“É paradoxal o comportamento iliberal de líderes políticos eleitos democraticamente que, uma vez no poder, tentam subverter e enfraquecer as instituições democráticas.
O que diferencia e qualifica regimes democráticos são as respostas que sociedades e instituições ofertam a tentativas de líderes populistas de usurpá-los.
No Brasil, vários presidentes eleitos apresentaram comportamentos iliberais.
Entretanto, diferentemente de outros populistas do passado recente, o governo Bolsonaro já teve início sob um intenso escrutínio. Essa atitude vigilante da sociedade e das organizações de controle é consequência direta da retórica belicosa e desrespeitosa desde quando Bolsonaro ainda era candidato à Presidência. Portanto, o espaço do governo de agir de forma iliberal já é menor que o de outros populistas, assim como os riscos de que suas ações enfraqueçam a democracia.
A despeito das inúmeras demonstrações de resiliência a retóricas e ações iliberais de populistas de esquerda e de direita, alguns analistas insistem que os riscos à democracia seriam reais e maiores com Bolsonaro. Citam exemplos de Venezuela, Polônia, Hungria ou Turquia, onde o enfraquecimento da democracia foi possível inclusive com apoio popular. Esse risco seria potencializado em contextos de extrema polarização, em que eleitores estariam dispostos a abrir mão de um sistema democrático para ter um país que se aproximasse de suas preferências extremas.
Entretanto, consentimento popular a saídas autoritárias só é dado em um contexto de terra arrasada do ponto de vista institucional, o que nem de longe é o caso do Brasil. Ao contrário de se esgarçarem, os freios e contrapesos do sistema político brasileiro só se fortaleceram desde a redemocratização, ainda que de forma não linear. Mesmo que parte da sociedade brasileira se seduza com iniciativas iliberais, encontrará organizações de controle já imunizadas contra diferentes cepas de populismos.”
*Carlos Pereira, cientista político, “Há vacina contra iliberalismos?”, O Estado de S. Paulo, 27/1/2020.