Integrante da equipe que criou o Plano Real disse que recuperação do Brasil será lenta, mas abrirá espaço para a questão da distribuição de renda do País e o aumento dos gastos públicos
- Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo
RIO - O economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG) e integrante da equipe que criou o Plano Real, vê pouco espaço para uma recuperação rápida, em “V”, da economia brasileira, que entrou em recessão no primeiro trimestre deste ano, conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Membro do órgão colegiado, Bacha acha que o mais provável é que o ritmo de recuperação da atividade estacione num platô, à medida que o impulso das medidas do governo for passando.
Embora seja favorável à discussão sobre a manutenção dos auxílios emergenciais via unificação dos programas de transferência de renda, Bacha ressalta o aperto dos gastos públicos no País, que exige reformas para liberar espaço para ampliar o investimento em políticas focadas na redistribuição da renda.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
• Estamos em meio à recessão, mas há espaço para recuperação em “V”?
Nos Estados Unidos, como reportou a Marcelle (Chauvet, professora da Universidade da Califórnia, integrante do Codace, na reunião da última sexta-feira, 26), foi feita uma pesquisa muito interessante com economistas sobre a forma da retomada. Já houve duas rodadas da pesquisa. Na primeira, a maior parte dos economistas colocou o “V”, e, agora, todo mundo mudou do “V”, para algo que começa com um “V” inclinado, mas logo depois atinge um platô. E essa questão do platô é fundamentalmente por causa do esgotamento dos impulsos fiscal e creditício que o governo está dando. Quando isso acabar, como vai ficar? Depois, do lado do vírus, tem a questão de que isso vai exigir uma realocação muito pronunciada da atividade econômica. O mundo pós-covid não vai ser o mesmo. Vai ser bastante diferente. A natureza da atividade econômica vai ser muito distinta, com setores que vão ser beneficiados e os setores que vão ser prejudicados. Vamos ter uma alteração estrutural, se não permanente, pelo menos prolongada na estrutura das atividades econômicas.
• No caso do Brasil, o quadro é diferente, já que o espaço fiscal para manter medidas é menor?
Obviamente, o Brasil tem bastante menos espaço fiscal do que os países que têm moeda-reserva. (...) Com esse agravamento do quadro fiscal, estamos indo para uma relação dívida pública sobre PIB de 100%. Agora, se temos menos espaço fiscal, temos um pouquinho mais de espaço monetário. Os juros lá (nos países desenvolvidos) já estão em zero. Isso é uma questão complexa, que vai depender muito da capacidade que temos de reestabelecer o ânimo empresarial e a disposição dos consumidores a gastar.
• Os impulsos ficais ajudam no consumo das famílias, não?
Nos Estados Unidos, por causa das transferências, houve uma retomada muito forte, praticamente no nível anterior, do consumo das classes mais pobres. O consumo que está retraído é o consumo dos 25% mais ricos, do pessoal que fugiu de Manhattan. Esse consumo vai voltar quando o medo passar. O curso do vírus é que vai determinar um pouco esse processo de retomada do consumo da parte mais substantiva do total. Embora seja menos gente (os 25% mais ricos), o poder de compra é muito maior.