quarta-feira, 20 de março de 2019

Opinião do dia: Friedrich Hegel*

Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. Na história da filosofia, estas ações e acontecimento, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencente à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano.


*Friedrich Hegel (1770-1831), ‘Introdução à história da filosofia’ (1816), p.321. Abril Cultural, 1985.

Rosângela Bittar: Paz em Rose Garden, guerra no cerrado

- Valor Econômico

O governo está fraco e isso ficou claro no que ocorreu aqui

Sem os inúteis e batidos complexos de inferioridade e a falsa subserviência como quer fazer crer a turma da ideologia na política externa do PT. A cena em Rose Garden, ontem, foi bacana mesmo: Jair Bolsonaro falando de forma correta, com frases bem construídas com sujeito, verbo e objeto, bem treinadas, à altura da naturalidade do seu parceiro americano, Donald Trump. Gentilezas para cá, devolvidas para lá, assuntos delicados omitidos com a tarja explícita de secretos, anúncios de negócios, tudo pareceu muito civilizado. Esperava-se o pior não só pelo nosso representante como pelo seu interlocutor.

O pior não veio, mas o melhor não refletiu o Brasil do momento. Na viagem, o presidente exibiu uma espécie de governo fantasia, distante daquela realidade que por aqui se instalou nos últimos dias. Bolsonaro viajou aos Estados Unidos, numa visita de Estado que pretende inaugurar a volta de uma relação amistosa entre os dois países, estressados por políticas anteriores, levando na comitiva os principais ministros do governo, inclusive seu alter ego, general Augusto Heleno. Levou também o filho Eduardo, deputado da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, único a participar de sua conversa com Trump. Mas para não deixar vazio em Brasília, Carlos Bolsonaro, o filho vereador, assumiu o espaço de governo e despachou em gabinetes oficiais.

Na antevéspera de embarcar para a viagem mais emblemática que certamente fará durante seu mandato, Bolsonaro reuniu um grupo de convidados em um café da manhã, no qual anunciou a demissão de 15 embaixadores. Entre eles, o que preparou sua agenda nos Estados Unidos, Sergio Amaral, ex-ministro com história e experiência.

A falta de polidez transbordou e ajudou o presidente a se esquecer que embaixadores e generais pertencem a carreiras nas quais, para ser demitido, o funcionário tem que ter cometido falta gravíssima. O que ele pode fazer é remover, transferir, dar discretamente outras funções ou nenhuma, mas jamais desmoralizar, como fez, quem negociava sua visita.

Também degradante para o Brasil o que o guru inspirador do presidente vem fazendo nas redes sociais e repetindo em entrevista nos Estados Unidos, ao comentar a visita. Com ideia fixa por determinada parte do corpo, o "filósofo" Olavo de Carvalho tem se especializado em agredir membros do governo, em exigir demissões, em manobrar para manter o controle dos atos de seus indicados na Educação e nas Relações Exteriores, tudo isso movido a palavreado chulo que, dizem, lhe dá destaque e sucesso na internet. Esta semana ele recorreu ao seu vocabulário pornográfico para dar entrevista, nos Estados Unidos, onde mora, sobre o governo Bolsonaro a quem vaticinou uma sobrevivência de seis meses. Prêmio: foi convidado de honra ao jantar, com direito a foto o mais o próximo possível do presidente, oferecido à comitiva.

Cristiano Romero: Capital político: contagem regressiva

- Valor Econômico

Congresso aprova tudo que governos com vontade propõem

Na jovem democracia brasileira, presidentes da República têm pouquíssimo tempo para aprovar no Congresso Nacional mudanças institucionais importantes. A história mostra que, desde 1985, quando se iniciou a Nova República, período que sucedeu o regime militar (1964-1985), o parlamento aprovou quase tudo o que os governos pediram, desde que estes tivessem capital político, liderança, vontade e coragem de promover reformas. O que não se pode é perder tempo: o parlamento ajuda a quem quer ser ajudado.

Na ausência de instituições democráticas sólidas e de partidos fortes, o Congresso não costuma ser obstáculo à revisão de aspectos da vida nacional que, durante décadas, todos julgamos imutáveis, como os monopólios estatais nas áreas de petróleo, telecomunicações e energia. O parlamento aceita, inclusive, medidas impopulares, como o confisco da poupança, o teto de gastos e a contribuição dos aposentados do serviço público para a Previdência.

Primeiro presidente eleito pelo voto direto na Nova República, Fernando Collor mal colocou a faixa presidencial e já propôs ao Congresso o confisco, que irritou a direita e deixou a esquerda perplexa. A medida, radical, foi aprovada, mas não conseguiu o intento de acabar com a inflação crônica. O fracasso custou caro e Collor começou a definhar politicamente, até perder o mandato, em setembro de 1992, após processo de impeachment.

Eleito em 1994 nas asas do bem-sucedido Plano Real, Fernando Henrique Cardoso não levou um ano para aprovar no Congresso o impensável: o fim dos monopólios do Estado brasileiro em áreas vitais da economia. A força da arrancada, assegurada em grande medida ainda pelo sucesso do Real, diminuiu ao longo do primeiro mandato e, aí, já não foi possível aprovar reformas necessárias, como a da Previdência.

Ideologias não dificultam a passagem de projetos importantes. Pesam mais nos temas relacionados aos costumes. A rigor, no Brasil não existe direita nem esquerda. Não há liberais nem muito menos comunistas no espectro político nacional. Não se explica isso apenas com a tese de que somos um povo naturalmente conciliador, sem histórico de revoluções e rupturas ou que tais.

Embora propugne agenda liberalizante na economia, o presidente Jair Bolsonaro não pode ser considerado um liberal, assim como o ex-presidente Lula não era de esquerda. A trajetória política de Lula, aliás, é um exemplo de como é relativa a importância do conceito clássico de direita e esquerda no país.

Merval Pereira: Como criança na Disney

- O Globo

Diz-se de uma pessoa feliz em uma situação que está "como pinto no lixo". Pois Bolsonaro parecia uma criança feliz na Disney. A visita aos Estados Unidos pode ser considerada um sucesso, com o apoio de Trump à entrada do Brasil na OCDE, o aceno para que nos associemos à OTAN, a possibilidade de reduzir o déficit na balança comercial com os Estados Unidos, a utilização da Base de Alcântara pelos americanos, que pode trazer tecnologia e intercâmbio. Mas a política externa brasileira está sendo tocada por uma dupla assimétrica: o deputado Eduardo Bolsonaro indicou o chanceler Ernesto Araujo, mas faz questão de mostrar que quem manda é ele. Ontem, submeteu seu apadrinhado a uma humilhação pública, ao substituí-lo na audiência com o presidente Trump na Casa Branca.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o 03 na hierarquia familiar reforçou a idéia de que é o 01 da política externa. Muito parecido com os governos petistas, que tinham dois chanceleres: Celso Amorim, e a eminência parda do petismo, Marco Aurélio Garcia. Amorim conseguiu impor-se com o tempo e se transformou em um petista de cúpula. Mas Garcia tinha gabinete no Palácio do Planalto e uma influência indiscutível na formulação da política externa.

Como agora, não havia discordâncias ideológicas entre os dois, mas dificilmente o chanceler neófito Ernesto Araujo terá voz própria na política externa de Bolsonaro. As medidas radicalizadas que o governo abraça, como mudança da embaixada brasileira para Jerusalém; disputa com a China, que ainda vêem como comunista, uma atuação mais radical na Venezuela, todas saem da cabeça de Eduardo Bolsonaro, cujo papel nas relações internacionais foi elogiado por Trump: “Vejo o filho do presidente, que tem sido fantástico”.

Os dois, Eduardo e Araújo, são discípulos do ideólogo da radicalização de direita Olavo de Carvalho. Os esquerdistas vêem golpes sempre que perdem, os direitistas têm mania de ver comunista em qualquer lugar. Por isso o presidente Bolsonaro disse nos Estados Unidos que “nosso Brasil caminhava para o socialismo, para o comunismo”.

No que foi seguido pelo presidente americano Donald Trump, que disse que pensa de forma semelhante a Jair Bolsonaro. “A última coisa que queremos nos EUA é socialismo”. Assim como o PT tem o socialismo só em seu programa, também o socialismo que Trump rejeita, na última eleição foi representado pelo veterano Bernie Sanders, que se diz liberal progressista.

Bernardo Mello Franco: Só faltou pedir autógrafo a Trump

- O Globo

Bolsonaro não disfarçou a emoção ao despontar ao lado do presidente dos EUA. Parecia um garoto diante de um ídolo do futebol. Só faltou pedir autógrafo

Jair Bolsonaro realizou um sonho. O presidente não disfarçou a emoção ao despontar ao lado de Donald Trump nos jardins da Casa Branca. Parecia um garoto diante de um ídolo do futebol. Só faltou pedir autógrafo.

É normal que líderes de nações amigas troquem gentilezas em público. Bolsonaro foi muito além do protocolo. Disse que sua admiração pelos EUA aumentou depois da eleição de Trump. Imitou chavões do anfitrião, que costuma acusar os críticos de difundir “fake news”. Depois afirmou que acredita “piamente” na reeleição do republicano.

“Obrigado. Eu concordo!”, gracejou Trump. A declaração pode causar problemas ao Brasil se o Partido Democrata voltar ao poder em 2020.

Na véspera, Bolsonaro escolheu a Fox News para uma entrevista exclusiva. Apesar da proximidade com o governo local, a emissora não poupou o convidado. “Nunca ninguém emulou tanto o presidente Trump como o presidente do Brasil”, resumiu. O brasileiro foi apresentado como um político de “extrema direita”, que manteria “intensas relações familiares com policiais corruptos e gangues paramilitares”.

Míriam Leitão: Um acordo desequilibrado

- O Globo

Brasil fez concessões concretas e recebeu promessas de apoio a esforços futuros. A ideologia atrapalhou a visita de Bolsonaro a Washington

O Brasil fez concessões concretas e recebeu apenas promessas na visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington. É isso que se conclui da leitura do Comunicado Conjunto. Há muito a perder no comércio externo, abrindo mão das vantagens que países em desenvolvimento têm dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em troca, o que o Brasil recebe? Um aviso de que os Estados Unidos apoiarão o nosso esforço de entrar na OCDE, cuja grande vantagem é meramente abstrata.

A OCDE é um grande centro de negociação. Algumas questões passam por lá antes de irem para outros órgãos. É também um centro de orientação de políticas públicas. Mas hoje o Brasil tem tido a assistência da organização na qualificação de algumas dessas políticas. Estar na Organização é bom, mas não é o mesmo que entrar na liga dos campeões como disse o ministro da Economia. Uma indicação de que os Estados Unidos apoiarão os procedimentos iniciais para que o Brasil seja membro completo da OCDE não traz ganho equivalente às perdas que teremos.

O que o Brasil prometeu em troca desse vago apoio foi abrir mão da vantagem de ser país em desenvolvimento na OMC. A Organização Mundial do Comércio estabelece que países em desenvolvimento têm um tratamento especial diferenciado no comércio internacional. Têm prazos de implementação de regras de defesa comercial maiores do que os países desenvolvidos. Na área agrícola, têm maior espaço de subsídios. Os países em desenvolvimento podem negociar entendimentos entre eles sem estender os benefícios para os países desenvolvidos. Os EUA, por serem a maior economia do mundo, querem acabar com essas vantagens para os outros países. Aceitar isso é fazer o jogo americano, com reflexos concretos em exportações brasileiras de inúmeros produtos.

Além disso, o Brasil abre mão antecipadamente de quaisquer benefícios em negociações futuras. É bem verdade que os Estados Unidos serão muito mais resistentes a aceitar tratamentos diferenciados no futuro, já que a China se declara país em desenvolvimento. Além dela, México, Coreia, Turquia e Cingapura, entre outros.

Vera Magalhães: Amigos e negócios

- O Estado de S.Paulo

Diz o ditado popular que “amigos, amigos; negócios à parte”. A julgar pelo saldo da viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, nem sempre. O apoio incondicional manifestado em várias ocasiões, antes e durante a visita, do brasileiro a Donald Trump pode, no fim das contas, resultar em conquistas inéditas para o Brasil, caso se confirme em ações o entusiasmo da retórica dos dois presidentes nesta terça-feira.

Para o coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, pesquisador do histórico de reuniões presidenciais, os ganhos superam em muito os obtidos por Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff de, respectivamente, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama.

Ele destaca principalmente o acordo para o uso comercial da base de Alcântara, a concessão ao Brasil do status de aliado preferencial extra-Otan e o apoio norte-americano ao ingresso do Brasil na OCDE, o chamado “clube dos ricos”.

Num governo em que os militares têm o peso político que adquiriram com Bolsonaro, o status de aliado preferencial permite o reaparelhamento das Forças Armadas mediante menos gastos. Da mesma maneira, os lucros com a exploração comercial de Alcântara devem reverter para as Forças Armadas, que, para Bolsonaro, foram sucateadas desde FHC.

O ingresso na OCDE, caso se concretize – e para isso será decisivo saber se Trump apenas deu um tapinha nas costas do amigo ou se de fato vai atuar –, será um carimbo valioso para a política econômica de Paulo Guedes, outro pilar do governo.

A falta de acordos comerciais específicos não prejudica o saldo da visita, diz Spektor, uma vez que nem Trump nem Bolsonaro contavam com apoio dos respectivos Congressos a propostas de retirada de incentivos neste momento. Zero a zero nesse aspecto, edulcorado com a criação ou incremento de fóruns (empresarial, de energia, etc.).

Mesmo a dualidade na retórica em relação à Venezuela não significaria tendência de Bolsonaro a embarcar numa aventura militar no país vizinho: fontes do governo diziam ontem que segue inalterada a diretriz dada pelos militares, de não intervenção, e que o brasileiro só não quis dizer um “não” na casa do seu novo melhor amigo.

Rubens Barbosa*: Resultados concretos de visita dependem de tempo

- O Estado de S.Paulo

A visita resultou no avanço em varias áreas, mas esses resultados não representam um completo alinhamento com os EUA

Diferentemente da longa tradição do governo brasileiro de realizar a primeira visita de um novo presidente ao exterior na América Latina, Jair Bolsonaro visitou os Estados Unidos. Os dois governos estão dizendo que houve uma mudança fundamental na relação bilateral e a criação de um eixo norte-sul dada a estreita relação pessoal entre os dois presidentes. Os fatos no futuro demonstrarão os resultados concretos da visita presidencial e se estes serão permanentes.

De fato, a visita resultou no avanço em varias áreas como comércio, defesa, segurança e inovação. Esses resultados, contudo, não representam um completo alinhamento com os EUA. Um exemplo disso são as posições ainda diferentes adotadas pelos dois governos em relação à retirada de Nicolás Maduro do poder na Venezuela.

O Brasil e os EUA têm uma área enorme de convergência, bem como de assimetrias. Nos últimos anos, defesa e segurança passaram a integrar os pontos focais do relacionamento por razões domésticas e regionais.

As restrições na área comercial em ambos os países permanecem. Questões como o aço não foram resolvidas, tendo havido avanços na área de exportação de suínos para o Brasil, assim como foi criada uma quota de 750 mil toneladas de trigo sem tarifa para o alimento americano, segundo o comunicado conjunto publicado ao final da visita.

Monica De Bolle*: Os dançarinos

- O Estado de S.Paulo

A postura da Colômbia tem sido a de apoiar Juan Guaidó sem qualquer possibilidade de intervenção militar

Há quem não goste, mas eu adoro as pinturas de Fernando Botero. Meus quadros favoritos do pintor colombiano são os nus, ou melhor, as nuas. Nuas gorduchas de costas, tomando banho, lendo cartas, lendo livros no jardim. Nuas ruivas, nuas louras, nuas castanhas de cabelo encaracolado. Escrevo sobre isso enquanto ainda é possível falar de nudez plástica no Brasil nas páginas dos jornais. Nas redes, a censura dos desinformados e desinteressados por cultura corre solta, sem amarras. Comecei com as mulheres de Botero pois visitei o museu em Bogotá recentemente. Comecei com as nuas de Botero porque elas desafiam o conservadorismo extremado que contaminou o País. Comecei com as nuas, mas na realidade pensava nos dançarinos.

O homem rechonchudo de terno escuro e a mulher ruiva de vestido azul rodopiam no salão nessa outra pintura de Botero que me fez pensar no encontro de ontem entre Trump e Bolsonaro. Bolsonaro em nada se parece com o homem do quadro — ele tem bigode. A mulher até poderia ser versão feminina de Trump, mas não é disso que se trata.

O quadro evoca um encontro, e ontem houve um encontro. Encontro cujo principal objetivo, sob a ótica do mandatário brasileiro, é marcar pontos políticos de curta duração, não alcançar ganhos de médio prazo para o País. Fosse assim, não estaria Bolsonaro jantando com o auto-intitulado líder do “movimento populista-nacionalista” global Steve Bannon que há tempos perdeu o status que teve no atual governo norte-americano. Fosse o objetivo projetar imagem de País sério para o Brasil e para o mundo, não estaria Bolsonaro perdendo tempo com gurus auto-exilados e o filho que se julga acima do chanceler — aquele que tampouco fala coisa com coisa. Bolsonaro está a passeio no mundo de Trump, um mundo que pode terminar em 2020. Com uma eleição presidencial no ano que vem que promete ser ruidosa, estariam os interesses do Brasil mais bem servidos caso Bolsonaro optasse pela neutralidade em lugar da adulação escancarada. Mas cautela não é a marca do líder que o Brasil elegeu em 2018.

Bruno Boghossian: Almas e dólares

- Folha de S. Paulo

Apoiar ação militar na Venezuela seria como vender a alma brasileira em outlet de Miami

Na semana passada, Ernesto Araújo disse que a política externa brasileira não pode se reduzir “simplesmente a uma questão comercial”. O alvo era a China e a intenção era repisar o realinhamento ideológico do Itamaraty no governo Bolsonaro. “Queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”, disse o chanceler.

Almas e dólares são moedas correntes nas relações internacionais. Em sua visita aos EUA, o presidente brasileiro fez gestos de reverência a Donald Trump em troca de sinalizações positivas dos americanos. Bolsonaro colheu resultados que tornam o encontro bem-sucedido, mas também fez concessões generosas.

A sintonia política entre os dois líderes estimulou a costura dos acordos. A criação de um fórum de energia para facilitar investimentos e o pacto de troca de informações entre Polícia Federal e FBI são produtos concretos dessa parceria. No campo simbólico, os EUA anunciaram a intenção de designar o Brasil como um aliado prioritário fora da Otan.

Elio Gaspari*: O Supremo fala, mas não quer ouvir

- Folha de S. Paulo / O Globo

Juízes e procuradores não gostam de contestações fora do ritual dos processos

O presidente do Supremo Tribunal Federal disse que vai "checar" o texto de um artigo do procurador Diogo Castor para decidir se representa contra ele junto ao Conselho Nacional do Ministério Público. Tomara que a checagem desestimule o doutor. Alguns ministros do STF incomodaram-se com as críticas feitas ao tribunal e a outras esferas do Judiciário. No seu artigo, Castor denunciou um "novo golpe à Lava Jato" e em dois momentos mencionou uma "turma do abafa".

Fala de freira, se comparada à oratória de Gilmar Mendes na sessão do STF do dia 14, quando se referiu a procuradores da Lava Jato como "gentalha", "gente desqualificada", "despreparada", "covarde", "gângsteres", "cretinos", "infelizes", e "reles", porque "integram máfias, organizações criminosas". Numa hipérbole, foi além: "força-tarefa é sinônimo de patifaria".

Como já ensinou o próprio Gilmar Mendes, "ninguém se livra de pedrada de doido nem de coice de burro". Apesar de sua rotina empolada, o Supremo Tribunal Federal já ouviu coisas piores. No início do século passado, o ministro Epitácio Pessoa referiu-se em artigos ao seu colega Pedro Lessa como "cavalgadura" e "alimária". Negro, com bigodes de oficial inglês, Lessa seria um "pardavasco alto e corpanzudo, pernóstico e gabola (que) raspa a cabeça para dissimular a carapinha". O próprio Gilmar ouviu poucas e boas: "O senhor é uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", disse-lhe o ministro Luís Roberto Barroso.

Como diria Gilmar Mendes, aqui se trata de discutir os limites da liberdade de expressão. Juízes e procuradores não gostam de contestações fora do ritual dos processos. Quando veem discutidas suas decisões, falhas ou incompetências, buscam a proteção do corporativismo e transformam as críticas em ataques às instituições a que pertencem. Seria mais razoável que cada um recorresse aos tribunais, como devem fazer aquelas pessoas a quem ninguém chama da "excelência". Pedro Lessa poderia ter processado Epitácio Pessoa pelo que escreveu, ou ainda por ter se aposentado em 1912 por motivo de saúde, aos 47 anos. (Tornou-se presidente da República aos 53 e morreu aos 77.)

Paul Krugman*: Salário baixo não é culpa dos robôs

The New York Times / Folha de S. Paulo

Progressistas não deveriam ceder ao fatalismo tecnológico fácil

Um dia desses, me apanhei discutindo defasagens salariais e a desigualdade econômica cada vez maior, em uma conferência –como faço frequentemente. Muito do que estava sendo discutido era interessante.

Mas uma coisa que chamou minha atenção era o número de participantes que pareciam presumir que os robôs eram grande parte do problema –as máquinas estão roubando os bons empregos, ou mesmo os empregos em geral.

E essa ideia em geral não estava sendo apresentada como hipótese –era como se fosse algo de conhecimento comum.

A suposição tem implicações reais para a discussão de políticas públicas. Por exemplo, boa parte da agitação por um sistema de renda básica universal vem da crença de que os empregos se tornarão ainda mais escassos, quando o apocalipse dos robôs varrer a economia.

Assim, me parece uma boa ideia apontar que, nesse caso, aquilo que todo mundo sabe não é verdade.

Previsões são difíceis, especialmente sobre o futuro, e pode ser que os robôs realmente venham a roubar todos os nossos empregos, um dia desses. Mas a automação simplesmente não tem papel importante na história do que aconteceu com os trabalhadores dos Estados Unidos nos últimos 40 anos.

Temos um grande problema –mas ele tem pouco a ver com tecnologia e muito a ver com política e poder.

Recuemos por um minuto, para perguntar o que exatamente é um robô. É claro que ele não precisa ser parecido com C3-PO, e nem rolar pelo mundo dizendo "exterminar! Exterminar!" Do ponto de vista econômico, um robô é qualquer coisa que use a tecnologia para executar trabalhos antes executados por seres humanos.

E os robôs, nesse sentido, vêm transformando nossa economia literalmente há séculos. David Ricardo, um dos pais fundadores da economia, escreveu sobre os efeitos desordenadores da maquinaria já em 1821!

Hoje em dia, quando as pessoas falam sobre o apocalipse robô, em geral não pensam em coisas como a mineração a céu aberto, ou a remoção do topo de montanhas para exploração de minérios. Mas essas tecnologias transformaram radicalmente a mineração de carvão. A produção de carvão quase dobrou entre 1950 e 2000 (só começou a cair alguns anos atrás), mas o número de pessoas empregadas pelo setor carvoeiro dos Estados Unidos caiu de 470 mil para menos de 80 mil.

Ou considere o caso do transporte de cargas em contêineres. Os estivadores costumavam ser parte importante do cenário nas grandes cidades portuárias. Mas embora o comércio mundial tenha disparado, da década de 1970 em diante, o número de trabalhadores americanos empregados no "tratamento de carga marítima" caiu em dois terços.

Assim, o desordenamento tecnológico não é um fenômeno novo. Mas será que podemos dizer que está se acelerando? Os dados dizem que não. Se robôs realmente estivessem substituindo trabalhadores em escala maciça, a expectativa seria de que a quantidade de coisas produzidas por trabalhador remanescente –a produtividade do trabalho– disparasse. Na verdade, a produtividade cresceu muito mais rápido da metade da de 1990 à metade da década de 2000 do que de lá para cá.

Assim, a mudança tecnológica é história velha. O que mudou é que os trabalhadores não vêm compartilhando de seus frutos.

Ricardo Noblat: Gente, isso não é normal!

- Blog do Noblat / Veja

Trump e o seu espelho

Não é normal que um presidente da República do Brasil se desmanche em elogios escancarados ao presidente da República de outro país, ou ao Chefe de Estado que acaba de visitar. Os elogios devem ser protocolares, discretos, quando nada para que não fique a impressão de que foi subserviente, ou de que se comportou simplesmente como um jeca.

Não é normal que um presidente da República do Brasil, ao cabo de uma viagem ao exterior, seja apontado pela imprensa estrangeira como um bajulador do anfitrião. Presidentes da República do Brasil já foram criticados pela imprensa internacional por outros motivos – uns por chefiarem governos ditatoriais, outros por se revelarem incompetentes, mas não por isso.

Não é normal que um presidente da República do Brasil interfira em assuntos internos do país que visita desejando a quem o recepciona que se reeleja, ou dizendo com todas as letras que acredita em sua reeleição. E se ela não acontecer? Como poderá contar no futuro com a boa vontade do novo governo que ele mesmo desejou que fosse derrotado?

Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, faça declarações tão repulsivas contra seus compatriotas forçados um dia a deixarem o local onde nasceram à procura de melhores condições de vida. E que chegue ao ponto de afirmar que apoia a construção de um muro para separar o país que visita dos seus vizinhos.

Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, deixe seu ministro das Relações Exteriores em posição subalterna para valorizar a presença de um dos seus filhos, parlamentar reeleito, cada vez mais influente nas decisões de política externa tomadas por seu pai, e fã de carteirinha do presidente do país visitado a ponto de merecer suas deferências.

Por fim, não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, peça para conhecer a sede de uma das maiores agências de espionagem do mundo, famosa ao longo de sua história por financiar golpes contra presidentes legitimamente eleitos, e manter bases secretas no exterior onde tortura presos políticos. Definitivamente, não é normal.

Se nenhuma dessas coisas é normal, seria possível engoli-las caso o resultado da visita configurasse um retumbante êxito – mas não. Por tudo conhecido até aqui, o visitante concedeu muito mais do que obteve. Dizem seus devotos que a boa química estabelecida entre ele e seu anfitrião dará preciosos frutos. O futuro a Deus pertence. O Deus do visitante sequer é o mesmo Deus do visitado.

Os garotos venceram, taokey?

A saga de uma família
Arrastem as correntes os derrotados – ministros militares, políticos dos mais variados partidos e a mídia em geral. Contra fatos, argumentos não passam de chororô. É fato que os garotos Bolsonaro venceram todos aqueles que queriam vê-los distante da boca do palco do governo do pai.

O sinal mais poderoso da vitória dos garotos acendeu ontem dentro e fora da Casa Branca durante a visita do presidente Jair Bolsonaro ao seu modelo de perfeição, o presidente Donald Trump. E só não viu quem não quis. Tanto viu o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, que teve um chilique.

No salão oval da Casa Branca, uma vez esvaziado dos jornalistas barulhentos, foi o deputado Eduardo Bolsonaro quem ficou ao lado do pai para testemunhar sua conversa com Trump e com seus principais assessores. Ernesto foi dispensado de ficar. Para atenuar sua humilhação, disseram-lhe que foi Trump que quis assim.

Luiz Carlos Azedo: A batalha da Previdência

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Militares, procuradores e magistrados terão de negociar com os políticos um novo status previdenciário. Mesmo os partidos de esquerda que são contra a reforma do regime geral vão defender a eliminação de privilégios”

O governo deve enviar hoje à Câmara a proposta de reforma da Previdência dos militares, se é que pode ser chamada assim, porque se trata de um regime especial. A proposta será acompanhada de um novo quadro de carreira nas Forças Armadas, que supostamente aumentará os gastos do governo com o Exército, Marinha e Aeronáutica, mas, no encontro de contas, poderá chegar a uma economia de R$ 13 bilhões ao longo de 10 anos, segundo inconfidência do vice-presidente Hamilton Mourão, que depois voltou atrás nas suas declarações.

Nos bastidores do Ministério da Defesa, de onde partiu a proposta, houve muita discussão sobre o impacto das mudanças para os militares de baixa patente e da alta oficialidade. Há divergências ainda, que serão dirimidas pelo presidente Jair Bolsonaro, que volta hoje dos Estados Unidos. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, em reunião com a bancada do MDB, não deu maiores informações sobre o assunto. Nos cálculos iniciais da equipe econômica, havia expectativa de que se poderia chegar a R$ 92,3 bilhões de economia com as mudanças nas regras dos militares. Mas parece que o ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a queda de braço.

Militares argumentam que não se aposentam, passam para a inatividade remunerada. Para garantir esse benefício, com a mudança, integrantes das Forças Armadas teriam de contribuir para o sistema por 35 anos. Atualmente, são 30 anos. Além do maior tempo de contribuição, a alíquota dos militares deve passar dos atuais 7,5% para 10,5%. Os pensionistas de militares, que são isentos de contribuição, também pagarão inicialmente 7,5%, mas essa contribuição deve subir um ponto percentual por ano, até atingir 10,5%. O desconto sobre as pensões chegará a 14%, levando em conta as deduções de 3,5% para serviços de saúde.

Tudo isso depende de Bolsonaro bater o martelo. Durante 30 anos, o presidente da República foi o principal defensor dos soldos militares e sempre votou contra a reforma da Previdência. Não à toa que o eixo principal de sua base eleitoral são os militares e policiais-militares, além de outras corporações ligadas à segurança pública, que hoje estão com forte representação no Congresso. Quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobra empenho do governo na articulação da reforma, mira a necessidade de conter o lobby desses segmentos contrariados. Ninguém tem mais prestígio junto a esses setores do que o presidente da República.

Mudança na Previdência prejudicará mais pobres, dizem servidores

Estudo de corporações aponta que 75% da economia com reforma recairá sobre renda baixa

Mariana Carneiro / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O principal argumento do governo em defesa da reforma da Previdência será confrontado pelas entidades que representam os servidores públicos.

As corporações pretendem desmontar a tese de que a atual reforma eliminará privilégios.

Segundo as entidades, as mudanças propostas pelo governo atingirão prioritariamente trabalhadores da iniciativa privada de renda baixa, pessoas em situação de miséria e trabalhadores rurais.

Hoje, os aposentados nessas condições somam 35 milhões de pessoas.

O presidente da Fenafisco (federação que reúne os auditores das receitas estaduais), Charles Alcântara, afirma que 75% da economia prevista com a reforma recairá sobre estes grupos.

“É preciso que o governo aponte exatamente quais são os privilégios que pretende combater com a reforma”, diz.

Os números foram levantados por economistas liderados pelo doutor em economia e professor da Unicamp Eduardo Fagnani, e serão apresentados no lançamento da frente parlamentar de oposição à reforma nesta quarta-feira (20), que tem o apoio de 87 entidades que representam servidores e trabalhadores, entre as quais as principais centrais sindicais.

O levantamento foi encomendado pela Anfip (associação que reúne os auditores da Receita) e pela Fenafisco.

O insumo são as projeções de economia feitas pelo próprio governo com a reforma, de R$ 1,165 trilhão em dez anos.

Deste total, R$ 715 bilhões virão de mudanças nas regras de aposentadoria para trabalhadores da iniciativa privada (RGPS) e do campo.

Outros R$ 182 bilhões serão obtidos com mudanças nas regras para idosos miseráveis e no abono salarial.

Para as corporações, os números são uma evidência de que a maior parte da economia virá destes segmentos da sociedade e, portanto, não é verdadeiro o argumento de que a reforma vai combater privilégios.

É ressaltado ainda que, entre os aposentados do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), 86% recebem até três salários mínimos (cerca de R$ 3.000), distantes do que se pode chamar de privilegiados.

As corporações não citam, porém, que o governo prevê economizar R$ 173 bilhões apenas com as mudanças de regras para os servidores federais.

Sem contar com o funcionalismo dos estados, que também serão tocados pela reforma.

É este o grupo de privilegiados na mira do governo e explica a oposição dura das corporações à reforma.

Ao invés de mudanças no regime de aposentadorias, as entidades entoam o discurso em defesa do que consideram ser uma “reforma tributária solidária”.

Elas sugerem que as alíquotas de Imposto de Renda para quem ganha mais de 40 salários mínimos mensais (cerca de R$ 40.000) subam de 27,5% para 35% e para 40% (no caso de rendimento mensal superior a 60 mínimos mensais).

As mudanças de ordem tributária atingiriam um universo menor de pessoas (750 mil) e produziriam, segundo os cálculos das entidades, uma economia de R$ 1,570 trilhão em dez anos, mais do que o previsto com a reforma da Previdência.

‘Pode espernear à vontade’, diz Moraes sobre inquérito do STF

Investigação aberta por Toffoli sobre ataques à Corte causou divergências e foi criticada até por colegas do tribunal

Carolina Brígido / O Globo

BRASÍLIA - Designado para presidir as investigações sobre os ataques ao STF, o ministro Alexandre de Moraes minimizou as críticas do Ministério Público à abertura do inquérito. “Pode espernear à vontade. Nós vamos prosseguir com a investigação.” Designado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, para presidir o inquérito aberto para investigar ataques à Corte, o ministro Alexandre de Moraes minimizou as críticas do Ministério Público (MP) à abertura da investigação.

O procedimento foi aberto para apurar “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações” envolvendo a Corte. Segundo procuradores da República, a investigação não poderia ter sido aberta “de ofício” por Toffoli, sem que o MP pedisse a instauração das investigações.

—No direito, a gente fala é que o “jus esperniandi”, o direito de espernear. Pode espernear à vontade, pode criticar à vontade. Quem interpreta o Regimento do Supremo é o Supremo. O presidente abriu (o inquérito), o Regimento autoriza. Nós vamos prosseguir com a investigação —afirmou.

Na sexta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou petição ao STF pedindo a Moraes informações sobre o inquérito. Ela questionou o fato de que as apurações não terão a participação da PGR, e argumentou que a função de investigar não faz parte das competências do Judiciário, o que poderia comprometer a imparcialidade do processo.

Ontem, Moraes encontrou-se com Dodge, mas negou que tenha tratado do assunto com ela. O ministro contou que pediu a ajuda dos setores de inteligência da Polícia Militar e da Polícia Civil de São Paulo. Juntos com a inteligência da Polícia Federal, os órgãos vão investigar a atuação de “robôs” no WhatsApp e no Twitter criados para atacar o tribunal.

— Essa rede alguém paga, alguém financia por algum motivo. Aqui, é a desestabilização de uma instituição republicana. O que vem se pretendendo é desestabilizar o STF, ou seja, o Poder Judiciário —afirmou.

Segundo o ministro, os órgãos de segurança de São Paulo foram escolhidos pela experiência que tem e também por que haveria “forte suspeita” de que os grupos de financiamento maiores estão no estado.

— Há ataques que pregam dar um tiro na cabeça de ministro do Supremo. Não são essas acusações covardes por trás de um computador, de um WhatsApp, que acabam virando crime. Mas, e isso é comprovado, tanto pela ciência medica pela criminal, é esse volume de acusações que acaba incentivando pessoas perturbadas a eventualmente dar uma facada, um tiro —disse.

Polícia de SP vai auxiliar no inquérito sobre ataques a ministros do Supremo

Suspeita é de que maiores grupos de financiamento de hostilidades a magistrados da Corte máxima estão localizados em São Paulo

Amanda Pupo / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante de ‘fortes suspeitas’ de que os maiores grupos de financiamento de ataque a ministros do Supremo Tribunal Federal estão localizados em São Paulo, a Polícia Civil paulista irá auxiliar no andamento do inquérito aberto pela Corte para apurar notícias falsas e ataques a seus magistrados, juntamente da Polícia Federal.

As informações foram repassadas nesta terça-feira, 19, pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, em conversa com jornalistas.

Segundo o ministro, foi pedido à Polícia Civil de São Paulo um delegado especializado na área da internet para colaborar com as investigações, que estão atrás de redes de ‘robôs, WhatsApp, Twitter’ que ‘alguém paga e financia por algum motivo’, apontou o ministro.

Moraes afirmou que, dessa forma, será possível verificar se ‘são ataques esparsos ou não’.

Segundo o ministro, há uma rede de ataques que pregam atos de violência contra integrantes do STF, permeada por manifestações como ‘dar um tiro na cabeça de ministro’ e ‘vamos à sessão para matar os ministros’.

“Tenho experiência na área para saber que não são essas acusações covardes por trás de computador, WhatsApp, que acabam virando crime. Mas é comprovado pela ciência médica e criminal que são essas acusações que acabam incentivando pessoas perturbadas (a cometerem atos de violência)“, disse Moraes.

‘Espernear’. Alvo de críticas da Procuradoria-Geral da República e de membros do Ministério Público, o inquérito foi aberto na semana passada por ordem do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, durante o julgamento que definiu a competência da Justiça Eleitoral para processos crimes como corrupção quando há conexão com delitos eleitorais.

A decisão do STF foi fortemente atacada em manifestações de procuradores da República – algumas acabaram entrando no escopo do inquérito relatado por Moraes.

O ministro rebateu as reclamações do Ministério Público sobre a abertura da investigação. Para a Procuradoria-Geral da República, a decisão afeta a imparcialidade que é esperada do Poder Judiciário.

“Podem espernear à vontade, criticar à vontade, quem interpreta o regimento do STF é o STF, presidente abriu o inquérito, o Regimento autoriza e nós vamos prosseguir”, enfatizou o ministro. Para Moraes, não se pode permitir ataque às instituições porque não se ‘gosta de uma decisão (do STF)’.

“Aí prega o fechamento da instituição, prega morte de ministros, familiares.”

O ministro entende que essas manifestações extrapolaram a liberdade de expressão. “Ela não comporta a quebra da normalidade democrática e discurso de ódio.”

Pressionado, Alcolumbre resiste à CPI da Lava Toga

Senadores apresentam novo pedido para investigar ‘ativismo judicial’ em tribunais superiores; presidente da Casa diz que iniciativa ‘não vai fazer bem’ para o País

Teo Cury, Vera Rosa e Naira Trindade / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Eleito com um discurso de alternativa à chamada “velha política” e com a ajuda das mídias sociais, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), contraria agora a “voz das redes” para barrar a chamada CPI da Lava Toga, cujo pedido foi protocolado nesta terça-feira, 19, na Casa com a assinatura de 29 senadores – duas a mais que o necessário. Alcolumbre foi aconselhado pelo Palácio do Planalto a segurar a CPI, sob a justificativa de que o tema vai paralisar a pauta do Senado e a tramitação da reforma da Previdência.

O receio do governo é o de que a CPI desvie a atenção das mudanças nas regras para a aposentadoria, proposta que hoje está na Câmara e é considerada prioritária pela equipe econômica para o ajuste das contas públicas. Além disso, há uma avaliação de que, uma vez instalada, a CPI pode perder o controle sobre informações e quebras de sigilo de ministros do Supremo Tribunal Federal.

“Uma CPI do Judiciário não vai fazer bem para o Brasil”, afirmou Alcolumbre, na segunda-feira, 18, durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Nesta terfça-feira, ele voltou ao tema. “O meu posicionamento em relação a esta CPI é a favor do Brasil. Quero deixar claro que nós não aceitaremos interferência de outro Poder, mas o País não pode criar um conflito entre as instituições. Estamos vivendo um momento delicado da história nacional, no qual as instituições precisam estar fortalecidas e a harmonia entre os Poderes deve prevalecer.”

O presidente do Senado é alvo de duas investigações no Supremo. As apurações se referem a uso de documento falso e de notas fiscais frias para prestação de contas, além de ausência de comprovantes bancários e contratação de serviços posterior à data das eleições. Na prática, os dois casos começaram a ser apurados no Tribunal Regional Eleitoral do Amapá, onde foram arquivados. A Procuradoria-Geral da República, porém, pediu ao Supremo a abertura das investigações, em 2016 e 2018.

Alcolumbre sinaliza arquivamento de CPI do Judiciário

Presidente do Senado avalia que pedido de instauração de investigação sobre tribunais superiores fere regimento interno

Amanda Almeida e Marco Grillo / O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sinalizou ontem à noite que arquivará o pedido de instauração de uma CPI dos Tribunais Superiores, protocolado ontem pelo senador Alessandro Vieira (PPS-SE) com a assinatura de outros 28 senadores.

Alcolumbre argumentou que o Regimento Interno do Senado não admite CPIs sobre “matérias pertinentes a atribuições do Judiciário”, conforme definiu alguns dos fatos usados como justificativa para o pedido de instauração da CPI.

— Uma análise prévia feita por advogados e consultores do Senado apontou que são inconstitucionais alguns dos motivos apontados para a criação. Diante do impasse, onde alguns itens apresentados podem conter vícios no que diz respeito ao fato determinado, vou tomar a providência que o presidente do Senado tem de tomar: se não há fato determinado, autorizar o recolhimento de novas assinaturas dos fatos determinados que possam de fato cumprir o que é estabelecido na Constituição — escreveu, em uma rede social.

Segundo a análise preliminar do corpo técnico da Casa, há, entre os 13 “fatos determinados” que baseiam o pedido de CPI, alguns que não poderiam ser objeto de investigação, como o mérito de decisões de magistrados. Na noite de segunda-feira, em entrevista ao programa “Roda Viva”, Alcolumbre já havia se posicionado pessoalmente contra a realização da CPI.

—Não vejo nesse momento uma CPI do Judiciário e dos tribunais superiores. Não vai fazer bem para o Brasil —afirmou.

Com a indefinição jurídica sobre alguns dos pontos apresentados no pedido de instauração da CPI, havia a preocupação de que a comissão fosse paralisada por decisão da Justiça posteriormente.

— Faço questão de dizer que não estou me negando a ler o pedido de criação da CPI e que até mesmo um novo pedido pode ser formulado com os fatos determinados que forem apontados pelo estudo técnico encomendado aos consultores do Senado —completou Alcolmubre.

Supremo coloca uma pedra no caminho da Lava-Jato: Editorial / Valor Econômico

O quinto ano de existência da Operação Lava-Jato foi marcado por uma série de reveses dos procuradores de Curitiba. O temor sempre presente no MPF era o de que uma revanche contra as investigações que as dificultassem viria do Congresso a qualquer momento. No entanto, a reação veio do Supremo Tribunal Federal, em parte motivada pelo fato de os procuradores exorbitarem sua esfera de atuação e tentarem impor suas interpretações legais ao STF. A disputa entre procuradores e Supremo não é boa para ambos e acabará prejudicando a eficácia da Lava-Jato. Ao julgar que os crimes de caixa dois, mesmo que a ele estejam conexos outros crimes, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, o STF ateve-se ao espírito da lei e do Código Eleitoral (artigo 350).

Os procuradores de Curitiba acabaram desistindo do que não poderiam fazer - criar uma fundação com dinheiro advindo de acordo que resultou em pagamento de indenização da Petrobras ao governo americano - e ainda tiveram de ouvir uma dura argumentação contrária da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Depois, o STF, em votação apertada (6 a favor e 5 contrários) manteve processos envolvendo caixa dois na Justiça Eleitoral, mas o tom das ponderações foi inusual. Procuradores disseram que eventual decisão indicando a Justiça Eleitoral como leito natural desses processos poderia pôr fim à Lava-Jato. Ganharam em troca impropérios e uma investigação determinada pelo Supremo.

Perdendo mais uma vez a compostura, o ministro Gilmar Mendes chamou os procuradores de "canalhas" e "cretinos". O presidente do Supremo, Dias Toffoli, fez uma emenda tão ruim quanto o soneto. Determinou a abertura de uma problemática investigação destinada a encontrar os responsáveis pelo que qualificou de "assassinato de reputações", impulsionada por "interesses escusos". O inquérito terá como relator o ministro Alexandre de Moraes e será, por motivos inexplicáveis, de caráter sigiloso. A lei manda que o inquérito siga para a PGR e o relator deveria ter sido sorteado, não indicado.

O objeto das investigações caminha no pantanoso terreno de distinguir o que é o direito de expressão e de opinião e o que é calúnia, injúria e difamação. Entre os possíveis alvos de um objeto tão amplo podem estar procuradores da Lava-Jato que têm manifestado suas opiniões com veemência, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor. Auditores da Receita que apuram possíveis irregularidades cometidas pelas esposas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e que vazaram ilegalmente a informação, também. Para completar a polêmica, há muitos deputados e apoiadores do PSL, partido do presidente, que consideraram trágica a decisão do STF sobre caixa dois e querem criar uma CPI da "Lava-Toga".

Tropeçando na Casa Branca: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de responder à imprensa internacional, no jardim da Casa Branca, se o Brasil apoiará ou deixará de apoiar uma ação militar dos Estados Unidos contra a Venezuela. “Tem certas questões que, se você divulgar, deixam de ser estratégicas”, disse o presidente em resposta à pergunta. “É uma questão de estratégia”, acrescentou pouco adiante. “Tudo que tratamos aqui será honrado.” Antes, o presidente Donald Trump havia repetido sua declaração mais conhecida a respeito das possíveis ações contra o governo do ditador Nicolás Maduro: “Todas as opções estão sobre a mesa”. Nenhum dos dois detalhou a conversa sobre a questão venezuelana nem revelou compromissos a serem honrados. Nessa altura, o presidente brasileiro já havia deixado de esclarecer se o governo brasileiro permitirá a instalação de uma base militar americana no País. Contornou a questão, lembrando o uso do território brasileiro para o envio de ajuda humanitária, e apenas admitiu: “No que for possível fazermos juntos para solucionar o problema da ditadura venezuelana, o Brasil estará a postos”.

Os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro falaram aos jornalistas no jardim da Casa Branca depois de uma reunião fechada. Além do mal explicado compromisso de cooperação contra a ditadura venezuelana, apresentaram um balanço das conversações entre a delegação brasileira e as autoridades americanas.

O presidente dos Estados Unidos anunciou a intenção de apoiar o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem explicar, no entanto, se haverá condições. Na véspera, o principal negociador comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, havia imposto uma condição ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Para entrar na OCDE o Brasil terá de renunciar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), ao tratamento especial concedido a economias emergentes e em desenvolvimento.

Sem recíproca: Editorial / Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro deixa de exigir visto para visitantes de EUA e outros três países; alegados ganhos para o turismo são no mínimo duvidosos

Em decisão que contraria décadas de estratégia diplomática brasileira, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) eliminou, sem exigir contrapartidas, a necessidade de visto de entrada para cidadãos de Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão.

A medida, publicada na segunda-feira (18) em edição extra do Diário Oficial, entra em vigor em 17 de junho e beneficia visitantes desses países por motivo de turismo, negócios, trânsito e atividades artísticas ou esportivas. Para eles, não será mais necessário pedir visto nos consulados brasileiros.

O anúncio coincide com a visita de Bolsonaro ao colega americano Donald Trump, que tem dificultado a entrada de estrangeiros ao seu país. Algumas das regras implantadas durante o mandato do republicano afetaram brasileiros, como a exigência de entrevista para idosos de até 79 anos —antes, havia isenção a partir dos 66 anos.

Até recentemente, o Brasil colocava o fim dos vistos para seus cidadãos na mesa de negociação com os EUA. Um dos principais argumentos era que, historicamente, a imensa maioria dos brasileiros tem a entrada autorizada, mesmo durante a recente recessão.

Supremo tem seus limites institucionais: Editorial / O Globo

Parte da Corte considera que Tribunal não pode ele mesmo investigar, acusar e julgar

O Poder Judiciário não ficaria à margem do processo de modernização por que passa o país desde a redemocratização, institucionalizada pela Constituição de 1988, e iniciada três anos antes com o fim da ditadura militar. Recuperados os espaços da democracia, as instituições passaram a evoluir.

A imagem de um conjunto de torres de marfim que foi criada sobre a Justiça vai ficando para trás à medida que a nação avança no estado democrático de direito, e os naturais conflitos surgidos numa sociedade complexa são mediados em tribunais revitalizados por novas gerações de magistrados, assim como de procuradores, e tornados mais eficazes por meio de modernização do arcabouço jurídico do país e administrativa. O Supremo Tribunal Federal começou a ocupar espaços na avaliação de temas candentes para a nação, como o combate à corrupção, e a tomar decisões corretas sobre toda uma agenda de cunho social, passando a atrair a atenção da sociedade como talvez nunca na sua história secular.

É neste contexto que se instala rica polêmica sobre a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, de, na quinta-feira passada, anunciar a abertura de inquérito, e já nomear um relator, ministro Alexandre de Moraes, para investigar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças (..) que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.

Alguns ministros, privadamente, se declararam surpresos. Primeiro, porque, confidenciaram, não foram consultados; depois, pela discordância das bases legais do inquérito.

Pablo Neruda: Cavalo dos Sonhos

Desnecessário, me olhando nos espelhos,
com um gosto de semanas, de biógrafos, de papeis
arranco do meu coração o capitão inferno,
estabeleço clausulas indiferentemente tristes.
Vago de um ponto a outro, absorvo ilusões,
converso com os alfaiates nos seus ninhos:
eles, frequentemente, com voz fatal e fria
cantam e os males espantam.

Juan Manuel Serrat: Caminante no hay Camino