domingo, 14 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Quantidade de pleitos não garante qualidade da democracia global

O Globo

Este ano baterá todos os recordes eleitorais no mundo, mas há risco de maior corrosão democrática

Por uma conjunção de calendários, este ano baterá todos os recordes eleitorais. Cerca de 2 bilhões, quase metade da população adulta do planeta, tomarão parte em votações em mais de 60 países de todos os continentes em 2024. Provavelmente só em 2048 o mundo voltará ter tantas disputas eleitorais. Até dezembro, haverá eleição no país mais poderoso (Estados Unidos) e no mais populoso (Índia). No Brasil, a disputa é pelas prefeituras e câmaras municipais. Na Indonésia, estão em jogo Presidência e Congresso. Na União Europeia, vagas no Parlamento. Haverá eleições em países com maioria muçulmana (Paquistão), católica (México) e anglicana (Reino Unido). Mesmo disputas em países pequenos podem ter importância global, como a ocorrida ontem em Taiwan, um desafio à influência da China.

Se, na quantidade, o ano parece a festa da democracia, em qualidade 2024 é menos vistoso. Os pleitos na Rússia, na Venezuela e no Irã demonstram que depositar o voto na urna é um passo imprescindível, mas insuficiente para um país ser democrático. Quando a oposição é perseguida, presa e impedida de participar, a eleição se transforma em mero teatro. Mesmo quando há alguma competição, a saúde da democracia não está garantida.

Merval Pereira - O Equador pode ser aqui

O Globo

O combate ao crime organizado não pode ser responsabilidade exclusiva dos estados, como teimam em interpretar restritivamente a Constituição. Narcotráfico e tráfico de armas são crimes federais, transnacionais, entram pelas fronteiras.

Chegamos a uma situação em que, quando algum cidadão reage a um assalto e prende ou mata um bandido que tentou assaltá-lo, vibramos como se fosse nosso herói. Por outro lado, quando vemos nas redes sociais um assalto bem-sucedido, sofremos com o cidadão, como se nós estivéssemos naquele vídeo.

Não é possível viver assim, atrás das grades nos edifícios, em carros blindados quando se tem possibilidade de ter um. A escalada da violência só faz aumentar, e adiamos as providências há pelo menos 20 anos, quando a criminalidade já exigia uma Secretaria Extraordinária de Segurança Pública, criada por Lula em sua primeira presidência, em 2003.

Elio Gaspari - Segurança é loteada

O Globo

Confiança é uma coisa, competência é outra, e prevalece massagem dos egos na mudança de Dino para Lewandowski

Ricardo Lewandowski assumirá um Ministério da Justiça transformado em algo parecido com a mal falada Codevasf. Pela primeira vez na história dessa pasta ocupada por Diogo Feijó (1831-1832), por Bernardo Pereira de Vasconcelos (1837-1839) e Tancredo Neves (1953-1954) discutiu-se o preenchimento de cargos no seu segundo escalão a partir de critérios partidários ou regionais.

PT quer cadeiras ocupadas pelo PSB e seria desmontada a "República do Maranhão" criada por Flávio Dino. Nenhum dos prováveis degolados foi classificado como incompetente e nenhum dos prováveis sucessores é louvado pela competência em questões de segurança pública. Trata-se apenas de discutir a filiação partidária ou a origem regional. Pior: prevalece nas aspirações a massagem dos egos de candidatos interessados em melhorar seus contatos e polir seus currículos.

Na campanha eleitoral, quando o tema da segurança pública teve a importância que merecia, Lula prometeu dividir o ministério. Na cadeira, atendeu às ponderações de Flávio Dino e Lewandowski, desistindo da ideia.

Dora Kaufman* - TSE precisa banir IA da campanha de 2024

O Globo

O temor dominante é o dano potencial da desinformação à democracia, particularmente com ‘deepfakes’

Em 2024, estão previstas eleições em mais de 60 países, envolvendo quase 50% da população adulta mundial e incluindo a escolha do presidente dos Estados Unidos, dos integrantes do Parlamento Europeu e dos prefeitos e vereadores no Brasil. Nos Estados Unidos, como noticiado pelo New York Times em março de 2023, os engenheiros republicanos e democratas estão empenhados em usar a inteligência artificial (IA) para aprimorar técnicas de microtargeting, gerar mensagens personalizadas e aumentar o impacto da publicidade. O temor dominante é o dano potencial da desinformação à democracia, particularmente com as deepfakes (amálgama de deep learning e fake, técnica que sintetiza imagens ou sons humanos com IA).

Dorrit Harazim - Haia existe

O Globo

Netanyahu jamais conseguirá apagar o dano moral, político, diplomático e histórico sofrido na Corte internacional

Ninguém gosta de ser submetido a julgamento. Países, também não. E o Estado de Israel, comandado por Benjamin Netanyahu, menos ainda. Mesmo que consiga convencer a Corte Internacional de Justiça (CIJ) a arquivar a acusação de genocídio apresentada pela África do Sul, ou mesmo que consiga evitar a petição por medidas provisórias urgentes, como a interrupção dos ataques a Gaza, Netanyahu jamais conseguirá apagar o dano moral, político, diplomático e histórico sofrido em Haia. A sentença final a ser decidida pelos 15 juízes da Corte pode demorar dias, semanas, meses, até anos, mas a mera questão central — Israel cometeu genocídio? — é devastadora em si.

Relegada ao papel de cemitério do Direito Internacional, a Palestina como um todo, e Gaza em especial, pouco espera da Justiça dos homens. Só que a petição apresentada pela África do Sul pode ter desdobramentos inesperados. Como previsto, foi desconsiderada como frivolidade pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken. Mas não por Netanyahu, que optou por apresentar sua defesa perante a Corte. Não é de hoje que lideranças israelenses se preocupam com uma eventual percepção mundial de que a opressão sofrida pela Palestina ocupada é uma forma de apartheid. O espectro de isolamento internacional semelhante ao imposto ao regime de minoria branca na África do Sul — que culminou na extinção do apartheid nos anos 1990 — sempre existiu. Et pour cause.

Eliane Cantanhêde - Por que?

O Estado de S. Paulo

Posição do Brasil contra Israel, política e sem valor prático, traz efeitos internos e externos

Por que, afinal, o presidente Lula decidiu atrair mais chuvas e trovoadas, dentro e fora do País, ao anunciar oficialmente apoio ao julgamento de Israel, por genocídio, na Corte Internacional de Justiça de Haia? Não precisava. Países não votam na Corte e não interferem no resultado. Bastava acompanhar de perto e ver no que daria, como fizeram China e Rússia, os dois principais integrantes dos Brics.

A explicação nos bastidores, ou melhor, nos palácios, é a tragédia humanitária em Gaza, transformada num gigantesco cemitério de crianças depois que Israel reagiu ao ataque terrorista do Hamas despejando sua ira e sua força na faixa que abriga(va) os palestinos. Mas, fora dos gabinetes envidraçados de Oscar Niemeyer, a interpretação é outra: a posição ideológica de Lula e do PT contra Israel.

Pedro Malan* - Trinta anos do real e décadas vindouras

O Estado de S. Paulo

A corrida para tornar-se um país rico no século 21 será mais difícil. O que não quer dizer que não haja oportunidades a serem exploradas

Em 2024 o real completa seus primeiros 30 anos como a moeda nacional de estável poder de compra. Um marco histórico, dado nosso passado de recordista mundial de inflação acumulada, do início dos anos 1960 ao início dos anos 1990.

Nenhum brasileiro que tenha menos de 46 anos (a maioria da população) tem lembrança vívida da marcha da insensatez que foi a evolução de nossa inflação – alta, crônica e crescente por décadas até chegar aos surreais 2.400% no ano de 1993, o último ano antes da criação do real. Da mesma forma, nenhum brasileiro que tinha menos de 46 anos em 1989 (novamente, a maioria da população) jamais havia votado para presidente da República. Há que comemorar os 35 anos de eleições diretas para o cargo, apesar das dores do aprendizado.

Ao derrotar a hiperinflação e se consolidar, o real permitiu que o País pudesse vislumbrar, com um pouco mais de clareza, a magnitude de outros problemas econômicos, sociais e político-institucionais que precisavam ser enfrentados para que pudéssemos vislumbrar nosso futuro, no longo prazo, com mais confiança. Nas comemorações dos 30 anos do real e de nossa democracia seria importante incorporar uma visão que vá além de 2024, do próximo triênio, do restante desta década.

Rolf Kuntz - Destravar o Brasil ainda é um desafio

O Estado de S. Paulo

Lula promete um ano mais próspero que o desenhado nas profecias do mercado. Seu discurso seria mais tranquilizador se explicasse como vai equilibrar as contas

A festa foi boa, a economia cresceu cerca de 3% e o desempenho brasileiro em 2023, começo do mandato presidencial, foi muito melhor que o previsto no fim do ano anterior pelos profetas do setor financeiro. Naquele momento, a mediana das projeções apontava uma expansão de 0,80%. Mas o pessimismo voltou. No mercado, o avanço estimado para 2024 ficou em 1,59%, no início do mês, segundo o boletim Focus de 8 de janeiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já falou em 2,2%. Na maior parte do setor privado, as apostas têm variado entre 1% e 2%.

Se os fatos confirmarem qualquer desses números, o avanço do País será, mais uma vez, inferior à média mundial projetada por instituições multilaterais e por grupos financeiros. Segundo indicou em outubro o Fundo Monetário Internacional (FMI), o produto bruto global deve aumentar 2,9% neste ano e o do Brasil, 1,5%. No cenário do Banco Mundial, os números estimados são 2,4% e 1,5%. Neste século, o dinamismo brasileiro tem sido geralmente menor que o de outros emergentes e inferior, também, ao da maioria dos países avançados. As projeções do FMI são revistas no início do ano. Haverá enorme surpresa se ocorrer grande melhora no quadro previsto para o Brasil.

Celso Rocha de Barros - Marta Suplicy de volta ao PT

Folha de S. Paulo

Reforma política reduz partidos, e destino da esquerda é federação com gente que já teve entre si brigas ainda mais feias

Marta Suplicy voltará ao PT para ser vice na chapa de Guilherme Boulos.

O movimento, orquestrado por Lula, é uma bela jogada. Marta tem votos na periferia de São Paulo, onde sua administração realizou investimentos importantes. Sua experiência administrativa, e mesmo sua passagem por partidos de centro nos últimos anos, podem enfraquecer a impressão de que uma chapa liderada por Guilherme Boulos seria radical demais.

Seu retorno ao PT causou algum ruído. Mesmo grupos da esquerda do PT defendem Marta como vice de Boulos, mas preferiam que ela concorresse por alguma outra legenda aliada. E, sejamos honestos, se era para voltar um dia, Marta deveria ter rompido com o PT de maneira menos ruidosa: não precisava ter votado a favor do impeachment. Sobretudo, não precisava ter entregado flores a Janaína Paschoal no dia da votação do impeachment na Câmara.

Marcos Lisboa* - Veja bem...

Folha de S. Paulo

Criatividade com o conceito de superávit primário requer um novo termômetro

evolução da dívida pública pode parecer tema arcano para a maioria da população, mas afeta o seu dia a dia. Se a dívida do governo cresce seguidamente mais do que a renda do país, o resultado será maior inflação ou mais impostos. Existe outra opção, o calote. O governo simplesmente deixa de pagar o que deve no prazo previsto.

Esse tem sido um hábito frequente no Brasil. A PEC dos Precatórios impôs o adiamento do pagamento das dívidas da União com cidadãos que tiveram seus direitos reconhecidos pelo Judiciário.

No mês passado, o governo editou medida provisória que posterga o ressarcimento de contribuintes que, de acordo com decisão judicial, pagaram mais tributos do que deveriam. "Veja bem, eu devo para vocês. Só não posso pagar agora. Então, decidi ressarci-los mais tarde."

Hélio Schwartsman - Uma paz para acabar com a paz

Folha de S. Paulo

Livro mostra como surgiram países do atual Oriente Médio e como isso contribuiu para a instabilidade regional

Para entender melhor o que acontece no Oriente Médio, li "A Peace to End All Peace" (uma paz para acabar com qualquer paz), de David Fromkin. Embora não exatamente nova, é uma obra de fôlego que mostra como surgiram os países que hoje constituem a região e como sua gênese contribuiu para a instabilidade atual.

Fromkin começa sua investigação nos estertores do Império Otomano, passa a lupa sobre a 1ª Guerra Mundial e para em 1922, que é quando o mapa do Oriente Médio assume feições semelhantes às atuais. É um prato cheio para apreciadores do beletrismo histórico. "Grand Jeu", acordo Sykes-Picot, declaração Balfour e outros eventos, sobre os quais lemos hoje nos artigos mais eruditos sobre o imbróglio médio-oriental, são cuidadosamente discutidos.

Bruno Boghossian - Trump em busca de revanche

Folha de S. Paulo

Ex-presidente posa como vítima de perseguição e insinua vingança como plataforma para um segundo governo

Donald Trump apareceu em dois tribunais na última semana. Na terça (9), o ex-presidente acompanhou advogados que argumentavam que ele deveria ter imunidade no caso em que é acusado de conspiração para reverter a eleição de 2020. Dois dias depois, participou da última audiência de uma ação por fraude fiscal.

O republicano não era obrigado a comparecer a nenhuma das duas sessões. Trump escolheu estar lá porque transformou os processos em espetáculos centrais de sua campanha para voltar à Casa Branca.

Muniz Sodré* - Retratos a gosto

Folha de S. Paulo

Hoje, um outro tipo de estetização da vida social se constrói por meio da rede eletrônica

É possível que "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, clássico genial da literatura inglesa, ajude na compreensão, entre nós, do intrigante fenômeno de enrijecimento da polarização social. Pesquisas de opinião revelam imobilidade de posições há um ano. O governo Lula é republicano, mas seu retrato público tem fissuras.

No romance, Dorian, belo e ingênuo, corrompido pelos costumes sociais sob forte influência do amigo Lorde Henry Wotton, ganha um retrato com o atributo de envelhecer enquanto ele permanece jovem. A imagem pintada reflete aos poucos efeitos do seu envolvimento em crimes, sua decadência moral.

Ruy Castro - Renasce Carmen Dolores

Folha de S. Paulo

A escritora brasileira mais ousada de seu tempo passou o século 20 fora da literatura. É a sua hora de voltar

A carioca Emilia Moncorvo Bandeira de Mello, nascida no Império, descobriu cedo que só sentimentalmente a mulher podia contar com o homem. Em tudo o mais, deveria aprender a contar consigo mesma, para o que "adviesse de anormal". Isso lhe aconteceu em 1887, quando, aos 35 anos, viu-se viúva com quatro filhos e sem meios de sustento. "Quando a adversidade me bateu à porta", disse anos depois, "não me perguntou se eu era mulher ou homem." E foi à luta.

Pouco antes, um dos textos que escrevia de brincadeira, para si mesma e para as amigas, caíra nas mãos do jornalista Alcindo Guanabara. Ele lhe perguntou se podia publicá-lo. Emilia concordou, desde que, como era casada, o assinasse com pseudônimo. Morto o marido, ela procurou Alcindo e se ofereceu como cronista. Ele a contratou e, depois de tentar vários pseudônimos, Emilia fixou-se no de Carmen Dolores.

Poesia | Chega de Saudade - Vinicius de Moraes com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Paulinho da Viola - Foi um rio que passou em minha vida