquecer tal filosofia. Deixemos então, por um momento, a razão de lado para deixar o sentimento fluir, pois chega ao fim uma época sinistra.

Os historiadores do futuro terão dificuldade em entender como fomos vítimas da praga bíblica que se abateu sobre nós nos últimos anos, com seu legado macabro de tragédias e perdas. Nesta época de trevas, em que o simples exercício da compaixão se tornou malvisto por aqueles que fizeram do desprezo um meio de vida, conhecemos o que o ser humano pode revelar de pior.

César Felício - O 2022 de Lula e Bolsonaro

Valor Econômico

Ano para os polarizadores não seguiu o calendário

O ano de 2022, em termos políticos, começou ainda em 2021 e talvez não termine tão cedo. Foi um ano naturalmente dominado pela sucessão presidencial, e a de Bolsonaro foi mais longa que o normal.

Do lado de Lula, é possível situar o marco zero em dezembro do ano passado, no restaurante Figueira, em São Paulo, quando Lula e Alckmin debutaram como parceiros perante a classe política. Foi o primeiro movimento importante de Lula desde que recuperou seus direitos políticos, em março de 2021.

Lula sinalizou com uma aliança partidária ampla, podendo alcançar siglas do centrão, que lá estavam representadas no jantar do Figueira, mas com poucas concessões no campo econômico. Ele reafirmou bandeiras tradicionais da esquerda, como o freio ás privatizações, por exemplo, e não julgou necessário, ou quem sabe não achou útil, divulgar uma “carta ao povo brasileiro”, como fez em 2022.

Claudia Safatle - Uma nova visão do governo que assume

Valor Econômico

Pedido para que desoneração dos combustíveis não fosse prorrogada contou pontos a favor da racionalidade econômica de Lula e sinalizou que ele está atento às questões fiscais.

Quando assumir o cargo de presidente da República, domingo, Luiz Inácio Lula da Silva estará buscando implementar uma nova visão de governo na política econômica. Uma ótica que privilegiaria a demanda e cuja sustentação acadêmica encontra-se na Universidade de Campinas. Seria preciso, portanto, aumentar a renda para as pessoas comprarem mais bens e serviços, com isso, colocar-se-ia a economia para rodar. O Estado, ao aumentar o gasto, acabaria gerando mais renda, o que se reflete no orçamento.

Fala-se muito hoje em conflito distributivo e em justiça social, o que é um imperativo urgente, mas é raro ouvir alguém, no governo que assume, discorrer sobre eficiência econômica, produtividade e competição. Essa é uma mudança grande de foco. A visão econômica de que o Estado, ao gastar, produz renda, parece uma leitura parcial de Keynes, que é verdade quando a economia está em recessão ou depressão. Mas quando não está, não dá para desconhecer a reação da oferta.

Eliane Cantanhêde - ‘Companheiros’ e ‘companheiras’

O Estado de S. Paulo

Lula quis combinar competência, diversidade e equilíbrio político. Vai funcionar?

Luiz Inácio Lula da Silva anunciou cada ministro como “o companheiro” ou “a companheira”, fosse ele ou ela do PT, “que não é fácil”, do PDT do seu feroz adversário Ciro Gomes, do União Brasil do seu algoz Sérgio Moro ou de qualquer um dos nove partidos que vão se alojar – e eventualmente, ou certamente, se digladiar – na Esplanada dos Ministérios. É a “frente ampla”.

O que mais chamou a atenção no anúncio do último pacote de ministros não foi o excesso de 37 pastas, que já se sabia, nem os escolhidos, já esperados, mas, sim, o atraso, a insistência em valorizar as escolhas femininas e a forma de Lula de se referir à sua equipe a três dias de assumir seu terceiro mandato, depois de tudo.

Laura Karpuska* - Progresso na incerteza

O Estado de S. Paulo

Apesar de tudo, é possível enxergar progresso mesmo em períodos de grande incerteza

O que o futuro nos guarda? É fim de ano. Inevitavelmente, refletimos sobre o passado e nos preparamos para o futuro.

O último Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas ressalta a dificuldade do nosso tempo. “Vivemos em um mundo de preocupação: a continuidade da pandemia da covid-19, guerra na Ucrânia, temperaturas recordes, incêndios e tempestades.”

Segundo a ONU, há três grandes fontes de incerteza sobre o futuro: a desestabilização planetária causada pelo chamado antropoceno (impacto do homem sobre o planeta), mudanças estruturais sociais e a intensificação da polarização.

Reinaldo Azevedo - Lula divide o poder com os aliados

Folha de S. Paulo

Sai a arruaça de colisão do bolsonarismo; volta o presidencialismo de coalizão

Pronto! Lula indicou os 37 ministros. Talvez haja alguma pacificação "Duzmercáduz", sei lá. Ou o contrário. Não tenho intimidade com essa gangorra e enforcaria o último especulador com a tripa metafórica do último experto (com "x") que tortura os fatos para que caibam em suas apostas. Os olhares analíticos têm lá seus respectivos vieses. O meu é reconstruir o tecido institucional esgarçado e resgatar entes de Estado, como as Forças Armadas, das trevas da fascistização. Nesta quinta, mais uma vez, vimos o Exército servir como "supernanny" de golpistas.

Eis, pois, o meu lado nessa história. "Com responsabilidade fiscal ou sem, Reinaldo?" Ah, com ela! Mas não confundo as minhas próprias contas ou as dos meus amigos e fontes (e seus inevitáveis interesses) com o Evangelho Revelado. Já nem cito o pressuposto, sendo pressuposto, da responsabilidade social. Acrescento aos dois pilares um terceiro: a responsabilidade política.

Vinicius Torres Freire - O ministério de Lula e o Congresso

Folha de S. Paulo

Políticas a que Lula vai dar de fato prioridade, quem vai tocar esses barcos e se são capazes de fazê-lo são as próximas definições

Luiz Inácio Lula da Silva deu nove ministérios, ou praticamente isso, para MDB, PSD e União Brasil. Juntos, esses partidos terão 143 deputados federais a partir do ano que vem.

Como era de esperar, o núcleo da base bolsonarista, PL, PP e Republicanos, não levou nada —até agora. Juntos, têm 187 deputados. Em uma conta simples, a coalizão de apoio a Lula 3 tem 283 deputados.

Não se adquire apoio de partido com porteira fechada, em bloco, como se sabe. Haverá recalcitrantes no centrão luliano. Haverá quem vote com o governo mesmo em partidos como o PL, casamento da extrema direita com a fisiologia mais crua, assim como no PP e no Republicanos. A negociação, de resto, não acabou.

Bruno Boghossian - Uma base aliada em construção

Folha de S. Paulo

Com sequelas das negociações partidárias, petista precisará manter negociações para ter base sólida

Os lances feitos por Lula para acomodar aliados na Esplanada dos Ministérios deram cara à base governista, mas também devem engordar um time de dissidentes no Congresso. As articulações com a União Brasil, que ganhou três pastas, vão deixar sequelas na relação entre a legenda e o novo presidente.

Quando um partido recebe as chaves de espaços cobiçados no governo e se recusa a vestir o boné de aliado, é sinal de que algo deu errado. Integrantes da União indicaram ministros da Integração, das Comunicações e do Turismo, mas dirigentes dizem que as bancadas do partido serão independentes no Congresso.

O anúncio é resultado de uma divisão que o próprio Lula ajudou a aprofundar. O presidente eleito privilegiou o senador Davi Alcolumbre na escolha dos ministros da União Brasil, deixando de lado outros grupos de poder dentro do partido.

Hélio Schwartsman - A fuga

Folha de S. Paulo

Blindagem excessiva impede responsabilização de presidentes

A essa altura, ou Bolsonaro já deixou o país ou está na iminência de fazê-lo. Ele não entregará a faixa presidencial a Lula. É uma questão interessante determinar se se trata de um último ataque simbólico à democracia, um problema de berço (má educação), uma fuga ou uma combinação dos três. Interessa-me hoje a hipótese da fuga.

Uma coisa mal resolvida pelas democracias é a extensão da blindagem judicial concedida a chefes de governo ou de Estado.

Por mais que consideremos a igualdade de todos diante da lei como princípio fundamental, algum nível de proteção precisa haver. De outra forma, seria fácil inviabilizar um governo desferindo contra o presidente uma campanha de assédio judicial (fazê-lo responder a dezenas ou até centenas de processos semelhantes em diferentes comarcas).

Ruy Castro - A taça, enfim, descansou

Folha de S. Paulo

A Fifa não sabe a que intimidades a Jules Rimet teve de se submeter em 1958

O turco Nusret Gökçe, o homem do bife de ouro na Copa do Mundo, é uma potência como açougueiro, chef e restaurateur. Tem 22 restaurantes em cidades internacionais, nos quais serve filés folheados a 24K, rasga os bifes com as próprias mãos na frente do freguês e os salga deixando o sal escorrer pelos antebraços nus. Segundo seus biógrafos, há algo nisso que atiça a lascívia de seus clientes e os faz salivar, um deles Ronaldo Fenômeno. Ronaldo levou os meninos da seleção brasileira ao restaurante de Gökçe em Doha e eles vibraram, embora não se saiba se isso influiu no fiasco do Brasil na competição.

Apitado o final de Argentina x França, Gökçe invadiu o gramado e foi fotografado na premiação segurando a Copa com as duas mãos, levantando-a como se a tivesse conquistado e beijando-a com a maior volúpia. A Fifa, dona do caneco, ficou tiririca —ninguém, exceto os jogadores e as autoridades, pode sequer tocar nele, quanto mais conspurcá-lo com tais intimidades. E promete tomar "providências apropriadas".

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

Jamais haverá ninguém que se compare a Pelé

O Globo

Não apenas pelas estatísticas que fizeram dele Rei do Futebol, mas pelo exemplo que deu ao Brasil

Não houve, não há, nem haverá jamais ninguém que se lhe compare. Nas estatísticas, óbvio, mas também — e sobretudo — no exemplo. Foi Pelé — com a marca insuperável de 1.282 gols em 1.364 jogos (479 antes dos 21 anos), três Copas do Mundo antes dos 30 (a primeira aos 17), bicampeonato mundial e dez títulos pelo Santos, além da carreira que lhe rendeu o título de “atleta do século” —, foi Pelé quem mostrou ao brasileiro ser possível livrar-se do rodriguiano “complexo de vira-lata”.

Foi rei no esporte mais popular do planeta, projetando o Brasil como potência. O menino negro, engraxate que jogava com bola de meia em Três Corações, não suportou ver o pai chorar depois da derrota do Brasil na final da Copa de 1950. Prometeu aos 9 anos que traria o caneco— e cumpriu. Quem o viu jogar sabe quão ocioso é compará-lo a outros que tentaram reivindicar (ou usurpar) sua coroa. Não apenas porque suas estatísticas permanecem imbatíveis ou por ter transformado o futebol em arte, com lances desconcertantes, imitados e repetidos à exaustão. Não apenas pela capacidade de enxergar o jogo em três (até quatro...) dimensões, de saber quando chutar a gol e quando driblar, quando fazer uma finta e quando dar um chapéu na defesa e no goleiro — ou apenas quando deixar a bola passar para que um Jairzinho ou Carlos Alberto desferisse a bomba fatídica nas redes. Não apenas por ter dado origem à expressão “gol de placa”, por ter gerado a mística em torno da camisa 10 ou por ter virado substantivo, sinônimo de “o melhor” em qualquer área. Mas sobretudo porque não haveria Maradona, Cruijff, Messi, Neymar ou Mbappé não tivesse havido antes um Pelé.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Receita de Ano Novo

 FELIZ ANO NOVO 2023!

Música | Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti - Risos de Mandarim