quinta-feira, 9 de março de 2023

Maria Hermínia Tavares* - Defesa da democracia é debate desafiador

Folha de S. Paulo

É importante ter um órgão de inteligência que investigue grupos extremistas

Em 8 de janeiro, a vexaminosa derrota da extrema direita ratificou, com juros e correção, a que lhe havia sido imposta nas urnas de outubro do ano passado. Dessa vez, decisiva foi a conduta firme e serena do governo, a par da reação institucional do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do comando das Forças Armadas.

Ainda assim, não é prudente subestimar a ameaça à democracia que o malogrado golpe encarnou. A extrema direita é forte, organizada e também endinheirada. Tem raízes robustas em diferentes grupos sociais e aptidão para mobilizá-los nas redes e levá-los às ruas. Logrou também, até onde a vista alcança, arregimentar o eleitorado conservador tradicional, sob a bandeira do antipetismo.

Merval Pereira - Transtorno de imagem

O Globo

A esquerda brasileira finge não notar que os guerrilheiros que derrotaram governos ditatoriais tornaram-se ditadores tão sanguinários quanto os que derrubaram

A esquerda brasileira, confrontada com a realidade, revela-se anacrônica e hipócrita. O presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, tem deixado explícita essa diferença ao assumir posições independentes em relação à Nicarágua, chamando claramente Daniel Ortega de ditador, e solidarizando-se com os opositores perseguidos e destituídos da nacionalidade nicaraguense.

O Brasil, por seu lado, recusou-se a assinar um documento da ONU em que 54 países repudiam as perseguições políticas, a falta de liberdade de imprensa e de livre pensamento e os abusos aos direitos humanos que caracterizam hoje a Nicarágua como uma ditadura.

Boric enviou pelo Twitter “um abraço afetuoso” aos escritores Gioconda Belli e Sergio Ramírez, à ativista feminista Sofía Montenegro e ao jornalista Carlos Fernando Chamorro Barrios, todos perseguidos pela ditadura nicaraguense.

Malu Gaspar - As joias e a coroa

O Globo

Quando a história definitiva do governo passado for escrita, caberá ao incrível caso das joias sauditas um capítulo especial. O episódio, com seus detalhes surreais, virou tema obrigatório nas conversas de bar de Brasília, em parte pela desfaçatez, em parte pelo amadorismo.

Apesar de não ser surpreendente, é difícil se acostumar com a ideia de termos sido governados por uma turma de aloprados de farda que acham normal carregar diamantes de R$ 16,5 milhões escondidos na mochila — pedras preciosas que deveriam ser patrimônio público, mas que, se não fossem os auditores da Receita Federal, teriam ido parar na casa de algum Bolsonaro.

Na hora de falar a sério, porém, o que preocupa os gabinetes do Planalto é algo bem menos folclórico e muito mais valioso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resumiu a situação num discurso cheio de recados, na Associação Comercial de São Paulo.

 “Teremos um tempo para que o governo se estabilize internamente, porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”.

Só que, para Lira, esse “tempo” está acabando. “O rumo, nós precisamos defini-lo agora em março”, afirmou.

Míriam Leitão - A luta da mulher por igualdade

O Globo

Depois de um governo hostil às mulheres, país agora tem uma agenda de combate à discriminação de gênero

Hoje é o dia seguinte. Ontem, falou-se o tempo todo sobre a mulher a partir dos ângulos mais diversos. As decisões que o governo anunciou foram excelentes. Do projeto sobre equiparação salarial ao incentivo às meninas na ciência, do dia Marielle Franco de combate à violência política às medidas para a dignidade de mulheres e meninas pobres no seu período menstrual. A questão de gênero tem enorme complexidade, ela se desdobra em várias frentes de problemas a enfrentar. Nos outros 364 dias, mulheres passarão por dores e dificuldades, muitas morrerão vítimas de feminicídio, mas o país pelo menos tem agora uma agenda de combate à discriminação da mulher.

Luiz Carlos Azedo - Transfobia rouba a cena das mulheres na Câmara

Correio Braziliense

Duda e Érica são as primeiras deputadas trans da história, representam a mudança de costumes e a revolução de gênero. É visível no plenário da Câmara o desconforto com a presença de ambas

Durante as comemorações do Dia Internacional da Mulher, o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) roubou a cena, ao subir à tribuna e pôr uma peruca para agredir as deputadas trans Duda Salabert (PDT-MG), a mais votada do seu estado, e Erika Hilton (PSol-SP). “A esquerda disse que eu não poderia falar, porque eu não estava no meu local de fala. Solucionei esse problema. Hoje, me sinto mulher, deputada Nicole. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”, afirmou, logo após Erika ter usado a tribuna.

A provocação recebeu pronta resposta das deputadas presentes. Tábata Amaral (PSB-SP) anunciou que apresentará um pedido de cassação do mandato de Nikolas na Comissão de Ética da Câmara. Desde 2019, a transfobia é considerada crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tábata é autora do projeto que inclui no Código Penal o crime de condicionamento de dever de ofício à prestação de atividade sexual, aprovado ontem. A proposta será enviada ao Senado.

Duda e Érica são as primeiras deputadas trans da história, representam a mudança de costumes e a revolução de gênero em curso no mundo. É visível no plenário e nos corredores da Câmara o desconforto com a presença de ambas na Casa, particularmente com Duda, que tem 1,90 e chama muita atenção pela altura. Primeira travesti eleita deputada federal por Minas Gerais, com mais de 208 mil votos.

Cristiano Romero - NME: ‘que tal mudar o que está dando certo?’

Valor Econômico

Grupo da Nova Matriz assombrou Lula com crise em 2010

Se "tudo" ia tão bem na primeira década deste século, por que, em abril de 2008, um pequeno grupo de economistas pediu encontro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alertá-lo dos "graves" riscos que a economia brasileira correria, caso a política econômica em vigor no país desde meados de 1999 não fosse substituída por outra?

A inflação acumulada nos 12 meses até abril era de 5,04%, pouco acima da meta, de 4,5%, fixada pelo governo para aquele ano. Na margem, o Produto Interno Bruto (PIB) crescia 6% naquele momento, o melhor desempenho em duas décadas. Na área fiscal, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) vinha gerando superávit primário (receitas menos despesas, excluído o gasto com juros da dívida pública) equivalente a 3,61% do PIB.

No primeiro mandato (2003-2006) de Lula, a austeridade fiscal imperou e, por isso, foi possível promover redução brutal na dívida bruta, de 71,9% do PIB em dezembro de 2002 para 56,52% do PIB em abril de 2008, quando o movimento para mudar a política econômica tomou fôlego. A dívida líquida do setor público, que abate do valor bruto ativos como as reservas cambiais, recuou, no mesmo período, de 52,57% para 42,82% do PIB, segundo Robinson Moraes, economista-chefe do Valor Data. Nos anos seguintes, até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, as finanças públicas continuaram se fortalecendo.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro encrencado

Valor Econômico

A encrenca das joias não oferece respiro ao Planalto

As joias sauditas oferecem até aqui a maior oportunidade para que o ex-presidente Jair Bolsonaro seja pessoalmente carimbado pela corrupção. Só as investigações em curso demonstrarão se a vantagem solicitada em troca dos presentes milionários, de fato, se efetivou. Mas o trâmite das joias, das tentativas de liberação alfandegária à ausência de registro como presente ao Estado brasileiro, passando pelo envolvimento do ajudante de ordens do presidente, joga o escândalo diretamente no colo de Bolsonaro. Não faltam elementos para que, uma vez instalada uma ação penal, seja pedida sua extradição.

O escândalo desmonta a salvaguarda bolsonarista que associa o comportamento do ex-presidente na pandemia, no genocídio dos indígenas e na afronta à impessoalidade dos órgãos de investigação, às suas convicções ideológicas e a políticas de governo delas decorrentes. Não há convicção, a não ser em defesa da apropriação indébita, que justifique a história trazida à luz pelos jornalistas Adriana Fernandes e André Borges. Na escala da degradação da função pública, o ex-presidente, na definição de um ministro do Supremo, decidiu explorar o fosso.

Vinicius Torres Freire - Resfriado econômico contém juros

Folha de S. Paulo

Taxas de curto prazo caem; corte da Selic pode vir antes do que se previa até semana passada

Além de rumores e temores, aparecerem mais sinais de que a assim chamada crise de crédito na economia brasileira vai além dos problemas causados por uma alta forte e duradoura da taxa básica de juros e do aperto no crédito bancário. A fraude nas Americanas e sufocos de endividamento de outras grandes empresas secaram o mercado em fevereiro.

Essas notícias de seca de financiamento e os sinais de resfriado da economia contribuem para derrubar as ainda altíssimas taxas de juros no atacado do mercado de dinheiro. Neste meio de semana, as taxas de mercado passaram a indicar que se acredita em um corte da Selic, a "taxa do BC", antes de setembro. É mudança grande em relação à virada do mês.

Bruno Boghossian - A Força-tarefa dos diamantes

Folha de S. Paulo

Ex-presidente e aliados se complicam ao tratar apreensão de diamantes como problema burocrático

Trazer um pacote milionário de joias ao Brasil sem comunicar às autoridades foi só a primeira infração do time de Jair Bolsonaro. O ex-presidente e seus aliados conseguiram se complicar ainda mais ao fingir que a história dos presentes sauditas era um problema burocrático menor.

Os bolsonaristas tornaram a defesa do ex-presidente mais difícil desde que os itens foram apreendidos, em 2021. Auxiliares quiseram reaver as joias por meios irregulares, tentaram driblar as restrições da lei e espalharam versões desencontradas sobre os presentes.

Ruy Castro - A muamba de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Almirantes, generais, um tenente-coronel e outros fardados no imbróglio do segredo das jóias

O caso das joias presenteadas a Bolsonaro pela Arábia Saudita, trazidas na moita para o Brasil, está recheado de estrelas —nas fardas que seus protagonistas usam ou usavam até havia pouco.

O regalo milionário foi entregue ao então ministro das Minas e Energia de Bolsonaro, Bento Albuquerque, ex-almirante de esquadra. Almirante de esquadra é o segundo posto mais alto da Marinha, com quatro estrelas e uma poderosa âncora na insígnia. As joias viajaram de Riad a Guarulhos na mochila do guarda-marinha Marcos André Soeiro. Guarda-marinha é um aluno da Escola Naval prestes a se tornar segundo tenente.

William Waack - A arca de Lula

O Estado de S. Paulo

Com dificuldades para governar com uma frente ampla, o presidente ajuda os adversários

Lula exibe dificuldades para extrair vantagens decisivas de dois presentes políticos que deveriam beneficiá-lo muito mais. O primeiro foi a insurreição bolsonarista do 8 de janeiro que, supõe-se, destruiria a essência de uma corrente política. O segundo foi o escândalo das joias das Arábias, que destruiria a essência da pessoa de seu adversário político.

Parte das dificuldades de Lula vem de fatores de grande abrangência. Um deles é aquilo que os profissionais de pesquisas chamam de “calcificação”, ou seja, as duas metades que saíram das urnas em 2022 continuam mais ou menos iguais, com o mesmo teor de polarização. E minimizam, ignoram ou absorvem qualquer fato “negativo” dentro da própria corrente.

José Serra - Saneamento ambiental contra tragédias anunciadas

O Estado de S. Paulo

Brasil não pode perder mais tempo repetindo erros que custam vidas e é imperativo que o assunto seja tratado com a importância que merece

As chuvas que têm provocado tragédias sucessivas em vários Estados do País não podem ser as únicas culpadas pelas vidas perdidas, sofrimento dos desabrigados e desalojados, bem como destruição rotineira de bens e equipamentos urbanos. Grandes enchentes e extremos climáticos intensos, como o que ceifou a vida de 65 pessoas no litoral norte de São Paulo no carnaval, são cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo. A ausência de um verdadeiro sistema de saneamento ambiental explica grande parcela da falta de resiliência diante de tais fenômenos associados às mudanças climáticas.

O saneamento básico, conforme reforçado pela Lei n.º 14.026/20, do novo marco do setor, compreende não apenas água e esgotamento sanitário, mas também resíduos sólidos e drenagem. Há lacunas gigantescas nos quatro segmentos que compõem aquilo que a engenharia sanitária entende como saneamento ambiental. Mais de 30 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e as perdas na distribuição de água chegam a cerca de 40% do volume produzido. Outros 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto e há espalhados pelo País cerca de 2.100 unidades de disposição final de resíduos sólidos inadequadas, constituindo lixões ou aterros controlados – na verdade, lixões disfarçados.

Eugênio Bucci* - O jornalismo além da objetividade

O Estado de S. Paulo.

O texto jornalístico só é bom de verdade quando, além de narrar o acontecido, transpira pensamento. Só assim vai refletir o real e refletir sobre o real

Para a exígua parcela do improvável leitorado que ainda se interessa pelos estudos de jornalismo, acaba de sair um documento de leitura obrigatória: Além da objetividade – produzindo noticiário confiável nas redações atuais (Beyond objectivity – producing trustworthy news in today’s newsrooms). Publicado pela Escola de Jornalismo e Comunicações Walter Cronkite (Walter Cronkite School of Journalism and Mass Communication), da Universidade do Estado do Arizona (Arizona State University), em parceria com a Stanton Foundation, o livreto mostra que o conceito que tínhamos de relato objetivo entrou em crise.

Adriana Fernandes - Haddad, pressionado a surpreender

O Estado de S. Paulo

Sinais de crise no crédito alimentaram posição do governo em defesa do corte dos juros

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisa surpreender na apresentação do novo arcabouço fiscal se quiser ter algum ganho a valor presente com o impacto da apresentação da nova regra de controle das contas públicas.

Ganho, nesse caso específico, está relacionado a um sinal firme do projeto da nova regra fiscal capaz de abrir caminho para o início da queda da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

A próxima reunião do Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central está marcada para os dias 21 e 22 deste mês.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

O grande ausente

Revista Política Democrática Online (52ª edição)

Voto da maioria dos brasileiros pobres veio carregado de expectativas de prosperidade, inclusão e equidade

Após um início tormentoso de governo, a agenda política tende a retornar a um curso de relativa normalidade. Forma-se, aos poucos, um calendário de batalhas legislativas, nas quais o governo deverá jogar suas forças e recursos no propósito da aprovação das proposições, a efetivação concreta de sua agenda programática.

Por enquanto, o ponto culminante desse calendário em construção é a reforma tributária, em suas diversas etapas, que alguns pretendem, numa visão otimista, ver equacionada até o final do ano. Há motivos fortes para essa prioridade. As duas vertentes da proposta de reforma, a simplificação e transparência, de um lado, e a progressividade, de outro, são os atalhos para avançar, de forma rápida e eficiente, no coração das promessas de campanha do governo: prosperidade, inclusão e equidade. Afinal, o voto da maioria dos brasileiros pobres, nos dois turnos de 2022, veio carregado dessas expectativas.

Poesia | Não deixe o amor passar - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Viagem (PC Pinheiro e João de Aquino) - Verônica Ferriani e Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto