- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico
Otimismo com a queda do Muro de Berlim, há 30 anos, dá lugar a era de intolerância
Nos anos 80, eu sempre me sentia aliviado ao chegar à Hungria vindo da austera Tchecoslováquia ou da prisão ao ar livre que era a Romênia. Na verdade, naquele período, até mesmo identificar a Hungria como “comunista” já seria forçar a barra. Com um pé no lado ocidental e outro no oriental, o país era descrito desde meados dos anos 60 como “a barraca mais animada do acampamento”.
Por baixo do verniz, no entanto, uma polícia secreta ativa assediava, intimidava e aprisionava a oposição democrática. Esse grupo abrangente de dissidentes teve papel vital em sustentar nos anos 80 os ideais da antiga Revolução Húngara de 1956. O grupo, no entanto, basicamente formado por intelectuais e veteranos daquela revolução, não conseguia arregimentar grande apoio entre as pessoas comuns.
Mas, em 1988, emergiu uma força enérgica e radical. Esse novo grupo fez questão de apenas aceitar membros com menos de 35 anos. Os jovens tomaram as ruas sob sua liderança em números que não se viam desde 1956. Lembro deles marchando ao Orszaghaz, o prédio do Parlamento em Budapeste. Eram destemidos. Marchavam sob o estandarte do Fidesz - a Aliança dos Jovens Democratas.
À frente estava um jovem carismático e bem articulado, proclamando que a era dos comunistas estava chegando ao fim. Ele tinha um inglês excelente e durante esse período o entrevistei em algumas ocasiões para ouvir seu ponto de vista sobre o futuro: democracia multipartidária, liberdade de expressão, imprensa livre e liberdade de reunião. Ele, sem dúvida, me convenceu.
Desde então, Viktor Orbán seguiu em frente e convenceu milhões de húngaros. Só que sua mensagem mudou. Agora, o outrora fervente democrata é o inventor de um híbrido peculiar, a “democracia iliberal”. Ele é a própria personificação dos últimos 30 anos: do autoritarismo à liberdade e da liberdade de volta a um certo tipo de autoritarismo.
Atolados como estamos agora em uma nova era de nacionalismo e intolerância, é difícil conjurar a euforia e o otimismo daqueles dias de novembro de 1989, da queda do Muro de Berlim. A partir de 1991, a violência extrema do desmembramento da Iugoslávia foi um alerta inicial para as sérias dificuldades que seriam enfrentadas pela transição do comunismo ao capitalismo.
Por toda a região, os governos de dissidentes e especialistas técnicos que tomavam posse estavam completamente quebrados. A União Europeia oferecia palavras cordiais e começava a contemplar um plano de integração. A Alemanha, em especial, mas a França também, fez investimentos pesados nas economias da Europa Central.
O Ocidente, entretanto, também encorajou uma passagem rápida, e muitas vezes traumática, das economias de planejamento central para o livre mercado, uma transformação para a qual as enferrujadas instituições dos Estados comunistas não estavam preparadas. O resultado rapidamente ganhou um apelido brutalmente honesto: capitalismo gângster.
Para compreender a emergência de uma cultura de corrupção e a devastação infligida pelo crime organizado, primeiro é preciso voltar ao próprio ápice da Guerra Fria, quando comecei a visitar os países comunistas - primeiro como turista, depois como jornalista e, por alguns poucos anos inebriantes na década de 80, como ativista contrabandeando mensagens de dissidentes sitiados.