domingo, 19 de julho de 2009

PENSAMENTO DO DIA – Itamar Franco

“Tocqueville disse que como o passado deixa de lançar luz sobre o futuro, o espírito do homem vagueia na obscuridade.”

(Itamar Franco, em discurso de filiação ao PPS, Belo Horizonte, 06/07/2009.

Gramsci, leitor de Maquiavel

Juan Carlos Portantiero
Tradução: Josimar Teixeira
Fonte: Gramsci e o Brasil

“O caráter fundamental do Príncipe é o de não ser um tratado sistemático, mas um livro ‘vivo’, no qual a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do ‘mito’” [1].

Assim começam as Breves notas sobre a política de Maquiavel, que Antonio Gramsci escreve no cárcere entre 1932 e 1934 e que constituem o essencial das suas reflexões sobre Maquiavel.

Algum tempo antes, em março de 1927, pouco depois do seu encarceramento pela ditadura mussoliniana, Gramsci detalhava numa carta sua vontade de encetar uma série de estudos für ewig, “para sempre”, que pudessem absorver e centralizar sua vida intelectual diante do desgaste moral que implicava a longa condenação pedida pelos promotores fascistas. Este plano, que nutre os 33 cadernos que redigiria na prisão, incluía um estudo sobre a função cosmopolita dos intelectuais italianos, de que a análise da figura de Maquiavel constituiria um capítulo central. Gramsci leria Maquiavel com olhos de político, não de acadêmico; com os olhos de quem é o fundador de um partido que assume tarefas de transformação revolucionária da sociedade e quer ser protagonista da fundação de um novo Estado. Por isso, o Maquiavel gramsciano será, sobretudo, o de O príncipe e de A arte da guerra, não o pensador republicano dos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, marcando uma cisão que significaria — segundo Gramsci — “uma dissidência trágica” em Maquiavel, que não pode se separar do ideal republicano, mas, ao mesmo tempo, compreende que só a monarquia absoluta pode resolver os problemas da sua época: a fundação de um Estado numa sociedade corrompida.

O príncipe, o que interessa a Gramsci dentro do marco de reflexão que escolheu? A explicação do fracasso na constituição do Estado nacional italiano por causa daquilo que qualifica como “o caráter cosmopolita dos intelectuais” e da função universal (e, portanto, não nacional) que o papado vai cumprir neste processo histórico. Assim assinala nos Cadernos: “A razão dos sucessivos fracassos das tentativas de criar uma vontade coletiva nacional-popular deve ser procurada na existência de determinados grupos sociais que se formam a partir da dissolução da burguesia comunal, no caráter particular de outros grupos que refletem a função internacional da Itália como sede da Igreja e depositária do Sacro Império Romano, etc. Esta função e a consequente posição determinam uma situação interna que pode ser chamada de ‘econômico-corporativa’, isto é, no plano político, a pior das formas de sociedade feudal, a forma menos progressista e mais estacionária: nunca se formou, e não poderia formar-se, uma força jacobina eficiente, precisamente aquela força que, nas outras nações, criou e organizou a vontade coletiva nacional-popular e fundou os Estados modernos”.

O fracasso do Maquiavel de O príncipe, o fato de que suas prescrições não encontraram um chefe capaz de realizá-las foi o que levou ao atraso secular da constituição do Estado nacional italiano. Já o jovem Hegel, o primeiro grande apologista do pensador florentino, tinha visto Maquiavel como “[...] uma séria cabeça política no sentido maior e mais nobre”, capaz de formular uma solução para o mesmo problema de fragmentação que sofria então a Alemanha. “Na época da sua desgraça — escreve —, quando a Itália se precipitou na sua miséria [...], um homem de Estado italiano, profundamente comovido por esta situação de miséria geral, de ódio, de desordem, de cegueira, concebeu com fria serenidade a necessária ideia de salvar a Itália mediante sua unificação num Estado [...]” [2].

Essa ideia da fundação de um novo Estado é a que Gramsci recolhe das prescrições de Maquiavel; por isso, sua preocupação quase exclusiva com O príncipe como expoente do que chama de “as questões de grande política: criação de novos Estados, conservação e defesa de estruturas orgânicas em seu conjunto; questões de ditadura e de hegemonia em ampla escala, isto é, em toda a área estatal”. Mas esta preferência pelos temas de O príncipe não coloca este texto, na opinião de Gramsci, em contraposição absoluta aos Discursos: concordando com um comentarista de Maquiavel, Luigi Russo, o qual assinala que O príncipe é o tratado da ditadura (momento da autoridade e do indivíduo), e os Discursos, o da hegemonia (momento do universal e da liberdade), Gramsci escreve: “A observação de Russo é exata, embora também no Príncipe não faltem referências ao momento da hegemonia ou do consenso, ao lado daquele da autoridade ou da força. Assim, é justa a observação de que não há oposição de princípio entre principado e república, mas se trata sobretudo da hipóstase dos dois momentos de autoridade e universalidade”.

Então, o que interessa a Gramsci é O príncipe como “livro vivo” no qual ideologia e ciência se fundem na forma do mito. Para Gramsci (como para Sorel, em quem se inspirava para fazer estas considerações), a possibilidade de transformar um pensamento sobre a política em ação política decorria da capacidade de constituir uma ideologia-mito, “uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar sua vontade coletiva”.

Por isso, O príncipe é um “manifesto político”, o que se revelaria claramente no seu dramático e retórico epílogo, exortando a se apoderar da Itália e a libertá-la dos bárbaros. O príncipe não era uma realidade histórica, mas sim uma abstração doutrinária, “o símbolo do líder, do condottiero ideal”, que quer conduzir seu povo para a fundação de um novo Estado. Mas, nas condições modernas, qual deveria ser o caráter do príncipe? Responder a esta pergunta significa, para Gramsci, recuperar para seu presente as preocupações de Maquiavel e adaptá-las a outra realidade. O Príncipe moderno já não pode ser uma pessoa concreta, mas um elemento de uma sociedade complexa no qual comece a concretizar-se uma vontade coletiva. Este organismo é o partido político, “a primeira célula na qual se sintetizam germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais [...]”.

A função do partido político, do Príncipe moderno, será então a de germe de uma nova vontade coletiva nacional-popular, além de organizador de uma reforma intelectual e moral capaz de gerar uma nova concepção do mundo. Neste sentido, o precedente de Maquiavel, para Gramsci, é decisivo: tanto O príncipe, como personagem, quanto os jacobinos de séculos depois (sua “encarnação categórica”) tentaram expressar ambas as dimensões, ainda que fracassassem em seu tempo. “Qualquer formação de uma vontade coletiva nacional-popular é impossível se as grandes massas dos camponeses cultivadores não irrompem simultaneamente na vida política. Isso é o que Maquiavel pretendia através da reforma da milícia, isso é o que os jacobinos fizeram na Revolução Francesa [...]”.

Para Gramsci, como assinalei, O príncipe é um manifesto de partido e não um tratado de teoria política, de modo que não valem para sua análise “interpretações moralistas”. Maquiavel funda a autonomia da política, com princípios e leis diferentes da religião e da moral, e este é um ponto fundamental porque inova toda a concepção de mundo. Portanto, não se pode julgar a política a partir das categorias da moral, sobretudo de uma moral influenciada decisivamente pela religião: a política deve gerar seus próprios códigos e, por isso, os processos fundacionais implicam uma reforma intelectual e moral. Num amplo parágrafo dos Cadernos, Gramsci reflete sobre estas relações: “Um conflito é ‘imoral’ quando torna o fim mais distante ou não cria condições que tornem o fim mais próximo (ou seja, não cria meios mais adequados à conquista do fim), mas não é ‘imoral’ de outros pontos de vista ‘moralistas’. Desse modo, não se pode julgar o político por ser ele honesto ou não, mas por cumprir ou não seus compromissos (e neste cumprimento pode estar compreendido ‘ser honesto’, isto é, ser honesto pode ser um fator político necessário, e em geral o é, mas o juízo é político e não moral). Ele é julgado não pelo fato de atuar com equidade, mas pelo fato de obter ou não resultados positivos, ou evitar um resultado negativo, e nisto pode ser necessário ‘atuar com equidade’, mas como meio político e não como juízo moral”.

Neste plano, a linha de recuperação que Gramsci faz de Maquiavel é conhecida. Mas o que o primeiro se propõe é o problema dos fins que o segundo se propunha, ao escrever O príncipe.

Para Benedetto Croce, sendo o maquiavelismo uma ciência, serve tanto para reacionários quanto para democratas, assim como a arte da esgrima serve aos senhores e aos bandidos tanto para se defenderem quanto para assassinarem. Suas regras implicariam técnicas eticamente neutras.

Mas a pergunta gramsciana vai mais além: a quem Maquiavel sugere o uso destas regras? E responde que Maquiavel tem em vista não aqueles grupos e pessoas que “já sabem”, mas os que “não sabem”: “a classe revolucionária da época, o ‘povo’ e a ‘nação’ italiana, a democracia urbana”. E acrescenta: “Pode-se supor que Maquiavel pretenda convencer estas forças da necessidade de ter um ‘líder’ que saiba o que quer e como obter quer, e de aceitá-lo com entusiasmo, ainda que suas ações possam estar ou parecer estar em contradição com a ideologia difusa da época, a religião”.

Maquiavel, como homem do seu tempo, desenvolve uma filosofia que tende à organização das monarquias nacionais absolutas como forma política que facilite um desenvolvimento ulterior da burguesia. “O Príncipe — diz Gramsci — deve pôr fim à anarquia feudal, [...] apoiando-se nas classes produtoras, comerciantes e camponeses”. E acrescenta: “se as classes urbanas pretendem pôr fim à desordem interna e à anarquia externa, devem apoiar-se nos camponeses como massa [...]”. Este jacobinismo avant la lettre do escritor florentino expressar-se-ia, segundo Gramsci, na vinculação teórica que une A arte da guerra ao Príncipe: a ênfase na superioridade dos exércitos de camponeses mobilizados como milícia sobre as companhias de mercenários. E conclui Gramsci: “Pode-se dizer que a concepção essencialmente política é de tal forma dominante em Maquiavel que o leva a cometer erros de caráter militar: ele pensa especialmente na infantaria, cujas massas podem ser recrutadas com uma ação política e, por isso, desconhece o significado da artilharia”.

Por fim, na inspiração de Maquiavel sobre Gramsci restam duas linhas significativas. Uma, a que se refere à “dupla perspectiva” na ação política, “correspondente à natureza dúplice do Centauro maquiavélico, ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade, do momento individual e daquele universal (da ‘Igreja’ e do ‘Estado’), da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia, etc.”. Não é difícil perceber até que ponto esta proposição é utilizada por Gramsci para fundar a relação entre violência e consenso que constrói a hegemonia, uma das chaves do seu complexo discurso sobre a política.

A outra linha de Maquiavel que volta em Gramsci é a que tematiza o “realismo excessivo” na política, o qual leva a interessar-se não pelo dever ser, mas pelo ser, um erro que faz com que se considere Guicciardini, um contemporâneo de Maquiavel, como “o político verdadeiro”. O dilema obriga a distinguir entre o diplomata e o político. O primeiro se move na “realidade efetiva”, porque sua atividade não tende a gerar novos equilíbrios, mas a conservá-los. O segundo, representado por Maquiavel, quer, por definição, criar novas relações de força e, portanto, deve ocupar-se do “dever ser”. Mas, na visão gramsciana, a questão não deveria ser formulada nestes termos antagônicos: trata-se de analisar se o “dever ser” é um ato arbitrário ou um ato necessário. É certo que o político não deve mover-se só na “realidade efetiva”, mas também no “dever ser” que orienta a ação sobre a mudança da sociedade. Mas haveria duas formas deste “dever ser”: uma, a abstrata e difusa de Savonarola (o “profeta desarmado”), e outra, a realista de Maquiavel, nem determinista nem voluntarista, mas definida como interpretação objetiva e como indicadora de linhas de ação, embora não se tenha transformado em realidade imediata.

E Gramsci, cheio de admiração, culmina sua análise com estas palavras: “O limite e a estreiteza de Maquiavel consistem apenas no fato de ter sido ele uma ‘pessoa privada’, um escritor, e não o chefe de um Estado ou de um exército, que é também uma pessoa singular, mas tem à sua disposição as forças de um Estado ou de um exército, e não somente exércitos de palavras. Nem por isso se pode dizer que Maquiavel tenha sido também ele um ‘profeta desarmado’ [...]. Maquiavel jamais diz que pensa em, ou se propõe ele mesmo, mudar a realidade, mas visa apenas e concretamente a mostrar como deveriam operar as forças históricas para se tornarem eficientes [...]”.

Juan Carlos Portantiero (1934-2007), sociólogo argentino, escreveu, entre outros, Los usos de Gramsci. Este texto foi publicado originalmente em VV.AA. Fortuna y virtud en la república democrática. Estudios sobre Maquiavelo. Buenos Aires: Clacso, 2000. Traduzido sem finalidades comerciais por Josimar Teixeira.

Notas

[1] Todas as citações deste estudo encontram-se em Gramsci, Antonio. Quaderni del Carcere. Turim: Einaudi, 1975, t. III [Cadernos do cárcere. V. 3: “Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000].

[2] Hegel, G. W. F. La Constitución de Alemania. Madri: Aguilar, 1972.

No terreno da galhofa

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nada menos educativo e mais impreciso que a comparação de nefastos conchavos políticos a rodadas festivas de fatias de pizza. Dizer que isso ou aquilo "acaba em pizza", além de lugar comum de significado gasto e péssimo gosto, não faz jus à dimensão da questão em si: a impunidade com ares de celebração da esperteza e de suposta tradução da alma brasileira.

Daí o valor pedagógico da reação das entidades que representam os pizzaiolos profissionais, pela primeira vez na longa trajetória de consolidação da medonha metáfora, contra o paralelo entre a atividade deles e o exercício da desfaçatez, principalmente por parte de agentes públicos.

E que não se atribua ao presidente Luiz Inácio da Silva agora essa culpa. Ele apenas seguiu o padrão do desafio proposto: "Vai haver pizza temperada com pré-sal no Senado?"

Sem parar para pensar, como é de seu hábito, o presidente como todo mundo assistiu ao último conchavo que deu a Renan Calheiros o direito de continuar no Senado e ainda voltar a comandar uma tropa de fiéis soldados e não teve dúvida: confirmou a possibilidade e lembrou que os senadores são "bons pizzaiolos".

Suas excelências reagiram no mesmo diapasão e, indignadas, responderam em uníssono que pode ser resumido a algo como "pizzaiolo é quem me diz".

E a partir daí estava a República a discutir onde se produz a melhor pizza na capital federal: no Planalto ou no Congresso. Com direito a pedido oficial de voto de censura ao presidente da República que passa a fazer companhia a outras solicitações semelhantes, tal como o repúdio a Hugo Chávez por ter chamado o Senado brasileiro de "papagaio" de George W. Bush.

Pois precisou a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade e o Sindicato dos Trabalhadores de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares protocolarem um pedido oficial de desculpas do presidente Lula e do senador Cristovam Buarque, para que se expusesse o ridículo da coisa.

Cristovam discursou "profundamente ofendido" de ser chamado de pizzaiolo e os pizzaiolos ficaram ainda mais indignados por terem sido comparados aos senadores.

Segundo a nota da entidade, os dois, o presidente e o senador, "cometeram um grave erro" que, se não for reparado, será motivo de convocação de uma assembleia da categoria para discutir "as medidas a serem tomadas".

Afinal, pontua o ofício, "nós temos obrigação moral e constitucional de defender a nossa classe".

Até a noite se sexta-feira, Lula e Cristovam ainda não haviam tomado uma posição a respeito e o presidente do sindicato esperava pedido público de escusas antes de decidir o "próximo passo". Uma comédia, não fosse uma tragédia.

Vai ou racha

O apelo à "conciliação" entre as forças políticas, feito pelo presidente da Câmara, Michel Temer, como forma de resolver a crise do Senado, apazigua, mas não soluciona.

A crise nas proporções atuais é resultado exatamente do longo período de vigência do excesso da complacência coletiva e da vocação apaziguadora do Congresso.

Sem ruptura radical com o passado, ainda que com regras de transição negociadas, o Parlamento continuará a andar em descompasso com a sociedade. Fecha um capítulo agora, mas não dá um desfecho para a história.

Tortuosas

Quando o deputado Ciro Gomes diz que se Aécio Neves for candidato do PSDB isso "descomprime gravemente a necessidade estratégica" de ele disputar a Presidência da República, entende-se que Ciro entraria no embate com a função de bater em José Serra.

Sendo um aliado do presidente Lula, a "necessidade estratégica" atenderia aos ditames do campo governista.

Logo, depreende-se que, com Aécio candidato, o governo não veria necessidade de contar com um combatente tão aguerrido. Ou Ciro estaria querendo dizer que, no caso, seria um aliado do candidato da oposição?

Ou, por outra, estaria afirmando que há chance de aceitar a sugestão do presidente Lula e disputar o governo de São Paulo com Serra, que, desistindo da Presidência, concorreria à reeleição?

Se para Ciro Gomes a batalha presidencial já seria complicada concorrendo com o PT e o PSDB, a disputa com Serra no terreno do adversário que além de tudo é governador seria - para efeito de análise de possibilidades - uma guerra perdida.

Contas

De olho comprido na vaga de vice na chapa da ministra Dilma Rousseff, a cúpula do PMDB torce para Ciro Gomes concorrer ao governo de São Paulo e faz contas otimistas.

Diz que ele sozinho teria algo em torno de 12% dos votos. Com mais outros tantos na casa dos dois dígitos garantidos pelo eleitorado fiel ao PT, já seria garantia certa de segundo turno.

É proibido silenciar

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Uma vez, anos atrás, um acadêmico norte-americano especializado em América Latina (o nome se perdeu nas brumas da memória) comentou comigo que a palavra "accountability" não tem tradução fiel, precisa, nem em português nem em espanhol.

O sentido mais próximo é "prestação de contas". Mas não alcança o mais profundo do conceito, que é o de introjetar a obrigação de render contas de seus atos, especialmente se se é agente público.

Posto de outra forma: o funcionário público, de qualquer calibre, tem marcada na alma a certeza de que deve explicações ao público, mesmo quando o público não as esteja pedindo.

É essa consciência, indispensável à construção da República, que o senador José Sarney demonstra não possuir, ao recorrer a uma frase de Sêneca para calar-se. Essa história de combater o que chama de "injustiça" com "o silêncio, a paciência e o tempo" não passa de fuga às suas responsabilidades e de traição ao conceito de "accountability" que ele, como funcionário público da mais alta graduação, deveria ser o primeiro a defender.

De quebra, Sarney refugia-se na velhíssima e fajutíssima tese de perseguição da mídia. Não, senador, é perseguição dos fatos, e enquanto eles não forem total e definitivamente explicados, continuarão a persegui-lo, no Maranhão, em Brasília, onde for.

É essa fuga à "accountability" que explica os parlamentares que se lixam para a opinião pública. Ela paga os salários de todo esse "band of brothers", mas eles não se sentem compelidos a dizer ao púbico o que fazem, o que só aumenta a suspeita de que o que fazem só cabe mesmo em BOs.

O caso de Sarney é mais grave porque tem um espaço semanal, aqui ao lado, em que poderia dar todas as explicações sem ser interrompido por perguntas. Prefere mudar de assunto. Sempre.

'Estamos caminhando para virar a página'

Entrevista: Marco Antonio Villa
Adauri Antunes Barbosa
DEU EM O GLOBO

Para historiador, crise do Senado é produtiva por representar "morte política de Sarney" e da "maioria comprada"

A crise que envolve o Senado e atinge em cheio o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), tem um lado “muito positivo” e “produtivo” para o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Segundo ele, Sarney é o “símbolo maior” do coronelismo no país, e a crise pode provocar sua morte política, com uma mudança positiva para a democracia brasileira.

— Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis.

Por isso esta crise é extremamente saudável.

Estamos caminhando para virar a página — afirma Villa, que acusa senadores de se venderem para compor a maioria do governo: — São comprados.

O GLOBO: Sarney tem razão ao alegar que a crise só existe por ele ser aliado do governo?

MARCO ANTONIO VILLA: É verdade, não é só o Sarney. O Senado teve outros presidentes e Mesas compostas por vários senadores. Quer dizer, a crise é do Senado. Mas não é só do Senado. É do Senado e do Sarney. Afinal, ele já tinha sido duas vezes presidente do Senado. As denúncias contra Sarney já são conhecidas no Maranhão há muito tempo. O que está sendo denunciado agora, em esfera nacional, a oposição fala no Maranhão há quatro décadas. No Maranhão todo mundo sabe! E isso está sendo muito positivo porque a nação está conhecendo quem é o senador José Sarney. Isso é bom, muito produtivo.

Por que produtivo?

VILLA: Sarney é o cacique que está há mais tempo na política brasileira, é extremamente nocivo.

Toda essa crise que ele está vivendo me parece uma espécie de dobra de finados. A partir dali, acho que é a morte política do Sarney. Ele está caminhando para essa morte política.
Evidentemente, ele ainda tem um poderzinho, mas já não tem mais o mesmo poder que tinha.

O que poderia significar essa morte política de Sarney?

VILLA: No Maranhão, Sarney deu um golpe de Estado com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral (sua filha Roseana assumiu o governo). É algo absurdo! Nunca vi isso. A derrubada de Jackson Lago é algo gravíssimo para a democracia brasileira. E houve um silêncio nacional. É bom lembrar que a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (Nelma Sarney) é cunhada dele.

E ele já tinha dado um golpe de Estado gravíssimo no Amapá.

Teve a eleição do João Capiberibe (PSB-AP), e por compra de dois votos a R$ 24 cada um. Um escândalo. Isso mostra que ele tem muita força política no centro do poder. Mas, com a crise de agora, essa força diminuiu sensivelmente.

Acho muito positivo porque um dos obstáculos para a plena consolidação da democracia brasileira é o poder coronelístico.

E o símbolo maior desse poder é Sarney.

Para o senhor, Sarney é o grande coronel do Brasil?

VILLA: Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis.

Por isso essa crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático representado pelos oligarcas.

E o maior deles é Sarney.

Qual a dimensão dessa crise atual do Senado?

VILLA: É certamente a maior crise da história do Senado.

Sinceramente, desde 1890, na primeira eleição da República, quando foi criado o Senado republicano, não me lembro de outra crise tão grave e tão longa como esta que estamos vivendo.

É gravíssimo ter uma Casa onde a direção política era dada por um funcionário, o diretor-geral. É o único Senado do mundo ocidental em que a direção política é dada por um funcionário.

O Senado brasileiro é uma “casa de horrores”, como definiu a revista britânica “The Economist”?
VILLA: Infelizmente, é triste, mas verdadeiro. É uma casa de horrores, mesmo! A nomeação de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o Conselho de Ética é um escândalo. Imagine, é um suplente! O conserto pode ser dado pelo eleitor daqui a um ano, quando forem renovados dois terços do Senado.

Para o senhor, só o eleitor pode mudar o Senado?

VILLA: Se não acreditarmos nisso, não há saída. A única saída é que o eleitor tenha consciência. E o eleitor de todos os estados. A gente, normalmente, imputa ao eleitor dos estados mais atrasados eleger qualquer senador. Mas São Paulo, por exemplo, tem um senador que está fazendo papel pífio nesta situação, que é o Aloizio Mercadante. O outro, Romeu Tuma, que é o corregedor, é omisso. E veja o caso de Minas Gerais, que tem um suplente, o Wellington Salgado, exercendo a senatoria há quatro anos...

O senhor disse que a Justiça tem sido omissa em relação às denúncias no Senado.

VILLA: Essas denúncias são gravíssimas. A cada dia tem uma, duas, três... Aí é papel da Justiça. Mas a grande questão é que a Justiça é omissa. Foram crimes gravíssimos cometidos no Senado, e com a absoluta omissão da Justiça.

O Executivo compra maiorias"

O Executivo pode governar à margem da fiscalização de um Congresso paralisado?

VILLA: Os poderes conferidos pela Constituição de 1988 a Executivo, Legislativo e Judiciário nem sempre são claros. Por incrível que pareça! Já são mais de 20 anos com a Constituição.

O que pode acontecer com o esvaziamento do poder político do Congresso?

VILLA: A saída é, de um lado, o eleitor renovar seus representantes, tanto no Senado como na Câmara. De outro, no caso de crimes, a ação da Justiça.
E o terceiro caminho, que também é muito difícil que ocorra, é o Executivo ter uma nova relação com o Legislativo.

Esse também é um problema grave. O Executivo compra maiorias no Legislativo. Nas esferas das prefeituras, dos estados e, no caso do governo federal, isso é explícito. E essa compra de maioria acaba fortalecendo, no caso do Senado, especificamente os senadores que são “menos identificados com os valores republicanos”, para ser educado.

Quais senadores o senhor diz serem “comprados”?

VILLA: São senadores com pouquíssima participação nos grandes debates nacionais. E são comprados. Essa maioria comprada tende também a ter um momento de mudança. Se o eleitor pode mudar isso ano que vem, na eleição, a Justiça pode mudar agindo, o Executivo pode mudar também. Mas como ele pode mudar essa relação perversa com o Executivo, independentemente de que presidente seja eleito em 2010? Que (o candidato) busque uma aliança programática, estabelecendo pontos programáticos, e explicite isso à população na campanha e, especialmente, antes de tomar posse.

Essas alianças programáticas podem se contrapor à compra da maioria?

VILLA: Sim. Aliança na base do “é dando que se recebe” é crise inevitável. Se olharmos o Congresso nos últimos 15 anos, é difícil encontrar um ano que não tenha um problema. Ou gravíssimas crises. É por causa dessa relação perversa do Legislativo com o Executivo, essas compras de maioria.

As amizades colloridas

Ruth de Aquino
DEU NA REVISTA ÉPOCA


Algumas imagens falam mais que mil palavras. A foto de Lula e Collor em Palmeira dos Índios, Alagoas, é tão expressiva que não precisaria de legenda. Olho no olho, sorriso autêntico de afeto, abraço forte e cúmplice sem constrangimento. Não foi uma foto posada ou armada. Era o lançamento da obra de uma adutora, do PAC. Sem necessidade, Lula reforçou o gesto com palavras: “Quero fazer justiça aos senadores Fernando Collor e Renan Calheiros, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado”.

Mesmo que a memória do Brasil seja curta, mesmo que você não tenha pintado a cara de verde e amarelo e saído às ruas em 1992 para pedir o impeachment do presidente Collor por corrupção, esse momento histórico está impresso na retina dos brasileiros. Houve um surto de patriotismo ético. O país apeara do poder o falso caçador de marajás, o defensor ilusório dos descamisados. Um populista de direita que tinha construído jardins babilônicos em sua residência em Brasília, com cinco cachoeiras acionadas por mecanismo eletrônico. Algo comparável, em cafonice e megalomania, ao castelo do deputado mineiro Edmar Moreira, o bom companheiro avesso a julgamentos entre iguais.

Collor já tinha envergonhado a nação em 1989, na campanha para a Presidência, ao aplicar golpe baixo no adversário do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Exibira na televisão o depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, acusando-o de pressão para abortar a filha dos dois.

Mesmo depois da eleição e do impeachment de Collor, Lula foi implacável – e com muita propriedade. Em 1994, quando Collor foi absolvido pelo STF, o petista disse: “Como cidadão brasileiro que tanto lutou para fazer a ética prevalecer na política, estou frustrado, possivelmente como milhões de brasileiros. Só espero que não apareça um trambiqueiro querendo anistiar Collor da condenação imposta pelo Senado”. A condenação era a inelegibilidade por oito anos.

Foi autêntico o abraço afetuoso de Lula e Collor. A palavra “ética” sumiu dos discursos do presidente

A palavra “ética” sumiu do discurso de Lula. Hoje, seus compadres e amigos pertencem às oligarquias que combateu como inimigas do povo.

O comício da semana aconteceu num estádio de futebol para 500 sem- -terra, agricultores, funcionários públicos, donas de casa, prefeitos e políticos de Alagoas. Dilma Rousseff, no palanque, exaltou a origem nordestina de Lula. Lula comparou Collor a Juscelino Kubitschek. Um jornal distribuído no evento deu manchete com o apoio de Lula ao candidato Collor.

Houve gente que sentiu nojo. Petistas se sentiram traídos e se perguntaram até onde Lula pode ir em nome da tal governabilidade. Mas é tudo tática. O rol de notícias da semana nos faz crer que assistimos a um gigantesco Casseta & planeta.

Edmar Moreira foi absolvido. O filho de Sarney, Fernando, foi indiciado por desvio e formação de quadrilha. A filha, Roseana, pagou R$ 4,3 milhões – de verba pública – por uma exposição do banqueiro amigo Edemar Cid Ferreira. O governo Lula assumiu o comando da CPI da Petrobras. E, de quebra, o Conselho de Ética do Senado, que blindará Sarney. O novo presidente do Conselho, indicado por Renan Calheiros, é o peemedebista Paulo Duque, de 81 anos: “Será que Renan me escolheu por meus olhos azuis?” Duque não teme cobranças e diz não dar muita importância à opinião pública, porque “ela é muito volúvel”.

Lula provocou os senadores da oposição: “São bons pizzaiolos”. A categoria dos pizzaiolos profissionais reagiu irada: “Não roubamos dinheiro público”.

Com o forno quente na cozinha da Casa-grande, é compreensível o alívio de Sarney diante do recesso: “Graças a Deus”. Será que o presidente do Senado vai interromper nas férias sua coluna na Folha de S.Paulo? Seria uma pena. A última foi sobre “a guerra de titãs entre Windows e Google”. Sarney se espanta com os chips e a teia de aranha virtual. E saúda como “um milagre” o Google Earth, “com sua capacidade de mostrar na tela a casa de todo mundo no mundo, inclusive a minha”. Aquela de R$ 4 milhões em Brasília também, senador? Encerra seu artigo com a máxima: “Aos vencedores, as batatas”. Seria melhor “aos vencedores, a pizza”. De lulla.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Sêneca e Sarney

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Ao encerrar diante de um plenário vazio o semestre mais horroroso da história do Senado Federal, o senador pelo Amapá, dono do Maranhão e vice-rei do Brasil, José Sarney, fez a apologia de Lúcio Aneu Sêneca, conhecido como o Moço, o Estóico e, em rodas mais exigentes, como o Pulha.

Sarney finge agilidade, mas é antes de tudo um leviano: não pensa, embroma, não escreve, enrola, não discursa, engrola. Queria uma figura da antiguidade para espelhar-se, de preferência um senador romano e com o nome começando por um “s”. Na pressa, o dedo podre parou em Sêneca.

Ferrou-se: o estoicismo do espanhol de Córdoba era, aparentemente, de fancaria: envolveu-se com a sobrinha do imperador Cláudio, que por isso o desterrou, mais tarde engraçou-se com a imperatriz Agripina, que fez dele o preceptor do seu filho Nero. Agradecido, ao tornar-se imperador, converteu o mestre no principal conselheiro.

Sêneca foi extremamente complacente com a tirania de Nero e chegou a escrever uma hedionda e hipócrita justificativa ao senado romano sobre o assassinato da velha amiga Agripina. Sua tibieza diante do despotismo e a obsessiva acumulação de riquezas foram denunciadas pelos contemporâneos que viam nelas a negação da pregação estóica. Quando o povo começou a reclamar contra Nero, aderiu à conspiração de Pisão. Descoberto, foi obrigado a suicidar-se.

Símbolo das contradições de Sêneca é uma de suas mais famosas tiradas: “Eu elogio a vida, não a que levo, mas aquela que deve ser vivida.” Por isso não encontrava qualquer contradição entre o seu pretenso estoicismo e a fortuna material que acumulou. Alegava que o sábio não precisa ser pobre desde que o seu dinheiro seja ganho de forma decente. Sarney deve à legião de admiradores algumas explicações a respeito desta controversa proposição.

Solidário com o guru romano, na derradeira catilinária semestral Sarney investiu pesadamente contra a mídia e, sobretudo, contra o Estadão, que iniciou a série de denúncias contra os atos secretos. Ingrato, deixou mal o jornal que o acolhe às sextas-feiras, a Folha de S.Paulo, que tanto se esforça para acompanhar o competidor. Sêneca inspirou-o também neste aspecto ao designar o único medium da época, as Actas Diurnas, como “folhas linguarudas”.

Sarney, porém, é espécime único, fora de série, incomparável. As circunstâncias que o produziram resultam de uma raríssima combinação de ingredientes, aliás todos diminutivos: malandrinho, cinicozinho, oportunistazinho.

Fazia parte da “banda de música” da velha UDN e, ao contrário dos camaradas, avalizou em 1964, sem pestanejar, todos os arbítrios da Redentora. Serviu-a fielmente e quando a ditadura começou a soçobrar, passou-se para o grupo oposto. Tancredo o escolheu como vice não pelos atributos, mas pela mediocridade.

As façanhas posteriores têm sido muito lembradas ultimamente, porém poucos recordam a despudorada adesão à candidatura de Lula em Agosto de 2002, quando deixou escapar esta pérola de pragmatismo: “já que um dia será preciso engolir um triunfo do PT, melhor que fosse logo e acabasse depressa”. Sêneca seria mais gracioso e retórico, diria a mesma coisa de forma a converter-se em inspiração aos pósteros.

Agradecido, o então candidato Lula não viu qualquer perversidade na manifestação do ex-adversário e novo aliado. No berreiro dos palanques é impossível reparar em sutilezas ou examinar a decência das claques. Agora, no recesso parlamentar, talvez consiga o distanciamento para perceber o emaranhado de equívocos nos quais se envolveu a partir do momento em que colocou o sub-Sêneca como figura central do jogo político do próximo ano.

É sabido que Sarney nunca foi uma individualidade, agora ficou visível que, na realidade, é uma patota. Patota na qual militam soberanamente dois enxotados da vida pública: Fernando Collor de Melo e Renan Calheiros. E não contente, escolheu como guarda-costas e fiscal do decoro senatorial, um suplente do suplente de um senador fluminense que estreou dizendo que “não existe independência na política”.

Sêneca não merecia ser enxovalhado desta maneira.

» Alberto Dines é jornalista

Lula e a UNE

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nos últimos dias o presidente Lula declarou seu apoio incondicional e elogiou o presidente do Senado, José Sarney, chamando-o de "pessoa especial". Na quarta-feira, em Alagoas, abraçou Fernando Collor e agradeceu a ele e ao senador Renan Calheiros o apoio ao seu governo.

Nenhuma manifestação da outrora aguerrida, combativa e irreverente União Nacional dos Estudantes (UNE), que há 17 anos comandou os caras-pintadas pelas ruas do País, protestando contra a corrupção no governo e pedindo o impeachment de Collor. No governo Lula a UNE calou diante do mensalão e de tantos outros atos de corrupção, chegou a defender Calheiros no episódio da pensão paga por uma empreiteira a sua ex-namorada, paralisou diante dos inúmeros escândalos envolvendo Sarney e família e silenciou ante a imagem do efusivo abraço entre Lula e Collor.

Afinal, o que aconteceu com a UNE e os estudantes?

Na quinta-feira a direção da UNE recebeu Lula como principal orador da abertura de seu 51º Congresso Nacional. O presidente lembrou de seus idos de sindicalista radical e disse ter passado o tempo em que "encostar-se no governo significava cooptação". A UNE não encostou, grudou no governo Lula. Tem recebido generosidades e retribuído com aplausos, adesão e apoio político, mesmo quando Lula perdoa corruptos e diz que assina um cheque em branco para o ex-deputado cassado Roberto Jefferson. Não é cooptação? Vamos aos fatos. Em 2004 o governo repassou R$ 199 mil de verbas federais para a UNE e, a partir de 2005, mais R$ 10 milhões - dos quais R$ 7 milhões entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2009. Além disso, a Petrobrás, com R$ 100 mil, e a Caixa Econômica Federal, com R$ 30 mil, patrocinaram a Bienal da Cultura da UNE, em Salvador, que ainda levou R$ 2,5 milhões dos cofres públicos.

"Nos anos de Fernando Henrique tínhamos muitas dificuldades de diálogo", explicou a presidente da UNE, Lúcia Stumpf, em entrevista publicada no Estadão em 5 de março, ao comparar a relação da entidade com os dois governos.

Além dos R$ 10 milhões, Lula e as estatais doaram para esse 51º Congresso mais R$ 920 mil, dos quais a Petrobrás - com sua esquisita e sem critérios política de patrocínios - participou com R$ 100 mil. Agradecida, a direção da UNE tratou de retribuir: saiu em defesa da estatal e condenou a investigação, pela CPI, de suspeita de desvios de dinheiro na Petrobrás. Condenar a apuração de fraudes com dinheiro público é algo inédito na história da UNE (como diria Lula, nunca antes neste país) que contribui para afastar cada vez mais os estudantes que deveria representar.

Com a popularidade pessoal em alta, Lula extrapola ao sair por aí vinculando sua imagem ao que há de mais atrasado no País, elogiando as oligarquias que ele tanto combateu e denunciou, abraçando Collor e ignorando o movimento que se espalhou pelo País pedindo seu impeachment, humilhando os senadores do PT ao obrigá-los a defender Sarney e assumirem o papel de coniventes com os escândalos de que o senador é acusado. Para Lula tudo vale para atrair o que há de pior no PMDB e garantir seu projeto de eleger Dilma Rousseff e continuar no poder. Os senadores petistas até pararam de justificar a defesa de Sarney com o argumento da governabilidade. Diante da enxurrada de denúncias indefensáveis o argumento se esvai. Afinal, complacência com o desvio de dinheiro público não pode servir de apoio a nenhuma governabilidade.

Lula arrisca perder popularidade política, mas se acontecer ele recua rapidinho. A UNE é que corre riscos mais graves. Sua imagem, hoje, entre os estudantes é de uma entidade pelega, financiada e dependente do governo Lula, que ignora as carências estudantis e, quando se envolve na luta política do País, escolhe o lado errado, da corrupção, dos oligarcas que exploram o Estado há décadas. No auge da pressão popular para tirar Renan Calheiros da presidência do Senado os universitários do Rio de Janeiro organizaram uma passeata. Não tiveram o apoio e ainda foram reprovados pela UNE, que saiu em defesa de Calheiros.

Sem lideranças respeitadas e reconhecidas, os estudantes tendem a não se interessar e fugir da luta política numa fase da vida em que a contestação é útil para a formação e a inserção do jovem na sociedade no futuro. Mas esse é o jeito Lula de governar. Ele, que tanto combateu o peleguismo no passado, hoje usa o dinheiro público para comprar o apoio de parlamentares (o mensalão, as emendas), de sindicalistas (as centrais sindicais acabam de ser contempladas) e da UNE.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Recordações (Poesia)

Graziela Melo

Como
As aves
Que voam
No infinito

De sua própria
Liberdade

Eu quis
Rever no tempo
As aventuras,
As almas
Mais puras

A infância
A puberdade!

Ví meu pai
Minha mãe
Seus amigos!


As árvores
Do qintal...

A negra velha
Sempre
De avental!

Ví o mesmo sol
A mesma lua!!!

Aquele padre
E seus mistérios...

Crianças mortas,
Rostos tristes
Bocas tortas...

O enterro,
A santa burra
A burra santa
E o cemitério!!!


Rio de Janeiro, 14/12/07

As categorias de Arendt

Celso Lafer
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / +MAIS!

Coletânea de artigos esmiúça os principais conceitos da pensadora, como "banalidade do mal"

Entre o Passado e o Futuro" é o título do primeiro livro de Hannah Arendt publicado no Brasil. É um conjunto de ensaios que ela qualificou como exercícios do pensamento político.

A obra é o fruto, como diz no prefácio, da interação entre experiência vivida e pensamento.

Tem a característica de ser altamente representativo da maneira pela qual Hannah Arendt [1906-75] abriu novos horizontes para a reflexão política no século 20.

"Hannah Arendt - Entre o Passado e o Futuro" é o título do conjunto de estudos dedicados ao seu pensamento organizado por Adriano Correia e Mariangela Nascimento. É um título muito apropriado porque os ensaios reunidos no livro são exercícios sobre o pensamento político de Hannah Arendt. Estão voltados para trabalhar o significado e o alcance das categorias que ela elaborou para lidar com o ineditismo das rupturas históricas trazidas pelo século 20.

Essas categorias são um movimento complexo de recuperação e reformulação da tradição do pensamento político, como lembra Newton Bignotto no prefácio em que discute a presença e a recepção da obra arendtiana. Propiciaram um léxico próprio, de que são exemplos termos como mal radical, banalidade do mal, totalitarismo, trabalho, obra, ação, "amor mundi", natalidade, pluralidade, esfera pública.

Neste sentido, aponto que o primeiro mérito deste livro é o de ser uma substantiva contribuição para a compreensão do vocabulário arendtiano, voltado para pensar e lidar com os acontecimentos sem o apoio do corrimão dos sistemas que se revelaram insubsistentes.

Adriano Correia é um estudioso de primeira linha de Hannah Arendt. É responsável pela organização de dois livros anteriores sobre sua obra e autor de uma primorosa e sintética introdução ao seu pensamento. Neste volume, trata da decisiva relação entre natalidade e "amor mundi" no percurso reflexivo arendtiano, rastreando com percuciência a sua matriz em santo Agostinho, sobre quem Hannah Arendt escreveu a sua tese de doutoramento.

Carmelita Brito de Freitas Felício examina como Arendt trabalhou o kantiano conceito do direito à hospitalidade universal à luz da experiência dos refugiados e da persistência do problema na agenda internacional, apontando afinidades entre a autora e [o filósofo francês Jacques] Derrida.

Mariangela M. Nascimento explora as reflexões arendtianas sobre a esfera pública, como a confluência das falas e do agir humano, e aponta a sua relevância para a discussão da democracia no Brasil.

Estamos no mundo

Theresa Calvet de Magalhães, que é uma grande conhecedora da obra de Hannah Arendt e colaborou com Adriano Correia na revisão técnica da admirável tradução por ele empreendida do texto arendtiano "Trabalho, Obra, Ação", analisa, no percurso reflexivo arendtiano, por que cabe afirmar que "estamos no mundo e não somos apenas do mundo".

Isso exige criar, politicamente, uma confiança no mundo para ir além do "névoa-nada" do "Eclesiastes".

Maria de Fátima Simões Francisco faz uma sutil análise de como Hannah Arendt, para se contrapor à tradição do pensamento político que se inicia com Platão e que subordina o agir ao pensar, constrói a razão de ser da "polis" grega como espaço público, tendo como ponto de partida a oração fúnebre de Péricles. Indica como a apropriação seletiva empreendida por Arendt, de ingredientes da "vita activa" no mundo grego, tem inspiração na "Ilíada" e não na "Odisseia" porque esta trata do retorno à esfera doméstica, depois dos feitos públicos da Guerra de Troia.

Vinícius Silva de Souza discute o conceito de liberdade em Hannah Arendt como uma atividade da vida política e não como uma expressão do livre arbítrio da consciência.

Rosângela Chaves examina como a análise arendtiana do antissemitismo moderno, enquanto cristalização de elementos que vieram a se configurar no totalitarismo, tem, entre seus ingredientes, uma sutil leitura da obra de Proust.O fecho do volume é de Bethânia Assy, outra grande estudiosa da obra de Hannah Arendt, a quem se deve a percuciente introdução à edição brasileira de "Responsabilidade e Julgamento" [Cia. das Letras].

Bethânia Assy explora o "distinguo" arendtiano entre o que somos e quem somos indicando como o "quem somos" é a base da singularidade da personalidade ética.

Os desafios da compreensão da política no século 20 instigaram a reflexão de Hannah Arendt. O seu vocabulário é uma expressão disso, pois busca propiciar o inter-relacionamento entre compreensão e conhecimento. Este livro é uma contribuição de qualidade para o entendimento da grande obra de Hannah Arendt, na qual se mesclam, de maneira superior, conhecimento e compreensão.

CELSO LAFER é ex-ministro das Relações Exteriores do governo FHC e autor de "Hannah Arendt - Pensamento, Persuasão e Poder" (Paz e Terra), entre outros livros.

HANNAH ARENDT - ENTRE O PASSADO E O FUTURO Organização: Adriano Correia e Mariangela NascimentoEditora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (tel. 0/xx/32/3229-7646)
Quanto: R$ 20 (150 págs.)

Freyre, Euclides e o Brasil

Daniel Piza
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /Caderno 2

Gilberto Freyre é o autor mais influente do Brasil. Suas ideias se veem em muitos dos romancistas brasileiros (José Lins do Rego, Jorge Amado, até Chico Buarque e no tropismo sociológico de tantos mais), na música popular, no cinema (Glauber Rocha, Cacá Diegues, Walter Salles Jr.), na crônica como a esportiva (ele prefaciou O Negro no Futebol Brasileiro, de Mario Filho, irmão de Nelson Rodrigues, que sempre falava na "saúde de vaca premiada" dos jogadores brasileiros). Também se veem na mídia e no cotidiano, como quando as pessoas se gabam da miscigenação (Carlinhos Brown: "O brasileiro nasce com uns pontos a mais no QI por ser uma mistura de raças"). Mesmo a cordialidade que Sergio Buarque criticou como impedimento à necessária separação entre público e privado, três anos depois de Casa Grande e Senzala, foi, sob um ângulo freyriano, distorcida para um elogio da doçura nacional.

É claro que Freyre não é o inventor da noção do brasileiro como um povo diferente, especial, que se distingue do europeu por agir com o coração. "A civilização é triste", lemos ainda hoje de economistas sérios. E gente como José Sarney, o oligarca, garante: "A maior contribuição do Brasil ao mundo é a alegria." Oswald de Andrade, que andou às turras com Freyre nos anos 30, no conflito entre modernismo paulista e regionalismo nordestino, disse as mesmas coisas em seus manifestos, influenciado pelos conceitos de Freud como repressão. Esse espírito faz parte, claro, do período da formação moderna da nacionalidade, que seria sintetizado institucionalmente no governo getulista, quando samba e futebol viraram os símbolos ufanistas que são até agora. Mas Freyre foi quem fez a base conceitual de tudo isso.

É claro que tal formação foi um contraponto fundamental ao que se dizia até a República Velha, em ensaios como os de Paulo Prado e Oliveira Lima, cujo teor era que a mistura enfraquecia a raça brasileira e lhe dava melancolia. Como ser contra mestiçagem, alegria, etc.? Mas já está na hora de ultrapassar a idade mítica da identidade nacional e testar com rigor a veracidade dessa auto-imagem. Freyre, por sinal, como todo autor muito citado e pouco lido, é distorcido à beça. Sempre fez questão de dizer que não era a favor do "dionisíaco", como um Zé Celso, mas de uma combinação entre ele e o "apolíneo", ou seja, entre a cultura intuitiva e informal com a racional e dedutiva - o que até o fez cometer o equívoco de apoiar a ditadura militar de 1964. De qualquer modo, sua herança se tornou nociva principalmente porque coloca como vetor principal da cultura o perfil racial. E confundi-lo com os costumes, as artes e os esportes nunca fez bem a lugar nenhum.

Exemplo disso tudo é a visão que ainda parece dominante sobre Euclides da Cunha, essa visão "telúrica" (como diria Zé Celso, que adaptou Os Sertões para o teatro), que quer fazer dele um "advogado dos sertanejos" pura e simplesmente, pondo de canto sua visão determinista de progresso, suas contradições, seus dilemas em relação ao Brasil. Euclides continuou social-darwinista até a morte, acreditando que deveria haver um Darwin para a espécie humana e um Newton para a ordem moral. Mesmo no póstumo As Margens da História, por exemplo, ele elogia o bandeirante Raposo Tavares por ir desbravando o País e escorraçando os índios. No entanto, Freyre fez dele um precursor de sua obra, como se Os Sertões se resumisse a um encantamento pelo "Brasil profundo", sertanejo, rural. Não.

Como nota Marco Antonio Villa na antologia Os Sertões de Euclides da Cunha: Releituras e Diálogos (Editora Unesp), organizada por José Leonardo do Nascimento (que analisa a força das "frases-síntese" do autor), considerá-lo apenas como "livro de denúncia", quase como se Euclides tivesse se convertido aos conselheiristas, não dá. Villa descreve as diferenças entre as reportagens de Euclides em Canudos, para o Estado, e o texto final de Os Sertões, cinco anos mais tarde. Simpatias com figuras do Exército desaparecem, comoções com a dor dos sertanejos aumentam; nesse período em que redige o livro, a desilusão com a República brasileira o faz adotar um tom mais grave. Mas Euclides continua a dividir o mundo em raças "fortes" e "fracas". Que Freyre tente atenuar esse problema não deixa de ser absurdo.

Cada lado do espectro ideológico, na verdade, segue tentando "roubar" Euclides para si. Ele não era nem o panfletário quase bíblico que defende a cultura autóctone, nem o positivista empedernido que confunde progresso e autoridade. Se mostrou que a suposta civilização pode ser mais bárbara que os tais bárbaros, jamais deixou de vê-los assim, como "bárbaros", embora fortes e adaptados a seu meio. Euclides era mais contraditório, complexo - uma mescla intensa e genial de idealista e fatalista. Numa das frases coligidas em outro lançamento, Migalhas de Euclides da Cunha (editora Migalhas), organizado por Miguel Matos, ele diz com todas as letras: "Não é o bárbaro que nos ameaça, é a civilização que nos apavora." Aqui dá uma volta em Freyre, a quem a civilização também parecia apavorar, não por seus racismos e suas guerras, mas por suas exigências. Mistura racial não assegura vocação democrática. Democracia precisa ser construída duramente contra privilégios senhoriais.

CADERNOS DO CINEMA

Harry Potter é o tipo de obra que os críticos amam odiar. Li dois dos sete livros e acho que J.K. Rowling se apropria demais de narrativas alheias para contar a velha história folhetinesca do bem contra o mal. Mas em cinema a mistura de ambiente escolar, histórias de feitiços e ação funciona melhor. O quarto filme, Harry Potter e o Cálice de Fogo, extrai muita força da combinação de fantasia com esportes e das sugestões de que Harry e Valdemort são mais parecidos do que querem acreditar. Já nesse sexto filme, Harry Potter e o Enigma do Príncipe, a química aparece pouco. Ele se arrasta, sem ter diálogos ou situações que preencham o tempo com reflexão, e cenas agitadas como a do quadribol parecem repetição lá do primeiro episódio. A melhor parte da história, que conta a infância de Valdemort, pesa pouco no conjunto. Só as sequências finais, como a da caverna de cristais, assustadora para a criançada, quebram a monotonia, além de alguns efeitos especiais. O problema do filme não é falar de paixões adolescentes; é não ter quase nada a falar.

ZAPPING

A minissérie Som & Fúria é uma das melhores coisas da TV brasileira neste ano. Adaptada por Fernando Meirelles de um programa canadense, conta a quase improvável história de uma trupe shakespeariana no Teatro Municipal de São Paulo. Escrevo na quinta-feira, dia seguinte ao da exibição do sexto dos doze capítulos, em que a companhia finalmente encena Hamlet. Foi excelente. Andréa Beltrão comoveu até os ferros do Viaduto do Chá em seu monólogo. Felipe Camargo faz um doce amalucado, mais lúcido do que os que o cercam. Dan Stulbach atingiu um recurso raro, o de se deixar transformar pela força do teatro sem abandonar seu jeito de burocrata ambicioso. Todas as atuações mostraram autenticidade, adaptadas à agilidade da montagem, e a série prova que é possível fugir ao naturalismo sem cair no barroquismo. Ao contrário do que andei lendo, acho as gozações contra diretores e críticos reais muito legais, em oposição à cultura nacional do compadrio.

A série também aponta para os defeitos do cinema nacional, ainda dividido entre filmes de favela, comedinhas de situação e exercícios experimentais. Tomara que inspire mudanças no cinema e na TV: existe público, sim, para a inteligência.

POR QUE NÃO ME UFANO

Nhonhô Ribamar mandou anular todos os atos secretos do Senado, que antes dizia desconhecer. E deu sinal para a CPI da Petrobras, que, como vai ser controlada pelos governistas, só terá a função de dividir as atenções quando a nobre casa voltar do recesso. Seu filho foi indiciado, sua fundação será investigada, sua imagem está mais queimada que os marimbondos de fogo. Mesmo assim, continua no cargo (ou continuava até quinta passada), com apoio do presidente Lula e de sua candidata, Dilma Rousseff. Em outras palavras, o maior partido do Brasil, o PMDB, é um partido de aluguel, sem presidenciáveis, tão fisiológico quanto a menor das legendas. E ainda há quem chame isso de maturidade democrática.

INTÉ
Tiro duas semanas de férias. Esta coluna volta em 9/8.

Quem quer Constituinte é o povo, diz Zelaya

Fabiano Maisonnave
Enviado Especial a San José (Costa Rica) e Manágua (Nicarágua)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em entrevista à Folha, hondurenho afirma que golpe aconteceu porque ele tentou dar mais poder decisório à população

Presidente deposto afirma que pressão internacional deve ser maior e nega papel central de Hugo Chávez nas decisões de seu governo

Três semanas após ter sido detido e expulso de Honduras, o presidente deposto Manuel Zelaya, 56, não parece disposto a fazer concessões nos pontos evocados para justificar o seu afastamento. Pretende levar adiante o seu projeto de convocar uma consulta sobre a Assembleia Constituinte porque, diz, é uma demanda popular. Também defende a aliança com o presidente Hugo Chávez e não descarta uma nova candidatura à Presidência caso haja mudança nas regras.Em entrevista à Folha na Embaixada de Honduras na Nicarágua, Zelaya cobrou o aumento da pressão internacional contra o governo do presidente interino, Roberto Micheletti, e disse que o único país que tem influência em Honduras são os Estados Unidos.

A conversa foi gravada na sexta à noite -antes, portanto, das negociações que aconteceriam ontem na Costa Rica.

FOLHA - O sr. tem aprovação de 46%, segundo o instituto Gallup, mas as instituições do Estado hondurenho, como o Congresso, o Supremo e a Promotoria, apoiam o governo interino. Como se daria a governabilidade caso o sr. retome a Presidência?

MANUEL ZELAYA - Melhor do que a que eles estão tendo agora. Eu nunca tive o apoio desses setores. Eu não necessito deles realmente porque há independência de Poderes. Não me preocupa o problema político, o que me preocupa é o respeito à lei e à democracia.

FOLHA - Alguns dos seus assessores, como o atual ministro da Defesa, permaneceram no seu governo até o final, mas agora estão com Micheletti. Por que isso ocorreu?

ZELAYA - É como se você passasse para outro meio de comunicação. Se a concorrência lhe paga mais, qual é o problema? Vivemos num mundo livre. Judas pediu 30 moedas para vender o Senhor. É parte da vida, não há por que se preocupar.

FOLHA - O sr. está disposto a abandonar a proposta do referendo sobre a Constituição?
ZELAYA - Essa não é uma decisão minha, é uma decisão jurídica. É preciso buscar uma decisão jurídica. É um problema de vontade política, não posso trair o povo inteiro e deixar o processo.

FOLHA - A principal acusação contra o sr. é a de que queria a reeleição. Qual é sua posição sobre o tema?

ZELAYA - O governo não tem nenhuma possibilidade de fazer o processo de reeleição. É problema de uma Assembleia Constituinte que se estabeleça noutro governo, não no meu.

FOLHA - Mas o sr. não tem uma posição sobre a reeleição?

ZELAYA - Não tenho hoje nenhum interesse nisso. Acho que é um tema de discussão futura, não no meu governo.

FOLHA - O sr. foi eleito por um dos partidos mais tradicionais de Honduras, e a sua cúpula deixou de apoiá-lo e respalda o golpe. Quem mudou, o sr. ou o seu partido?

ZELAYA - Não há uma ruptura total com a cúpula, só parte dela. Há deputados e prefeitos que me apoiam; tenho 70% da base política. Ou seja, talvez seja um grupo de ultradireita conservadora que, com o tempo, se acomoda no poder.

FOLHA - Mas o sr. não mudou a sua ideologia, a forma de ver o país durante o mandato?

ZELAYA - Fui coerente com a minha campanha. A minha proposta tinha um slogan que se converteu em ideologia: o "poder cidadão". Dar poder ao cidadão para que ele seja protagonista do seu destino. A primeira lei que aprovei foi de participação cidadã, e o que estava fazendo agora é um processo de participação. Tenho sido coerente com as minhas posições.

FOLHA - Mas a convocação de uma Constituinte não estava em sua proposta de campanha.

ZELAYA - O mecanismo não é importante, mas o objetivo. O objetivo de transformação é o que tem de valer. A Constituinte é um processo de mudança que surge do pedido do povo. O que faz um governante é escutar o seu povo. Não estava propondo uma Constituinte para o meu governo. A única coisa que propus é que era preciso escutar o povo. O povo enviou ao meu gabinete 500 mil assinaturas que diziam: "Queremos ser consultados". E estabelecemos um processo de consulta para ver a opinião pública. E isso foi o que provocou a ruptura e o golpe. Não temem a consulta. O que eles temem é que o povo se organize, que tenha voz, que possa tomar decisões. Isso lhes causa terror. Porque, se o povo começa a tomar decisões, é preciso haver justiça e igualdade.

FOLHA - Por que o sr. decidiu levar adiante a consulta de 28 de junho apesar da proibição da Justiça e do Congresso?

ZELAYA - Um juiz de segunda instância suspendeu um decreto feito pelo governo. Não declarou ilegal, mas suspendeu. O primeiro decreto se chamava "consulta popular". O Conselho de Ministros se reuniu e fez outro decreto, que não foi suspenso. Esse outro decreto se chama "pesquisa de opinião", não estava suspenso e não tinha nenhuma ilegalidade. Todo o resto é uma invenção da conspiração.

FOLHA - Um dos pontos mais criticados é a sua aliança com Hugo Chávez. Houve influência dele no processo constituinte e há alguma influência durante as negociações?

ZELAYA - O único país que realmente tem influência em Honduras são os EUA. O presidente Chávez não tem nenhuma influência em Honduras. Ele tem o reconhecimento hondurenho de sua liderança como democrata e como um presidente muito ativo na América Latina. É um preconceito querer converter os processos naturais de mudança em Honduras em processos ideológicos.

FOLHA - O Brasil suspendeu vários acordos após o golpe, entre os quais a cooperação em saúde. O sr. defende que as sanções incluam medidas em áreas sociais?

ZELAYA - A comunidade internacional está tomando medidas, mas são insuficientes. O povo está nas ruas resistindo, a comunidade internacional está pressionando, mas os golpistas são intransigentes.

FOLHA - No caso do Brasil, o sr. acha que governo pode fazer mais do que já anunciou?

ZELAYA - Até o momento, estamos atuando nos organismos multilaterais. Acho que devemos continuar chegando a um consenso. Com o governo brasileiro, estou muito satisfeito.

FOLHA - Com relação aos EUA, por que o sr. pediu o bloqueio das contas e bens dos envolvidos no golpe?

ZELAYA - A comunidade internacional, com esse golpe, deve ter a lição de que não bastam medidas diplomáticas, mas mecanismos efetivos que realmente os afetem, tais como medidas econômicas e restrições à sua circulação em diferentes países.

FOLHA - Como o sr. imagina que será lembrado na história?

ZELAYA - Como quem luta por causas justas e não aceitou a submissão e a imposição.

História de duas repúblicas

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A determinação com que Itamar priorizou a luta contra a inflação e a feliz escolha de FHC resgataram a República

F OI O REAL que redimiu a Nova República, da mesma forma que a velha só se consolidou com o saneamento financeiro de Campos Sales.

Nascida sob a inspiração da ordem e do progresso, a primeira República não teve em seus oito anos iniciais nem uma coisa nem outra, sob a sombra do encilhamento, da crise da dívida, das atrocidades de Floriano, do levante da Armada, da Revolta Federalista, dos massacres de Canudos. Já se ia esquecendo o sonho republicano quando a estabilização política e econômica criou condições para as realizações dos governos de Rodrigues Alves e de Afonso Pena, período de apogeu do regime.

Arco de tempo parecido acompanhou o conturbado começo da Nova República. Os funestos agouros despertados pelo precoce desaparecimento de Tancredo Neves confirmaram-se com a marcha batida para a hiperinflação após o insucesso do Plano Cruzado. Nem as generosas promessas da Constituição de 1988 conseguiram sobreviver ao confisco da poupança, aos escândalos e ao trauma do processo e do impedimento de Collor.

A determinação com que o presidente Itamar Franco priorizou a luta contra a inflação e a feliz escolha de Fernando Henrique Cardoso e seus colaboradores possibilitaram compensar tantos fracassos anteriores e resgatar a República. A consolidação da estabilidade e os aperfeiçoamentos institucionais no governo de Fernando Henrique fizeram o resto: abriram espaço que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva soube firmar e desenvolver.

Graças ao mérito de sua própria política e ao contexto externo propício, o atual governo acelerou o crescimento, expandiu o consumo de massa, ampliou programas sociais, elevou o prestígio do país no exterior. Não é exagero comparar alguns desses resultados aos alcançados no apogeu da República Velha.

Era nisso que eu pensava ao ouvir os oradores que se sucediam na sessão do Congresso Nacional em comemoração dos 15 anos do Plano Real. Celebrávamos uma vitória penosa, depois de muitas derrotas, no recinto que era naquele momento testemunha muda de outro persistente fracasso: o da incapacidade da autorreforma das instituições no espírito republicano de abolir privilégios e corrupção.

O paradoxo de Campos Sales é que, ao mesmo tempo em que saneava a economia, se acomodava à "política de governadores", desvirtuamento do ideal republicano e causa da perpetuação das oligarquias estaduais. Governar ficou mais fácil, mas, a médio prazo, a traição da República provocaria o movimento tenentista, as insurreições dos anos 20 e a Revolução de 30, pondo fim àqueles instantes fugazes de apogeu.

O presidente repete agora o erro de predecessores ao manipular os vícios do sistema e pô-los a serviço da ilusão de governabilidade sem consistência ou durabilidade. Pela origem popular e história de vida, ele, como ninguém, teve potencial tão decisivo para servir de modelo para educar o povo que o adora.

Será ingenuidade esperar que deixe de ser complacente com o pior de nossa herança e de endossar com o prestígio pessoal a corrupção que degrada as instituições, a impunidade que desmoraliza o povo?

Na véspera dos 25 anos da Nova República, se ele quiser, ainda tem tempo para assegurar vida longa a este rebrotar da democracia, encarnando os valores republicanos de austeridade e lisura legados por Tancredo Neves, Ulisses Guimarães e Mario Covas.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Governo Lula ainda paga CPMF em seus contratos

Regina Alvarez e Leila Suwwan - Brasília
DEU EM O GLOBO

Prática generalizada dá prejuízo de milhões aos cofres públicos

Apesar de o presidente Lula repetir que o imposto sobre cheques foi derrubado pelo Senado mas que não viu um só empresário reduzir os 0,38% dos preços dos produtos, a CPMF continua incorporada aos custos de contratos do governo federal com a iniciativa privada, um ano e meio depois de ter sido extinta. O Tribunal de Contas da União (TCU) constatou, em pelo menos 20 auditorias realizadas em 2008 e este ano, que empresas e órgãos do governo ainda repassam o equivalente ao valor do tributo inexistente para fornecedores, que o embolsam com lucro, informam Regina Alvarez e Leila Suwann. Para o TCU, há indício de que a prática seja generalizada na administração pública, e o prejuízo para os cofres públicos é de milhões de reais.

Contratos do governo ainda incluem a extinta CPMF

Tributo derrubado há um ano e meio é embolsado por fornecedores da iniciativa privada, com prejuízo de milhões aos cofres públicos

Um ano e meio após ser extinta, por decisão do Congresso Nacional, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) continua incorporada aos custos de contratos do governo com a iniciativa privada.

Em pelo menos 20 auditorias realizadas em 2008 e 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que empresas e órgãos do governo continuam repassando o valor do tributo já extinto para os fornecedores, que o embolsam como lucro.

Segundo o TCU, há indício de que a prática é generalizada na administração pública. Embora não esteja totalizado, o prejuízo para os cofres públicos é de milhões de reais. Em apenas um dos contratos auditados em 2008, o TCU constatou o pagamento indevido, por empresa do governo, de R$ 3,38 milhões relativos ao tributo.

Quando voltou a criticar o fim da CPMF, quarta-feira, o presidente Lula estocou também os empresários, como fizera anteriormente: — A mesquinhez política acabou com a CPMF. E não vi nenhum empresário diminuir 0,38% no custo do produto que ele fabricava e que vendia para o povo consumidor deste país.

Pela investigação do TCU, o governo está dando a sua contribuição para elevar os lucros dos empresários e os custos dele próprio, já que deixou de recolher o tributo, mas continua pagando.

Até dezembro de 2007, as empresas contratadas pelo setor público podiam incorporar a alíquota de 0,38% da CPMF no valor dos contratos.

Assim, recebiam o valor que teriam de repassar no recolhimento do tributo, neutralizando esse custo nas obras e serviços. Nas grandes obras de infraestrutura, a praxe era incluir o tributo no cálculo do BDI (Bonificações e Despesas Indiretas).

— Não é mais uma questão tributária.

É uma questão orçamentária.

As empresas estão cobrando o imposto e não repassam para o governo — alerta o ministro do TCU André Luiz de Carvalho, relator de alguns dos processos em que foi identificada a cobrança indevida da CPMF.

Problema atinge obras de estradas

Entre esses processos, está o da construção da usina de Candiota III, em Candiota, no Rio Grande do Sul — uma obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — em que o TCU identificou R$ 3,38 milhões pagos indevidamente. A direção da estatal responsável, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), subsidiária da Eletrobrás, alegou que não adotara providências para o expurgo do tributo por entender que haveria orientação específica do governo nesse sentido, o que não ocorreu.

Nesse caso, o TCU determinou o expurgo dos valores em setembro de 2008, o que foi feito de novembro a janeiro de 2009, “em valores ligeiramente superiores ao indicado pelo tribunal” , segundo a empresa. “A manifestação do diretor-presidente substituto (da empresa) ilustra situação que pode e deve estar ocorrendo em toda a administração federal”, informa a auditoria do TCU.

O problema identificado pelo TCU nos contratos do governo ganha contornos de gravidade por atingir também as obras rodoviárias, vultoso setor de investimento público. Em junho, o TCU deu prazo para que a Superintendência do Dnit em Sergipe cobrasse a devolução da CPMF que vinha pagando, desde janeiro de 2008, a três empresas de engenharia que trabalham na adequação de rodovias na divisa com a Bahia — obra com aporte de R$ 11 milhões. A CPMF continuou embutida nos pagamentos às empreiteiras após as medições durante 2008. O gestor tentou argumentar que não fez esse pagamento, mas o valor consta no BDI do projeto.

Em sua decisão, o relator desse processo, José Jorge, reiterou que os casos estão pipocando em decisões recentes do TCU: “Verifico, na recente jurisprudência desta Corte, que esta não é a primeira vez que o tribunal se depara com a incidência indevida da CPMF. Em outras oportunidades, o tribunal tem determinado a oitiva prévia das partes (...) e, em seguida, concluído pela ilegalidade da cobrança, determinando, então, a exclusão do referido tributo dos contratos.

Como voam os rios

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O avião em que voa o suíço Gerard Moss parece laboratório. E é. Ao lado do piloto fica uma engrenagem que lembra uma coleção de grandes tubos de ensaio. Sua missão, a cada decolagem, é capturar a umidade externa, que depois vai ser condensada nos tubos e guardada em miúdas gotas que serão estudadas. Elas trazem informação preciosa: onde nascem as chuvas

Elas nascem na terra, no céu, nos rios, nos oceanos, e debaixo da terra. Árvores da Amazônia jogam um papel fundamental nesse complicado processo. Uma grande árvore consegue evaporar até 300 litros num dia. A floresta é inigualável na capacidade de concentrar umidade no ar. Os ventos empurram essas massas de vapor de água. Elas são imensas, comparáveis aos rios. Por isso, os cientistas as chamam de “rios voadores”.

Enquanto ouvia a explicação de cientistas e de Gerard Moss na reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), semana passada, em Manaus, não pensava em nada mais. Fascinada, acompanhava as explicações que transformava em notas rápidas para o meu b l o g ( w w w. m i r i a m l e i tao.com). Nas salas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a internet wireless funcionava, permitindo o fluxo de informação.

Já havia lido sobre os rios voadores, mas nada como ouvir de perto sobre os estudos que tentam desvendar mais um dos mistérios da Amazônia. Quanto da nossa chuva, devemos à floresta? Já se sabe que é grande parte.

— Um dos dados captados pela pesquisa é que a vazão de um dos rios voadores que estudamos, indo da Amazônia para a área mais degradada de São Paulo, foi de 3.200 metros cúbicos por segundo. Esse volume de água é 27 vezes a do Rio Tietê, é maior do que a do São Francisco. Não é perene.

Nem tudo será chuva.

Por isso, se diz que é vapor de água precipitável. Mas é água passando lá em cima — diz Moss.

Ele chegou no painel sobre rios voadores, na SBPC, avisando aos alunos e professores presentes que não é cientista e até já foi acusado de vulgarizar a ciência, mas que passar informação para a população é fascinante. Ajuda a proteger a Amazônia, ainda mais.

— Para mim, desmatamento não é uma estatística.

Eu voo no Brasil há 20 anos e vi a degradação avançando. Sou sentimental, eu sei, mas se tivéssemos noção do valor da Amazônia, lutaríamos para manter cada árvore em pé.

O Brasil é campeão das chuvas. Aqui, chove três vezes mais do que nos EUA.

Desorganizar esse regime de chuvas é o maior risco agora. O desequilíbrio de um sistema delicado e complexo que cria dependências mútuas — a chuva precisa da floresta, que precisa da chuva, que cai lá e no resto do Brasil — é um dos riscos neste momento de mudança climática. A Amazônia tem que ser estudada: cada árvore, cada fenômeno.

Por isso, sua ocupação pela ciência vai nos dar mais do que a ocupação pelos madeireiros, pelo fogo que prepara os pastos, pelo rebanho que ocupa os pastos, pela soja e outras culturas que podem vir depois.

Ou não. Pior é o aspecto da terra calcinada que fica na maioria dos casos após essa entrada predatória.

No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) tem um bosque que se chama: Bosque da Ciência.

Nesse bosque, mora uma árvore mais velha que o Brasil. Tem 600 anos. O tronco já tem cavidades, mas ela está viva; quem sabe por ter um tronco assim é que sobreviveu tanto tempo, porque é espécie madeireira.

Os galhos têm poucas folhas, mas é pela época do ano, explicou o cinegrafista da Rede Amazonas. Em outras épocas fica mais frondosa. Mas foi debaixo dessa Tanimbuka que Juliana Rosa, produtora do Espaço Aberto, pôs quatro cadeiras de vime, emprestadas pelo instituto, para que a gente gravasse o programa desta semana, que vai ao ar na quinta. Sentaramse comigo o químico Ângelo da Cunha Pinto, da UFRJ, o biólogo Philip Fearnside, e Gerard Moss.

Fearnside é o segundo cientista mais citado no mundo quando o tema é aquecimento global. Seu sotaque não nega que é estrangeiro, mas sua história assegura que já é brasileiro.

Está no país desde 1974. É pesquisador do Inpa há 31 anos. Tanto ele quanto o suíço Gerard Moss usam o pronome “nós”, quando se referem aos brasileiros.

Fearnside acha que será um erro se optarmos por asfaltar a BR-319. Ele disse, no programa, que ela incentivará a ocupação da floresta mais preservada, não foi feito trabalho decente de proteger a área em volta, há alternativas melhores, e não foi feito estudo de viabilidade econômica. Será mais um dos desastres irracionais que acontecem na Amazônia.

Racional é pesquisá-la porque da sua biodiversidade exuberante quase nada sabemos, confirmou o professor Ângelo. Moss contou um pouco de como são feitos os difíceis e caros voos para se pegar no ar material para estudar os rios voadores. Ele chegou para a entrevista com uma camisa escrito, de um lado, “Brasil das Águas”, de outro, “Petrobras”.

O primeiro nome é de um projeto ao qual se dedicou por cinco anos, de recolher com voos rasantes de hidroavião água dos rios para analisar a qualidade. O segundo nome é da patrocinadora dos estudos.

O que vi e ouvi, na viagem da semana passada, confirma o que vi em outras. O dilema entre agronegócio e Amazônia não existe. Sem a floresta não seríamos o que somos em produção de alimentos.

Como disseram os professores com dados e ênfase: a floresta presta serviços ambientais ao país e ao mundo. É hoje o tempo de a economia ouvir o que a ciência tem a dizer. Amanhã pode ser muito tarde.

Com Alvaro Gribel

"AIDA" (Part 1) - Giuseppe Verdi

Vale a pena ver o vídeo

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