- Valor Econômico
Entendimento entre Poderes garantiria previsibilidade
O aguardado movimento de pacificação institucional iniciado no fim do ano passado enfrentou abalos nos últimos dias. A fissura mais recente nas relações entre os Poderes encontra-se em estágio reversível mas, certamente, será um tema que demandará atenção prioritária do presidente Jair Bolsonaro em seu retorno a Brasília.
Parecia tudo bem encaminhado. Depois de concluído o processo eleitoral, no fim do ano passado, discursos mais radicais passaram a ser melhor calibrados. Em meio a visitas de cortesia, chefes de Poderes buscavam as condições necessárias para a construção de um ambiente propício à aprovação das reformas e outras propostas capazes de dar empuxo ao crescimento da economia. Previsibilidade era - e deveria continuar a ser - a palavra de ordem.
Como pano de fundo, havia uma articulação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, em defesa desse pacto institucional. A ideia chegou a ser verbalizada em encontro com o próprio Bolsonaro, em novembro, quando o então presidente recém-eleito visitou Toffoli no STF. Na ocasião, falaram também da precária situação fiscal e da (falta de) segurança pública, além da reforma da Previdência. Todos os presentes esforçavam-se para assegurar que a Constituição seria rigorosamente respeitada, principalmente depois do mal-estar criado pela declaração de um dos filhos do presidente de que bastaria um cabo e um soldado para fechar o Supremo.
O jogo seguiu, com a inclusão da Procuradoria-Geral da República e de integrantes das Forças Armadas na iniciativa.
O roteiro previa o recolhimento do Supremo Tribunal Federal, que retornaria à posição na Praça dos Três Poderes que lhe foi destinada pela Constituição. O STF deixaria, assim, de avançar sobre as atribuições de outros Poderes e destravaria pautas caras ao Executivo, principalmente na seara econômica. Não deixaria de agir com vigor, quando instado a garantir o respeito aos dispositivos constitucionais e garantias individuais.
No entanto, uma sucessão de acontecimentos colocou a articulação em risco e realocou o Supremo no centro da arena política. O presidente do STF precisou agir, durante a madrugada do dia 2 de fevereiro, para determinar que a eleição a presidente do Senado fosse realizada por meio do voto secreto. A decisão contrariou aliados do presidente da República, mas abreviou uma tumultuada sessão que dilapidava a imagem do Congresso em rede nacional.
A reação foi rápida, colocando a atuação do Judiciário como inédito objeto de uma comissão parlamentar de inquérito. A instalação da chamada CPI da Lava-Toga foi abortada nas últimas horas, após a retirada de assinaturas de parlamentares cientes das suas responsabilidades institucionais e mais resistentes às pressões das redes sociais.
A próxima batalha entre o Senado e o Judiciário se dará caso os parlamentares insistam em colocar em discussão pedidos de impeachment apresentados contra ministros do Supremo. Inevitavelmente, o assunto precisará ser mediado por representantes do Palácio do Planalto no Parlamento, se não pelo próprio Bolsonaro.
A história brasileira recente acumula exemplos de tentativas de pacificação semelhantes que acabaram frustradas e atropeladas pelo acirramento do ambiente político.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis costurar um pacto republicano em 2004 e outro em 2009. Sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, também promoveu iniciativas nessa direção depois das jornadas de junho de 2013. Reeleita no ano seguinte, voltou a falar em união entre as instituições no dia de sua diplomação, discursando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a responsabilidade conjunta no combate à corrupção e nos esforços para a aprovação de uma reforma política.
Após o impeachment de Dilma, foi a vez do ex-presidente Michel Temer. Durante solenidade em comemoração dos 28 anos da Constituição Federal, defendeu a reedição do pacto republicano para tratar das questões federativas. Em todos os casos, não houve negativa pública por parte de representantes de outros Poderes. Num balanço, no entanto, é possível dizer que essas tentativas se traduziram em parcos resultados.
O que gerou a necessidade de diálogo e maior aproximação dos três Poderes continua sem solução. Permanece a insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, justamente o motivo que levou milhões de pessoas às ruas de todo o país em junho de 2013. A Justiça também continua inacessível para grande parte da população. E as últimas alterações feitas na legislação eleitoral não merecem ser chamadas de reforma política, assim como o pacto federativo permanece na pauta de governadores e prefeitos.