sábado, 11 de abril de 2020

Opinião do dia – Rodrigo Maia*

O governo vende a coisa como ele quer, da forma como ele quer. O pano de fundo dessa polêmica é um debate que não queremos entrar. Por que não querem uma solução para o ICMS? Há um enfrentamento político por trás de uma falsa disputa de um projeto que vai garantir a sustentação aos estados.

*Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, Folha de S. Paulo, 11/04/2020

Merval Pereira - Jim Jones tupiniquim

- O Globo

Bolsonaro será responsabilizado pessoalmente pelo aumento das mortes. Não é possível ter um presidente que estimula a população a se arriscar numa pandemia

O presidente Jair Bolsonaro está cavando um abismo a seus pés lutando contra a realidade trágica da Covid-19. Não há saída honrosa para ele diante da perspectiva de recessão econômica - o ministro da Economia Paulo Guedes já teme um PIB negativo de 4%, há bancos prevendo até 6% - e de um dramático número de mortes, que já está na casa do milhar antes de um mês de quarentena.

As demonstrações diárias de irresponsabilidade acintosa vão ganhando perigosos ares de desequilíbrio comportamental que, em vez de aumentar suas chances de concorrer à reeleição, vão lhe retirando essa possibilidade, reduzindo seu apoio a um grupo de fanáticos.

A mais recente pesquisa DataFolha mostra que 17% dos eleitores que votaram em Bolsonaro no segundo turno estão arrependidos, o que quer dizer que cerca de 10 milhões de pessoas o abandonaram, fazendo com que tivesse hoje, teoricamente, menos votos do que obteve no primeiro turno.

Não quer dizer, porém, que todos os que não se declararam arrependidos estejam contentes com o governo Bolsonaro. Muitos, certamente, não se arrependeram porque consideram que o principal papel de seu voto foi derrotar o PT.

Pesquisas de opinião pública mostram que Bolsonaro mantém um apoio em torno de 30% da população, o mesmo índice que o PT costumava ter antes de chegar ao poder, igual ao percentual de votos que o candidato petista Fernando Haddad obteve no primeiro turno.

Ricardo Noblat - Bolsonaro, o exterminador do futuro de muita gente

- Blog do Noblat | Veja

E o vírus mal começou a matar no Brasil...

Em que parte do mundo já se viu um chefe de Estado sair a passear em plena pandemia de um vírus desconhecido que mata a roldo? Em que parte se viu um abraçar pessoas podendo ser contaminado por elas ou então contaminá-las?

Onde já se viu um chefe de Estado desacreditar medidas de restrição social baixadas por governadores e prefeitos e endossadas pelo Ministério da Saúde do seu próprio governo? Os poucos que tentaram recuaram logo em seguida.

Pois é o que tem feito o presidente Jair Bolsonaro desde que voltou dos Estados Unidos há pouco mais de um mês trazendo uma dezena de acompanhantes infectados pelo coronovírus e que, uma vez no Brasil, infectaram uma dezena ou mais de pessoas.

Em um país onde o presidente da República manda muito, embora nem tanto quanto desejaria, ele é a primeira referência dos governados. Natural que seja. O que diz é ouvido e repetido, e o que faz libera a população para que faça também.

Bolsonaro sabe disso, mas quando é conveniente finge não saber e banca o inocente. Se estimula os brasileiros a abandonarem o confinamento e a retornarem às ruas, parte deles o segue. Não é possível que ignore os efeitos perversos de sua atitude.

Hás mais de um mês que o ministro Luiz Henrique Mandetta rendeu-se à orientação da Organização Mundial da Saúde acolhida por todos os países assolados pelo vírus: fique em casa. Circule o mínimo possível. Deixe para depois tudo o que possa.

O chefe de Mandetta faz o contrário. No último dia 15, recepcionou em frente ao Palácio do Planalto manifestantes ali reunidos para pedir o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Tocou com as mãos em mais de 250 deles.

Sérgio Magalhães - Todos os mundos, um só mundo

- Globo

Bolsonaro está em uma guerra onde os inimigos mudaram, os vírus são inatingíveis pelos tuítes

Trump, Boris e Bolsonaro com a pandemia viram o vírus atingir sua base retórica político-ideológica. Suas ações erráticas sugerem que o corona lhes tonteou.

Em instigante livro de 2018, “Ruptura” (ed. Zahar), o sociólogo Manuel Castells estuda a crise da democracia liberal e analisa cinco casos, entre eles EUA (Trump) e Grã-Bretanha (Brexit).

Segundo o autor, Donald Trump formou a sua retórica na xenofobia, no nacionalismo, no isolacionismo, na política identitária, “em crítica feroz ao cosmopolitismo e à ‘tolerância intelectual’ dos setores acadêmicos, midiáticos e financeiros.”

Eleito, anulou os principais tratados comerciais multilaterais, tirou os Estados Unidos do Tratado do Clima. Diz Castells: “o que parece um desvario é coerente com a personalidade narcísica; ele precisa de adulação contínua, fidelidade incondicional.”

Trump negou o coronavírus: uma gripezinha.

Ascânio Seleme - O cisma de Bolsonaro

- O Globo

O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica

O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica. Na quarta-feira, enquanto o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o progressista Dom Walmor Oliveira, criticava Jair Bolsonaro por desinformar o país e “provocar um itinerário para a morte”, católicos da ala conservadora foram para a porta do Alvorada rezar pelo “enviado por Deus para salvar o Brasil do comunismo”.

Verdade que as duas alas da Igreja não se bicam há anos, mas com a chegada de Bolsonaro a separação entre elas voltou a ganhar conotação política. Lembra a guerra de 24 anos entre a CNBB e os religiosos que apoiaram a ditadura de 1964, como se fosse possível homens que acreditam em Deus aceitarem governo que censura, tortura e mata. Esta turma não se envergonhava antes e não se envergonha agora em defender intervenção militar se essa for a forma de evitar a volta da esquerda ao poder.

A ala conservadora da igreja no Brasil vê comunistas em todos os lugares. Até mesmo na Santa Sé, já que muitos chamam o Papa Francisco de comunista e enxergam em alguns de seus atos manobras para sabotar o governo de Bolsonaro. Trata-se de uma bobagem sem tamanho, mas os cristãos da Renovação Carismática Católica que louvaram o presidente na porta do Alvorada disseram que mensagens de Francisco nesse sentido seriam ouvidas durante as pregações da Semana Santa. São tolos, como Bolsonaro.

O grave é que por serem tolos são também perigosos. Defendem as mesmas teses do presidente e concordam com a cruzada pelo fim do isolamento, permitindo que as pessoas “voltem a trabalhar, produzir e salvar vidas”. E, por mais absurdo que pareça, na vigília do Alvorada disseram fazer parte de uma certa “milícia celeste” de apoio ao presidente. Estes fundamentalistas carismáticos brincaram com fogo, fizeram trocadilho com a morte, já que se conhece a proximidade de Bolsonaro com a violenta milícia do Rio.

Míriam Leitão - Os 30 dias que abalaram o Brasil

- O Globo

No dia em que o Brasil atravessou a linha de mil mortos por Covid-19, o presidente exibiu a mesma atitude irresponsável que tem tido desde o começo da crise

Quando o Brasil atravessou ontem a fronteira dos mil mortos por Covid-19 o presidente Jair Bolsonaro saiu para passear novamente. Foi a uma padaria, a uma farmácia, passou pelo Hospital das Forças Armadas onde, disse aos jornalistas, foi fazer teste de gravidez. Ele é coerente. Tem tratado a pandemia com a displicência de sempre. Seus atos e palavras nos últimos trinta dias mostram a constância da mensagem contra o isolamento social e as recomendações das autoridades de saúde.

No dia 10 de março, na viagem aos Estados Unidos, para uma plateia de empresários, Bolsonaro disse “a questão do coronavírus não é isso tudo isso que a grande mídia propaga” e que muito era “fantasia”. Na volta descobriu-se que na comitiva havia 23 infectados. No domingo, dia 15, ele foi à manifestação contra o Congresso e o Supremo, cumprimentou inúmeros manifestantes, desprezando os cuidados para prevenir o contágio. O comportamento mostrava desprezo às orientações médicas, e o ato era um desprezo à democracia. Ele compartilhou vídeos de manifestantes de várias partes do Brasil exibindo faixas que não deixavam dúvidas sobre a natureza antidemocrática das mensagens.

No dia 17 houve a primeira morte confirmada por coronavírus, Rio de Janeiro e São Paulo decretaram emergência. E ele: “A economia estava indo bem, mas esse vírus trouxe alguma histeria. Existem alguns governadores que estão tomando medidas que vão prejudicar nossa economia”. No dia seguinte, ele disse que não haveria colapso na saúde e chamou o governador João Dória de “lunático”. Defendeu a cloroquina que deveria, segundo prescreveu, ser distribuída para todos os infectados. Depois em um pronunciamento no dia 19 ele pediu o fim do confinamento, acusou governadores de histeria, pediu a volta das aulas porque “raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos” e completou: “pelo meu histórico de atleta, caso eu fosse infectado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido de uma gripezinha, um resfriadinho”. Uma fala reveladora de que ele não pensa no que pode acontecer ao país, mas apenas com ele mesmo.

Guilherme Amado - A democracia em quarentena

- Revista Época

Há justificativa neste momento para vetar aglomerações, fechar igrejas e limitar o direito de ir e vir. Mas a vigilância é fundamental

Direito de livre assembleia proibido, ir e vir restrito, liberdade de culto com limitações. O coronavírus parece também ter obrigado a democracia a entrar em quarentena, com o mundo afundado em um misto de medidas necessárias para vencer a pandemia, mas também tentativas de líderes autoritários de se aproveitarem dela para ganhar mais poder e populistas que, usando a recorrente tática de vender soluções fáceis para problemas complexos, mais atrapalham do que ajudam seus países no combate à doença.

Scholars especializados no tema têm acompanhado com preocupação o impacto que o enfrentamento ao vírus pode ter na democracia de diversos países, muitos já convivendo com retrocessos nos últimos anos. Desde 2006, mais países veem suas democracias erodindo do que outros as têm fortalecido. De acordo com a Freedom House, organização sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos e que monitora os avanços e recuos das democracias de todo o mundo, 64 países se tornaram menos democráticos e somente 37 se fortaleceram em 2019. A perspectiva para este ano é que esse número seja ainda maior, por causa da pandemia.

Mas, onde muitos só veem janelas para o autoritarismo ganhar espaço, há quem aposte também na oportunidade que a Covid-19 está dando para as populações perceberem quão perigoso é entregar o comando do país a um populista.

Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán agora pode governar por decretos. Em Israel, o Parlamento e tribunais foram fechados, e Benjamin Netanyahu conseguiu adiar seu julgamento por corrupção por dois meses. Na Sérvia e na Turquia, veículos pró-regime deram voz a falsos especialistas que defenderam que suas populações são geneticamente protegidas do vírus. No México, López Obrador abriu mão da máscara e do álcool em gel e se apegou a imagens religiosas, sugerindo que os governados fizessem o mesmo, e demorou a admitir a gravidade do problema. No vizinho Estados Unidos, enquanto a governista Fox News culpava o Partido Democrata por espalhar medo, Donald Trump também passou por diversas fases, da banalização da doença à tentativa de criar o rótulo de “vírus chinês”, desaguando agora numa guerra à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Monica de Bolle* - Precisamos falar sobre a renda básica permanente

- Revista Época

A crise humanitária exposta pela Covid-19 deixa em evidência a extrema vulnerabilidade em que vive uma parte muito expressiva da população brasileira

Há poucos dias, foi sancionada a lei que institui a renda básica emergencial (RBE) de R$ 600 por mês, a serem pagos durante 3 meses prorrogáveis. Como eu já havia escrito neste espaço, a RBE tem por objetivo atender pessoas que não poderiam permanecer em casa para se proteger da epidemia caso não houvesse um programa de governo que as sustentasse durante o período de necessário distanciamento social. Embora a RBE em forma atual seja um benefício temporário, há muitos motivos para torná-la permanente.

O Brasil é um país espantoso. Segundo dados do IBGE, cerca de 50% dos trabalhadores com carteira assinada recebem entre um e dois salários mínimos, enquanto 80% recebem menos de dois salários mínimos. Apenas 10% dos trabalhadores formais ganham mais de R$ 3 mil por mês. De acordo com cálculos feitos por Marcelo Medeiros, metade da população brasileira vive com menos de R$ 1.000 por mês. Estamos falando de cerca de 100 milhões de pessoas que recebem tão somente cerca de um salário mínimo mensal per capita.

Agora, considerem: de acordo com o IBGE, 70% dos redimentos das famíllias de baixíssima renda são destinados a alimentação, transporte e moradia. Ou seja, a maior parte do fluxo mensal dessas pessoas é usada para a subsistência mais básica. Não estão incluídos gastos com vestuário, medicamentos ou itens de necessidade básica para cuidados pessoais. Essas pessoas vivem sem qualquer colchão de segurança, o que significa que, se o chefe de família adoece ou se há algum gasto extraordinário no mês, não há espaço no orçamento mensal para absorver o ocorrido.

Fábio Fabrini - Cortando na carne (alheia)

- Folha de S. Paulo

Presidente se esqueceu de si próprio e de seus ministros

Jair Bolsonaro foi ligeiro ao atender empresários e autorizar cortes salariais de até 100% na iniciativa privada. Tragédia posta para o trabalhador cuja renda despencará, mas pior seria a demissão.

Ao repartir entre os brasileiros o pão que o diabo amassou na crise sanitária, o presidente se esqueceu de si próprio e de seus ministros.

Por ora, nenhum deles se propôs, ao menos publicamente, a abrir mão de um mísero naco dos rendimentos obtidos da Viúva.

Continuam pingando em suas contas os mesmos R$ 30,9 mil mensais dos tempos de normalidade, fora penduricalhos obscenos como o auxílio-moradia.

O pacote de sacrifícios de Bolsonaro preserva a própria casta e toda a cúpula do funcionalismo, habituadas a receber primeiro as graças do Estado e a delas nunca desapegar.

A redução salarial nos andares de cima teria impacto fiscal diminuto, mas significativa simbologia quando o grosso da população está em apuro financeiro e o rombo nas contas públicas se amplifica.

Em outros países, o senso de autopreservação ficou de lado. No Uruguai, por exemplo, Lacalle Pou anunciou redução de 20% do que ganham ele próprio e seus pares.

Hélio Schwartsman - O êxito alemão

- Folha de S. Paulo

Junto com Coreia do Sul, país já passou pelo primeiro pico epidêmico

Qual o segredo do sucesso da Alemanha no manejo da Covid-19? São vários. O mais óbvio deles é matemático. Por testar muito mais que outros países, os números teutônicos estão um pouco menos distantes dos reais.

Se você só testar cadáveres, terá 100% de letalidade; se testar apenas casos graves, essa cifra cai um pouco, chegando a índices como o italiano (12%), o britânico e o espanhol (10%). Mas, se testar de forma mais indiscriminada (o que também facilita identificar precocemente as cadeias de transmissão e desfazê-las), as taxas caem para menos de 2%, como é o caso da Alemanha e da Coreia do Sul, dois países duramente atingidos e que já passaram pelo primeiro pico epidêmico.

Isso, porém, é só parte da história. A Alemanha não se sai melhor apenas por apresentar números menos distorcidos. Ela também conseguiu achatar a curva exponencial, evitando sobrecarga sobre seu sistema de saúde, que já era bom e foi reforçado. Médicos alemães, ao contrário de italianos, não tiveram de decidir entre quem iria ou não para o ventilador, o que significa que salvaram proporcionalmente mais pacientes críticos que os colegas da Lombardia.

Demétrio Magnoli* - A guerra da cloroquina

- Folha de S. Paulo

Fanáticos tolos enxergam a cloroquina como pote de ouro no fim do arco-íris

Todos os médicos podem prescrever a cloroquina para seus pacientes, com autorização deles. O Ministério da Saúde não veta o uso da substância --e também não a receita, pois, como em qualquer outro caso, não é sua função substituir o médico.

O ministério não estimula o uso indiscriminado da droga porque não se concluiu o protocolo científico de sua aprovação como medicamento para a Covid-19. Ao lado dela, pesquisas em fase inicial descortinam outras hipóteses medicamentosas prometedoras. Tudo isso parece óbvio, exceto para os fanáticos da cloroquina, que deflagraram uma "guerra cultural".

À primeira vista, a guerra decorre da sedução do pensamento mágico. Os fanáticos da cloroquina a enxergam como cura divina, o santo graal, elixir da vida, um pote de ouro no fim do arco-íris. Mas esses são os fanáticos tolos, inocentes úteis, soldados rasos de uma guerra cujas raízes não compreendem.

Os alquimistas da nova jihad transfiguram a substância química em metáfora de um arco narrativo ideológico que nada tem a ver com medicina.

O arco estende-se da China às "elites globalistas", com escala na OMS. Os três capítulos da narrativa são mais frequentemente difundidos como contos autônomos, mas pertencem a um romance único. Cada um apoia-se em fatos incontestáveis ou hipóteses razoáveis, que sofrem manipulações de natureza conspiratória.

Oscar Vilhena Vieira* - A ameaça das facções

- Folha de S. Paulo

Cabe aos Poderes agir para proteger a sociedade de ataques insidiosos

Umas das grandes preocupações dos arquitetos da Constituição americana era que o governo caísse nas mãos de uma facção.

Para James Madison, uma facção consistia na união de “um determinado número de cidadãos, que constituam uma maioria ou minoria face ao todo, animados por algum impulso ou paixão, ou interesse, adverso aos direitos dos outros, ou aos interesses permanentes e globais da comunidade” (Federalistas, nº 10).

Quando minoritárias, seus impulsos destrutivos seriam contidos pela maioria. Porém, quando atraíssem a maioria, o bem comum e os direitos constitucionais ficariam à mercê de “homens de temperamento faccioso, com preconceitos locais, ou com desígnios sinistros”.

Como numa sociedade que se pretenda pluralista não se pode eliminar a existência de facções, sob o risco de suprimir a liberdade, o grande desafio é dispor as instituições de forma que possam controlar os efeitos deletérios das ações facciosas sobre o corpo social.

Federalismo e separação de Poderes se apresentam como engenhosas ferramentas.

Guedes pede para senadores 'salvarem a República' contra a Câmara

Proposta encabeçada por Rodrigo Maia prevê que a União destine R$ 35 bilhões a estados

Iara Lemos | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um apelo a um grupo de senadores com quem esteve reunido na noite da última quinta-feira (9) para que barrem o projeto que será votado pela Câmara em socorro aos estados durante a pandemia do coronavírus.

A proposta, encabeçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prevê que a União destine R$ 35 bilhões para neutralizar a queda de arrecadação de ICMS (imposto estadual) por três meses, além de R$ 5 bilhões para o ISS (municipal). O governo já se manifestou contrário ao projeto, que depois de aprovado pela Câmara ainda precisa do crivo dos senadores.

“Ele (Paulo Guedes) foi muito crítico ao Rodrigo Maia, ao caminho que a Câmara está seguindo. Ele chegou a falar com todas as letras: ‘Se aprovarem isso (projeto) na Câmara, eu vou pedir para vocês salvarem a República. Vou pedir aos meus amigos do Senado para que salvem a República’”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos parlamentares que participou do encontro virtual.

Negociado entre o presidente da Câmara e os governadores, o texto permite ainda que os estados possam contratar empréstimos e financiamentos, limitados a 8% da receita corrente líquida do ano passado, para bancar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus e para estabilizar a arrecadação em 2020.

A estimativa é que estados possam contratar R$ 50 bilhões. Embora construído pelo próprio presidente da Casa, a proposta não conseguiu ainda consenso entre os partidos.

“O governo vende a coisa como ele quer, da forma como ele quer. O pano de fundo dessa polêmica é um debate que não queremos entrar. Por que não querem uma solução para o ICMS? Há um enfrentamento político por trás de uma falsa disputa de um projeto que vai garantir a sustentação aos estados”, afirmou Maia, na quinta.

Marcos Mendes* - Novo Plano Mansueto ainda está ruim

- Folha de S. Paulo

Ajuda a estados precisa ser cirúrgica, para não deixar uma conta muito alta

O chamado Plano Mansueto foi uma tentativa de lidar com a permanente pressão dos estados por socorro financeiro. Para minimizar o prejuízo iminente, o Tesouro propôs dar garantias para empréstimos de até R$ 10 bilhões anuais, para estados com alguma capacidade de pagamento, durante quatro anos, condicionadas a medidas de ajuste.

O plano ficou parado por meses no Congresso. Quando surgiu a pandemia, ele passou a ser usado como veículo para repassar à União dívidas acumuladas ao longo de décadas de desequilíbrio. Como argumentei em artigo com Marcos Lisboa, se aprovado, aquele projeto faria a dívida pública pular rapidamente para 100% do PIB.

O Parlamento percebeu a inconsistência do projeto e mudou de rota. Corretamente, resolveu tratar apenas as agruras do momento, deixando para discutir as questões estruturais depois da crise. Porém, o texto proposto não ficou bom.

O que se precisa dar aos estados e municípios, no momento, é liquidez para enfrentar a brusca queda de arrecadação. Por outro lado, a ajuda precisa ser cirúrgica, para não deixar uma conta muito alta para o pós-crise, nem estimular a irresponsabilidade fiscal.

O projeto estabelece que a União cobrirá toda a perda de receita de ICMS e ISS dos meses de abril, maio e junho, na comparação com os mesmos meses de 2019. O Tesouro diz que isso custará R$ 41 bilhões. No Congresso, fala-se em R$ 30 bilhões.

Programa que salva emprego formal empobrece trabalhador, diz estudo

Para economista, reposição parcial do salário impõe perda severa a quem ganha de 3 a 4 mínimos

Fernanda Brigatti | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O programa emergencial que prevê corte de jornada e de salário na iniciativa privada, em troca de garantia de emprego, lançado pelo governo, vai levar muitos trabalhadores formais à pobreza, aponta levantamento realizado pelo economista Gabriel Ulyssea, professor associado da Universidade de Oxford.

Ulyssea analisou as recomposições salariais previstas no programa e concluiu que o efeito perda de renda é especialmente severo para quem ganha de três a quatro salários mínimos.

Segundo ele, o programa tem o espírito correto, mas está mal desenhado —faz a recomposição parcial do salário a partir de frações do seguro-desemprego. Mas o valor do benefício oferecido pelo governo, diz ele, deveria considerar a manutenção do salário integral do trabalhador.

A regra de pagamento do seguro-desemprego prevê três faixas de cálculo, além do valor mínimo, que será sempre o piso dos salários, de R$ 1.045 neste ano. O valor máximo equivale a menos de 1,8 salário mínimo: R$ 1.813,03.

A vinculação do benefício ao seguro-desemprego achata o valor final a que o trabalhador tem direito, diz o economista. Quanto mais ele ganha, menor será a renda durante o período pelo qual a empresa adotar as regras do programa.

Para quem decidir por jornada e salário menores, a duração pode ser de até três meses. Essa redução salarial também será maior nos casos em que a empresa optar pela suspensão dos contratos. Com exceção das firmas maiores, com faturamento anual acima de R$ 4,8 milhões, as demais poderão manter o vínculo suspenso por até dois meses. Nesse intervalo, só pagarão aos funcionários benefícios previstos em contrato, como plano de saúde.

A remuneração será igual ao valor do seguro-desemprego.

Para Ulyssea, o teto do seguro acaba sendo um valor arbitrário. “Para o trabalhador que recebe até um salário mínimo e meio, não vai fazer diferença. O que a gente chama de taxa de reposição —ou seja, o quanto o seguro-desemprego repõe da renda anterior do trabalhador— é alta, em torno de 80%”, diz.

O problema, segundo o pesquisador, é que existe um contingente grande de trabalhadores que recebem mais, entre três e quatro salários mínimos —e ainda não é de alta renda—, mas que ficarão com uma reposição baixa ante a remuneração que recebia antes.

Bernardo Sorj* - Pessach/Páscoa, a travessia

- O Estado de S.Paulo

‘Milagre do coronavírus’ é fazer com que todos se sintam parte da mesma comunidade humana

Quando o anjo da morte se abateu sobre o Egito, os hebreus receberam a ordem de se refugiar nas suas casas, pois quem saísse morreria, e quem ficasse no seu lar partiria no dia seguinte em direção à liberdade.

Em Pessach/Páscoa festejamos o início de uma travessia em direção à liberdade.

Liberdade sempre relativa, fugidia, impossível de definir, mas que redescobrimos cada vez que nos enfrentamos com situações de opressão.

Não vivemos em tempos bíblicos e nossa travessia depois da epidemia será outra. Não haverá desígnio divino nem a liderança de Moisés para nos guiar. E não deixará a lembrança de povos em confronto, mas a do conjunto da humanidade enfrentando um inimigo comum.

O “milagre do coronavírus” é que, pela primeira vez na História humana, cada morte, em qualquer lugar no mundo, nos coloca diante de um espelho no qual vemos nossos rostos e de seres queridos. Não importa onde, religião, raça ou posição social, todos nos sentimos parte da mesma comunidade humana e da mesma batalha, em cuja frente não estão exércitos, e sim médicos, enfermeiros e cientistas.

A 2.ª Guerra Mundial levou à Declaração dos Direitos Humanos. Podemos lamentar que a humanidade precise de grandes tragédias para avançar. Assim foi e assim será. Para que a atual tragédia não seja em vão, cada um deverá perguntar-se o que aprendeu nos tempos do coronavírus.

Todos nós queremos voltar à nossa vida normal. Alguns, esperemos que não muitos, procurarão esquecer o acontecido. Outros, cada um à sua maneira, usarão a oportunidade para mudar sua conduta, na sua vida pessoal e coletiva.

Cada um terá sua lista de mudanças a fazer. Só posso propor a minha, certamente limitada, que deverá ser enriquecida nas mais diversas formas por cada um, na vida pessoal e na ação coletiva.

Vivemos numa sociedade que não nos permite distinguir entre o essencial e o secundário. Hoje descobrimos que poucas coisas são essenciais para viver, que nossa principal preocupação é o bem-estar básico de nossos seres queridos e que ele depende do bem-estar do conjunto da comunidade nacional e da humanidade.

Sérgio Augusto - 11.04.01 d.c.

- O Estado de S.Paulo

Quem chegar vivo ao final da pestilência poderá testemunhar a morte da austeridade econômica

Falar do quê?, eis a questão. De coisas sérias, consequentes, duras, quiçá úteis e até edificantes ou adoçar a boca do leitor com o mel de fait divers escapistas? Remoer a deprimente arenga sanitária martelada ininterruptamente pela TV ou buscar um ponto de fuga lenitivo e psicologicamente profilático?

Sintetizando a questão em dois filmes sobre enfrentamento ao nazismo: vamos de Kanal ou de A Noviça Rebelde?

(Kanal, informo a leigos e desmemoriados, é um filme tenebroso do polonês Andrzej Wajda, sobre a resistência de seus patrícios à invasão nazista. É quase todo ambientado nos esgotos de Varsóvia. Já a fuga da família Trapp, como até as vacas do Tirol sabem, deu-se através das verdejantes colinas de Salzburgo.)

Como as colinas pós-pandêmicas tão cedo não irão revivescer ao som da música, kanalizemos nossa pauta. Ao esgoto, moçada.

Quem chegar vivo ao final da pestilência em curso poderá testemunhar algo que até recentemente parecia ainda um tanto longínquo, embora visível no horizonte: a morte da agenda de austeridade econômica, a vítima mais alvissareira do novo coronavírus.

Mas não se empolguem. A dívida pública de todos os países deverá atingir níveis assustadores, as economias mais frágeis, esse eterno grupo de risco, verão suas desigualdades aumentarem.

Adriana Fernandes - Falso dilema

- O Estado de S.Paulo

É falso o dilema entre salvar vidas e ter cuidado com as contas públicas. O cofre não está fechado para o resgate dos brasileiros que estão sem poder trabalhar devido ao isolamento recomendado por autoridades de saúde.

Quem tenta colocar carimbo de insensível naqueles que defendem o cuidado com as contas públicas em tempos de pandemia da covid-19 não está vendo ou não quer ver o problema sob uma visão mais ampla. Esse tipo de crítica só serve para lacração barata nas redes sociais. Mais uma opção pela polarização de apenas dois lados: o mau e o bom; adversários e aliados do governo Jair Bolsonaro.

Quem defende o zelo fiscal também deve e está defendendo a expansão das despesas, do endividamento público, para salvar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, os informais, o emprego dos trabalhadores com carteira assinada e a sobrevivência das empresas.

Deve-se criticar a velocidade das medidas e a briga política do presidente Jair Bolsonaro com governadores e congressistas. No Brasil, essa disputa foi acirrada e chegou a níveis perigosos em tempos de crise. E já custa caro.

A inércia do governo no início da pandemia, a pressão para o afrouxamento do isolamento, os entraves burocráticos num País onde tudo é muito amarrado, a começar pela legislação retardaram o socorro. Tudo isso é verdade.

Mas a despeito de todos esses problemas, o governo federal, governadores e prefeitos estão tomando mais medidas em único mês do que em muitos anos. As regras fiscais foram e estão sendo alteradas para abrir espaço para mais gastos. O que se fez já custa o tamanho de uma reforma da Previdência, que demorou anos para ser aprovada.

Raul Jungmann* - Um esboço de cenário pós-crise

- Capital político

Ao que tudo indica, em 2020 teremos uma contração do PIB da ordem de 4%. Já o mercado do trabalho deve chegar aos 14 ou 15 milhões de desempregados. Como se prevê que a economia irá se comportar em forma de “V”, em 2021 e 2022 estima-se um crescimento de 4%, o que, na média do triênio 2020/2022, dará um crescimento acumulado próximo a 6%.

Logo, é previsível que a renda a renda real medida pela Pnad contínua decresça, em 5% este ano. No conjunto, o cenário aponta para um quadriênio de relativa estagnação nos âmbitos econômico e social.

Na política, tendo o Presidente da República aberto mão do presidencialismo de coalizão e da coordenação e/ou alinhamento entre o Executivo e o Legislativo, o Congresso tende a distanciar-se da agenda governamental, intensificar seu movimento rumo a uma menor dependência do Planalto e a redução do apoio às reformas.

Isso, sobretudo após a condução da crise do coronavírus, mas também pela mudança do comando da Câmara e do Senado, cujos futuros presidentes dificilmente terão a sintonia e liderança dos atuais incumbentes em relação às reformas, em especial na Câmara.

Marcus Pestana - O que virá depois?

Nada é definitivo, exceto a consciência da inevitabilidade da morte. “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Crenças, convicções, certezas, ideologias, dogmas podem ser abalados pela evolução natural das coisas, pelo avanço da civilização e do conhecimento. Só o fantasma da morte nos traz a noção exata da transitoriedade da vida e da fragilidade de tudo que julgamos inabalável. Diante da morte, abandonamos a superficialidade das aparências e mergulhamos na essência da existência humana.

Diante de nossas fragilidades reveladas, talvez o melhor refúgio seja no terreno da arte, que nasce da sensibilidade humana. Nosso grande poeta itabirano escreveu certa vez: “Por que nascemos para amar, se vamos morrer? Por que morrer, se amamos? Por que falta sentido ao sentido de viver, amar, morrer?”. Nos escritos de Guimarães está lá: “Viver é um negócio muito perigoso”, “A gente morre para provar que viveu”. Um grande amigo meu gosta sempre de lembrar Clarice Lispector: “e bem sei que cada dia, é um dia roubado da morte”.

Na semana passada lancei a pergunta: depois da tempestade, virá a bonança? E concluí que tudo vai depender do aprendizado que fizermos na crise. Perguntei: será que vamos repensar nosso estilo de vida? Vamos contrapor vidas a empregos ou entender que o trabalho é uma ferramenta para uma vida feliz? Teremos uma nova percepção da natureza humana única em escala global para além de fronteiras, governos e nações? Seremos mais solidários ou egoístas? Entenderemos que diante da ameaça da morte, as distâncias entre ricos e pobres, poderosos e cidadãos comuns, se encurtam? Afinal, até o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, luta para sobreviver numa UTI. Seremos menos arrogantes e mais humildes politicamente para construirmos o diálogo necessário e os consensos em torno da solução dos verdadeiros problemas que atingem a população? Finalmente, vamos valorizar na medida certa o sistema de saúde, seja o público ou o privado?

Fernando Reinach* - Rascunho de estratégia

- O Estado de S.Paulo (7/4/2020)

Sucesso é obter alto grau de imunidade e simultaneamente minimizar número de mortes

Nas últimas semanas a dura realidade antevista pelos cientistas se concretizou: não vai ser possível impedir o espalhamento do coronavírus pelo planeta. Ele chega em uma onda avassaladora, o número de casos e de mortes aumenta rapidamente e está provocando o colapso do sistema de saúde. A única medida capaz de amenizar esse colapso é o isolamento social. O isolamento espalha o número de casos da Covid-19 ao longo do tempo, diminuindo a sobrecarga no sistema de saúde e o número total de mortes (o tal achatamento da curva). Essa medida foi implementada pelos governantes mais esclarecidos, que estão colhendo os frutos.

Mas a ciência tem mais a oferecer para lidar com a pandemia após a primeira onda. São esses conhecimentos que vão nos permitir escolher a melhor estratégia para sair da crise. O indicador de sucesso é simples de enunciar, mas difícil de executar. Sucesso consiste em obter rapidamente um alto grau de imunidade de rebanho na população e simultaneamente minimizar o número de mortes. O país que conseguir se guiar por esse índice sairá antes da crise com o mínimo de mortes.

Quando um novo vírus ataca uma população, ele só deixa de se espalhar quando não encontra mais pessoas para infectar. Isso ocorre quando uma parte razoável da população se torna imune. Na medida em que o número de pessoas que foram infectadas e curadas se tornarem imunes, ficará mais difícil para o vírus achar novas vítimas. Quando esse número chega a aproximadamente 80% da população, a pandemia simplesmente desaparece.

O que a mídia pensa - Editoriais

• O papel de cada um – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se algo inspira algum otimismo, é a certeza de que as instituições como o Supremo e Congresso são capazes de proteger o País das investidas irresponsáveis do presidente

Uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em caráter liminar, impede que o presidente Jair Bolsonaro suspenda unilateralmente as medidas de isolamento tomadas por Estados e municípios para enfrentar a pandemia de covid-19. No entender do ministro, o presidente da República, caso resolva levar adiante sua ameaça de realizar esse tipo de intervenção nos entes subnacionais, estará violando preceitos constitucionais como a proteção à saúde e o respeito ao federalismo e a suas regras de distribuição de competências.

O ministro enfatizou que é justamente em “momentos de acentuada crise” como este que se faz mais necessário o espírito de cooperação entre os Poderes e os entes federativos, “em defesa do interesse público” e “sempre com absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional”, de modo a evitar o “exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de covid-19” – referência clara às atitudes de Bolsonaro, que vive a se jactar do poder da caneta presidencial.

Música | Geraldo Azevedo você se lembra

Poesia | Pablo Neruda - Se você me esquecer