quarta-feira, 10 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Lula se livra de condenações e recupera direitos políticos – Opinião / Valor Econômico

O presidente teria de fazer a coisa certa no campo econômico a partir de agora

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal, tomou uma decisão paradoxal, dentre a coleção de paradoxos da jurisprudência da Corte em relação à Operação Lava-Jato. Resolveu adotar o ponto de vista que derrotou o seu ao longo da sessões da Segunda Turma: as denúncias contra o ex-presidente Lula constantes de quatro processos, não poderia ter foro em Curitiba, sob o juiz Sergio Moro. Por incompetência de juízo, as duas condenações de Lula no caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia foram anuladas, assim como processos sobre contribuições de empreiteiras para o Instituto Lula e a compra de um terreno para a instituição. Lula recuperou seus direitos políticos e deverá ser candidato à Presidência novamente.

Na labiríntica legislação brasileira, depois de duas condenações em segunda instância e um ano e meio de prisão de Lula, descobriu-se que ele sequer poderia ter sido julgado aonde foi. Fachin não emitiu juízo de valor sobre as acusações e provas contra Lula, mas apenas sobre os procedimentos incorretos - o calvário de outras operações contra a corrupção, como Castelo de Areia e Satiagraha. Ele encaminhou os processos para a Justiça Federal do Distrito Federal, onde eles poderão ser reaproveitados ou reiniciar a partir do zero. Fachin tentou preservar o legado de decisões da Lava-Jato e impedir que a Segunda Turma, onde a trinca Gilmar Mendes-Ricardo Lewandowski-Kassio Nunes formou maioria contra as decisões da 13ª Vara de Curitiba, julgasse a suspeição do então juiz Moro.

A ação de Fachin preserva os processos contra Lula, mas deixa a porta aberta para que todos os outros que não tiveram conexão direta com a Petrobras, julgados por Moro tenham o mesmo destino dos do ex-presidente e sejam encaminhados ao juízo competente. Já a decisão de que Moro foi parcial pode trazer, no limite, a anulação massiva de processos. A maior operação anti-corrupção da história brasileira se tornou, segundo disse ontem Gilmar Mendes, um de seus algozes, “o maior escândalo judicial” que o país assistiu. O ocaso de Lula nas mãos de Moro deu lugar à ressurreição de Lula e o fim da saga do ex-juiz.

Vera Magalhães - Paredão falso no STF

- O Globo

Na segunda-feira, a expectativa era de que a coalizão de governadores e a intervenção branca do Congresso no Plano Nacional de Imunização poderiam suprimir poderes para a dupla Bolsonaro-Pazuello sabotar o país e dar algum rumo para o Titanic desgovernado no qual estamos enfiados rumando céleres para 3.000 mortes diárias por covid-19. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que havia coisas mais urgentes para tratar.

Do nada, o ministro Edson Fachin acordou de um sono de quatro anos em que é o relator da Lava-Jato na Corte e, alarmado, constatou: a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba não era, vejam só, o foro adequado para julgar o ex-presidente Lula. Foi tudo um lamentável engano, pelo qual ele infelizmente ficou preso, aliás em Curitiba, por 580 dias. Com o voto do próprio Fachin, esse distraído.

Metade das 46 páginas da decisão extemporânea do ministro é gasta para ele explicar o inexplicável: por que agora? E qual a extensão de sua decisão? Ele não diz. Talvez ainda não saiba.

Diante do inesperado, o ministro Gilmar Mendes resolveu abrir sua gaveta, espanar o pó e tirar de lá o HC da defesa de Lula que arguia a suspeição de Moro. O mesmo que Fachin esperava que fosse parar no triturador de papel diante da sua decisão.

Não só não foi como ele ameaça ficar isolado na Segunda Turma, uma vez que até a ministra Cármen Lúcia dá sinais de que votará com Gilmar, contra Moro.

Por que Fachin se expõe a tanto desgaste? Qual o cálculo de que anéis poderiam ser dados e dedos poupados com essa lambança?

E Gilmar Mendes, que nesta terça-feira repetiu a performance indignada de sempre contra a Lava-Jato, por que então aguardou mais de um ano com esse HC em seu gabinete? Se de um dia para outro já tinha um voto tão sólido e volumoso?

Nada para de pé na conduta do STF, em ziguezague há cinco anos na Lava-Jato, ao sabor não do Direito, mas das circunstâncias políticas.

Bernardo Mello Franco - Eleição sem tapetão

- O Globo

A anulação das sentenças de Sergio Moro recoloca Lula no centro da corrida ao Planalto. É um lugar que ele ocupa desde 1989, quando os brasileiros recuperaram o direito de votar para presidente.

Lula perdeu três eleições, venceu outras duas e foi impedido de concorrer pela sexta vez em 2018. A um mês e meio das urnas, ele liderava a disputa com 39% das intenções de voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, aparecia com 19% no Datafolha.

Nove dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura do petista com base na Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro assumiu a ponta e se elegeu com o pé nas costas, sem ir a debates e sem apresentar um plano de governo.

Nesta segunda-feira, o Supremo reconheceu que a condenação que afastou Lula das urnas foi irregular. O ex-presidente saiu do jogo pela caneta de um juiz que não tinha competência legal para julgá-lo.

Luiz Carlos Azedo - Como Getúlio e Perón

- Correio Braziliense

O PT mantém sua hegemonia nos movimentos sociais e elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados, mesmo com Haddad perdendo a eleição e Lula na cadeia

Livre das condenações, que foram anuladas pelo ministro Édson Fachin, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em vias de se lançar mais uma vez à disputa pela Presidência da República, o que faz desde 1989. Não concorreu em 2010, porque a Constituição não permite um terceiro mandato sucessivo, e em 2014, na reeleição de Dilma Rousseff, o que talvez seja o seu maior arrependimento, pois a petista não terminaria o mandato. Ao longo desse período, construiu um partido político que se envolveu em escândalos de corrupção, como o “mensalão” e o “petrolão”, mas revela grande resiliência. O PT mantém sua hegemonia nos movimentos sociais e elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados, mesmo com Fernando Haddad perdendo a eleição para o presidente Jair Bolsonaro. Lula estava na cadeia, não pode concorrer.

Desde a sua criação, em 1982, durante a reforma partidária protagonizada pelo presidente João Figueiredo, são quase quarenta anos de trajetória política, com o partido ocupando um espaço na sociedade brasileira que antes do golpe militar de 1964 fora dividido entre o PTB, o PCB e PSB. O PT reuniu sindicalistas, estudantes, militantes de comunidades eclesiais de base e ex-militantes de extrema-esquerda que participaram da luta armada contra o regime militar. Sua composição, ao longo dos anos, se alterou profundamente, mas a legenda continua sob comando da geração que fundou o partido.

Ricardo Noblat - O que o futuro pode reservar para Lula e Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

O presidente e seu labirinto

O que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal não é se há provas ou não de que Lula roubou e deixou que roubassem enquanto foi presidente da República. Isso já foi julgado na primeira, na segunda e na terceira instâncias da justiça que concluíram que sim.

Está em julgamento se na primeira instância, mais especificamente na 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo juiz Sergio Moro, houve dolo no recolhimento das provas. E se Moro e os procuradores da República prevaricaram.

Edson Fachin, ministro relator da Lava Jato no Supremo, entende que o juízo natural dos processos sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não era a 13ª Vara Federal de Curitiba – de resto, como sempre advogou a defesa de Lula sem jamais ter sido ouvida.

Por isso, Fachin anulou as condenações de Lula nos dois processos, remetendo-os a um juiz federal do Distrito Federal ainda não designado. Caberá ao juiz aceitar ou não as provas coletadas em Curitiba, pedir novas investigações ou arquivar os processos.

O plenário do Supremo, em breve, se debruçará sobre a decisão de Fachin para confirmá-la, reformá-la ou revogá-la. Deverá fazê-lo também sobre o que vier a decidir a Segunda Turma do tribunal que julga um pedido de Lula para que declare Moro suspeito.

O ministro Kássio Nunes, membro da Segundo Turma, pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. Dos cinco ministros da Segunda Turma, dois (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) votaram pela suspeição de Moro. Fachin votou contra.

A ministra Cármen Lúcia, que estava com seu voto pronto, preferiu esperar que Nunes devolva o processo e revele seu voto. Ela quer votar por último. Os pais de Nunes estão internados em um hospital com a Covid. Faltou-lhe tempo para preparar seu voto.

Em resumo, esses são os fatos. Uma vez que Fachin anulou as condenações de Lula, o ex-presidente deixou de ser ficha suja, recuperou seus direitos políticos e pode ser candidato no ano que vem. Aqui entram em cena as considerações políticas.

Se chegar às vésperas das próximas eleições sem ter sido condenado outra vez na primeira instância e na segunda, Lula é o candidato favorito a enfrentar o presidente Bolsonaro no segundo turno. Hoje, pelo menos, são eles que detêm maior capital político.

Rosângela Bittar - A tragédia e a ópera bufa

- O Estado de S. Paulo

 O eleitorado poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto

Duas insistentes questões estão postas. 

Primeira: há cinco anos, a tese processual sobre o foro da Lava Jato foi levantada. Por que ressurgiu, logo agora? A decisão do ministro Edson Fachin, invocando-a, ocorreu quando o seu colega Gilmar Mendes já se preparava para relatar, na Segunda Turma do STF, o que fez ontem, a ação que contesta a imparcialidade do juiz Sérgio Moro no julgamento dos processos do ex-presidente Lula. 

Fachin atropelou Gilmar. Aproveitando uma sonolenta tarde de segunda-feira, 8 de março, o surpreendeu com sua decisão monocrática. Precipitou-se para não perder a chance de ser o autor da última palavra. 

Na concepção do seu voto, Lula ganha a vantagem de reaver seus direitos políticos, com a possibilidade de se candidatar, graças à anulação das sentenças proferidas em Curitiba. E Moro se livra do julgamento da parcialidade. Já na linha de Gilmar, ao votar pela suspeição de Moro, são beneficiados, além de Lula, parlamentares e empresários condenados pelo juiz. 

A segunda questão: ao contrário da primeira, não terá resposta imediata. O que significam estas decisões para os que propõem uma alternativa ao confronto Lula-Bolsonaro na sucessão de 2022? 

Os dois candidatos caracterizam o confronto radical. A polarização já está nas ruas e nas redes, mas ainda não está na política. A conjuntura é nova, mas não definitiva. Um quadro em processo de construção, portanto, ainda instável. 

Entrevista | Gabeira: ‘Declaração da parcialidade de Moro decreta também o enterro sem honras da Lava Jato’

Ex-deputado e jornalista diz que estratégia de tentar reduzir danos à operação fracassou, e fala em 'incógnita' sobre 2022

Eduardo Kattah / O Estado de S. Paulo

Na opinião do ex-deputado federal e jornalista Fernando Gabeira, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular os processos relativos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato em Curitiba foi uma tentativa de reduzir os danos causados à Lava Jato, mas a estratégia, aparentemente, fracassou.

Para ele, se o ex-juiz titular da 13ª Vara Criminal na capital paranaense for declarado suspeito pela Segunda Turma da Corte a operação – que considera uma das mais produtivas no combate à corrupção – será enterrada “sem honras”. Gabeira considera que a forma como Lula irá se colocar em 2022 “ainda é uma incógnita”. 

O que representa a decisão do ministro Fachin de declarar a nulidade dos processos que envolvem o ex-presidente Lula na Lava Jato em Curitiba? 

A decisão do Fachin ao julgar a incompetência de Curitiba foi uma tentativa de evitar mais estragos na Lava Jato caso Moro fosse considerado parcial. Parece que a estratégia fracassou. No caso da parcialidade de Moro, os processos recomeçam do zero e vão surgir novos recursos de outros acusados. 

O que significa a manutenção do julgamento da 2ª Turma do Supremo sobre a suspeição de Moro no caso do triplex? 

A julgar pelo voto de Gilmar Mendes, que é o adversário mais antigo e consistente da operação, a declaração da parcialidade de Moro decreta também o enterro sem honras da Lava Jato, que foi umas  das mais produtivas, considerando que outras operações contra a corrupção, como Satiagraha e Castelo de Areia, nem sequer decolaram.

Moro ainda é um ator com protagonismo na cena eleitoral do próximo ano? 

Moro mantém um alto nível de popularidade, mas parece não ser vocacionado para a política.

Entrevista | João Doria: 'Polarização favorece os extremistas que destroem o País'

Cotado para 2022, governador de São Paulo diz em entrevista que forças de centro não serão engolidas se tiverem 'juízo'

Pedro Venceslau /  O Estado de S. Paulo

Apontado como um dos presidenciáveis do PSDB - o outro é o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite -, o governador de São Paulo, João Doria, disse em entrevista ao Estadão que, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirme a disposição de disputar o Palácio do Planalto em 2022, o cenário eleitoral vai mudar, mas as forças de centro não serão engolidas se "tiverem juízo".

Doria não descarta até a possibilidade de o PSDB apoiar um outro nome na disputa presidencial do ano que vem: "Nada deve ser excluído. Uma aliança pelo Brasil não pode estabelecer prerrogativas de nomes".

Como a decisão do ministro Edson Fachin que devolveu os direitos políticos ao ex-presidente Lula impacta o campo político do centro?

Primeiro é preciso saber se o presidente Lula será candidato. A medida do Supremo traz um impacto muito grande no mundo da política, mas é preciso saber se o presidente Lula tem disposição. Se ele confirmar que será candidato em 2022, então o cenário político para a sucessão presidencial muda. 

Muda como? 

Estabelece desde já a polarização extremista entre Bolsonaro e Lula, que é o que mais deseja o atual presidente.

A polarização também interessa ao Lula? 

Ao Lula resta saber. Ao Bolsonaro eu tenho certeza. Tem que perguntar para ele. 

Com Lula no tabuleiro eleitoral, as forças de centro precisam acelerar a escolha de um nome? 

A polarização favorece os extremistas que destroem o País. Já destruíram uma vez e estão completando o serviço com Bolsonaro. Portanto vejo como um impacto positivo para o centro democrático estar unido na defesa de um programa de governo que salve o Brasil dos extremistas. 

Por que o impacto é positivo? 

É preciso ver se os russos vão jogar a partida. Está todo mundo supondo. Caso o presidente Lula tome a decisão de ser candidato, se configura uma conflagração para a eleição de 2022 de alto risco para o Brasil. O extremismo não traz uma solução conciliadora diante da pandemia e da gravidade dos efeitos na economia. 

Teme que o centro seja engolido por essa polarização? 

Se tiver juízo, não. 

E o que significa ter juízo?

Capacidade de dialogar, formular um programa econômico e social para o Brasil e escolher um candidato que seja competitivo para disputar a eleição e, ao vencer, governar a Nação. Não basta a análise de popularidade, que é parte do processo. É preciso conciliar popularidade com capacidade. De nada vai adiantar ter um popular na Presidência da República que seja incapaz. 

Hélio Schwartsman - Qual Lula será candidato em 2022?

- Folha de S. Paulo

Ele já deu repetidas mostras de que é um camaleão político

Ao que tudo indica, Luiz Inácio Lula da Silva poderá concorrer à Presidência no ano que vem. Isso altera significativamente os planos de candidatos e partidos que já começavam a desenhar cenários para o próximo pleito.

Na leitura mais superficial, mas não necessariamente errada, o retorno do petista ao jogo reforça a polarização. Os beneficiados seriam o próprio Lula e seu antípoda, o presidente Jair Bolsonaro, que, mobilizando seus núcleos de apoiadores fiéis e demonizando os adversários, carimbariam seus passaportes para o segundo turno, fechando as portas para candidaturas mais ao centro.

O problema com essa interpretação é que ela parte do pressuposto de que o Lula de 2022 será um Lula radical, parecido com o que se candidatou em 1989 ou com o que discursou às vésperas de ser preso pela Lava Jato em 2018. Mas não há nenhuma garantia de que tal premissa se manterá.

Bruno Boghossian – A covardia do tribunal

- Folha de S. Paulo

Por anos, operação usou métodos questionados pelo tribunal sem ser incomodada

Num voto de 102 páginas, Gilmar Mendes disse que a força-tarefa da Lava Jato criou "o maior escândalo judicial" do país. O Supremo conhece há tempos os métodos da operação, mas só se dispôs a passar a história a limpo agora, sete anos depois que a investigação começou.

As últimas 48 horas dão pistas dos motivos do atraso. A manobra de Edson Fachin para evitar o julgamento da suspeição de Sergio Moro reflete a covardia do tribunal na hora de enfrentar os fantasmas da operação. Já o movimento de Gilmar ao reabrir uma ação que dormiu em sua gaveta por dois anos é um exemplo dos desvios da política interna da corte.

Fachin agiu de surpresa na segunda (8) e anulou os processos da Lava Jato em Curitiba contra Lula. O objetivo do ministro ficou claro no dia seguinte, quando ele citou a própria decisão para tentar barrar o julgamento de uma das ações que questionam a atuação de Moro como juiz.

Ruy Castro - A Lei de Murphy ataca

- Folha de S. Paulo

Alguns enunciados clássicos para sua consideração em meio ao tiroteio entre ministros do STF

Você conhece o enunciado: "Se alguma coisa tem chance de dar errado, dará". É a Lei de Murphy, um sistema de pensamento sugerido sem querer, em 1948, pelo engenheiro Edward Murphy (1918-1990), num laboratório espacial quando testava um sistema de frenagem de foguetes. A frase foi ouvida pelo coronel J.P. Stapp, que a transformou em lei e criou um de seus primeiros corolários: "Se alguma coisa tem chance de dar errado, dará —e na pior hora". Em 1974, o escritor Arthur Bloch expandiu-a em dezenas de variações que, por sua vez, também ganharam adaptações em toda parte. Para sua reflexão nesses dias de tiroteio de decisões entre os ministros do STF, eis algumas.

"Nada é tão ruim que não possa piorar." "Toda solução cria novos problemas." "Se há possibilidade de várias coisas darem errado, dará errado a que causar mais problemas." "Problemas complexos têm soluções simples, de fácil compreensão e erradas." "O homem que consegue sorrir quando alguma coisa dá errada é porque pensou em alguém em quem botar a culpa." "Quem ri por último é porque não entendeu a piada."

Vinicius Torres Freire – ‘Polarização’ é uma mentira da elite

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não pode ser um polo porque não tem substância alguma além do terror

Jair Bolsonaro tentou sabotar todas as providências de contenção de gastos da mudança “Emergencial” da Constituição, aquela que vai autorizar também o novo auxílio emergencial. De efeitos práticos maiores nas contas do governo, a PEC Emergencial vai impedir o aumento de gastos com servidores públicos por alguns anos e aumentar alguns impostos. Na verdade, a emenda vai exigir que se cancelem algumas reduções especiais de tributos para indivíduos e empresas, por meio de lei. Se a lei pegar, haverá um aumento de impostos de cerca de 0,2% do PIB por ano.

Bolsonaro queria cancelar tudo isso, mas até a noite desta terça-feira (9), os deputados haviam decidido deixar a PEC como foi aprovada no Senado (onde já havia sido amputada e lipoaspirada).

Esse é o presidente e futuro candidato à reeleição comprometido com as “reformas” e o “ajuste fiscal”? Esse que não fez abertura comercial. Nenhuma privatização. Quase nenhuma concessão de empreendimento à iniciativa privada que não tivesse sido já preparada no governo Michel Temer. No seu governo, fez-se uma reforma da Previdência (em parte sabotada por Bolsonaro) que era consenso do establishment e que não contou com oposição popular quase nenhuma, nem da esquerda semimorta.

Esse é o candidato de um dos extremos da “polarização” que haverá caso Lula da Silva seja candidato em 2022, diz o clichê de burrice sórdida que escorre da boca dos povos dos mercados desde a segunda-feira.

Bolsonaro não é coisa alguma além de um projeto de tirano. Não é um contraponto ao “esquerdismo” do PT porque, afora o horror, é um vazio. Quem o sustenta no poder, a elite econômica quase inteira, por colaboracionismo, outras ações e omissão, não tem mais desculpa alguma de desilusão quanto ao liberalismo do capitão da extrema direita, ideia que sempre foi grotesca. A elite colaboracionista ou omissa ora está na posição de ter contratado um capanga que saiu do controle, um dos capatazes que chamou para manter o PT longe do poder. 

Elio Gaspari - Lula candidato

- O Globo / Folha de S. Paulo

O caroço migrou para a elegibilidade do ex-presidente

O ministro Edson Fachin sacudiu o coreto das autoridades anulando as sentenças de Curitiba contra o ex-presidente Lula, devolvendo-lhe os direitos políticos. Hoje, Lula pode ser candidato a presidente no ano que vem.

O voto de Gilmar Mendes na Segunda Turma ilustrou a suspeição de Sergio Moro. Com a decisão de Fachin, o caroço migrou para a elegibilidade de Lula e para o previsível desconforto que isso provoca em quem o detesta. Numa frase: “Esse não pode”.

Lula poderá vir a ser condenado por um novo juiz, mas a sentença ficará com cheiro de gol feito durante o replay.

O “esse não pode” já custou caro ao Brasil. Em 1950, o jornalista Carlos Lacerda escreveu:

—O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Getúlio foi eleito, tomou posse, governou até agosto de 1954, matou-se e entrou na História. A revolução que Lacerda queria só veio dez anos depois.

“Centro deve se unir com entrada de Lula”

Pré-candidato à Presidência pelo DEM, Mandetta diz que decisão de Fachin acelera definição de nomes de centro e direita

Por Cristiane Agostine / Valor Econômico

SÃO PAULO - Cotado como pré-candidato à Presidência pelo DEM, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirma que a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no jogo eleitoral de 2022 reduz o espaço para candidaturas de centro e de direita na eleição presidencial e tende a forçar os partidos desses campos políticos a se unirem em torno de um único nome.

O novo cenário eleitoral, diz Mandetta, também tem impacto no prazo para a escolha do candidato que deve ser lançado como a terceira via entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação do ex-ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, a definição da candidatura será acelerada e deve ser feita no segundo semestre deste ano.

O primeiro sinal dessa pressão sobre a escolha de um candidato de centro-direita depois da retomada dos direitos políticos do ex-presidente Lula se deu ontem, quando o PSDB - tradicional aliado do DEM- anunciou a realização de uma prévia para a escolha de um candidato tucano em 17 de outubro. Os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, são cotados como pré-candidatos tucanos.

Mandetta minimiza o fato de partidos de centro e de direita já articularem pré-candidaturas presidenciais próprias, como o PSDB, ou acenarem com possíveis alianças, como setores do DEM têm defendido com o presidente Bolsonaro. Para o ex-ministro, o espaço para a pulverização de candidaturas desse campo político, que havia em um cenário sem o ex-presidente petista, acabou. “O centro deve se unir com entrada de Lula. Com certeza”, afirma em entrevista ao Valor, ontem.

Fernando Exman - Fachin catalisa a eleição presidencial

- Valor Econômico

Decisão do ministro coloca Lula no jogo e antecipa campanha

Edson Fachin, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que recolocou Luiz Inácio Lula da Silva na lista de presidenciáveis com uma canetada, agiu olhando para o legado da Lava-Jato, mas as consequências de seu ato já se percebem no presente. Em relação ao futuro, será necessário aguardar para ver o quão determinante terá sido para o resultado das eleições a sua decisão de cancelar as condenações do ex-presidente.

Fachin provocou uma catálise no processo de rearranjo político-partidário previsto para o início do segundo semestre. A campanha presidencial de 2022, que já vinha sendo caracterizada como uma das mais precoces da história contemporânea, tende a antecipar-se ainda mais.

O episódio dá dinamismo à pré-campanha. Mesmo sem um pré-candidato em campo, o PT já formulava um programa antagônico à agenda liberal da equipe econômica e ensaiava palavra de ordem capaz de contrapor o slogan do governo Jair Bolsonaro: “A vacina acima de tudo.” Lula deixará a função de titereiro para dominar o palco.

Bolsonaro, o maior interessado em reeditar o clima da disputa de 2018, ainda observa os eventuais desdobramentos da decisão do magistrado. Precisará equilibrar-se na tênue linha que divide o que seus apoiadores esperam ouvir e o que pode dizer o chefe do Executivo sem criar atritos com outro Poder.

Cristiano Romero - O espetáculo da corrupção

- Valor Econômico

 Lava-Jato sofrerá novas perdas de reputação

Um famoso juiz federal perguntou certa vez a um jornalista sua opinião sobre vazamento de informações. Como todo repórter que vive da apuração de notícias, a resposta foi: “O vazamento me apraz”. Mas, para espanto e visível frustração do magistrado, o jornalista acrescentou: “Mas, como qualquer cidadão, não posso me coadunar com informações vazadas ilegalmente”.

A ética do jornalista, como ensinou o saudoso Claudio Abramo, não é nem deve ser diferente da ética do cidadão. “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista - não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão”, escreveu Abramo no livro “A Regra do Jogo: O Jornalismo e a Ética do Marceneiro” (Companhia das Letras, 1988).

 “Suponho que não se vá esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater a carteira e não ir para a cadeia”, acrescentou Abramo, um dos responsáveis pela modernização nas décadas de 1970 e 1989 da “Folha de S.Paulo”.

A pergunta do juiz perturbou o repórter porque ele percebeu que o magistrado ficou desapontado com sua resposta. A lembrança imediata, como sempre lhe ocorre quando colegas de profissão defendem a ideia de que os fins justificam os meios, foi das palavras de Claudio Abramo sobre a ética no jornalismo. Ele pensou com seus botões: “Para o juiz, sua ética não é a mesma do cidadão”.

A confusão na cabeça do profissional de imprensa estava instalada porque juiz é funcionário do Estado, pago para julgar se um crime foi cometido ou não e, com base nisso, manifestar se o acusado pela promotoria é culpado ou não, e então, no caso de condenação, estabelecer a pena, tudo com base nos parâmetros estabelecidos em leis.

Nilson Teixeira* - Quadro desolador no curto prazo

- Valor Econômico

Mantido o ritmo inicial da vacinação, só 18% da população adulta estará vacinada até junho. Isso é um desastre

A década passada foi perdida para o Brasil em termos de crescimento econômico. A contração do PIB de 4,1% e do consumo das famílias de 5,6% em 2020 só não foi maior graças aos estímulos monetários e fiscais, inclusive com a transferência de quase R$ 300 bilhões (4% do PIB) para cerca de 65 milhões de brasileiros.

Apesar das previsões de forte retomada global neste ano, os números referentes ao Brasil destoam desse comportamento. A mediana das projeções para o crescimento do PIB, segundo o Focus, é de 3,3% em 2021, 2,5% em 2022 e 2,5% em 2023. A previsão para 2021 é compatível com uma expansão trimestral média ligeiramente negativa em todos os trimestres de 2021, pois o carregamento estatístico para 2021 - crescimento nulo em todos os trimestres - é de 3,6%. Isso marcaria mais um ano perdido.

Uma dinâmica dessa natureza é condizente com uma abertura ainda maior do hiato do produto - estimativa de -4,6% da Macro Capital e de -3,9% do Banco Central, com ociosidade importante na capacidade instalada e no mercado de trabalho. Depois dos 11,9% de 2019 e dos 13,2% de 2020, a taxa de desemprego tende a aumentar neste ano - projeção da Macro Capital de 14,4%. Essa ampliação será função do reingresso de trabalhadores na força de trabalho em resposta ao esperado término das extensões do Auxílio Emergencial (AE).

Zeina Latif - A equação é mais complexa

- O Globo

O mercado financeiro iniciou o ano sem a mesma empolgação observada ao longo de 2020. Não sem razão. O sentimento resulta dos vários fatores que, conjuntamente, afastam as chances de recuperação da economia este ano - da grave crise na saúde à ausência de plano de ajuste fiscal.

Como se isso não bastasse, os ruídos causados pelo governo estão mais frequentes. Não era incomum o presidente recuar em manifestações mal recebidas pelo mercado financeiro e acenar com pautas reformistas. Seus recuos, porém, estão cada vez mais tímidos, frustrando investidores que anseiam por ações mais concretas.

É o caso do episódio de intervenção na Petrobras. É verdade que, desde então, Bolsonaro suavizou seu discurso e não reagiu aos dois ajustes de preços de combustíveis. O estrago está feito, no entanto. Foi-se a confiança do mercado.

Mal a fervura baixou, o presidente trabalhou para excluir o bolsa família da PEC Emergencial, segundo apurou a jornalista Adriana Fernandes, e recomendou preservar policiais do ajuste. Houve recuo, mas sem qualquer esforço para que a proposta trouxesse minimamente o esforço fiscal para o seu mandato.

Há ainda o silêncio diante das saídas de quadros importantes, como Wilson Ferreira Junior, da Eletrobras, e André Brandão, do Banco do Brasil.

O presidente segue testando limites. No equilíbrio entre, de um lado, ter ações visando a campanha eleitoral de 2022 e, de outro, acalmar investidores, acusados de pouco patriotas, a balança pende para medidas populistas e leniência com reformas. Assim, os preços de ativos se descolam ainda mais da dinâmica em países emergentes.

“Lula pode desestabilizar Bolsonaro”, diz cientista político

Para cientista político Octavio Amorim, volta de ex-presidente ao jogo eleitoral desorganiza todos os adversários ao Planalto em 2022 e pode provocar debandada do Centrão

09/03/2021 

Por Cristian Klein - Valor Econômico

RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral - com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou ontem as condenações ao petista na Lava-Jato - desequilibra todos os adversários do PT no tabuleiro da disputa à Presidência no próximo ano. Para o cientista político Octavio Amorim (FGV-Rio/Ebape), ao se tornar elegível novamente, Lula desorganiza tanto os concorrentes à esquerda, como o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), à extrema direita, como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quanto aqueles que articulam candidaturas pelo centro e pela centro-direita, entre eles o governador de São Paulo João Doria (PSDB), o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), a quem considera o mais promissor para furar a vislumbrada polarização entre petistas e bolsonaristas. A volta de Lula, aponta, tem também o condão de desarrumar o governo Bolsonaro, que pode dobrar a aposta no populismo e ter abalada a sustentação pelas elites financeiras.

Segundo Amorim, ainda resta espaço para o centro do espectro político se movimentar e lançar um nome competitivo para 2022, dada a alta rejeição a Lula e PT e a Bolsonaro. O problema é a falta de tempo e de lastro partidário, o que favorece os adversários já estabelecidos, afirma. Em sua opinião, Lula e PT agora têm “um bom domínio sobre o jogo”, com muitas cartas na manga. Longe de se anunciar imediatamente como pré-candidato, faz sentido para o ex-presidente e seu partido deixarem o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad circulando pelo país, como já vem fazendo, numa estratégia de atrapalhar os concorrentes. “Se o Haddad sumisse, seria a certeza de que o candidato é só o Lula. Mas para o PT o melhor jogo seria confundir os adversários”, diz.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Alimentando monstros e ressuscitando deuses

A barbearia fora fechada, por decreto, pelo governador. Cabisbaixos, os dois profissionais autônomos estavam sentados no passeio, do lado de fora, rodeados por alguns clientes. O fiscal passara por ali e cerrara as portas dos seus “ganha pão”. Cada um era pai de três crianças menores.  Não podiam parar de trabalhar, um dia sequer.  “Só dia 14!”, advertiu com ar superior o preposto do Estado.

O governador assinara um ato suspendendo as atividades econômicas, impondo, com ameaça de multa, o confinamento dos cidadãos por dez dias. Expunha-se a outra face do drama da pandemia. No dia seguinte, diante a repercussão negativa, o governador encenou sensibilidade, editando novos decretos, agora, contraditoriamente, permitindo a reabertura das portas das academias, dos bares e restaurantes.

Passado um dia mais, viria um terceiro ato, suspendendo novas atividades produtivas. Permitia, entretanto, reabrir coisas como   bancas de jornal. Os ginásios estavam fechados para o vôlei; mas os estádios abertos, com ressalvas, para o futebol.   Uma descoordenação total. Um vai e vem de ordens, uma desordem.  Os atos oficiais pareciam surfar pelas madrugadas num copo de whisky.

Atemorizada pelo aumento do número de mortos, a população assistia boquiaberta aquele solitário jogo de damas do governador. Seria o lockdown uma necessidade, de fato, diante das ameaças pandêmicas, ou uma mera expressão do seu auto empoderamento? Uma brincadeira de mal gosto ou uma corajosa tomada de decisão? Impressionava perceber como o governante podia tudo – era o tal poder que emanava do povo - , estando  bêbado ou não.  

O Presidente da República não fazia por menos: atropelava e desatropelava; agredia e contemporizava. Em um momento, anunciava a compra de uma vacina contra a pandemia, gerando esperanças; em seguida, o cancelamento. Já era outra a que interessava. Ministros e secretários de saúde se sucediam. Todos eram a favor do confinamento hoje. Mas, instantes depois, já se sentiam incomodados.

Stepan Nercessian mostra seu lado B em estreia como escritor

Cinquenta anos após começar na TV, ator ingressa na literatura com 'Garimpo de almas', romance que revela sua faceta menos irreverente, 'da qual não dava para ficar falando na mesa de botequim'

Silvio Essinger / O Globo

RIO - Stepan, o boa praça. Stepan, o irreverente. Mas que tal Stepan Nercessian, o literato? “As almas me procuram e delas não fujo”, escreve ele em seu primeiro romance, o recém-publicado “Garimpo de almas” (Tordesilhas). “Tal como os seres humanos, elas trazem aflições e dúvidas. Muitas choram, inconformadas com o que o destino lhes reservou. Outras brincam, galhofam e se aprazem em perturbar a vida alheia. E existem as prepotentes, tiranas, que querem impor ao mundo sua visão.”

Delírios, desemprego, depressão, bullying, escravidão, assassinos de aluguel, animais selvagens... tudo isso está nas histórias que o ator de 67 anos conta em sua narrativa fragmentada. “Garimpo” é um livro em que ele se move pelas paisagens interioranas da infância e pela cidade grande. Que lembra o tempo passado de um Brasil violento e navega por uma atualidade não muito diferente.

— As coisas que a gente imaginava enterradas voltam, porque foram enterradas em covas rasas, elas são como aqueles caixões que boiam nas enchentes — filosofa Stepan, em entrevista por telefone. — Eu tenho esse outro lado (menos alegre) do qual não dava para ficar falando na mesa de botequim, mas que eu precisava colocar para fora. Essa dualidade sempre existiu na minha vida.

Páginas na gaveta

A vontade de escrever um romance vinha de mais de 20 anos. Rendeu muitos rascunhos, textos deletados por engano e umas 20 páginas impressas que Stepan resgatou de uma gaveta em 2018. Foram essas últimas que acabaram servindo de ponto de partida para o “Garimpo de almas”.

— Usei umas oito dessas 20 páginas e o resto veio todo como coisa nova — conta ele, que daí em diante recorreu a um processo muito particular de costura de histórias para estruturar o livro. — Eu não conhecia técnicas ou regras para se fazer um romance, não sabia dizer nem quem deveria ou não ser o narrador, fui descobrindo isso enquanto escrevia. Eu brinco no livro que são as almas me pedindo para contar suas histórias. Escrevi tudo de uma vez só, uma coisa atrás da outra.

Prefaciado pelo cineasta Cacá Diegues (com quem Stepan fez o filme “Xica da Silva”em 1976), “Garimpo de almas” tem um trecho muito simbólico para Stepan, no qual um menino pergunta a si mesmo, quando velho, o que foi que ele fez com a sua vida.

Música | Samba em Prelúdio - Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho

 

Poesia | Antonio Machado - Cantares

Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar

Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão

Gosto de ver-los pintar-se
de sol e graná voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se...

Nunca persegui a glória

Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar

Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar...

Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar"...

Golpe a golpe, verso a verso...

Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe vieram chorar
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.