terça-feira, 30 de junho de 2020

Cristovam Buarque* - Esquecemos o povo

- Correio Braziliense 

Em recente reunião do Conselho da Editora do Senado, presidido pelo senador Randolfe Rodrigues, a conselheira Ana Luísa Escorel perguntou: “O que esquecemos de fazer para deixarmos o Brasil nesta situação, no lugar de termos construído uma nação condizente com o tamanho de nosso território e de nossa população, nossa riqueza natural e cultural?” Há muitas respostas complexas, mas uma simples: “Nós esquecemos o povo”.

Em 19 de novembro de 1889, o Brasil tinha 65% da população analfabeta, mas a nova bandeira da República foi desenhada com um lema escrito, deixando na ocasião 6 milhões de brasileiros esquecidos, incapazes de reconhecer a própria bandeira. Em 2020, a percentagem diminuiu, mas o número de analfabetos dobrou, são 12 milhões, apesar de dezenas de presidentes, centenas de ministros, milhares de deputados, senadores, governadores, milhões de universitários e intelectuais, muitos governos, de direita ou esquerda, ditatoriais ou democratas.

Ao longo desse período, pode-se estimar que de 25 a 30 milhões de brasileiros morreram adultos sem reconhecer a bandeira; mais de 100 milhões morreram sem capacidade e gosto para ler uma página inteira de um livro da história de seu país ou de qualquer outro livro. Ao longo da República, esquecemos de alfabetizar nosso povo. Além de não alfabetizar, deixamos a educação de base entre as piores e, provavelmente, a mais desigual no mundo, e quase toda a população sem a educação necessária para construir uma grande nação no século 21.

Merval Pereira - Pouco tempo

- O Globo

A tentativa de escapar da primeira instancia é tão evidente que sua defesa já tentava mudar o foro para o Supremo, alegando que Flávio Bolsonaro fora eleito senador. O STF recusou

As chances de o senador Flavio Bolsonaro conseguir que seu processo sobre a “rachadinha” continue na segunda instância no Rio de Janeiro são próximas de zero. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, defensor intransigente do fim do foro privilegiado, foi sorteado para relatar uma ação do partido Rede contra a decisão do TJ do Rio, - ele deve ficar também com a ação do Ministério Público do Rio -, mas qualquer dos ministros atuais tem a mesma posição, alguns até mais drásticas.

O ministro Marco Aurélio Mello, na reunião de maio de 2018 que decidiu, por unanimidade, restringir o foro privilegiado para deputados federais e senadores, parecia estar adivinhando a polêmica decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que devolveu o processo do senador Flavio Bolsonaro para a segunda instância do Poder Judiciário, contrariando a jurisprudência definida naquela sessão.

Ao apoiar o voto de relator Luis Roberto Barroso, divergiu quanto ao que chamou “perpetuação do foro”. Queria que ficasse explícito que, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

Na semana passada, quando da decisão do TJ do Rio, Marco Aurelio reagiu indignado: “É o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o Supremo decidiu isso, mas eu entendo de outra forma e aí se toca. Cada cabeça, uma sentença”. Na mesma linha, depois de ajustar seu voto à maioria, o hoje presidente do Supremo Dias Toffoli propôs naquela ocasião estender a todas as autoridades que tenham prerrogativa de julgamento em instâncias superiores, inclusive ministros do Supremo e do Ministerio Público, a restrição ao foro privilegiado.

Carlos Andreazza - O silêncio de Jair

- O Globo

Bolsonaro teria, momentaneamente, perdido o condão de dar as cartas e pautar o debate

Fato novo de verdade será se o recato atual de Jair Bolsonaro, ainda breve, tiver vindo para ficar. À luz da história de ascensão do bolsonarismo como fenômeno reacionário com ímpeto para a ruptura e ante a forma beligerante como esse projeto autocrático se expressou uma vez no poder: duvido. Porque a permanência do “Jairzinho Paz & Amor” equivaleria à inanição da base social — a sectária — que o sustentou até aqui, e que depende de conflitos constantes e da forja de inimigos artificiais para existir. A rigor: falo de um modo de existência por meio do qual a persona pública Bolsonaro existe.

Tomaria ele o risco de prescindir da parcela da sociedade — cerca de 15% — que lhe garante um piso de partida competitivo e que o tem apoiado de maneira irrestrita? E tomaria pelo quê?

Mais prudente seria supor que se trate de silêncio circunstancial condicionado por ocorrências recentes — um presidente de súbito, e brevemente, convertido à República sob a pressão das apurações policiais.

Refiro-me, antes de qualquer outro, ao caso Queiroz; que caso Queiroz não é — ao menos não prioritariamente. O caso Flávio Bolsonaro, pois; em cujo gabinete, sempre extensão do escritório do pai, operava-se o esquema de rachadinha em função do qual o ex-assessor foi preso — e que tem investigado se o dinheiro levantado pelo caixa paralelo haveria financiado empreendimentos imobiliários da milícia.

Luiz Carlos Azedo - A pandemia e a vida banal

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Como será a via da igualdade de oportunidades e do acesso público à saúde, à educação, à cultura, ao saneamento e à mobilidade no pós-pandemia?”

Números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, divulgados ontem pelo Ministério da Economia, revelam que 331.901 vagas de trabalho com carteira assinada foram fechadas em maio. No trimestre, foi 1,478 milhão de empregos formais, desde março. Reflexo da pandemia no Brasil, que registrou a primeira morte em 17 daquele mês. O agravante é o fato de que o coronavírus também destruiu atividades produtivas no mercado informal, que funcionavam como válvula de escape para 36 milhões de trabalhadores sem carteira assinada.

Apenas uma parcela desses atingidos será capaz de se reinventar, porque economizou recursos para travessia, dispõe de conhecimentos ou condições de adquiri-los ou tem uma vocação inata para empreender e se adaptar às circunstâncias. Outra, a grande maioria, permanecerá dependendo da ajuda do governo para sobreviver, até que a economia volte a crescer numa escala capaz de absorvê-los, novamente, no mercado de trabalho, o que pode não acontecer. Infelizmente, nosso país tem uma tradição de descartar mão de obra e substituí-la nos ciclos de modernização, desde a abolição da escravatura.

Andrea Jubé - Os “influencers” de Bolsonaro

- Valor Econômico

Preocupação de presidente é maior do que qualquer coisa que se possa imaginar

Jair Bolsonaro é o terceiro chefe de governo mais popular do mundo nas redes sociais, atrás do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e do presidente Donald Trump, segundo levantamento da consultoria Quaest. Se Bolsonaro se impôs como “influencer”, com dezenas de milhões de seguidores - embora adversários questionem uso de robôs - a pergunta é: quem influencia Bolsonaro?

Em 2019, na primeira semana do governo, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ministro Augusto Heleno, disse em uma coletiva de imprensa que o instinto de Bolsonaro havia falhado no trágico dia do atentado à faca na campanha eleitoral.

“Ele tem um sentimento muito grande de quando pode e quando não pode, mas um dia esse sentimento falhou”, comentou Heleno. “Com o tempo passando, talvez podemos ter algum trabalho para contê-lo, porque é da personalidade dele”, completou o ministro, até então considerado o “guru” presidencial.

Apesar do sentimento de “quando pode e quando não pode” que Heleno atribuiu a Bolsonaro, esse instinto de sobrevivência vinha dando sinais de nova pane nos últimos meses, guiando o presidente rumo ao cadafalso. Se a primeira falha quase lhe custou a vida, o novo defeito poderia lhe custar o mandato.

Ricardo Noblat - A vitória de Flávio Bolsonaro na Justiça do Rio terá vida curta

- Blog do Noblat | Veja

Na contramão do Supremo Tribunal Federal
Está traçado o destino do senador Flávio Bolsonaro. O inquérito que o investiga, e a Fabrício Queiroz, por terem embolsado dinheiro público destinado a pagar o salário de servidores da Assembleia Legislativa do Rio, será devolvido à primeira instância da Justiça. Tal decisão seja tomada pelos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal na volta das férias de julho.

É verdade que o ministro Marco Aurélio Mello tem por hábito votar na contramão da esmagadora maioria dos seus pares. Ele detesta decisões unânimes. Mas desta vez não será assim. Pelo contrário. Mello foi o primeiro ministro a se manifestar contrário à decisão do Tribunal de Justiça do Rio de transferir o inquérito para a segunda instância, como Flávio queria e comemorou.

Celso de Mello, o ministro mais antigo do Supremo, que se aposenta em novembro próximo, foi sorteado para relator do caso. Ele poderá conceder liminar contra o que o Tribunal de Justiça do Rio decidiu por 2 votos contra um. Ou, se preferir, submeter a matéria ao exame do plenário. Se conceder liminar, ela produzirá efeito de imediato. O resultado, de todo modo, será o mesmo.

É pacífico o entendimento no Supremo que a prerrogativa de foro especial para julgamento só se aplica quando o suposto crime foi cometido no exercício do mandato. Flávio está sendo processado pelo que fez ao tempo em que era deputado estadual. Deixou de ser quando se elegeu senador. Voltará aos cuidados do juiz Flávio Itabaiana, famoso por suas sentenças severas.

À espera do 4º ministro da Educação em um ano e meio de governo

Mais uma escolha errada de Bolsonaro
Carlos Decotelli está ministro, não é ministro da Educação. Sua investidura no cargo inspira cuidados depois que seu currículo como professor desmanchou-se no ar igual a uma bolha de sabão. Dormiu ministro de ontem para hoje. Acordou ministro. Mas não faz a mínima ideia de até quando será assim.

A nota que o presidente Jair Bolsonaro soltou em sua defesa soou a ouvidos afinados da República como um sinal de despedida. Bolsonaro disse que só recebeu mensagens favoráveis depois de ter escolhido Decotelli para ministro e chamou de “inadequações curriculares” o que na verdade não passou de uma fraude.

Eliane Cantanhêde - A crise continua

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro mantém Decotelli em nome de seus 42 anos de vida pública, mas até quando?

A erosão do “robusto currículo” do professor Carlos Alberto Decotelli dá raiva, pena e, principalmente, medo da disputa reaberta no Planalto para fazer o novo ministro da Educação depois do inusitado Vélez Rodríguez, do inqualificável Abraham Weintraub e do constrangedor Decotelli. A ala militar, que indicou o doutor que não é doutor, está envergonhada. A ala ideológica, dos filhos do presidente, está esfregando as mãos, gulosa. E o Centrão, vai desperdiçar essa chance?

As chances de Decotelli permanecer ministro pareciam ter ruído junto com o seu currículo, já que a tese de mestrado na FGV é acusada de fraude, o título de doutor na Argentina não existe e o pós-doutorado na Alemanha foi uma um devaneio – não há pós-doutorado sem doutorado. O presidente Jair Bolsonaro, porém, decidiu prestigiar “o lastro acadêmico e sua experiência de gestor”, em detrimento de “problemas formais de currículo”. Por enquanto, Decotelli fica. Até quando?

O único item do currículo que fica em pé é o curso de Administração na Universidade Estadual do Rio (Uerj), o que poderia ser suficiente para a posse no MEC. O problema é inventar títulos e ser acusado de plágio, um vexame inominável para ele próprio e um constrangimento desnecessário para Bolsonaro, que, induzido ao erro, publicou nas redes sociais o currículo cheio de buracos. Assim como ele, a mídia também.

Bernardo Mello Franco - Quase doutor, quase ministro

- O Globo

Depois de se revelar um quase doutor, Carlos Alberto Decotelli arrisca virar um quase ministro. O novo titular da Educação deveria tomar posse hoje. A cerimônia foi cancelada após a descoberta de que ele turbinou o próprio currículo.

O ministro foi anunciado na quinta-feira como uma escolha técnica. Em quatro dias, suas credenciais desabaram como peças de dominó. Ao contrário do que dizia, o professor não concluiu doutorado em Rosário, na Argentina. Tampouco fez pós-doutorado em Wuppertal, na Alemanha.

Para completar, surgiram indícios de que Decotelli cometeu plágio em sua dissertação de mestrado. A Fundação Getulio Vargas informou que vai investigar o caso, e o mestre prometeu “revisar” as passagens que copiou e colou no trabalho.

José Casado - Prioridade aos ruminantes

- O Globo

Bolsonaro e o ministro do Turismo perceberam no vírus uma oportunidade para ajudar aliados nas eleições municipais

O pandemônio na pandemia avançou: o governo Jair Bolsonaro decidiu dar prioridade aos ruminantes.

Na última quinta-feira, enquanto o país contava 55 mil humanos mortos pela da doença e por deficiências na rede hospitalar, o ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), do Turismo, resolveu investir na “revitalização” do Bodódromo de Petrolina (PE), onde ruminantes de chifres ocos podem ser degustados a céu aberto, em geral assados.

Pernambuco é dos estados mais afetados pelo vírus, com mais de 4,5 mil mortos. O governo, porém, achou mais urgente investir R$ 32 milhões em obras turísticas no reduto eleitoral dos herdeiros de Clementino de Souza Coelho (1885-1952), o “coronel” Quelê, construtor de um império político regional no início do século passado.

O prefeito beneficiário, Miguel de Souza Leão Coelho, é candidato à reeleição pelo MDB. Seu pai, Fernando Bezerra Coelho, é o atual chefe do clã. Foi prefeito três vezes, ministro de Dilma (Integração) e está sob investigação no Supremo por suspeita de corrupção (R$ 41 milhões) em contratos da Refinaria Abreu e Lima. Bolsonaro o escolheu como líder da sua “nova política” no Senado.

Hélio Schwartsman - Imunidade duradoura?

- Folha de S. Paulo

Talvez não viremos a ter a imunidade de rebanho nem no futuro

Causou preocupação o estudo chinês publicado na Nature Medicine que mostrou que pacientes contaminados pelo vírus Sars-CoV-2 experimentaram uma significativa redução nos níveis de IgG e de anticorpos neutralizantes entre dois e três meses após a infecção. Em alguns casos (40% dos assintomáticos e 13% dos sintomáticos), a doença se tornou indetectável pelos testes sorológicos.

O estudo, que precisaria ser replicado, tem uma série de implicações, todas inquietantes. A mais óbvia é que precisamos desconfiar dos resultados de testes para anticorpos, seja nos inquéritos sorológicos, seja para a emissão dos chamados passaportes de imunidade. Aqui, a própria ideia de liberar a circulação de pessoas que apresentem testes positivos se torna duvidosa, já que não há segurança nem de que os exames retratem adequadamente quem já teve contato com o vírus nem de que a imunidade propiciada por uma infecção prévia seja duradoura.

Míriam Leitão - A razão de voltar ao velho debate

- O Globo

A resistência tem diversos caminhos, e o país vem dizendo que entendeu o risco e as ameaças do governo atual à democracia

Os shows de Gilberto Gil e Milton Nascimento no fim de semana emprestaram uma trilha sonora sutil e linda ao clima de resistência ao autoritarismo. A pesquisa da “Folha de S.Paulo” trouxe o alento de que aumentou para 75% o apoio à democracia entre brasileiros. Novas manifestações da coalizão de políticos e de atores da sociedade civil surgiram. O Brasil parece ter recuado várias quadras no seu processo histórico, tendo que retomar o esforço de convencimento das virtudes da democracia e lembrar o que foi a ditadura. É necessário?

O vice-presidente Hamilton Mourão, em artigo publicado no “Estadão” há um mês, disse que lendo “colunas de opinião e os despachos de egrégias autoridades” fica a impressão de que “sessentões e setentões nas redações e em gabinetes da República resolveram voltar aos seus anos dourados de agitação estudantil”. Aqueles anos não foram dourados — chumbo é o elemento químico que melhor descreve o período — e a demografia derruba a tese.

Pablo Ortellado* - Democracia em disputa

- Folha de S. Paulo

Recorde no apoio à democracia esconde disputas sobre o seu significado

A última pesquisa Datafolha mostrou que o apoio à democracia disparou e atingiu o maior índice desde que começou a ser medido, em 1989. Setenta e cinco por cento apoiam hoje a democracia, ante 62% que a apoiavam em dezembro de 2019 e índices ainda menores no passado.

Uma interpretação possível, como a que constava na manchete da Folha de domingo ("Apoio à democracia bate recorde diante do risco Bolsonaro"), é a de que, reagindo às ameaças de ruptura institucional, os brasileiros reforçaram seu apoio à democracia. Mas será que essa é a interpretação mais plausível?

Antes da pesquisa de junho de 2020, o recorde de apoio à democracia havia sido registrado em outubro de 2018, às vésperas da eleição presidencial, quando a dúvida era se Bolsonaro venceria apenas com larga vantagem ou se elegeria logo no primeiro turno.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Nossa democracia está em risco?

- Folha de S. Paulo

Quando vemos a alternativa, fica claro que o modelo imperfeito é a melhor escolha

Tive uma surpresa feliz ao ver que a defesa da democracia está em alta na opinião pública, segundo pesquisa Datafolha (fiquei surpreso porque sou naturalmente pessimista quanto à sabedoria das massas).

E eis que, de fato, em um ano e meio de bolsonarismo, movimento que flerta abertamente com a ideia de golpe, o povo dobrou a aposta na democracia e no respeito às instituições.

Setenta e cinco por cento defendem a democracia como melhor forma de governo, 86% são contra a tortura, 80% contra a censura à imprensa e 78% negam que o presidente tenha o direito de fechar o Congresso. Em todos os casos, os números são mais altos do que eram em 2014 e em 2018.

É fácil desmerecer a democracia em abstrato, comparando-a a alguma autocracia idealizada, comandada por homens bons e alinhados com "a vontade do povo" (seja lá o que isso for).

Quando vemos concretamente qual a alternativa a ela —as loucuras do olavismo, as fábricas de fake news, o fim da transparência, a incompetência generalizada, a bajulação do presidente, o corporativismo militar, a arbitrariedade da polícia— fica claro que nossa democracia imperfeita ainda é a melhor escolha.

Ana Carla Abrão* - (Des) construção

- O Estado de S.Paulo

Zelar pela Constituição também significa zelar pela justiça social e pela equidade

Instituições fiscais são de difícil construção. Mas, mostra a nossa história, de fácil desconstrução. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que neste ano completou exatos 20 anos, foi um dos grandes avanços institucionais que o Brasil viveu. Era um momento de grandes reformas e grandes conquistas, a maior delas a estabilidade monetária. O pilar fiscal era parte da consolidação dessa conquista. A LRF foi a sua tradução.

A elaboração do projeto de lei complementar veio na esteira da renegociação de dívidas de Estados e municípios pela União. Quebrados após anos de irresponsabilidade fiscal, com crescimento descontrolado do endividamento subnacional, o seu maior objetivo era o de aperfeiçoar a gestão fiscal do País nos três níveis da Federação. Além disso, o projeto de lei resgatava conceitos básicos da gestão orçamentária, como planejamento, transparência e equilíbrio das contas públicas, definindo diretrizes de execução fiscal e delimitando competências e responsabilidades dos agentes públicos.

Há nela o lado da receita, forçando a previsibilidade e o monitoramento da arrecadação própria e de transferências e a compatibilização com o arcabouço orçamentário público já constituído, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei do Orçamento Anual (LOA).

Moisés Naím - Quatro ideias desbancadas pela pandemia

- O Estado de S.Paulo

A covid-19 não faz vítimas apenas entre as pessoas, mas também entre as ideias. E, quando não as mata, desacredita-as e enfraquece-as. As ideias tradicionais a respeito de escritórios, hospitais e universidades, por exemplo, não sobreviverão ilesas às conseqüências econômicas da pandemia. Nem algumas das ideias mais globais na economia e na política. Essas quatro são exemplo:

1) Os Estados Unidos como fonte de estabilidade para o mundo
Falso. Washington é um grande epicentro da instabilidade geopolítica. As reações do governo de George W. Bush aos ataques terroristas de 11 de setembro, por exemplo, provocaram longas guerras: em 2008, os EUA exportaram uma grave crise financeira para o mundo. Desde sua eleição em 2017, Donald Trump mostra, quase diariamente, que em vez de acalmar o mundo e seu país, prefere fomentar conflitos e atiçar discórdia. Suas reações à pandemia reconfirmaram que a Casa Branca é um aliado volátil, desajeitado e pouco confiável.

A grande ironia do fato de os EUA irradiarem instabilidade é que um dos maiores beneficiários da ordem internacional que Trump está desmontando é o próprio país que ele preside.

Entrevista | Edmar Bacha: Vamos ter uma alteração estrutural da economia no pós-covid

Integrante da equipe que criou o Plano Real disse que recuperação do Brasil será lenta, mas abrirá espaço para a questão da distribuição de renda do País e o aumento dos gastos públicos

- Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo

RIO - O economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG) e integrante da equipe que criou o Plano Real, vê pouco espaço para uma recuperação rápida, em “V”, da economia brasileira, que entrou em recessão no primeiro trimestre deste ano, conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Membro do órgão colegiado, Bacha acha que o mais provável é que o ritmo de recuperação da atividade estacione num platô, à medida que o impulso das medidas do governo for passando.

Embora seja favorável à discussão sobre a manutenção dos auxílios emergenciais via unificação dos programas de transferência de renda, Bacha ressalta o aperto dos gastos públicos no País, que exige reformas para liberar espaço para ampliar o investimento em políticas focadas na redistribuição da renda.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Estamos em meio à recessão, mas há espaço para recuperação em “V”?

Nos Estados Unidos, como reportou a Marcelle (Chauvet, professora da Universidade da Califórnia, integrante do Codace, na reunião da última sexta-feira, 26), foi feita uma pesquisa muito interessante com economistas sobre a forma da retomada. Já houve duas rodadas da pesquisa. Na primeira, a maior parte dos economistas colocou o “V”, e, agora, todo mundo mudou do “V”, para algo que começa com um “V” inclinado, mas logo depois atinge um platô. E essa questão do platô é fundamentalmente por causa do esgotamento dos impulsos fiscal e creditício que o governo está dando. Quando isso acabar, como vai ficar? Depois, do lado do vírus, tem a questão de que isso vai exigir uma realocação muito pronunciada da atividade econômica. O mundo pós-covid não vai ser o mesmo. Vai ser bastante diferente. A natureza da atividade econômica vai ser muito distinta, com setores que vão ser beneficiados e os setores que vão ser prejudicados. Vamos ter uma alteração estrutural, se não permanente, pelo menos prolongada na estrutura das atividades econômicas.

• No caso do Brasil, o quadro é diferente, já que o espaço fiscal para manter medidas é menor?

Obviamente, o Brasil tem bastante menos espaço fiscal do que os países que têm moeda-reserva. (...) Com esse agravamento do quadro fiscal, estamos indo para uma relação dívida pública sobre PIB de 100%. Agora, se temos menos espaço fiscal, temos um pouquinho mais de espaço monetário. Os juros lá (nos países desenvolvidos) já estão em zero. Isso é uma questão complexa, que vai depender muito da capacidade que temos de reestabelecer o ânimo empresarial e a disposição dos consumidores a gastar.

• Os impulsos ficais ajudam no consumo das famílias, não?

Nos Estados Unidos, por causa das transferências, houve uma retomada muito forte, praticamente no nível anterior, do consumo das classes mais pobres. O consumo que está retraído é o consumo dos 25% mais ricos, do pessoal que fugiu de Manhattan. Esse consumo vai voltar quando o medo passar. O curso do vírus é que vai determinar um pouco esse processo de retomada do consumo da parte mais substantiva do total. Embora seja menos gente (os 25% mais ricos), o poder de compra é muito maior.

O conservador Boris Johnson diz que economia pós-pandemia precisa de política intervencionista

Premier afirma que vai se inspirar em Franklin Roosevelt para recuperar o país, cujo PIB deve cair 14% neste ano

O Globo e agências internacionais 

LONDRES — O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse nesta segunda-feira que quer se inspirar no ex-presidente americano Franklin Roosevelt, que nos anos 1930 lançou o New Deal, para recuperar a economia britânica, abalada pela pandemia do novo coronavírus. O premier afirmou que o retorno à austeridade seria um erro.

Boris prometeu dobrar o planos para aumentar o investimento no país e disse que seu governo — que já anunciou gastos emergenciais e medidas tributárias no valor estimado de 133 bilhões de libras — continuará ajudando pessoas e empresas. A estimativa é que, influenciada pela pandemia, a economia britânica tenha uma queda de 14% neste ano

— Este é o momento para um política rooseveltiana no Reino Unido — disse o premier à Times Radio nesta segunda-feira.

O New Deal de Roosevelt foi marcado por uma forte intervenção estatal para regular a economia e incluía uma série de projetos de criação de empregos, ajudando o país a se recuperar da Grande Depressão de 1929. Já o Partido Conservador de Boris, que governa o Reino Unido desde 2010, implantou uma política de cortes de gastos públicos em reação à crise financeira de 2008.

O primeiro-ministro britânico vai anunciar nesta terça um plano de investimentos em infraestrutura de 5 bilhões de libras (R$ 33,25 bilhões).

Em trégua – Editorial | Folha de S. Paulo

Desde prisão de Queiroz, Bolsonaro age com moderação —por essa e outras razões

À luz do retrospecto de Jair Bolsonaro, em especial durante a pandemia, é digna de nota a marca de dez dias sem prestigiar atos golpistas, incitar o descumprimento de quarentenas ou atacar instituições, imprensa e desafetos políticos.

A última manifestação de animosidade, mesmo assim morna, se deu em 18 de junho, quando o presidente criticou a prisão do amigo Fabrício Queiroz. Houve ainda, no dia seguinte, uma discreta queixa em rede social contra a “maior parte da mídia”, que não estaria noticiando a contento ações de seu governo no combate à Covid-19.

Já àquela altura tornava-se visível a opção de Bolsonaro por uma conduta mais comedida, que incluiu até certos gestos conciliatórios.

Demitiu-se do MEC o desastroso Abraham Weintraub, que dirigira ofensas e ameaças ao Supremo Tribunal Federal; em seguida, ministros da área jurídica do Executivo foram destacados para uma conversa com o magistrado Alexandre de Moraes, do STF, que está à frente de inquéritos espinhosos para o bolsonarismo.

Na quinta-feira (25), o presidente nomeou para a Educação um economista de perfil moderado, discursou sobre entendimento e harmonia entre Poderes e homenageou as vítimas do coronavírus.

Ação no STF põe em questão a segurança jurídica – Editorial | O Globo

Reclamação de empresa contra exorbitância de poder do TCU pode barrar atuação abusiva do Estado

Um dos polos da crise política, por ser alvo do bolsonarismo, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua a cumprir sua agenda de trabalho, e amanhã deve retomar o julgamento de um processo que de forma indireta tem relação com o perigo que representa a falta de respeito à Constituição e aos preceitos legais como um todo. O risco representado pela ideologia de extrema direita do presidente e seguidores, que tende a desrespeitar a convivência harmoniosa entre os poderes, mesmo sendo eles independentes, tem o mesmo sentido de quando o Estado, por meio de qualquer de seus entes, invade espaço privado e comete algum tipo de violência — financeira, ética, política, tributária etc.

Pode não chamar atenção o enunciado do processo que a empresa PPI – Projeto de Plantas Industriais Ltda. move contra o Tribunal de Contas da União (TCU), mas o que se encontra em questão é o respeito aos espaços institucionais, o mesmo que acontece no choque do Executivo federal contra o Judiciário, em uma outra escala. O motivo do desentendimento é que o TCU, ao averiguar um contrato de prestação de serviço à Petrobras por um consórcio formado pela Odebrecht e a UTC Engenharia, com a participação da PPI, determinou o bloqueio cautelar de bens pessoais de acionistas desta empresa. Exorbitou de suas funções.

O falso ministro da Educação – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se finalmente acertou na estratégia, procurando pacificar a área de ensino ao demitir Abraham Weintraub da chefia do Ministério da Educação (MEC) e propor a retomada de diálogo com os secretários municipais e estaduais de Educação para evitar o colapso de um setor estratégico da administração pública em tempos de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro errou na escolha de seu sucessor, Carlos Alberto Decotelli.

No mesmo dia em que foi anunciado por Bolsonaro como mestre, doutor e pós-doutor e de contar com experiência no setor por ter presidido o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), surgiram as primeiras suspeitas de que Decotelli teria maquiado seu currículo Lattes. O currículo Lattes é a plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sobre a titulação acadêmica dos professores do País. As informações são autodeclaratórias e dispensam a apresentação de documentos.

A primeira suspeita foi de que Decotelli não teria o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, o que foi confirmado no dia seguinte pelo reitor da instituição, Franco Bartollacci. Reagindo à nota, Decotelli apressou-se em revisar o currículo Lattes. Tentando remediar a situação, ele afirmou que, apesar de ter obtido os créditos para apresentar a tese de doutorado, não o fez por não ter recursos para continuar residindo na Argentina. Segundo o reitor, porém, Decotelli não fez a defesa oral da tese porque ela seria reprovada pelos examinadores. Agravando ainda mais as suspeitas com relação ao seu currículo, a segunda acusação foi de que a dissertação que Decotelli apresentou no término de seu curso de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) seria um plágio. Submetida a um programa de informática elaborado para detectar plágio, verificou-se que trechos inteiros da dissertação são cópias - sem os devidos créditos - de relatórios de órgãos governamentais e de trabalhos acadêmicos, o que é tipificado como crime contra a propriedade intelectual pela legislação penal.

Pandemia agrava problemas econômicos da Argentina – Editorial | Valor Econômico

FMI prevê queda de 9,9% do PIB argentino

A nuvem de gafanhotos que atacou a produção agrícola da região nordeste da Argentina completa em tom bíblico as pragas que assolam o país: estagnação econômica, inflação elevada e incapacidade de pagar a dívida externa há décadas. A um conjunto explosivo de desafios, quase impossível de administrar em tempos normais, se somou a pandemia do novo coronavírus.

A pandemia agudizou todos os já graves problemas argentinos. Embora em números absolutos o impacto da covid-19 seja relativamente reduzido na Argentina, com 52,5 mil casos e 1,5 mil mortes até agora, o governo argentino resolveu voltar a endurecer as regras de quarentena desde ontem. Buenos Aires retornará à fase 1 do programa de combate à covid-19, e as restrições ficarão em vigor por 15 dias para tentar frear a elevação do número de casos.

O efeito na economia está sendo profundo. O PIB teve queda de 5,4% no primeiro trimestre frente ao mesmo período de 2019. O índice que mede atividades econômicas caiu 26,4% em abril, a maior queda de toda a série histórica. No primeiro quadrimestre, há redução de 11% sobre o mesmo período de 2019. A construção civil foi um dos segmentos mais atingidos e registrou contração de 86,4% ante o mesmo mês do ano passado. As exportações despencaram 13,4% e os investimentos 9,7% (dados do trimestre). Na comparação com o último trimestre de 2019, a queda do PIB foi de 4,8% e o desemprego subiu de 8,9% para 10,4%.

Ainda assim, os números não captam todo o impacto da quarentena, que começou no fim de março. Por isso, as previsões para o ano são bastante negativas. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) projeta perdas de 750 mil a 852,5 mil postos de trabalho, se a queda do PIB ficar entre 8,25% e 10% como prevê a OCDE. Os números são semelhantes às estimativas locais.

Música | Nana Caymmi - Eu sei que vou te amar

Poesia | Antonio Machado - Tenho andado muitos caminhos

Tenho andado muitos caminhos
tenho aberto muitas veredas;
tenho navegado em cem mares
e atracado em cem ribeiras

Em todas partes tenho visto
caravanas de tristeza
orgulhosos e melancólicos
borrachos de sombra negra.

E pedantes ao pano
que olham, calam e pensam
que sabem, porque não bebem
o vinho das tabernas

Má gente que caminha
e vai empestando a terra...

E em todas partes tenho visto
pessoas que dançam ou jogam,
quando podem, e lavoram
seus quatro palmos de terra.

Nunca, se chegam a um lugar
perguntam a onde chegam.
Quando caminham, cavalgam
lombos de mula velha.

E não conhecem a pressa
nem mesmo nos dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho,
onde não há vinho, água fresca.