terça-feira, 21 de julho de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci (homens-massa ou homens-coletivos) II

Nota II. Não se pode separar a filosofia da história da filosofia, nem a cultura da história da cultura. No sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filosofo — isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente — sem a consciência da própria historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isto ocorre, significa que somos “anacrônicos” em face da época em que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. Ou, pelo menos, que somos bizarramente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade, em outros manifestam-se atrasados com relação a sua posição social, sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica.

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, volume 1, p. 94-5 Civilização Brasileira, 2006

Merval Pereira - Desmascarado

- O Globo

Desembargador que tentou humilhar o guarda civil cometeu de uma vez só todos os abusos que demonstram sua postura patética, típica do ‘sabe com que está falando?’

A pandemia da Covid-19 está deixando exposta a enorme desigualdade que perpassa a sociedade brasileira, e estimulando comportamentos execráveis como o do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo de sobrenome quatrocentão Eduardo Almeida Prado Rocha Siqueira, que humilhou um agente da Guarda Civil de Santos por se recusar a usar máscara.

Vários casos como esse têm acontecido nos últimos dias, revelando que a época anacrônica do “você sabe com quem está falando? ” continua prevalecendo na triste pós-modernidade brasileira. Devemos ao sociólogo Roberto Da Matta em seu livro “Carnavais, malandros e heróis” a dissecação dessa frase emblemática, que define nossa sociedade até hoje.

Diante dos casos recentes, como o daquela senhora que respondeu a um fiscal que seu marido não era cidadão, mas “engenheiro civil, melhor que você”, Roberto da Matta confirma sinais de que a cultura brasileira “tem alergia à igualdade, e a máscara iguala as pessoas”.

Uma pessoa que considera ofensivo ser chamada de “cidadão” mostra bem em que ponto estamos no nosso desenvolvimento como sociedade. A senhora em questão disse que sentiu um tom de ironia na voz do guarda, quando a intenção era mostrar respeito mas, ao mesmo tempo, definir a limitação do indivíduo no convívio social.

No Brasil, analisa Roberto da Matta, você vive como pessoa pública mesmo quando está na fila do banco. Ou você se considera merecedor de furar a fila, ou o gerente, reconhecendo-o, lhe chama. O anonimato da rua, que deveria reger nossas relações sociais, é superado pelo “sabe com quem está falando ?”, e a máscara dá uma sensação de igualdade que incomoda os acostumados a uma relação de subordinação, hierarquizada.

Eliane Cantanhêde - Salles e Araújo, peixes miúdos

- O Estado de S.Paulo

Sem culpa na pandemia, militares têm tudo a ver com políticas para Amazônia e China

A pressão dos fundos de investimento contra o desmatamento e as ameaças às comunidades indígenas e quilombolas pôs o foco na política, na visão catastrófica e nos erros de execução para o meio ambiente, mas também jogou luzes numa outra ferida aberta no Brasil: a política externa do governo Jair Bolsonaro, que é pautada pela beligerância e oscila entre o incompreensível e o pernicioso.

A culpa, mais uma vez, é do mordomo, ops!, do ministro de plantão. Assim como o mundo desabou na cabeça do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está desabando também na do chanceler Ernesto Araújo. Não que eles sejam santos nessa história, mas nenhum dos dois caiu de paraquedas no cargo e ambos executam a política que vem de cima, de Bolsonaro. Como o próprio general Eduardo Pazuello, da Saúde.

Salles nunca tinha pisado na Amazônia, Pazuello nunca tinha sido apresentado pessoalmente a uma curva epidemiológica e Ernesto Araújo, um embaixador júnior, jamais havia comandado uma embaixada antes de assumir o Itamaraty. Logo, a ascensão dos três tem algo em comum: eles não foram colocados lá por terem grande experiência e expertise nessas áreas, mas para fazer tudo o que seu mestre mandar.

Luiz Carlos Azedo - Quem salva é o professor

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo queria tungar o novo Fundeb. Diante da reação de prefeitos e governadores, os deputados do Centrão, com quem o governo contava, refugaram a proposta de reduzir o Fundeb”

Antes de se tornar romancista, o escritor Daniel Pennac foi professor de francês no ensino fundamental e médio de escolas públicas. Quando criança e adolescente, porém, foi o que os franceses chamam de “cancre”: um aluno lerdo, com dificuldades de aprendizagem e desempenho sofrível. No best-seller Diário de escola (Rocco), vencedor do Prêmio Renaudot — uma de suas 30 obras, para todas as idades —, ele conta como o mau aluno virou professor, pedagogo e escritor. A raiz de seu problema não era a falta de escola nem de professores na França, como acontece em muitos lugares aqui no Brasil. Era o medo. “A reação dos adultos é sempre a mesma: eles também têm medo. Têm medo de que seus filhos nunca tenham sucesso. Os professores também têm medo. Têm medo de serem maus professores. Tudo isso tem a ver com a solidão. Solidão da criança, do professor, dos pais. O que é preciso fazer é acabar com essa solidão. Pedagogicamente, como se acaba com a solidão? Criando projetos em comum, onde todos estão envolvidos.”

Pennac conta que foi salvo pelo professor de Francês, para quem mentia muito, porque nunca fazia os deveres. “Ele me disse: ‘muito bem, vejo que você tem muita imaginação. Então, em vez de utilizar sua imaginação para fabricar mentiras, escreva um romance. Você vai me entregar 10 páginas por semana. Não vou mais te dar redações para fazer ou lições para aprender. Você vai apenas fazer esse romance para mim: 10 páginas por semana.’ Isso me salvou. Esse professor foi capaz de transformar um aluno passivo em um aluno ativo, um aluno que escreve um romance”.

Ricardo Noblat - Às vésperas de nova derrota, o governo reforça a aposta no fisiologismo

- Blog do Noblat | Veja

Dinheiro do vírus para deputados amigos

Está marcado para logo mais o início da votação pela Câmara dos Deputados da prorrogação do Fundeb, o fundo que financia a educação básica no país. Ali, o assunto vem sendo discutido há pelo menos cinco anos e, finalmente, chegou-se a um acordo.

Mas apenas no último sábado, transcorrido um ano e quase 7 meses da tumultuada gestão de Jair Bolsonaro, e quatro ministros da Educação depois, foi o que o governo acordou e disse que amadureceu algumas ideias a respeito. Resultado?

Perdeu. Suas ideias, quase todas, foram rejeitadas pelos líderes dos partidos, e mais a relatora do projeto, e mais o presidente da Câmara. Para evitar, porém, que o governo arroste com uma derrota acachapante, pequenas concessões lhe serão feitas.

Educação nunca foi tema do agrado do presidente da República, basta ver os ministros escolhidos por ele para cuidar da área. O primeiro, o professor Ricardo Vélez, falava português com sotaque. O segundo, Abraham Weintraub, escrevia português errado.

O terceiro, Carlos Alberto Decotelli, que falava e escrevia português muito bem, não era pós-doutor, como apregoava em seu currículo, nem mesmo doutor. Sequer oficial da Marinha, como se dizia. O quarto, Milton Ribeiro, pastor, pegou o Covid-19.

Carlos Andreazza - A eucaristia bolsonarista

- O Globo

‘Tomai, todos, e comei. Isto é o vosso corpo’. O corpo de milhares de mortos

A cena: Bolsonaro ergue a caixa de um medicamento; assim como se, capitão que é, igualmente ovacionado pelos espectadores, fosse Carlos Alberto levantando a Copa do Mundo. A embalagem de cloroquina então transformada na Jules Rimet — cujo destino de derretimento não deve ser possibilidade excluída ao porvir de um remédio apregoado como panaceia pelo presidente-milagreiro.

Derretem as vidas. No presente. Um fato.

Houve também quem comparasse o episódio a uma passagem do filme “Rei Leão”, em que o primata Rafiki ergue o recém-nascido Simba, filho do rei Mufasa. Um gesto para noticiar à comunidade que o reino tinha herdeiro — um ritual, pois, para informar sobre o futuro. Um movimento de segurança e esperança. De vida; para a vida.

A comparação com a liturgia de Bolsonaro é, portanto, descabida. Sim, o ato do presidente teve linguagem religiosa. Não me surpreenderia se alguém ali, diante daquela missa campal, esperasse o Messias andar sobre o espelho d’água. Bolsonaro emulava a comunhão. Na prática, porém, anticomunhão; porque aquela congregação esmagava, atraídos pelo egoísmo do pregador, vítimas potenciais do vírus traiçoeiro. Um gesto-ritual para noticiar à comunidade de crentes que o pastor, pura versão, negava-se aos fatos — um gesto, pois, para informar sobre o passado permanente. Um movimento de negação e temeridade. De doente; para a doença.

O presidente celebrava a eucaristia bolsonarista — a própria ação de graças, essencialmente personalista, do autocrata. Uma distorção do sacrifício. A terceirização do sacrifício por meio do culto ao negacionismo e à desinformação; um ritual de pretensão sagrada em cuja irresponsabilidade publicitária só havia morte — e nenhuma ressurreição.

Andrea Jubé - A esquerda tromba, Bolsonaro avança

- Valor Econômico

Governador do Maranhão diz que o debate sobre fusões deve ficar para 2021

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, nega o debate sobre a fusão da legenda com o PCdoB. Igualmente, a presidente do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, refuta qualquer discussão sobre fusão ou incorporação de seu partido ao PSB.
Uma eventual fusão entre PSB e PCdoB, ventilada em entrevistas pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), gerou constrangimento nas cúpulas partidárias e azedou o clima em setores da esquerda, aprofundando um quadro de fragmentação que fortalece a direita bolsonarista.

“Ninguém está participando de conversa sobre fusão com partido nenhum no PSB, nós estamos tratando de eleições municipais”, afirmou um Carlos Siqueira francamente contrariado à coluna. “Se essa discussão existisse, seria um debate interno; fazê-la pelos jornais é o começo do fracasso”.

Siqueira aborreceu-se ontem de manhã com a notícia trazida pelo jornal “O Globo” de que, nos bastidores, Dino estaria se referindo à possível nova legenda como o “MDB da esquerda”. “Ora, o MDB é uma sigla com uma bela história, mas se deteriorou ao longo do tempo e nem é bom tê-la como referência para nada”, diz o pessebista.

Logo cedo, o celular do presidente do PSB começou a tocar com ligações de dirigentes regionais e militantes atordoados com a notícia da possível fusão, avisando que se fosse verdade, deixariam a legenda. “Somos muito diferentes, nós somos esquerda democrática, eles [PCdoB] são esquerda tradicional”, explicou.

Bernardo Mello Franco - A festa da farda

- O Globo

Em troca de apoio, Bolsonaro promove a festa da farda. No governo do capitão, o número de militares em cargos civis mais que dobrou. Agora também há vagas para filha de general

No “Almanaque do Exército”, ele era o coronel Jonas Madureira da Silva Filho. Na intimidade matrimonial, apenas Madu. O personagem do livro de Marques Rebelo passava os dias de pijama, no conforto da reserva remunerada. Depois do golpe, foi convocado para uma tarefa patriótica: assumir um cargo de chefia no Segal, o Serviço Geral de Abastecimento e Lubrificantes.

“O simples coronel Madureira” se passa no início da ditadura de 1964, quando os militares se apinharam na burocracia federal. Junto com os postos, veio uma penca de diárias, gratificações e mordomias. A mulher de Madu ficou eufórica: sobraria dinheiro para comprar o sonhado faqueiro de prata.

A festa da farda se repete no governo de Jair Bolsonaro. Desde a posse do capitão, o número de militares em cargos civis mais que dobrou. Saltou de 2.765 para 6.157, segundo dados do Tribunal de Contas da União.

José Casado - Um oceano de cloroquina

- O Globo

Há suficiente para abastecer por 38 anos o mercado nacional

Já são mais de 80 mil mortos. É como se desaparecesse toda a população de uma cidade do tamanho de Três Rios (RJ), Ibiúna (SP), Viçosa (MG) ou Camboriú (SC).

Sem rumo na pandemia, o governo passou a pressionar estados e municípios. Quer impor cloroquina como tratamento do vírus. Sem base científica, não consegue justificar a transformação desse medicamento no motor de suas ações contra o vírus.

Expõe-se na coação de agentes públicos sob motivação política, em decisão moldada à campanha de reeleição de Bolsonaro. Enquanto isso, ele posa para fotografias levantando uma caixa do remédio como troféu. Fez isso no fim de semana nos jardins do Palácio da Alvorada.

Com a encenação tenta ocultar a inépcia administrativa que deve acabar na Justiça. Nela, Bolsonaro envolveu seus generais-ministros Fernando Azevedo (Defesa) e Eduardo Pazuello (interino na Saúde).

Joel Pinheiro da Fonseca* - Fé e religião no governo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ministro Milton Ribeiro deve saber separar melhor igreja e Estado; oremos

A religião de um ministro não deveria importar para sua avaliação. A partir do momento, contudo, em que a religião é um dos critérios pelos quais foi escolhido, ela se torna relevante, para o bem ou para o mal.

Ainda em novembro de 2018, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro sondava Mozart Neves Ramos, na época diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.

Assim que a informação veio a público, contudo, gerou reação imediata da bancada da Bíblia, que vetou o nome. Bolsonaro acatou. Depois de um ano e meio perdidos, Bolsonaro finalmente nomeia um ministro da Educação evangélico.

O Estado laico é daquelas conquistas sociais que, quanto mais de perto examinamos, mais fica difícil de definir. Afinal de contas, o que difere um valor "religioso" de um valor "laico"? Todos nós partimos de certos pressupostos normativos —os fins que desejamos para nós e para a sociedade— que não têm embasamento racional.

Quando deixamos as sutilezas filosóficas de lado, contudo, e olhamos para o todo, é um avanço inestimável de nossa civilização ter não só separado a autoridade religiosa da autoridade secular (separação que, pode-se dizer, está já na origem do cristianismo) como também ter desobrigado esta de qualquer tipo de subordinação àquela.

Hélio Schwartsman - E se não tomarem a vacina?

- Folha de S. Paulo

Numa conta básica, imunizar 60% da população asseguraria a proteção coletiva contra a Covid-19

Você pode levar o cavalo para a beira do rio, mas não forçá-lo a beber água. O brocardo da sabedoria popular se aplica à pandemia.

Estão em curso mais de cem programas de desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, dos quais 21 já se encontram em alguma das fases de testes com humanos. É provável que, até meados do próximo ano, já tenhamos mais de um produto disponível. Uma vacina eficaz é nossa melhor chance de retorno à normalidade. Não é por outra razão que governos de vários países estão investindo bilhões nessas iniciativas.

É claro que, para a vacina fazer sua mágica, é preciso que as pessoas a tomem, especialmente se quisermos obter a famosa imunidade de rebanho. Na conta mais básica, supondo um R0 de 2,5 e uma vacina 100% eficaz, seria preciso imunizar 60% da população para assegurar a proteção coletiva. É aí que entra o problema dos movimentos antivacinas, que não perderam fôlego na pandemia.

Armando Castelar Pinheiro* - As eleições americanas

- Valor Econômico

Se Trump perder, as chances de reeleição de Bolsonaro minguarão e o presidente se tornará um “pato manco”

A crise do coronavírus e a euforia com a alta das ações têm desviado a atenção de um acontecimento da maior relevância: as eleições nos Estados Unidos, cujo resultado será decisivo para onde vão as bolsas, a geopolítica global e o quadro político brasileiro. Faltando três meses e meio para os americanos irem às urnas, e com um quadro eleitoral ainda indefinido, o tema vai ganhar destaque daqui para a frente.

Até o início do ano, a reeleição de Trump era vista como bem provável. Em parte, porque presidentes americanos em geral são reeleitos. Segundo, e mais importante, porque a economia americana mostrava um desempenho excelente, experimentando o mais longo ciclo de expansão da sua história documentada, com o desemprego em valores historicamente muito baixos e com as bolsas de valores batendo recordes sucessivos.

A pandemia mudou totalmente esse quadro. Por um lado, porque jogou a economia em recessão e o desemprego nas alturas. Por outro, pelo drama humanitário: já são 3,8 milhões casos de coronavírus nos EUA, com mais de 140 mil mortes, nos dois casos recordes mundiais. A postura de Trump, de minimizar a letalidade da covid-19, como ocorreu com Bolsonaro no Brasil, contrariou muitos dos que votaram nele em 2016. A segunda onda da pandemia, que agora afeta Estados como Texas, Flórida, Arizona, que ajudaram a eleger Trump em 2016, pode ter impacto decisivo no resultado eleitoral.

Esses fatores fazem com que o governo Trump seja desaprovado por 56% dos americanos, contra 42% que o aprovam. Além disso, 69% veem o país indo na direção errada, contra 24% que o veem no rumo certo.

As pesquisas colocam Joe Biden na frente, com 49,3% das preferências dos eleitores, contra 40,7% de Trump. Nas casas de apostas, a vitória de Biden também aparece como o resultado mais provável. Em relação à Câmara dos Deputados, os democratas são os preferidos dos eleitores. No Senado, a disputa segue indefinida.

Pablo Ortellado* - Soma zero

- Folha de S. Paulo

Reforma não altera distribuição do ônus fiscal entre ricos e pobres

O governo deve enviar ao Congresso nesta terça-feira (21) a primeira parte de uma ampla proposta de reforma tributária.

Ela busca simplificar e racionalizar a cobrança de impostos, mantendo a carga tributária global no nível atual. Além de não mexer com a carga total, não altera a distribuição do ônus tributário entre ricos e pobres, deixando o peso do Estado ainda apoiado sobre o ombro dos trabalhadores.

A primeira parte do projeto pretende unificar impostos federais como o PIS e a Cofins, uma abordagem muito menos ambiciosa que duas propostas que estão há mais tempo em discussão na Câmara e no Senado e que pretendem unificar até nove tributos (proposta do Senado).

A ideia de unificar tributos, desonerando a produção e simplificando a taxação, é antiga e, enquanto conceito, quase consensual. Mas uma possível elevação da tributação sobre o setor de serviços e disputas sobre a repartição do novo imposto com estados e municípios tornam a negociação difícil e demorada. A proposta minimalista do governo tenta escapar dessas dificuldades.

A segunda parte do projeto consiste em taxar lucros e dividendos, antiga reivindicação da esquerda, mas tendo como contrapartida uma redução do imposto de renda de pessoas jurídicas, de maneira a estimular investimentos.

Míriam Leitão - A educação no meio do conflito

- O Globo

Depois de um dia de intensa negociação, o governo teve que ceder da proposta do Ministério da Economia. O novo Fundeb de ser votado hoje

O dia de ontem foi de fortes emoções para quem acompanha o debate da educação brasileira. Na reunião de líderes, pela manhã, o deputado Arthur Lira (PP-AL) levou recado do governo, queria adiar a votação da PEC do novo Fundeb. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) recusou e manteve o início da discussão com votação marcada para hoje. De tarde, no meio do debate em plenário, veio o pedido do Planalto para uma conversa. Suspensa a discussão. O ministro Luiz Eduardo Ramos, às 17h, estava na sala de Rodrigo Maia e a relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), foi chamada. Pouco depois das 18h, o governo cedeu e finalmente houve acordo. Mas por que toda essa aflição? Porque o executivo chegou na última hora na conversa e com uma proposta inaceitável.

A primeira ideia apresentada pelo Ministério da Economia, no fim da semana passada, era estranha pelo conteúdo, pela forma e pela hora. Era a reta final da negociação que começou em 2015. O Congresso quis discutir com tempo para evitar exatamente o atropelo, porque no final de 2020 o fundo expira. E ele é importante demais para a educação em milhares de municípios.

O Congresso passou o dia de ontem negociando. No acordo, os parlamentares aceitaram fazer pequenos ajustes e, no texto final, dar destaque à importância da educação infantil, o que já seria mesmo feito. De noite, a torcida era para que não houvesse novos sustos.

Bernard Appy* - IBS ou CBS?

- O Estado de S.Paulo

É difícil de entender por que o governo seria contra uma reforma ampla, que inclua o ICMS e o ISS

Segundo a imprensa, o governo deve enviar ao Congresso Nacional, ainda hoje (21 de julho), uma proposta prevendo a substituição de duas contribuições federais (PIS e Cofins) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Uma análise mais precisa da proposta do governo só poderá ser feita quando o projeto for conhecido, mas ainda assim é possível fazer alguns comentários sobre o que já foi divulgado.

Em particular, vale contrapor o projeto do governo às propostas de reforma tributária em análise no Congresso Nacional (PEC 45, da Câmara dos Deputados, e PEC 110, do Senado), que são mais amplas e propõem substituir cinco tributos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Pelo que foi divulgado até agora, a CBS, que substituiria o PIS e a Cofins, teria as características de um bom imposto sobre o valor adicionado (IVA), com incidência não cumulativa – a uma alíquota uniforme – sobre uma base abrangente de bens e serviços, crédito amplo e garantia de ressarcimento de créditos acumulados. Se essa for de fato a proposta do governo, são características muito semelhantes às do IBS previsto na PEC 45.

A principal diferença parece estar no escopo da CBS e do IBS, que é mais amplo, pois substitui também o IPI, o ICMS e o ISS. Qual seria, nesse contexto, a melhor proposta? Tendo por base uma análise de custo-benefício, certamente o IBS é muito superior à CBS.

Ana Carla Abrão* - Desigualdade - 2

- O Estado de S.Paulo

Temos uma máquina eficiente em criar desigualdades, que reforça as oportunidades no topo e as elimina na base

Decidi estudar Economia ainda no início da adolescência. Tinha pouco mais de 13 anos quando fiz minha opção de formação, motivada por um desejo de trabalhar em banco e me realizar no mundo financeiro. Havia, já ali, o gosto pelo desafio de buscar uma carreira num universo masculino, parte explicada pela grande afinidade de pensamento com meu pai e, em outra, pelo grande orgulho da minha mãe, que sempre quebrou as barreiras de gênero. E assim foi.

Dez anos depois de feita a escolha, concluí a graduação na Universidade de Brasília com um trabalho sobre o tamanho “ótimo” do Estado e também os créditos do mestrado pela Fundação Getúlio Vargas no Rio, iniciando minha carreira no banco da família.

A economia me deu o ferramental analítico para lidar com os modelos de risco e, certamente, também uma boa dose de curiosidade e de intuição. O estudo do funcionamento do mercado de crédito veio com o interesse por entender os motores de desenvolvimento econômico e de geração de bem-estar social. A formação como economista nos lega esse cacoete de tentar olhar o todo, de avaliar o contexto e de buscar um resultado melhor para todos.

100 anos de Florestan Fernandes e Celso Furtado: como eles pensaram e ainda ajudam a pensar o Brasil

Sociólogo e economista colocaram suas ideias à disposição de um país que queriam livrar do subdesenvolvimento

Ruan de Sousa Gabriel | O Globo

SÃO PAULO – Em 4 de junho de 1987, o economista Celso Furtado (1920-2004), à época ministro da Cultura, anotou em seu diário que o sociólogo e deputado constituinte Florestan Fernandes (1920-1995) vivia “o drama do intelectual que veste a camisa do político: necessidade de radicalizar verbalmente e de acomodação à prática”. Ele mesmo um intelectual político, Furtado concluiu: “São o que há de melhor em nossa arena política.”

— Eram dois intelectuais maduros, com passagens pelo exílio, dando suas contribuições no momento em que o país trocava de pele ao ganhar uma nova Constituição — diz a tradutora Rosa Freire d’Aguiar, viúva de Furtado e organizadora de seus “Diários intermitentes” (Companhia das Letras).

Fernandes e Furtado nasceram há cem anos, em julho de 1920, com apenas quatro dias de diferença: um no dia 22 e outro no dia 26. Furtado veio de uma família de classe média em Pombal, na Paraíba. Antes de enveredar pela economia, estudou Direito e lutou com os pracinhas brasileiros na Segunda Guerra. O paulistano Florestan, filho de empregada doméstica, nunca conheceu o pai. Trabalhou como engraxate e garçom antes de ingressar como aluno, e depois como professor, na USP. Apesar das diferenças, ambos se impuseram a “tarefa ingrata” (palavras de Furtado) de pensar o Brasil.

Autor de livros como “Formação econômica do Brasil” (1959) e “Criatividade e dependência na civilização industrial” (1978), Furtado revolucionou a teoria ao propor que o subdesenvolvimento não era uma “etapa” do desenvolvimento capitalista, mas uma posição das economias periféricas frente às centrais e que não seria superado apenas pela livre atuação do mercado. Já Fernandes, em livros como “A integração do negro na sociedade de classes” (1965) e “A revolução burguesa no Brasil” (1975), revelou as estruturas históricas e sociais que impediam (e ainda impedem) o país de ingressar de vez na modernidade.

— Ao perceberem que teorias estrangeiras não explicavam a persistência do nosso atraso, eles se debruçaram sobre nossa história para explicar como se formaram nossas estruturas sociais e suas lógicas de funcionamento — afirma a cientista política Vera Cepêda, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). — Ambos produziram obras de grande envergadura e orientadas pela ideia de que a ciência não serve apenas para explicar o mundo, mas também para transformá-lo.

A movediça base do governo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mesmo depois da farta distribuição de prebendas, o governo não teve votos suficientes para barrar projetos contrários a seus interesses.

Bem ou mal, o presidente Jair Bolsonaro parece ter entendido que não tem como governar o País se não construir uma base razoável no Congresso. Contudo, em lugar de arregimentar apoio a partir de uma agenda comum e da disposição de dividir o poder, Bolsonaro optou pela velha estratégia de angariar votos na base da oferta de cargos e verbas – algo que, nunca é demais lembrar, Bolsonaro, em sua vitoriosa campanha eleitoral, jurou que não faria.

O resultado disso é que a sustentação do governo no Congresso tem se mostrado frágil e volátil. Mesmo depois da farta distribuição de prebendas, o governo recentemente não teve votos suficientes para barrar projetos contrários a seus interesses, como o que manda pagar indenização de R$ 50 mil para profissionais de saúde incapacitados para o trabalho em razão de contaminação pelo coronavírus. Outro projeto aprovado a despeito das críticas da equipe econômica destina socorro de até R$ 1,6 bilhão para o setor esportivo. Por fim, mas não menos importante, as discussões sobre a reforma tributária foram retomadas na Câmara sem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, fosse convidado a participar.

O alto valor da preservação da Amazônia – Editorial | O Globo

Deve-se manter a floresta em pé, para explorar a sua biodiversidade, e devido ao seu papel na agricultura

A Amazônia causa sonhos e pesadelos nos brasileiros, da lenda da existência de um Eldorado na selva às conspirações de forças para subtrair a soberania nacional sobre a região. Mas, distante da fantasia, a Amazônia se tornou um problema grave, diplomático e econômico, devido à aplicação pelo governo Bolsonaro de uma política agressiva de exploração predatória da floresta.

Por mais contraditório que possa parecer, é este avanço bolsonarista que reforça um antigo projeto de exploração “da floresta em pé”, algo que já foi considerado ideia de ecologista radical e que cada vez mais ganha sustentação científica. O ciclo de destruição iniciado quando o presidente Bolsonaro escalou Ricardo Salles para assumir o Ministério do Meio Ambiente a fim de, por meio de mudanças de normas, de portarias e de outros dispositivos, permitir que “a boiada” de madeireiros e garimpeiros passasse na região reforça a necessidade de uma visão racional e responsável da Amazônia.

Os sistemas de vigilância dos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começaram a detectar o crescimento das manchas de desmatamento em alta velocidade. De janeiro a maio, os alertas apontaram para o alto. Apenas em maio, envolveram 830 quilômetros quadrados de área desmatada, 12% a mais que no mesmo mês de 2019, a maior área destruída neste mês desde 2015, quando o Inpe lançou o serviço de vigilância. As pressões de grandes empresas globais que atuam nos mercados de carnes e grãos aumentaram sobre o Brasil, e o governo recuou. O vice-presidente Hamilton Mourão ocupou espaços no gerenciamento da crise, a partir do Conselho da Amazônia, do qual Ricardo Salles participa, mas sem poder de decisão absoluto, e surge a possibilidade de haver alguma racionalidade no enfrentamento do tema.

Babel do Fundeb – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo tenta desviar recursos do fundo; Congresso quer ampliá-lo sem ter receita

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, mais conhecido como Fundeb, está prestes a ser votado novamente pelo Congresso. A principal fonte de recursos para reduzir a desigualdade no ensino público nacional expira no fim do ano e precisa ser renovada.

Num país em que se desse consequência para o discurso consensual sobre valorizar a educação, seria o bastante para mobilizar a todos, mesmo no auge da pandemia. Não no governo de Jair Bolsonaro, que ignorou a caducidade do fundo até a antevéspera e, ao entrar no debate, só o fez para criar tumulto.

O Fundeb (R$ 168,5 bilhões em 2019) reúne receitas tributárias e um complemento de 10% da União, distribuindo os recursos de modo que todos os entes realizem um gasto mínimo por aluno. Dele saem 40% dos dispêndios com educação básica nas redes públicas, vinculados à melhoria do ensino e à remuneração de professores.

O Planalto, de última hora, apareceu com a ideia de destinar recursos do fundo renovado ao Renda Brasil. Para começo de discussão, o programa nem sequer existe; depois, seria desviar dinheiro da educação para assistência social, driblando o teto dos gastos federais (que não atinge o Fundeb).

Falta de crédito e apoio eleva mortalidade de empresas – Editorial | Valor Econômico

Entre as empresas que fecharam para sempre, as mais atingidas foram as de menor porte: 715,1 mil do total, ou 99,8% do total

Quando a Avianca Brasil teve a falência decretada na semana passada, ganhou manchetes e espaço nas análises de especialistas, mesmo depois de um ano inoperante. Até a recuperação judicial pedida pelo Cirque du Soleil recebeu espaço, como uma das vítimas ilustres da pandemia do novo coronavírus. No entanto, morreram silenciosamente as 716,4 mil empresas brasileiras que fecharam as portas definitivamente na primeira quinzena de junho. Também passaram quase desapercebidas outras 610,3 mil companhias que, na mesma época, suspenderam as atividades temporariamente - ou pelo menos esperavam isso.

No total, 1,3 milhão de empresas, ou um terço do total de 4 milhões de estabelecimentos existentes no país, foram diretamente impactadas pela pandemia. Os números foram divulgados pelo IBGE na semana passada como resultado da primeira edição da pesquisa Pulso Empresa, que mede o efeito da covid-19 no setor empresarial. Foram ouvidas por telefone cerca de 2 mil empresas dos setores da indústria, construção, comércio e serviços. A primeira divulgação traz comparações entre a primeira quinzena de junho e o período anterior ao início da pandemia, em 11 de março. As demais trarão comparações com a quinzena imediatamente anterior.

Entre as empresas que encerraram definitivamente as atividades, as mais atingidas foram as de menor porte - 715,1 mil do total, nada menos do que 99,8%. Foram assim classificadas pela pesquisa as empresas de até 49 funcionários. As outras 1,2 mil empresas que fecharam eram todas de porte intermediário e nenhuma era grande. Na divisão por setores, é o de serviços que concentra o maior número de empresas que encerraram as atividades, com 46,7% do total, ou 334,3 mil. Em seguida, ficaram as da área comercial, com 36,5% ou 261,6 mil; construção, com 9,6% ou 68,7 mil; e indústria, com 7,2% ou 51,7 mil.

Música | Chico Buarque - Vai Passar

Poesia | Fernando Pessoa - Bem, hoje que estou só e posso ver

Bem, hoje que estou só e posso ver
com o poder de ver do coração
quanto não sou, quanto não posso ser,
quanto se o for, serei em vão,

Hoje, vou confessar, quero sentir-me
definitivamente ser ninguém,
e de mim mesmo, altivo, demitir-me
por não ter procedido bem.

Falhei a tudo, mas sem galhardias,
nada fui, nada ousei e nada fiz,
nem colhi nas urtigas dos meus dias
a flor de parecer feliz.

Mas fica sempre, porque o pobre é rico
em qualquer cousa, se procurar bem,
a grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.