O dia 8 de janeiro foi a data da profanação do que havia de sagrado entre os brasileiros no culto de suas tradições e seu projeto de futuro, sempre reiterado de seguir em frente na realização dos ideais civilizatórios de que Brasília, saída das mãos de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa como projeto sinalizador da utopia brasileira de realizar nos trópicos pela obra de um país miscigenado uma cultura democrática e singular. Os palácios de Brasília, as sedes dos três poderes republicanos, não eram separados das vistas do público por muros, mas por vidros a fim de afirmar os ideais da transparência do poder. Neste famigerado dia 8 abateram-se as vidraças dos palácios de Brasília com a mesma fúria com que as hordas nazistas, em 1938, levaram a efeito um pogrom num bairro judeu destruindo suas lojas.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
Luiz Werneck Vianna* - A nossa Noite dos Cristais e um Tribunal de Nuremberg
Ruy Castro - Dias de infâmia
Folha de S. Paulo
O 8 de janeiro é uma das datas que o Brasil
deveria guardar como se fossem feriados ao contrário
O 8 de janeiro
de 2023 passará à história como uma data da infâmia. Um dia a não
esquecer, um feriado a se guardar ao contrário. Os mais radicais dirão que a
infâmia já começou com a nossa descoberta por Cabral, a 22 de abril de 1500. Eu
não chegaria a tanto, mas iria a um dia de 1538, com a chegada dos primeiros
escravizados da África. Outros dias infames seriam o 15 de julho de 1720, do
enforcamento de Filipe dos Santos, líder da Revolta de Vila Rica, e o 21 de
abril de 1792, de Tiradentes.
A jovem República também teve seus dias de infâmia, como o do massacre de
Canudos, a 5 de outubro de 1897, com o incêndio e destruição dos 5.000 casebres
do arraial e a degola de centenas de pessoas. E o de 5 de julho de 1922, em que
dezoito (ou nem isso) jovens oficiais do Exército marcharam do Forte de
Copacabana contra a oligarquia que atrasava o Brasil e deixaram seu sangue
contra 3.000 soldados do governo.
Malu Gaspar O ruído das democracias
O Globo
A participação de militares nos episódios
golpistas de 8 de janeiro trouxe à tona uma questão que nunca ficou bem
resolvida no Brasil. Afinal, o que fortalece mais a democracia: punir os
militares por crimes políticos ou apaziguar a situação, jogando as evidências
para debaixo do tapete? A anarquia promovida por Jair
Bolsonaro nas Forças
Armadas, buscando fomentar o golpe que afinal foi sufocado, parecia ter
fortalecido a noção de que era não só possível como necessário investigar e
punir os militares por seus crimes.
Mas os ataques de janeiro ainda parecem ser, para o governo, mais um problema incômodo que uma oportunidade de colocar em pratos limpos o golpismo e a indisciplina nas Forças Armadas. Dias antes de demitir o comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, Lula declarou em entrevista à jornalista Natuza Nery, na GloboNews, que os atos do dia 8 “permitiram que a gente fizesse, porque a gente não estava querendo fazer, que é fazer um processo de investigação muito séria do que aconteceu nesse país”.
Merval Pereira - A ‘verdade oficial’
O Globo
Lula falou uma fake news quando afirmou que
impeachment de Dilma foi golpe
Não bastassem comunicados oficiais do PT
afirmando que a então presidente Dilma Rousseff foi tirada do governo por um
golpe — o que poderia ser atribuído a uma das muitas facções petistas radicais
—, o presidente Lula deu seu aval oficial a tal absurdo, afirmando, na presença
do presidente da Argentina, Alberto Fernández, e do ex-presidente da Bolívia
Evo Morales:
— Vocês sabem que, depois de um momento
auspicioso no Brasil, quando governamos de 2003 a 2016, houve um golpe de
Estado — disse Lula na Argentina.
Incluindo os anos Dilma no “momento
auspicioso”, Lula, além de imodesto, fugiu da verdade.
Se houve alguma coisa fora da legalidade no impeachment de Dilma, foi a manobra do senador Renan Calheiros, referendada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para evitar a perda de direitos políticos da presidente derrubada, com uma leitura distorcida do artigo constitucional que transforma automaticamente a autoridade impedida em inelegível. Coube ao eleitorado mineiro cassar pela segunda vez a ex-presidente, candidata ao Senado derrotada nas urnas pelo voto direto.
Maria Hermínia Tavares - A lição dos uruguaios
Folha de S. Paulo
São de Estado para Estado as relações entre
Uruguai e Brasil
Passou quase despercebido o gesto do presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, que levou à posse de Lula dois antecessores: Julio María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) e José "Pepe" Mujica (2010-2015).
Lacalle Pou é membro do Partido Nacional, de direita; Sanguinetti é Colorado, de centro; e Mujica, ícone da esquerda, elegeu-se por uma coalizão de forças progressistas, a "Frente Amplio". A presença da trinca em Brasília robusteceu o princípio de que são de Estado para Estado as relações entre Uruguai e Brasil —acima, portanto, das disputas partidárias no país vizinho.
Bruno Boghossian - Lula testa seu capital diplomático
Folha de S. Paulo
Com Biden em fevereiro, presidente tentará
tirar proveito de agenda comum em defesa da democracia
Depois de encontrar o presidente
uruguaio, Lula afirmou
que sua relação com líderes políticos de outros países não terá viés
ideológico. "Os presidentes não precisam pensar como eu", declarou o
brasileiro.
Um dos objetivos da viagem inaugural do terceiro governo Lula foi um ajuste simbólico na diplomacia brasileira. Em 24 horas, o petista sorriu ao lado do esquerdista Alberto Fernández (a quem chamou de "companheiro e amigo") na Argentina e posou para fotos com Luis Lacalle Pou, que comanda um governo de centro-direita no Uruguai.
Thiago Amparo - Não é desnutrição; é genocídio
Folha de S. Paulo
Dissecando inverdades jurídicas sobre o
termo genocídio
O que ocorre hoje contra o povo yanomami em
Roraima é, tecnicamente, genocídio, termo cunhado na década de 1940 para nomear
o inominável: quem discorda ou não entende de lei, ou entende e está de má-fé,
ou, pior, possui as mãos sujas de sangue. Dissequemos as inverdades
jurídicas sobre o termo genocídio.
"Crime de genocídio seria questão apenas para o Tribunal de Haia":
falso. O tipo penal de genocídio é previsto na lei brasileira desde 1956, cujo
precedente é justamente o massacre contra yanomamis em 1993. Se a Justiça se
mostrar incapaz ou indisposta a processar este crime, o próprio Estado
brasileiro pode pedir que Haia o faça. "Genocídio pressupõe guerra":
falso. Na lei brasileira e internacional, genocídio refere-se a uma série de
atos com intenção de destruição étnico-racial, sendo diferente dos crimes de
guerra. "Genocídio exige destruição total": falso. O crime prevê atos
com intenção de extermínio no todo ou em parte.
Cláudio Gonçalves Couto - Genocídio Yanomami
Valor Econômico
Tragédia humanitária dos Yanomami não
ocorreu por acaso; resultou de ações deliberadas do governo de Jair Bolsonaro
Diante dos números catastróficos do Brasil
durante a pandemia da covid-19, tornou-se comum acusar de genocida o governo de
Jair Bolsonaro, bem como o próprio presidente. A acusação não se devia
unicamente aos números portentosos de mortos e contaminados, mas à postura
adotada pelo governo em relação ao problema, principalmente durante a gestão
(sic) do general Eduardo Pazuello e seus obedientes coronéis no Ministério da
Saúde.
Juridicamente é impreciso afirmar que se tratou de genocídio, pois a política adotada por aquele governo em relação à pandemia não visava exterminar um grupo étnico ou religioso específico, mas contaminar toda a população, visando produzir uma “imunidade de rebanho”, acreditando que assim faria a doença cessar por si só. A CPI da Pandemia demonstrou isso à exaustão.
Cristiano Romero - Eram sem causa os "rebeldes" de 2013?
Valor Econômico
Alta do PIB naquele ano foi 3%, e
desemprego, segundo menor da série
Quando as “Jornadas de Junho” levaram
milhões de brasileiros às ruas, em meados de 2013, a taxa de desemprego estava
em torno de 7%. Na média daquele ano, foi de 7,3%, a segunda menor da série
histórica apurada pelo IBGE. Embora a Grande Recessão (2014-2016) já estivesse
"contratada", em consequência das mudanças feitas pelo governo Dilma
Rousseff no arcabouço macroeconômico que vigorava no país desde o início do
segundo mandato (1999-2002) do presidente Fernando Henrique Cardoso, a maioria
absoluta dos cidadãos não tinha razões objetivas para se queixar da situação.
Naquele momento, com exceção de analistas independentes (que não dependem do governo para viver) e de setores da imprensa, ninguém imaginava o tamanho da crise que vinha pela frente. Como sempre ocorre no Brasil, quem tem coragem de, no auge da festa, alertar para os ricos de turbulência é logo acusado de impatriota, desonesto, senão, ignorante ou burro mesmo. A estes observadores da cena política e econômica nacional, um conselho: mantenha-se honesto intelectualmente porque alguém, em algum lugar deste imenso país, está aprendendo com seus alertas.
William Waack - Ao sabor das circunstâncias
O Estado de S. Paulo.
Exércitos refletem as respectivas sociedades
Não há nada de original acontecendo com as
Forças Armadas brasileiras. Vale lembrar o que escreveu em 1921 o fundador do
Exército Vermelho, Leon Trotsky, intelectual que virou comissário da Guerra na
revolução bolchevista: “Todos sabemos que um exército não é algo externo a uma
sociedade dada, mas reflete todos os seus aspectos, tanto os fracos quanto os
fortes”.
Os eventos em torno do 8 de janeiro são parte de um aspecto mais abrangente, o de que indivíduos conduzindo instituições mergulhadas na luta política acabam atuando ao sabor das circunstâncias. É o que vale também para o STF (e o TSE): vendo-se num confronto “existencial”, pois enxergavam (com razão) no bolsonarismo a intenção de destruí-los, tribunais superiores engalfinharam-se na luta política de curtíssimo prazo, ainda que ministros digam que só obedeciam a “princípios jurídicos”.
Eugênio Bucci* - O nosso ‘Gênesis’ apocalíptico
O Estado de S. Paulo.
As pessoas que seguem para Coimbra, as que se mudam para florestas, as que caminham nos acostamentos, sozinhas, são todas iguais
Gente conhecida comenta em toda parte. Nos restaurantes, por exemplo. Ninguém esconde. “Vou m’embora pra Lisboa.” A Pasárgada de Manuel Bandeira é logo ali, na terrinha mesmo. “E como farei ginástica / Andarei de bicicleta”. Chega de política. Chega de extremismos. Viva o exílio monoglota. Portugal é um condomínio fechado, embora aberto a brasileiros por todos os lados. Portugal tem governo de esquerda, mas isso a gente releva. Portugal é o novo ponto de fuga na nossa nova perspectiva artificialis: todas as linhas da imaginação sem perspectiva convergem para lá e lá se refugiam. Todos os caminhos levam a Cascais. Os olhos endinheirados paulistanos fitam o além-mar – e os olhos para onde olham são olhos de Portugal. Fernando Pessoa que nos perdoe.
José Serra* - É preciso retomar os investimentos públicos
O Estado de S. Paulo.
É bom para o País que as novas regras fiscais não impeçam a retomada dos investimentos em infraestrutura
A infraestrutura do setor público
brasileiro enfrenta uma situação catastrófica, apresentando forte deterioração
dos ativos sob gestão do Estado. Os investimentos públicos realizados pelo
governo federal atingem pisos históricos, não sendo suficientes nem mesmo para
cobrir a depreciação dos ativos. Nesse contexto, lideranças políticas dos
Poderes Executivo e Legislativo devem atuar de forma coordenada para promover
uma agenda fiscal favorável à realização de investimentos na formação bruta de
capital fixo do Estado.
Para começar, é preciso ter claro que infraestrutura é um setor reconhecido como dos mais importantes para a retomada do crescimento econômico de um país. Em estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) – intitulado Investimento público para a recuperação –, a importância do investimento público ganha destaque como fator essencial para o dinamismo das economias. Os analistas do FMI demonstram resultados instigantes. Por exemplo, o aumento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do investimento público pode elevar a confiança na recuperação e reforçar o PIB em 2,7%, o investimento privado, em 10%, e o emprego, em 1,2%. Em outras palavras: gasto público em infraestrutura gera emprego e renda.
Adriana Fernandes - Jogando contra a reforma tributária
O Estado de S. Paulo.
Como sempre, existe um lobby forte contra a aprovação da reforma tributária
O Brasil precisa de uma reforma tributária
há pelo menos 25 anos, mas há um grupo antirreforma que se movimenta novamente
para barrar o seu avanço no Congresso. Não importa o governo de plantão e nem o
texto em negociação: eles estão lá batendo bumbo de que a proposta não presta.
Não querem negociar. Querem apenas tumultuar.
O atual governo parte agora em 2023 para uma nova jornada na tentativa de aprovar a reforma tributária. Está mapeando as resistências dos setores para negociar o texto. As maiores vêm do agronegócio e do setor de serviços. Há muita resistência também no setor de comércio. Eles alegam que uma alíquota em torno de 25%, fora os tributos sobre o lucro, vai matar a atividade. A maioria quer conversar, sentar para negociar. Tem, porém, o grupo dos que estão ali simplesmente para jogar contra.
Luiz Carlos Azedo - Reeleição de Lira muda o foco político de Lula
Correio Braziliense
Há uma disputa surda por lugares na Mesa e nas
Comissões, que são distribuídos de acordo com o tamanho das bancadas, mas podem
ser disputados de forma avulsa
Os 513 deputados federais eleitos em
outubro do ano passado tomarão posse no próximo dia 1º, em sessão marcada para
as 10h, no Plenário Ulysses Guimarães. No mesmo dia, às 16h30, começa a sessão
destinada à eleição do novo presidente e da Mesa Diretora para o biênio
2023/2024. Haverá troca de posições na composição (11 cargos), mas não na
Presidência, pois é praticamente certa a recondução do deputado Arthur Lira
(PP-AL) ao comando da Câmara.
Ele tem o apoio de 19 partidos, que somam 489 deputados. Em 2021, numa disputa com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), foi eleito com 302 votos contra 145. No comando da Casa, consolidou seu poder quando o presidente Jair Bolsonaro, temendo um impeachment, decidiu entregar o Orçamento da União e a Casa Civil da Presidência ao PP. A abertura do processo de impeachment é um ato monocrático do presidente da Câmara e, quando isso ocorreu, virou um trem descarrilado nos governos Collor de Mello e Dilma Rousseff, que foram depostos constitucionalmente.
Cristovam Buarque* - Falta o País
Blog do Noblat / Metrópoles
Temos um presidente, mas ainda não temos um
país
A reação à substituição do comandante do
Exército mostra que temos um presidente, mas ainda não temos um país. Imprensa,
políticos, opinião pública e militares se surpreendem, porque consideram as
FFAA como instância com poder político próprio, separada do Brasil e seus
dirigentes, presidente, parlamentares, ministros do supremo, governadores. O próprio
presidente Lula reconhece que precisa de boas relações com o Exército, Marinha
e a Aeronáutica, o Ministro da Defesa insiste que seu papel é pacificar e
retomar estas relações, como se elas não fossem subordinadas às estruturas
republicanas.
Este comportamento de temor do poder civil ao poder militar decorre do corporativismo como o país funciona. A reunião do presidente com os comandantes das FFAA pareceu mais um encontro para atender reivindicações da corporação, do que para cobrar obrigações dos militares com o país. Fizemos as FFAA antes de fazer uma nação. Fizemos um Exército que se vê como instância à parte, não parte do Estado Republicano. Esta não é característica apenas das FFAA.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Filme antigo
Folha de S. Paulo
Estreia internacional de Lula 3 tem
fórmulas reprisadas e aliança com Argentina
Que o Brasil tornou-se um pária
internacional sob o governo Jair Bolsonaro (PL) —pretensão anunciada com
orgulho por seu delirante chanceler Ernesto Araújo— não é segredo para ninguém.
Assim, a reestreia de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) no palco internacional como presidente veio carregada de
expectativa, dada a energia dedicada por ele à área externa nos dois mandatos
anteriores.
Simbolicamente, ela ocorreu numa reunião da
Celac, clube de países latino-americanos e caribenhos abandonado por Bolsonaro.
Se o Brasil quer ser o líder regional digno de suas dimensões econômica e
demográfica, obviamente precisa estar em contato com os vizinhos.
A oportunidade, contudo, foi gasta com retórica. Lula levou consigo um arsenal de fórmulas vencidas e um discurso retrógrado, remanescentes do contexto das gestões da década retrasada.