• Está cada vez mais claro que Nova Matriz provocou crise atual
- Valor Econômico
A explicação mais plausível para a profunda e longa crise pela qual o Brasil atravessa continua sendo a perda de credibilidade da política econômica. Há uma coincidência perfeita entre as mudanças operadas na condução das políticas fiscal, monetária e cambial e a queda da taxa de investimento e do ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A ideia de que o ajuste fiscal que o ex-ministro Joaquim Levy tentou implementar foi o responsável por jogar o país na crise é um devaneio sem qualquer correspondência com a realidade.
Antes de Levy assumir o comando do Ministério da Fazenda, em janeiro de 2015, o governo e o PT alegavam que o baixo crescimento se devia à crise internacional. A afirmação também não faz nenhum sentido porque, apesar de turbulências localizadas, não houve crise mundial no primeiro mandato de Dilma - a crise propriamente dita, considerada a mais grave desde 1929, afetou os países ricos de forma severa entre meados de 2007 e 2008 e os emergentes, de setembro de 2008 a 2009.
Entre 2011 e 2015, a economia mundial cresceu a uma média anual de 3,5% (considerando alta de 3,1% estimada pelo Fundo Monetário Internacional para o ano passado). No mesmo período, a média anual de crescimento do Brasil foi de 0,95% (considerando contração de 3,71% em 2015, segundo a mediana das expectativas do mercado apurada pelo último boletim Focus, do Banco Central).
É verdade que o mundo tem crescido num ritmo menor que o verificado na segunda metade da primeira década deste século. Isso, evidentemente, tem alguma influência sobre a taxa de expansão da economia brasileira, mas não explica o desastre a que estamos assistindo. Alguns analistas estão se fiando na forte desaceleração da China e em seus efeitos negativos sobre as exportações brasileiras para aquele país, especialmente sobre os chamados termos de troca (relação entre preços de exportação e de importação), para tentar achar uma razão convincente que justifique o péssimo desempenho do Brasil.
Uma pesquisa com empresários poderia ajudar a entender a ruína. Os indicadores de confiança desses agentes, especialmente os captados nas sondagens feitas junto ao setor industrial, estão nas mínimas históricas, apesar de uma recente mas tímida melhora. Empresários pessimistas não compram máquinas e equipamentos nem contratam trabalhadores. O que explica a perda de confiança não é outra coisa, a não ser a deterioração da qualidade da política econômica, que acabou com a previsibilidade da economia nacional.
A presidente Dilma passou os oito anos dos dois mandatos do presidente Lula disputando as políticas que, em última instância, asseguraram-lhe a vitória na eleição de 2010. Para Dilma, tanto a taxa de juros quanto a taxa de câmbio estavam no lugar errado. Ela nunca aceitou o fato de que ambos são preços, isto é, decorrem de uma série de fatores, sendo a situação das contas públicas o principal deles.
Com essa convicção, a presidente mudou, a partir de agosto de 2011 (após a demissão do então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, cuja função no governo era defender o legado de Lula na economia), as políticas que governaram o país em três mandatos presidenciais (um de FHC e dois de Lula). As mudanças e as decisões tomadas a partir de suas consequências produziram a recessão que, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, assola o Brasil desde o segundo trimestre de 2014. São elas:
1) Em agosto de 2011, em meio ao aumento da inflação e à piora das expectativas do mercado, o BC baixa a taxa básica de juros (Selic) na marra, levando-a mais adiante para 7,25% ao ano (o juro real caiu para 2%);
2) No fim daquele ano, o Ministério da Fazenda eleva as alíquotas de IOF para forçar uma desvalorização do real;
3) Para assegurar que os preços administrados não pressionassem a inflação, obrigando o BC a interromper a queda dos juros, o governo congela os combustíveis (gasolina e álcool) e adota medidas para forçar a queda das tarifas de energia elétrica;
4) A resposta dos empresários às mudanças é a retração da Formação Bruta de Capital Fixo, que reflete os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil. Nos quatro trimestres de 2012, a FBCF opera em território negativo;
5) Com a queda do investimento, a economia, que já havia desacelerado em 2011, acentua a queda em 2012, avançando apenas 1,8%. À medida que fica claro que o setor empresarial não reage positivamente aos supostos benefícios da Nova Matriz Econômica, o Ministério da Fazenda começa a oferecer estímulos fiscais e creditícios a empresas e consumidores;
6) Em dezembro de 2012, o Tesouro Nacional tem dificuldades para cumprir a meta fiscal fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, por isso, forja uma série de operações entre entes estatais - a contabilidade criativa - para chegar ao resultado. A medida começa a minar a confiança do mercado na saúde das contas públicas;
7) No primeiro semestre de 2013, o BC constata que a inflação ameaça romper o limite de tolerância do regime de metas e começa aumentar a Selic. Dois anos depois, a taxa já é maior que o patamar anterior ao do início do processo de redução forçada;
8) Em maio de 2013, o Federal Reserve sinaliza o início do fim dos estímulos monetários nos Estados Unidos, provocando desvalorizações de moedas em todo o mundo. Em agosto, o BC brasileiro adota programa de swaps para amortecer esse movimento no Brasil;
9) Dilma, preocupada com sua reeleição, concorda em abrir mão de dois aspectos da Nova Matriz - juros e câmbio -, mas decide aprofundar o uso da política fiscal para tentar reavivar a economia a qualquer custo.
O resultado de tudo isso pode ser resumido em alguns números: em 2014, o PIB brasileiro ficou estagnado (alta de 0,1%) e, em 2015, pode ter encolhido até 4% - para 2016, o boletim Focus projeta outra queda (de 2,95%) -; a inflação foi a 6,41% em 2014 e, no ano passado, chegou a dois dígitos (10,72%, segundo estimativa do Focus); o déficit público, que há três anos estava em torno de 3% do PIB, saltou para 6,2% do PIB em 2014 e 9,3% do PIB nos 12 meses até novembro de 2015; o desemprego pulou de 4,8% em novembro de 2014 para 7,5% em novembro passado.