(José Arthur Giannotti, no artigo Esquerda amenizada, domingo em o Estado de S. Paulo/Aliás)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – José Arthur Giannotti
(José Arthur Giannotti, no artigo Esquerda amenizada, domingo em o Estado de S. Paulo/Aliás)
Com Lula e sem oposição - Editorial
Não há duas opiniões sobre os resultados da mais recente pesquisa sobre a sucessão presidencial a da CNT/Sensus, divulgada na segunda-feira. É unânime a avaliação de que a subida da ministra Dilma Rousseff diz quase nada do que o eleitor acha dos seus atributos administrativos, políticos ou pessoais. Tampouco resulta de uma eventual comparação favorável com outros presidenciáveis. O fato que conta é ser ela a única candidata em campanha, carregada para cima e para baixo por um presidente cujo índice de aprovação está perto de 82%, o mais alto desde maio passado (assim como a avaliação positiva de seu governo, na casa de 71%).
O crescimento das intenções de voto em Dilma varia como que na razão direta do seu grau de exposição ao público aquele que é levado aos comícios para conhecer a "continuadora" da obra de Lula e aquele que a vê nos telejornais participando ao lado do presidente de mais uma inauguração ou vistoria fabricada exatamente para isso, como se fossem engrenagens de um rolo compressor. O eleitor só sabe da ministra o que o seu arrimo diz e nas circunstâncias que ele escolhe para dizê-lo. Nessa campanha antecipada ? uma espécie de transgressão institucionalizada da Lei Eleitoral e do princípio que veda o uso de bens públicos para fins políticos, Lula é a figura absolutamente dominante.
A tal ponto que na pesquisa espontânea de intenção de voto (quando se pede ao entrevistado que diga um nome, em vez de lhe mostrar uma cartela com um punhado de alternativas), o Instituto Sensus apurou que o presidente impedido de disputar um terceiro mandato consecutivo ainda é o preferido de cerca de 20% dos brasileiros, o dobro dos que mencionaram Dilma ou o governador tucano José Serra. A maioria, em todo caso, não soube ou não quis responder. A ministra deve o que tem 28% em um cenário que inclui Ciro Gomes, do PSB, e 29% sem ele, ante 33% de Serra numa hipótese e 41% na outra à "determinação" de Lula em promover a sua candidatura, como diz um correligionário de Ciro, o senador Renato Casagrande.
Essa determinação é o ar que o presidente respira dia e noite. Dele se pode dizer que nada que diga respeito às chances de emplacar a sua escolhida lhe é estranho. E nenhuma outra questão se sobrepõe a isso, a começar do cumprimento do calendário eleitoral que ele transforma em peça de ficção. As viagens que já disse que continuará fazendo, a pretexto de fazer as coisas andar ? "o olho do dono engorda o porco", disse há pouco ?, são apenas a ponta visível da montanha de ações que empreende a favor da ministra. Ele não se limitou a enquadrar o partido e atrelar o governo à sua candidatura. Com um desvelo que nunca demonstrou pelas servidões do seu cargo, cuida da sintonia fina do preparo da campanha.
Quando se ocupa de assuntos de economia interna do PT ou enfrenta dilemas no governo, guia-se invariavelmente pela pergunta: "Que será melhor para Dilma?" Isso para não falar do problema por excelência da sucessão: a adesão do PMDB à candidata. O que passa por um acordo sobre o nome do seu parceiro de chapa que deixe confortável a caciquia que dá as cartas nessa conhecida federação partidária. Lula se deu mal quando sugeriu que a legenda apresentasse uma lista de três nomes para a escolha da companheira ou melhor, dele próprio. Voltou atrás, mas decerto não desistiu de influir nos arranjos peemedebistas. A caneta presidencial é um forte argumento.
Outro problema, ligado àquele, que faz Lula arregaçar as mangas são as alianças eleitorais nos Estados os palanques de candidatos adversários aos governos locais capazes de acolher a petista Dilma. Segundo a Folha de S.Paulo, ela teria 35 desses palanques, 10 a mais do que Serra. Não se imaginará que essa construção prescinda do empenho de Lula. A oito meses da eleição, ele exala otimismo. "Olha, Dilma, tudo está melhorando para nós", comemorou numa conversa no gabinete que deveria servir para melhorar a gestão dos assuntos de Estado. "A gente vai continuar trabalhando para a popularidade subir ainda mais", prometeu.
Nem mesmo em um evento oficial, a inauguração de escolas técnicas no Distrito Federal, anteontem à noite, Lula se segurou. "Não há pressão que consiga subir com a pesquisa de hoje", declarou, confiante nos efeitos terapêuticos do desempenho da ministra sozinha no páreo.
Merval Pereira:: O G-2 busca o equilíbrio
A tese de que o mundo pós-crise seria multipolar, com diversos centros de poder, vai se confirmando com os países emergentes, entre eles o Brasil, mas especialmente na Ásia, revelando uma resiliência na performance de suas economias de que as chamadas economias maduras, como a dos Estados Unidos e a das nações da Europa, não são capazes.
Mas, mesmo que o G-20, grupo das maiores economias do mundo, inclusive as emergentes, se tenha mostrado mais apto a refletir o momento atual do mundo do que o G-8, é na relação bilateral de Estados Unidos e China - o G-2 - que o novo mundo está realmente representado.
Para Yan Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, na China, o mais importante para um bom relacionamento entre Estados Unidos e China é "confiança mútua". Não importando que pergunta lhe era feita no debate em que ele e outros estudiosos e políticos discutiam o relacionamento do G-2 no Fórum de Davos, o professor repetia o mesmo conselho: "confiança mútua".
E acrescentava: a estabilidade do relacionamento deve obedecer à política dos quatro "C", em inglês: entendimento amplo de questões (comprehensive), sinceridade (candid), cooperação (cooperative) e construtivo (constructive).
É exatamente na falta de "confiança mútua" que está rastreada a presente crise entre as duas potências mundiais, uma os Estados Unidos, que permanece como a maior economia do mundo e a maior força militar, e outra, a China, em progresso para se tornar a maior economia da Ásia, assumindo o segundo lugar em termos mundiais, que é ocupado pelo Japão.
E passando, desde o final do ano passado, a ser o maior comprador de títulos do Tesouro americano, sendo credor de um total próximo a U$1 trilhão.
Assim como fica claro, cada vez mais, que o mundo multipolar que se redesenha, especialmente depois da crise financeira internacional, terá nesses dois países os líderes incontestes, está claro também que tanto Estados Unidos quanto China movem seus dados no tabuleiro geopolítico com mais audácia, na tentativa de testar os limites do outro.
O anúncio da venda de armamentos para Taiwan no valor de U$6 bilhões, e a insinuação de que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pode se encontrar com o Dalai Lama nos próximos meses, foram estocadas diretas no que a China mais preza, a soberania de seu Estado.
E foi para quebrar um pouco a arrogância com que a China vinha tratando os Estados Unidos que a administração Obama entrou nesse caminho de confrontação política.
O objetivo inicial seria enviar uma mensagem a Pequim, que teria dado sinais nos últimos tempos de desdenhar o novo governo americano, sem entender a mudança de política externa, mais baseada no diálogo do que na exibição de força, mesmo que retórica.
O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, enviou por duas vezes um substituto para encontros oficiais com Obama. Na reunião de Copenhague sobre o clima, preferiu se reunir com os representantes do grupo Basic (Brasil, África do Sul e Índia), deixando os Estados Unidos de fora.
Obama teve que ir, sem ser convidado, até a sala onde acontecia a reunião e forçar sua participação no encontro.
O papel da China na cúpula do clima em Copenhague, aliás, foi muito criticado, e não apenas pelos americanos. Mas os chineses não aceitam a acusação de que obstruíram um acordo global, e consideram que fizeram avanços ao assumir o compromisso unilateral de cortar as emissões de CO em até 55% até 2025.
Interessa também aos Estados Unidos forçar uma posição mais ativa da China com relação ao programa nuclear do Irã.
No Fórum de Davos, foi possível constatar como a percepção do público - mesmo uma plateia qualificada como a que acompanhou os painéis - é diferente da dos especialistas.
No painel em que se debatia a nova agenda dos dois países, foi colocado em votação qual seria o principal tema. A política monetária veio em primeiro lugar, com 38,3% dos votos, e o comércio em segundo, com 34,6%.
Os dois assuntos estão interligados, já que uma mudança na política monetária da China, encerrando a fase de controle artificial da moeda para torná-la menos valorizada, fará também com que se altere a balança comercial chinesa com os diferentes países.
Com relação à política monetária, houve um consenso entre os debatedores em Davos de que, embora não haja sinal de curto prazo de que a China vá valorizar sua moeda, a médio e longo prazo não haveria alternativa, pois manter a moeda controlada prejudica a economia da maioria dos países, não se tratando de uma política meramente bilateral entre Estados Unidos e China.
Mas o interesse dos Estados Unidos é um grande fator para pressionar o governo chinês no sentido de valorizar o Yuan.
A meta de dobrar as exportações nos próximos cinco anos, anunciada pelo presidente Barack Obama em seu discurso de abertura de ano no Congresso, é considerada pelos especialistas como de difícil execução caso a moeda chinesa não seja valorizada.
Mas, ao contrário do público, a maioria dos participantes de painéis em Davos considerou que a segurança é o maior desafio entre os dois países.
A posição da China é importante para os Estados Unidos não apenas em relação ao programa nuclear do Irã, mas também sua capacidade de interceder junto à Coreia do Norte.
A questão do terrorismo internacional é outro ponto também importante para os Estados Unidos.
E é exatamente em questões ligadas à segurança que estão os maiores pontos de atrito atualmente entre os dois países.
José Nêumanne::A redenção passa pela dúvida, não pela fé
A morte do escritor americano J. D. Salinger, na semana passada, remete-nos a uma evidência que passou despercebida no último meio século: a era da rebeldia começou de fato na época de ouro, ou seja, contrariando a cronologia, os anos 60 tiveram início em 1951, ainda no comecinho do decênio anterior, o dos 50. Naquele ano foi lançado o romance O Apanhador no Campo de Centeio, um dos maiores êxitos de crítica e de vendas do mercado editorial mundial e, sem dúvida, uma obra de importância capital no cenário conturbado do século 20, que começou com uma carnificina nas trincheiras da Europa e terminou com a nova ordem mundial configurada na Guerra nas Estrelas. Além de ter vendido mais de 60 milhões de exemplares no planeta, ela exerceu em seus leitores influência comparável à de outros clássicos recentes, como O Estrangeiro, do franco-argelino Albert Camus, e Eichmann em Jerusalém - Relato sobre a Banalidade do Mal, da judia alemã Hannah Arendt.
A obra-prima de Camus, principal razão para que o autor se tornasse, aos 44 anos de idade, o mais jovem escritor a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, foi editada em Paris nove anos antes da de Salinger. Graças a esse texto de qualidade incomparável, o filho de colonos brancos franceses (pés-pretos) na Argélia, de população de maioria árabe, foi recebido em Paris como um igual pelos filósofos existencialistas, que conquistariam mentes e corações no pós-guerra. A saga do protagonista, Meursault, entre o dia em que a mãe morreu e a data de sua execução por haver matado um árabe na praia, encantou o cosmopolita Jean-Paul Sartre, de quem Camus se tornaria amigo fraterno e, depois, desafeto figadal. Tuberculoso, este morreria aos 47 anos num acidente de automóvel, deixando a impressão de que sobreviveria como genial escritor, mas não como o pensador contestado por Sartre, que terminou trocando seu pensamento original pelo radicalismo do marxismo chinês de Mao Tsé-tung. Passados 50 anos da morte de Camus e 30 do concorrido enterro de Sartre, sobrevive a ética camusiana, que rompeu com o comunismo e execrou o terrorismo como uma forma de barbárie, meio século antes da derrubada das Torres Gêmeas pela Al-Qaeda de Bin Laden.
O Estrangeiro antecedeu na ficção a condenação de Camus, em artigos de sua autoria e editoriais que escreveu para o jornal da resistência à ocupação da França pelos nazistas, o Combat, ao sacrifício de vidas inocentes a pretexto de vingança política. O homicídio gratuito (atribuído ao sol inclemente na praia onde se deu o crime), principal evento da novela, é profético quanto aos atentados a bomba usados como represália ao colonialismo francês na libertação da Argélia e ao terrorismo suicida cometido pelos fundamentalistas muçulmanos no Oriente Médio e pelo resto do mundo afora. A equivocada adesão de Sartre à utopia sangrenta de Stalin, Mao, Fidel e Pol Pot em nada desvaloriza a importância de sua obra filosófica e muito menos a qualidade literária rara de um texto primoroso como As Palavras. Mas dos confrontos entre os ex-amigos ficou patente a razão profética do proletário pé-preto sobre o engano do nobre mestre-escola.
A amarga constatação do absurdo da condição humana, registrada na obra-prima de Camus, repetiu-se no texto seminal de Salinger, com uma diferença. Meursault era um cínico. E o niilismo de Holden Caulfield, o protagonista de 16 anos de idade de O Apanhador no Campo de Centeio, propagou a ilusão de que a juventude seria atributo suficiente para aprimorar o mundo e a humanidade. A capacidade do romancista americano de reproduzir, por escrito, a angústia dos adolescentes de seu tempo num dialeto de tribos até hoje reproduzido em praticamente todas as línguas faladas na Terra fascinou leitores e produziu prosélitos dessa crença no poder reformador da puberdade. O isolamento radical que o romancista se impôs por mais da metade de sua vida talvez possa ser o sinal do próprio inconformismo com os resultados funestos da semeadura de Caulfield. Ou não. Mas o fato é que Salinger não pode ser inculpado pelas consequências dela.
A saga política dos estudantes enfurecidos de Paris em 1968 não resultou no aprimoramento dos mecanismos do velho Estado Democrático de Direito das Revoluções Gloriosa e Americana, mais de dois séculos antes, mas em brutais tiranias de direita e esquerda. Símbolos cruentos da transformação do sonho em pesadelo foram o Khmer Vermelho, na Ásia, e a guerra suja da esquerda armada contra as ditaduras militares na América Latina.
A decantada revolução dos costumes lançada pelos requebros de Elvis Presley na América e pela eletrificação dos instrumentos dos Beatles e dos Rolling Stones na Velha Albion foi outro fiasco de Caulfield, simbolizado no assassínio do beatle John Lennon, na frente do prédio onde morava, em Nova York. O autor do lema que sintetizou o dilema - "o sonho acabou" - foi baleado por um fã que se disse inspirado no adolescente inconformado que Salinger inventara 29 anos antes. Ainda vale, pois, a lição de Nelson Rodrigues aos jovens: "Envelheçam, meus filhos!"
Nos anos 60, Hannah Arendt cobriu para a revista The New Yorker o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado pelo serviço secreto israelense na Argentina. O livro resultante da cobertura, Eichmann em Jerusalém - Relato sobre a Banalidade do Mal, pode ter a resposta para as questões que atormentaram Camus e Salinger sobre o absurdo da condição humana e a dificuldade para superá-la. O mal não resulta da exceção monstruosa, mas é banal. Ao contrário do que escreveu Sartre, o inferno não são os outros, mas o fascínio doentio e irresistível que o próprio reflexo no espelho exerce sobre cada um de nós. A redenção passa pela dúvida desarmada, não pela fé cega, faca amolada.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
Fernando Rodrigues:: No PT, nada ao vosso reino
BRASÍLIA - Ciro Gomes reapareceu ontem em Brasília. Reafirmou sua decisão de ser candidato a presidente. Lembrou a todos ter acertado com Lula uma avaliação do quadro no final de março.
O PSB, partido de Ciro, só tem a ganhar com a manutenção da candidatura própria a presidente. Terá mais chance de eleger governadores, senadores e deputados. Pode sair maior das urnas.
Os socialistas herdeiros de Miguel Arraes até poderiam abrir mão desse projeto. O enrosco é a falta de contrapartida. Na oração do PT, só há espaço para o "venha a nós", e nada para o "vosso reino". Tal como está formatada, a coalizão petista é um ativo tóxico para o PSB. Eis os detalhes da proposta lulista:
1) Sacrifício: Ciro Gomes desiste de disputar o Planalto. Apoia Dilma Rousseff. De quebra, o PSB aceita enfrentar calado a oposição do PT em alguns Estados;
2) Missão: o PSB despacha Ciro para São Paulo para perder a eleição para o Palácio dos Bandeirantes. Ex-candidato a presidente duas vezes, dono de mais de 10% nas pesquisas nacionais e o primeiro a aderir incondicionalmente a Lula no segundo turno de 2002, Ciro também teria de servir de boca de aluguel do PT: passaria a campanha vituperando contra o PSDB em solo paulista, pois os petistas de modos atucanados como Aloizio Mercadante, Marta Suplicy e Antonio Palocci fazem de tudo, menos se indispor com José Serra;
3) Prêmio: nenhum. O PSB fica de mãos abanando e se dando por feliz com ministérios de segunda classe e sem expressão política. Assim é o tipo de aliança oferecida pelo PT. É também um prenúncio da voracidade e da hegemonia petista a partir de 2011 se o grupo de Lula vencer a disputa em outubro.
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Antonio Palocci não desistiu de ser candidato ao governo de São Paulo. Foi "desistido" por Lula.
Tucanos se reúnem à procura de discurso
PSDB afirma que momento agora é de formar palanques estaduais fortes, não de anunciar a candidatura presidencial
Pré-candidato, Serra tem se queixado da falta de ajuda na montagem de palanques sólidos; sigla não conta com candidatos no CE e no AM
O PSDB se reuniu ontem para buscar um discurso neste ano eleitoral. Os tucanos fizeram a primeira reunião da bancada de deputados federais.
O partido e seus principais aliados (DEM e PPS) também dizem que o momento agora é de consolidar os palanques estaduais e não de anunciar o candidato à Presidência, apesar de essa posição gerar controvérsia entre parlamentares.
Segundo participantes da reunião da bancada, houve debate sobre o melhor momento para oficializar a candidatura do governador de São Paulo, José Serra, que mantém sua estratégia de postergar o anúncio.
Serra afirmou ontem, em Itu, ao ser questionado sobre as pesquisas, que "não fala de política". "Estou aqui como governador, trabalhando."
Em conversas, ele tem se queixado da falta de cooperação dos tucanos na montagem de palanques sólidos. O PSDB não conta com candidatos no Ceará e no Amazonas.
No Rio Grande do Sul, a insistência da governadora, Yeda Crusius, em disputar a reeleição dificulta um acordo com o PMDB já no primeiro turno.
No Paraná, a candidatura do prefeito Beto Richa inviabiliza um acordo com o senador Osmar Dias (PDT), que poderia debilitar o palanque de Dilma no Estado. O PSDB do Paraná tem uma reunião programada para semana que vem, mas tucanos duvidam que o partido abra mão de candidatura de Richa em favor de Osmar Dias.
Em conversas, Serra também tem se queixado da falta de organização do partido.
Discurso
"A bancada precisa ter um discurso mais unificado e repetitivo. Vamos tocar nos pontos principais, como o aparelhamento do Estado, defesa das nossas conquistas, da democracia", disse o líder do PSDB na Câmara, João Almeida.
A reunião ocorreu um dia depois da divulgação da pesquisa CNT/Sensus, que apontou que, com o deputado Ciro Gomes (PSB) na disputa à Presidência, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) encosta em Serra.
Neste cenário, Serra recebeu 33,2% das intenções de voto, seguido por Dilma, com 27,8%, e por Ciro, com 11,9%.
Tucanos e aliados dizem que Serra herdará mais votos de Ciro do que Dilma, caso o candidato do PSB desista da disputa.
"O resultado não foi consistente com resultados de outros institutos. É absolutamente previsível que candidata do presidente e do PT cresça, ainda mais com uma campanha antecipada que desrespeita a lei", afirmou o presidente do PSDB, senador Sergio Guerra.
"O governador de São Paulo está absolutamente aplicado para atuar por São Paulo. Isso é sincero e factual. Nossa conduta é de respeitar a lei."
Guerra afirmou que o momento agora é de fortalecer palanques estaduais "verdadeiros", que realmente atuem na campanha presidencial, ao contrário de alguns casos ocorridos em 2006 e 2002.
Antigo defensor da antecipação da candidatura presidencial da oposição, o presidente do DEM, Rodrigo Maia, agora defende o mês de março.
"Estamos no caminho certo, tratando dos palanques estaduais", afirmou. "Eu discordei da estratégia [de não anunciar a candidatura] lá atrás , mas hoje acho que não havia estratégia possível para combater tamanho desrespeito à lei", disse.
(Fernando Barros De Mello e Catia Seabra)
Pedro Cafardo::Em 2010, é preciso refletir sobre 2006
Quando terminou a campanha presidencial de 2006, alguns políticos disseram que a imprensa deveria refletir sobre seu comportamento durante o processo eleitoral. A reação dos jornalistas foi feroz. Afinal, a classe política, tão cheia de figuras com deplorável comportamento ético, para dizer o mínimo, tem pouca moral para cobrar reflexão da imprensa.
O tema, porém, precisa ser tratado com serenidade. Às vésperas de uma nova eleição presidencial, é oportuno lembrar o grande acirramento de ânimos da campanha de quatro anos atrás. É necessário admitir que, em certos momentos daquela disputa, uma parte da imprensa ultrapassou o sinal vermelho em alguns episódios, principalmente nas horas decisivas do pleito, tanto no primeiro quanto no segundo turno.
Os veículos de comunicação têm o direito de tomar posição e mesmo revelar seu "voto" em algum candidato em seus editoriais. Isso é legítimo, embora poucos o façam no Brasil. Mas é discutível, do ponto de vista ético, seu direito de utilizar o espaço do noticiário em favor da campanha eleitoral de um ou outro candidato. O exame sereno de páginas e páginas de jornais e revistas publicadas na última eleição mostra que, em momentos de maior exacerbação, alguns veículos ficaram muito parecidos com panfletos eleitorais.
Candidatos foram abertamente chamados de "ladrões" por alguns colunistas e em títulos de reportagens. Sem dúvida, houve escancarado engajamento político de muitos colunistas e repórteres, de ambos os lados. É verdade que esse engajamento já ocorreu largamente em eleições presidenciais passadas, desde a primeira após a redemocratização, em 1989, quando Fernando Collor de Mello foi eleito.
Em campanhas eleitorais anteriores à de 2006, havia em vários veículos uma preocupação bastante definida, em alguns casos até obsessiva, de contabilizar o número de colunas e páginas utilizadas na cobertura de cada candidato. Na campanha passada, essa preocupação desapareceu.
Por tudo isso, parece razoável a sugestão de que a imprensa precisa refletir sobre o seu comportamento passado e sobre os limites da ética antes do início da nova campanha presidencial.
Pode um colunista, por exemplo, bater sistematicamente na mesma tecla, fazendo acusações e críticas a um candidato, sem nenhuma comprovação e sem dar espaço à defesa do acusado?
Pode uma manchete de página chamar um candidato de ladrão, sob o argumento de que a afirmação foi feita "on the record" por um entrevistado do partido adversário?
Repórteres podem acobertar uma fonte mesmo sabendo que ela mente para esconder sua própria lambança?
Não há justificativas para algumas tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa ocorridas durante a campanha passada e principalmente após a vitória de Lula, ainda que se tenha um "rosário de queixas" contra alguns jornalistas, como disse na época um senador. São inaceitáveis agressões contra jornalistas como a que se deu há quatro anos, em Brasília, por militantes petistas, num clima deplorável de "linchamento".
Um clássico escorregão da mídia, na campanha eleitoral ou fora dela, tem sido divulgar denúncias que levam o leitor a identificar acusados como culpados. Claro que a imprensa não é responsável pelo corporativismo do Congresso, que poupou (deixou de cassar) muitos políticos acusados de corrupção, ou por eventuais falhas da Justiça ao inocentar esses políticos em processos. Mas à imprensa cabe cuidar para não fazer pré-julgamentos, ainda que isso às vezes signifique a perda de um furo. Em resumo, a imprensa tem a obrigação de praticar autocrítica e se submeter com mais humildade a avaliações externas sobre a qualidade e a imparcialidade de seu trabalho informativo. Desde que, obviamente, essas avaliações partam de fontes que respeitem a liberdade de informação e as diferenças de opinião.
Pedro Cafardo é editor-executivo do "Valor". A titular da coluna, Rosângela Bittar, está em férias
Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
Triângulo das Bermudas
Depois da candidatura presidencial do deputado Ciro Gomes (PSB), o maior problema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alavancar a candidatura da ministra Dilma Rousseff(PT) é fechar o sistema de alianças que pretende montar no chamado Triângulo das Bermudas — região do Caribe famosa pelo sumiço de embarcações e aeronaves —, os estados de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
O lançamento da candidatura de Dilma por cima dos partidos da base facilita a vida do presidente Lula junto aos eleitores, mas não resolve o problema das alianças políticas. É incrível a capacidade de o PT se embaralhar nas próprias pernas, o que explica, em parte, a decisão do presidente Lula de apartar seu projeto de sucessão dos projetos petistas nos estados. Ao lado, confira o que acontece nos três maiores colégios eleitorais do país. --> --> --> -->
São Paulo
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) é nome mais competitivo do PT ao governo de São Paulo, mas não aceita a missão, prefere a reeleição. A alternativa é a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT), que aceita a tarefa. A máquina petista, principalmente os sindicalistas, prefere o prefeito de Osasco, Emídio de Souza. E não quer saber do senador Eduardo Suplicy (PT), que tenta viabilizar sua candidatura, mas os dirigentes fingem que ele não existe. O presidente Lula se empenha para acomodar o deputado Ciro Gomes na disputa pelo governo de São Paulo, o que o PT não quer, apesar de fingir o contrário. Resultado: o ex-governador tucano Geraldo Alckmin (foto), candidato ao Palácio dos Bandeirantes, apesar das enchentes, nada de braçada.
Rio
Pressionado por Lula, o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Faria (PT), desistiu da candidatura a governador, mas não abre mão da vaga ao Senado, pleiteada também pela ex-governadora Benedita da Silva. O partido está alinhado com o governador Sérgio Cabral (PMDB), cujo candidato ao Senado é o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), que o PT rejeita. Espirrou da aliança o senador Marcelo Crivella (PRB), que articula a candidatura a governador do apresentador Wagner Montes (PDT) para viabilizar a própria reeleição. Enquanto isso, a oposição trabalha para levar o deputado Fernando Gabeira (PV) ao segundo turno.
Minas
O PT está dividido entre dois candidatos ao governo, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. O PMDB lidera a disputa eleitoral com o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), mas o PT se recusa a apoiá-lo, embora queira a aliança com o PMDB. Prefere vê-lo na vice da ministra Dilma Rousseff (PT), no lugar do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), escolhido pela legenda. Enquanto isso, o governador Aécio Neves (PSDB), que será candidato ao Senado, fortalece a candidatura do vice Antônio Anastasia (foto), que assumirá o governo e concorrerá à reeleição.
Guarani
Mais de 600 índios da etnia Guarani, de sete estados brasileiros e da Bolívia, do Paraguai e da Argentina, começam hoje um encontro na aldeia indígena Tekoha Añetete, em Diamante D’Oeste, Paraná. O Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa, Encontro dos Povos Guarani da América do Sul (http://blogs.cultura.gov.br/encontroguarani), é patrocinado pelo Ministério da Cultura. No Brasil, vivem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Hoje, são apenas 65 mil
Colateral
A queda de braço entre o PT e o PSB contaminou o Ceará. A troca de farpas administrativas entre a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT-CE), e o governador do estado, Cid Gomes (PSB-CE) — que batem boca publicamente por causa da construção do estaleiro de Titanzinho — tem motivação política. Cid é o maior incentivador da manutenção da candidatura do irmão, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), à Presidência da República.
Pesquisa/ O resultado da pesquisa CNT/Sensus, divulgada na segunda-feira, reforçou a tese, dentro do PSB, da importância da presença de Ciro Gomes na disputa presidencial. Mas a decisão só sai mesmo em março, depois do resultado de uma pesquisa qualitativa encomendada pela legenda.
Surdo/ O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), não quis nem ouvir falar em 40 horas semanais ou reajuste de aposentados e pensionistas. Cancelou a reunião marcada com os deputados Vicentinho (PT-SP) e Paulinho da Força (PDT-SP).
Pajelança/ Lideranças indígenas de 10 estados brasileiros, de cocar e pintados para a guerra, desfilaram pelos corredores da Câmara ontem. Ao novo líder do PT na Casa, Fernando Ferro (PT-PE), o líder dos pankararu em Pernambuco, Carlos Pankararu, pediu apoio para apear Márcio Meira da presidência da Funai.
Central/ A União Geral dos Trabalhadores (UGT), que surgiu de uma dissidência da Força Sindical, abre hoje seu escritório em Brasília, com a presença do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. “Além de ser um ponto de apoio para as ações e mobilizações em Brasília”, explica Ricardo Patah, presidente da UGT. Bom credor.
Palanque
Correndo por fora, a ex-ministra Marina Silva (PV-AC) garantiu mais um palanque para disputar a Presidência da República. Vai discursar em Minas Gerais — segundo maior colégio eleitoral do país — ao lado do candidato verde ao governo do estado, José Fernandes. Ele é filho do ex-governador de Brasília José Aparecido.
Marcos Coimbra:: O cenário de janeiro
Outro dos projetos de Lula para as eleições está se materializando. Tudo indica que teremos a polarização que ele sempre buscou: um embate PT x PSDB já no primeiro turno
Janeiro terminou cheio de boas notícias para Lula, pensando no seu projeto principal, aquele ao qual dedica seu melhor esforço: dar a vitória a Dilma em outubro. Nas duas pesquisas nacionais divulgadas nos últimos dias, os resultados são todos favoráveis a ele: sua popularidade subiu, sua candidata melhorou, o principal adversário parou ou retrocedeu um pouco, aumentou a tendência à polarização.
A primeira foi feita pela Vox Populi entre os dias 14 e 26 e a segunda pela Sensus, entre os dias 25 e 29, as duas em janeiro. Nelas, não há nenhum resultado que surpreenda pelo ineditismo, tudo sendo coerente com o panorama que outras pesquisas feitas no correr de 2009 já apontavam. Elas apenas mostram que a passagem do tempo está contribuindo para provocar a situação desejada pelo presidente.
Ambas testaram duas hipóteses nas perguntas de intenção estimulada de voto, uma com e outra sem o nome de Ciro Gomes. Nos dados da Vox, Serra continua liderando, mas com vantagem significativamente menor. Com Ciro na lista, Serra tem 34% e Dilma 27%, ele 11% e Marina 6%. Sem, Serra sobe para 38%, Dilma fica com 29% e Marina com 8%. Na Sensus, Serra teria 33% e Dilma 28%, ficando Ciro com 12% e Marina com 7%. No outro cenário, Serra 41%, Dilma 28% e Marina 10%.
Olhando para o que tínhamos há alguns meses, as mudanças são grandes. Não faz muito tempo, Serra reunia, sozinho, intenções suficientes para vencer a eleição em primeiro turno, ao fazer mais que a soma de seus oponentes. Nessas pesquisas, mesmo no cenário sem Ciro, a possibilidade parece remota.
A dianteira de Serra sobre Dilma foi o que mais mudou. Na pesquisa anterior da Vox, feita em meados de dezembro, sua vantagem passava de 20 pontos percentuais, que se reduziram a 7 ou 9 pontos agora. Algo parecido acontece nos dados da Sensus, embora sua pesquisa anterior seja de novembro: a diferença entre os dois iria de 5 pontos, com Ciro na lista, a 13 pontos, sem ele.
O encurtamento da vantagem do governador em relação à ministra já tinha sido constatado em outras pesquisas feitas em dezembro. O Datafolha, por exemplo, havia indicado uma queda de 21 para 14 pontos entre agosto e o fim de 2009, depois de ela ter estado em 25 pontos alguns meses antes.
As duas pesquisas concordam que a candidatura de Ciro se mantém em um patamar entre 10% e 15%, mais perto do limite de baixo que de cima dessa faixa. E ambas mostram que Serra é quem mais se beneficia da retirada de Ciro das listas, pois é quando seu nome delas consta que Serra se sai pior.
É fácil se confundir na interpretação desses resultados, deles deduzindo que “Dilma precisa de Ciro”. Trata-se, no entanto, de um equívoco, que decorre de não se considerar o nível de conhecimento muito desigual que ainda há entre os candidatos. Serra e Ciro são os únicos que muitos eleitores conhecem, pois disputaram eleições nacionais, coisa que nem Dilma, nem Marina fizeram. A proporção dos que nunca sequer ouviram falar nelas permanece perto de 35%.
Quando essas pessoas consideram listas em que estão os nomes dos dois, optam, na maioria das vezes, por um ou outro. E, quando um sai, pelo que resta. Ou seja, não é que “Ciro tire mais votos de Serra que de Dilma”, apenas que quem não conhece (ainda) Dilma ou Marina tende a ir para Serra quando só resta ele de conhecido. Isso fica aritmeticamente claro nos dados da Sensus: Dilma fica exatamente igual nos cenários com e sem Ciro, mostrando que, quando ele sai, ela não ganha (por enquanto) nem um ponto.
À medida, no entanto, que avançar o conhecimento das duas, o que vai acontecer mais rapidamente de agora para a frente, esse efeito se reduzirá. Aí sim será possível falar alguma coisa sobre a transferência de votos de Ciro (ou qualquer outro candidato) para os demais. As pesquisas de agora nada dizem sobre esse fenômeno.
Com Ciro parado e Marina sem dar mostras de crescer, outro dos projetos de Lula para as eleições está se materializando. Tudo indica que teremos a polarização que ele sempre buscou: um embate PT x PSDB já no primeiro turno, em que ele tudo fará para que os eleitores confrontem seu governo com o antecessor.
Ajudando a entender seus resultados eleitorais (e o que permitem antever), as pesquisas mostram que Lula sobe mais um degrau em um tipo de popularidade que não conhecíamos em nossa experiência como país democrático. Há tempos se sabe que ele tem, atualmente, uma avaliação positiva quase consensual, mas é sempre surpreendente constatar que ela continua a melhorar. No fim de janeiro, segundo os dados da Vox, 74% dos brasileiros achavam seu governo “ótimo” ou “bom”, ou seja, três em quatro pessoas. Como outros 20% consideram o governo “regular”, restam 6% para reprová-lo. Com uma insatisfação desse porte, podemos ter uma ideia do tamanho do desafio que aguarda Serra.
Governo faz ameaça eleitoral ao recadastrar Bolsa Família
Um documento publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social contém uma ameaça velada aos beneficiários do Bolsa Família: lembra que em 2011, ao assumir o novo governo, as principais diretrizes do programa poderão ser alteradas. O alerta está numa instrução operacional distribuída a prefeitos com regras para o recadastramento - uma das exigências para que os beneficiários não sejam excluídos do programa. O texto diz que a ajuda de custo está garantida por 3 anos para quem já atualizou os dados. Mas adverte que, em 2011, "a validade do benefício estará sujeita a alterações". Para Damásio de Jesus, especialista em Direito Administrativo, o texto cria insegurança jurídica e pode ser entendido como ameaça.
Ameaça nas entrelinhas
Norma distribuída a prefeitos diz que próximo gestor pode mudar regras do Bolsa Família
Catarina Alencastro
Um texto editado pelo Ministério do Desenvolvimento Social para orientar o recadastramento de beneficiários do Bolsa Família afirma que o gestor que assumir o comando do programa federal no próximo governo poderá alterar suas regras. O alerta faz parte da instrução operacional número 34, editada no dia 23 de dezembro do ano passado, e que será repassada aos prefeitos, responsáveis pela atualização dos dados do cadastro do Bolsa Família. O documento explica que a validade do benefício está garantida por três anos para quem já atualizou seus dados em 2008 e 2009. Embora não esteja expresso, o texto dá a entender que o mesmo deve valer para quem se recadastrar em 2010. Mas, segundo a advertência do ministério, a partir de 2011, o prazo de validade do benefício não está garantido.
Segundo a instrução operacional, hoje a validade do benefício "depende do ano em que houve a última atualização cadastral". "Cadastros atualizados em 2008 terão a validade do benefício firmada em 31/10/2011; cadastros atualizados em 2009, 31/10/2012. Para os anos de 2011 e 2012, no entanto, a fixação da data de validade do benefício estará sujeita a alterações segundo novas diretrizes que sejam estabelecidas pela nova administração que assumir o Bolsa Família em janeiro de 2011", diz o texto.
Texto pode trazer insegurança jurídica
Para o especialista em Direito administrativo, Damásio de Jesus, a norma traz insegurança jurídica e pode ser entendida pelos beneficiários como uma ameaça.
- Estamos diante de uma quase total insegurança jurídica. Isso é terrorismo. A lei é isto aqui, mas ela pode mudar a qualquer momento. Parece-me que o governo está tentando antecipar circunstâncias que ele supõe que venha a acontecer - disse ele. - Não é possível que a lei diga alguma coisa hoje e, ao mesmo tempo, diga que isso pode ser mudado. Parece-me muito estranho que o governo faça isso.
O professor de Direito administrativo da Uerj, Gustavo Binenbojm, afirma que, do ponto de vista da responsabilidade fiscal, a norma está certa. Ele vê, no entanto, margem para interpretações político-eleitorais.
- A medida tem um caráter ambíguo. Ainda que ela seja suscetível a uma explicação eleitoral, juridicamente é correta - diz.
Segundo ele, o governo passa, com a norma, a mensagem de que o benefício está garantido somente enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou seus candidatos, estiverem no poder:
- A mensagem política que o governo quer passar é que, se o governo Lula continuar, está tudo garantido. Se não, vocês (beneficiários do programa) vão ter que se acertar com o governo de oposição.
Secretária admite falta de cuidado
A secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Lúcia Modesto, nega que a intenção da regra seja espalhar terror entre os beneficiários. Mas ela admite que o texto dá margem para diferentes interpretações:
- Este texto vem suscitando diversas interpretações que vão para além do que, de fato, está escrito nele. Talvez a gente não tenha tido o cuidado (necessário) com a linguagem.
Segundo ela, a instrução operacional tem como finalidade orientar os gestores do programa nos municípios. Lúcia Modesto diz que o documento foi discutido em uma teleconferência com gestores municipais e, na ocasião, não houve, por parte deles, dúvidas sobre o teor meramente funcional da mensagem:
- A instrução não tem valor normativo, é uma instrução operacional. É um texto técnico que ajuda os municípios a se organizarem em um ano que é mais curto que os outros.
A instrução foi editada para ajudar os municípios na atualização do cadastro único de integrantes do Bolsa Família. Desde 2008, quem recebe auxílio pode ficar dois anos sem atualizar suas informações sem correr o risco de perder o auxílio. A partir daí, caso não o faça, terá o repasse bloqueado e, após três meses, será desligado do programa.
A instrução operacional explica que está em vigor um novo conceito de validade do benefício que assegura à família continuar recebendo o dinheiro do governo federal, mesmo que o rendimento per capita seja superior a R$140, teto permitido no programa. O argumento é que as famílias podem eventualmente conseguir uma renda extra, como um emprego temporário. Com a renda maior corriam o risco de perder o benefício. Mas, há alguns anos, o entendimento do ministério é o de que essa renda eventual não pode prejudicar a família que ainda deve ser mantida no programa.
A instrução operacional estabelece ainda uma novidade para o cadastramento. A partir deste ano, cada beneficiário terá um mês específico para fazer a revisão cadastral. O mês depende dos últimos algarismos do Número de Identificação Social (NIS) do responsável pela unidade familiar.
Mais de 700 mil cancelamentos
Ontem, o ministério divulgou que 709.904 famílias terão o recebimento do Bolsa Família cancelado a partir do dia 11 deste mês. O motivo é que o cadastramento delas não foi atualizado nos últimos dois anos. O estado que mais terá famílias retiradas do programa é São Paulo, com 133.992 cancelamentos. Em segundo lugar vem a Bahia, com 67.986. O Rio terá 47.648 famílias retiradas do Bolsa Família ainda este mês.
As famílias poderão recorrer do cancelamento e voltar a integrar o programa. A decisão é da prefeitura da cidade onde moram, que é a responsável pela gestão do benefício. Ao todo, 4.112.315 de famílias já foram desligadas do programa. A maioria (2.237.587) por terem renda familiar superior à exigida.
Freire diz que Dilma mente sobre dados da Educação e diz que governo Lula perde para o de SP
Valéria de Oliveira
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, fez coro com o ex-ministro e atual secretário de Educação de São Paulo, Paulo Renato Souza, e afirmou que "o governo federal, que tanto gosta de fazer comparações do tipo ‘nós’ e ‘eles’, perde na confrontação com apenas um Estado da federação (São Paulo)".
Ele se referia a dados citados por Paulo Renato. Entre eles, o de que, no ano passado, 123 mil alunos estavam matriculados em escolas técnicas de São Paulo, enquanto, em todo o país, era de 87 mil o número de estudantes das escolas técnicas federais. "Esse governo de Lula e de sua candidata, Dilma Roussef, é muito bom de festa, evento e propaganda e péssimo de serviço", disse Freire. Para ele, as informações apresentadas por Paulo Renato mostram "a mediocridade do governo, apesar de toda a basófia". Clique aqui para ler a íntegra do artigo do ex-ministro.
Mentiras
Embora os dados sejam objetivos, critica Freire, a ministra Dilma mente, como já o fez na campanha petista de 2006, quando acusou o governo Fernando Henrique de proibir a expansão de escolas técnicas, quando, na verdade, a lei determinava que elas deveriam ser criadas em parceria com os estados ou entidades não-governamentais, conforme ressalta Paulo Renato no artigo publicado no jornal "O Estado de São Paulo" desta terça-feira.
Freire disse que o governo precisa parar de mentir e trabalhar mais. "O governo mente e a ministra Dilma mente muito mais; deve ser duro aceitar que apenas um estado da federação tenha desempenho melhor do que o governo do país, ou seja, que seu adversário é ótimo e que sua administração, na verdade dos fatos, é muito ruim".
Mensagem ao Congresso serve de marketing
Na reabertura do Legislativo, Lula faz elogios às realizações dos sete anos de seu governo
João Domingos, BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou boa parte das 422 páginas de sua oitava e última mensagem destinada à sessão de reabertura do Congresso para tecer elogios a seu próprio governo. Da melhoria da infraestrutura às 13 milhões de famílias que serão atendidas pelo Bolsa-Família em 2010, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à política externa, tudo foi citado no documento como parte de um período de sete anos de um governo próspero.
De acordo com o documento enviado por Lula, lido na sessão inaugural deste ano do Congresso pelo deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), primeiro-secretário da Câmara, a mensagem procurou dar detalhes de tudo o que foi feito pelo governo, a exemplo das providências tomadas "para debelar a crise financeira" que atingiu o País em função da quebradeira de bancos mundo afora.
Na infraestrutura, segundo a mensagem de Lula, o Brasil ampliou os investimentos nas grandes obras do PAC. "Mesmo com a crise, aumentou em 58% o valor dos pagamentos em relação ao ano anterior." Entre as principais obras do PAC, a mensagem do presidente destacou a Ferrovia Transnordestina, as usinas hidrelétricas do Rio Madeira e a obra de transposição das águas do Rio São Francisco para as Bacias do Nordeste Setentrional, todas em ritmo de andamento normal, segundo a avaliação do governo.
Para não esquecer a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), Lula lembrou que o programa Minha Casa, Minha Vida, propõe a construção de 1 milhão de casas, e que deverá ser concluído em 2010. Segundo o governo, já foram feitas 248 mil residências do programa, que tem parceria entre os governos federal, estaduais e municipais. "Todas essas transformações ganham mais sentido por estarem vinculadas à melhoria da vida dos brasileiros - em especial daqueles que viviam em piores condições."
Lula apresentou números relativos ao emprego com carteira assinada. Disse que em 2009 foram 995.100 os novos postos de trabalho e 11,8 milhões desde 2003,quando assumiu.
Para o presidente, as mudanças refletem "um aprofundamento da democracia brasileira". Na política externa, disse, o investimento continua na integração do Mercosul e da América do Sul, além do apoio ao Haiti. Ele afirmou ainda que o Brasil conquistou o direito de ser a primeira nação sul-americana a sediar os Jogos Olímpicos (em 2016), além de ser a sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014.
Serra: SP fez investimento ''sem precedentes''
Governador envia a sua última mensagem à Assembleia, com foco na questão econômica
Silvia Amorim
Provável candidato do PSDB à Presidência, o governador José Serra escolheu um tema de debate nacional para abrir sua última mensagem ao Legislativo paulista, enviada anteontem. Em uma extensa prestação de contas dos três primeiros anos de gestão - 2007 a 2009 - , Serra dedicou o início do texto à crise econômica mundial, em uma amostra da munição tucana para a próxima eleição.
Na carta, entregue pelo secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, o governador diz que a "economia brasileira entrou em franco processo de desaceleração" e, para contornar as dificuldades, o governo estadual atuou para gerar emprego, ajudar micro e pequenas empresas e garantir os investimentos públicos. Após enumerar ações, como redução de impostos e prazo maior para pagamento, Serra conclui que R$ 20,6 bilhões foram investidos pelo Estado em 2009, gerando 800 mil empregos - outro assunto que sempre leva a debates acalorados em eleições nacionais.
"As dificuldades foram superadas e, em 2009, o governo de São Paulo fez investimentos sem precedentes na sua história", destaca o governador. "O governo de São Paulo atua em várias frentes. Não só faz investimentos que movimentam a economia, mas também aproxima o trabalhador das oportunidades existentes, fornece qualificação profissional, estimula o empreendedorismo, promove a concessão de microcréditos."
O texto traz uma lista extensa de cifras e obras. Serra cita vitrines das principais áreas do governo e enfatiza ações pioneiras de São Paulo. "Em 2009, São Paulo assinalou um marco: pela primeira vez, em sua história, três linhas do metrô estavam em obras simultaneamente." Pouco antes, referiu-se ao Programa Onda Limpa Baixada Santista como "o maior programa de saneamento do Brasil".
Na maior parte da carta, ele pontua ações já realizadas, em uma espécie de balanço de governo. Só em algumas áreas há referência ao que será feito em 2010. Promete, por exemplo, a entrega de duas estações de metrô, três faculdades de tecnologia, mais R$ 400 milhões em obras de recuperação de estradas e moradias para famílias retiradas da encosta da Serra do Mar. Estão previstas 7.500 unidades habitacionais.
Serra termina o texto em tom de despedida. "O ano de 2009 trouxe não poucos desafios. Mas desafios não inibem os brasileiros de São Paulo. Antes os estimulam a intensificar o trabalho, unir forças e ultrapassar dificuldades. Mais uma vez, assim foi feito. Pela conjugação dos esforços do governo, da Assembleia Legislativa e do povo de São Paulo, conseguimos avançar ainda mais rumo ao desenvolvimento e ao bem-estar da nossa gente", termina a carta. O prazo final para Serra deixar o governo, caso seja candidato, é 3 de abril.
Indústria tem pior queda em 19 anos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Crise fez a produção cair 7,4% em 2009, mas no fim do ano começou a se recuperar, em velocidade acelerada
Jacqueline Farid e Alexandre Rodrigues
RIO – A crise global derrubou a produção da indústria brasileira em 2009. A queda foi de 7,4%, o pior resultado das últimas duas décadas e o primeiro dado negativo anual apurado pelo IBGE em 10 anos. Apesar do tombo, o setor fechou o ano em processo de recuperação, com retomada dos investimentos.
Em dezembro, a produção subiu 18,9% ante o mesmo mês de 2008. Houve queda de 0,3% em relação a novembro, mas a economista da Coordenação de Indústria do IBGE, Isabella Nunes, avalia que não há reversão na tendência de expansão. Sobre a queda anual, ela lembra que o ano passado foi marcado por uma recuperação gradual em relação ao tombo de dezembro de 2008, fundo do poço para as indústrias. A reação ocorreu sobretudo no segundo semestre.
Apesar dos avanços, a indústria terminou o ano com a produção ainda no nível de setembro de 2007. Fechou 2009 ainda 6,2% abaixo do nível recorde obtido em setembro de 2008, mês que marcou o último momento de forte atividade antes do início da crise. "A indústria está em processo de recuperação, mas ainda não foi suficiente para retornar ao patamar pré-crise", salientou Isabella.
A economista ressaltou também que, apesar do resultado da indústria em 2009 só ter encontrado queda similar em 1990, ano do confisco da poupança, no governo Collor de Mello, a recuperação se deu com muito mais qualidade e rapidez em 2009. "A conjuntura no ano passado foi diferente, com manutenção da renda e do emprego e inflação dentro da meta."
Esse panorama, incrementado por incentivos fiscais e recomposição do crédito, foi justamente o que a economista destacou para explicar o fato de a recuperação da indústria ter sido puxada em 2009 pelos segmentos voltados para o mercado interno, enquanto os mais atrelados às exportações tiveram maior dificuldade de reação.
REAÇÃO
Em dezembro, o fim dos incentivos fiscais para os automóveis, em outubro, marcou o resultado da indústria. A queda de 0,3% apurada em relação ao indicador do mês anterior foi provocada em grande parte pelo recuo de 1,2% na produção de veículos automotores. A produção de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos) caiu 4,9% nessa comparação.
Segundo Isabella, houve "uma perda de fôlego" do setor, que, no entanto, prossegue em processo de lenta recuperação. Para ela, os resultados de automotores e duráveis representam "uma acomodação após um forte crescimento registrado até outubro" e podem estar relacionados ao fim dos incentivos fiscais para a indústria automobilística.
A economista Luiza Rodrigues, do Banco Santander , concorda com Isabella. Segundo ela, a queda na produção em dezembro ante novembro pode ser creditada exclusivamente aos automóveis. "Retirados os efeitos dos incentivos fiscais, a indústria mostra um crescimento modesto, mas consistente", avalia.
Alessandra Ribeiro e Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria, também creditam a queda na indústria em dezembro ante novembro aos bens de consumo duráveis. Em relatório sobre a pesquisa do IBGE, eles afirmam que, no caso desses bens, "o resultado sugere alguma acomodação após as fortes altas ao longo do ano, que sinalizavam a antecipação do consumo estimulado pelos incentivos fiscais para automóveis e eletrodomésticos de linha branca".
Isabella argumenta que o índice de difusão da produção industrial em dezembro "confirma a recuperação industrial em curso e mostra que essa recuperação se dá de forma espalhada".
O índice mostrou que, no mês, 66% dos produtos industriais investigados na pesquisa tiveram crescimento na produção em relação a dezembro de 2008. O resultado foi bem superior ao apurado em novembro (55,8%), na mesma base de comparação.