sábado, 28 de setembro de 2019

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

"A Assembleia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões.

Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações. (Muito bem! Palmas.)

Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.

O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final.

A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões.

Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.

Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio. (Palmas.)

A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. (Palmas.)"

*Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, em discurso de promulgação da Constituição de 1988, Brasília, 5/10/1988

Marco Aurélio Nogueira* - Atos e venenos

- O Estado de S.Paulo

A polarização se mantém graças à insistência do governo em hostilizar o PT...

Durante os nove meses do governo Bolsonaro a opinião pública, a mídia e a sociedade civil entraram em contato com um estilo particular de governação, repleto de grosserias, idas e vindas no plano decisório, muito desencontro administrativo, pouca qualidade técnica nas proposições governamentais e um espírito beligerante nas relações internacionais. O discurso presidencial na ONU, terça-feira, foi um exemplo eloquente disso.

As patacoadas e barbaridades ditas por ele, dentro e fora do País, precisam ser postas no devido lugar. Não são o dado mais importante, nem servem para ocultar o que escorre por baixo do pano. A verborragia provocativa, a narrativa tóxica e o estilo deixa que eu chuto do presidente são parte do drama, integram a coreografia, mas não definem o drama.

Por trás há uma disputa direcionada para refazer o pacto social brasileiro, as regras vigentes no mundo do trabalho e do emprego, o modo como historicamente se concebeu o desenvolvimento econômico entre nós, com seus devidos acordos interclasses. Ainda não está suficientemente claro o fôlego que terão as forças políticas que hoje governam o País. Não se sabe também se do projeto governamental sairá alguma nova situação econômica, se haverá ou não retomada do crescimento e melhoria das condições de vida dos brasileiros. Sabe-se, porém, que Bolsonaro é o instrumento de uma aposta, de uma maneira de conceber o império do mercado, que se combina, paradoxalmente, com isolacionismo internacional e alinhamento meio atabalhoado com as correntes “soberanistas” que tentam se fixar no mundo. Direitismo combinado com ultraliberalismo econômico.

João Domingos - A agonia da esperança

- O Estado de S.Paulo

Se confissão de Janot foi marketing, foi um marketing macabro

Logo depois de saber que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pensara em matar o ministro Gilmar Mendes, do STF, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indagou à plateia de um evento realizado no Rio de Janeiro, ontem: “Quem vai querer investir num país desses?”. Foi a reação típica do que Maia é, um deputado com preocupações humanistas e um liberal convicto na economia. Ao mesmo tempo que se horroriza com a confissão sobre o desejo de matar feita por alguém que ocupou a chefia do Ministério Público, e que, por isso mesmo, jamais deveria admitir algo semelhante, imagina as consequências imediatas de tudo isso na economia.

Se Maia pensou logo que os investidores não vão querer vir para o Brasil ao saber que o procurador da República poderia ter matado um colega do STF, outros tiveram conclusões diferentes. Gilmar Mendes, a potencial vítima, pôs em dúvida a legalidade de todas as decisões, atos, investigações, pareceres, acusações de Janot durante os quatro anos em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República. Terminou por aconselhar o ex-procurador a buscar a ajuda de um psiquiatra. Houve também os que viram na atitude de Janot uma tentativa de impulsionar a curiosidade pelo livro de memórias que pretende lançar daqui uns dias. Tudo seria, portanto, uma jogada de marketing.

O certo é que as pessoas que pensam se viram, de repente, se perguntando: “Mas o que é que está acontecendo no País?”. Como é que o ex-procurador da República diz que se armou, foi para o STF, encontrou Gilmar Mendes, sozinho, na antessala do cafezinho, e só não se tornou um assassino por ter sido contido pela mão de Deus?

Adriana Fernandes - O cheque Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

A estratégia é desidratar a parte do bolo do pré-sal que vai para o presidente

Os presidentes Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara) fecharam um acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir a realização ainda este ano do megaleilão de petróleo na área de exploração do pré-sal da cessão onerosa.

O leilão está marcado para novembro, mas a solução para agilizar o processo pode sair cara para o governo federal.

Lideranças partidárias já antecipam que querem tirar uma fatia maior dos recursos que serão arrecadados no leilão. Querem irrigar com mais dinheiro, sobretudo, para os cofres dos governos regionais, principalmente para as prefeituras, às vésperas das eleições do ano que vem.

À boca pequena, o que se ouve no Congresso é que parlamentares não querem mesmo é deixar o presidente Jair Bolsonaro com o cofre muito cheio para alimentar obras e os programas do seu governo nos próximos meses.

A estratégia é, sim, desidratar a parte do bolo que vai para o presidente.

Merval Pereira - Disputa de poder

- O Globo

Desmontar a Lava-Jato ajuda até o Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), criando uma interpretação jurídica que equipara os réus que fizeram delação premiada a “auxiliares de acusação”, é mais uma etapa da disputa de espaço político entre ministros de tribunais superiores e o Ministério Público, que teve na escolha do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, uma indicação importante.

O rabo não pode abanar o cachorro, gosta de dizer o ministro Gilmar Mendes em relação à Lava-Jato. Para muitos, a operação baseada em Curitiba virou, ou tenta virar, uma instituição que se pretende intocável.

Como tudo nessa vida é politica, especialmente no Brasil de hoje, desmontar a Lava-Jato ajuda até mesmo o Palácio do Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações e processos sobre corrupção.

Em troca, o presidente Bolsonaro protege seu filho Flávio das investigações sobre supostas ilegalidades quando era deputado no Rio, e tenta garantir a aprovação de outro filho, Eduardo, para embaixador em Washington.

Há percalços, no entanto. Para quem se elegeu muito em cima da pauta anticorrupção, fica cada vez mais difícil convencer boa parte de seu eleitorado de que seus compromissos nessa área estão mantidos.

A relação de morde e assopra com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é parte desse paradoxo. Figura mais popular do governo justamente por sua atuação na Lava-Jato, Moro voltou a ser um sustentáculo para Bolsonaro, que vem caindo de popularidade.

Citou-o no discurso da ONU como um ícone do combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestígio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois das revelações de suas conversas com os procuradores de Curitiba.

Míriam Leitão - As várias faces da mesma crise

- O Globo

Desestruturação do mercado de trabalho atinge 58 milhões de brasileiros. São os desempregados, informais ou desalentados

Os dois indicadores de emprego divulgados esta semana reafirmam que a recuperação do mercado de trabalho é muito lenta. Os sinais são mistos, há criação de vagas, mas a desestruturação do mercado de trabalho atinge, em maior ou menor grau, cerca de 58 milhões de brasileiros. A recuperação é demorada porque o crescimento da economia nos últimos trimestres foi baixo e as projeções para o PIB do ano que vem estão encolhendo. O Banco Central já espera apenas 1,8% de alta em 2020. No acumulado do ano, o país criou menos emprego formal do que no auge da crise em 2009. A boa notícia é a oferta de vagas na construção civil, especialmente no mês de agosto.

O governo, a cada notícia boa, comemora, achando que assim consegue estimular o otimismo. Essa técnica é velha e nunca resolveu coisa alguma. Os fatos são os fatos. A crise foi herdada, mas ainda não foi enfrentada adequadamente. Quando o tema é emprego, não diz muita coisa afirmar que os números são os maiores dos últimos anos porque a base de comparação é muito baixa.

Os desempregados são 12,5 milhões, e os desalentados, 4,7 milhões. Entre quem trabalha, há quase 12 milhões sem carteira no setor privado, e outros 4,4 milhões de domésticos também sem formalização. Mais de dois milhões têm emprego familiar, muitas vezes sem remuneração, e os empregados por conta própria sem CNPJ são quase 20 milhões. No setor público, ainda há 2 milhões sem carteira e quase 1 milhão é empregador não formalizado. Somando tudo, apesar das diferenças de situação, são 58 milhões de brasileiros, mais de metade da população economicamente ativa.

Frei Betto - Colonialidade

- O Globo

Acaso a modernidade teve início em 1492, quando Colombo aportou em nosso continente? Por que qualificar de modernidade a expansão mercantilista das frotas marítimas de Espanha, Portugal, Inglaterra, França e Holanda?

Melhor qualificá-la de colonialidade. As investidas europeias no Oriente, na África e no Novo Mundo se caracterizaram por pilhagem de bens naturais, como ouro, prata e especiarias, e exploração do trabalho escravo de indígenas e negros.

Como assinala Dussel (1979), o mito da modernidade como progresso e luzes contribuiu para a “justificação de uma práxis irracional de violência”. Os povos dominados foram subjugados. A empresa colonial se revestia do manto da religião para legitimar a invasão para “o bem da salvação das almas”.

A cultura passa, então, a ter como eixo o eurocentrismo. Invasão é denominada “descobrimento”; subjugação dos “bárbaros”, processo civilizatório; saque e genocídio, sacrifícios inevitáveis para o avanço do progresso.

O eurocentrismo ainda hoje é estampado em mapas-múndi, cujo centro é ocupado pela Europa. Todos os territórios em volta são considerados periferia, na qual os reinos europeus sentiram-se no direito de impor uma economia mercantilista-capitalista; uma sociedade racista; uma cultura excludente e patriarcal.

Ignacio Cano* - A política do extermínio

- O Globo

O presidente das Filipinas empreendeu uma cruzada de extermínio contra traficantes e usuários de drogas. Foram elaboradas, em cada comunidade, listas de indivíduos acusados de consumir ou vender para adverti-los de que, se não cessassem, seriam mortos. Milhares o foram. Num seminário recente sobre as Filipinas foi relatado que um chefe policial notabilizado pelo alto número de pessoas que tinha matado organizou uma festa de Natal e convidou os filhos dos mortos para lhes entregar brinquedos. A imagem me veiou à mente com a notícia de que o governador Witzel, uma vez morto o sequestrador do ônibus da Ponte Rio-Niterói, entrou no ônibus e pediu aos sequestrados para orar pela família do falecido. O ensinamento da cena é que o autoritarismo, na sua fase final, exige inclusive que as vítimas aceitem seu destino.

Os colegas filipinos no seminário explicaram que estavam documentando o que acontecia no seu país não para parar o massacre, algo que consideravam inviável, mas para que um dia as vítimas pudessem ser lembradas, e ações de reparação empreendidas com o intuito de evitara repetição do pesadelo. Infelizmente, o Rio precisa se perguntar até que ponto está na mesma situação.

Marcus Pestana - São vidas, não são estatísticas

- O Tempo (MG)

Certa vez li uma crônica de Marina Colasanti que me marcou profundamente onde ela concluía com uma interpelação: “A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”. Banalizar coisas essenciais na vida que estão erradas é o caminho mais curto para a insensibilidade e a inércia.

Uma das grandes tragédias do Brasil contemporâneo se encontra no campo da segurança pública. A sociedade brasileira exige respostas firmes e consistentes à escalada da violência. Em algum momento, perdemos o controle da expansão do crime organizado. E o primeiro passo, creio, é não esconder dramas familiares nascidos de eventos violentos atrás de estatísticas e análises frias. A indignação com a perda de vidas não deve ser aplacada e sim motivar a construção de políticas públicas inteligentes que deem conta de mudar este triste panorama.

Muito menos estabelecer uma competição mórbida, cruel e sem sentido, entre perda de vidas de cidadãos derivada de “balas perdidas” e policiais no exercício de suas funções. Do lado de cá devem estar unidos governos, forças policiais e população contra o verdadeiro inimigo, o crime organizado.

O Rio de Janeiro é uma vitrine e uma caixa de ressonância do país.

Demétrio Magnoli* - Com quantas Gretas?

- Folha de S, Paulo

Ambientalistas escolhem caminho do simplismo e se fecham num gueto sueco

Greta Thunberg, 16, sueca, filha de um ator e uma cantora de ópera, nunca passou fome, sempre tomou banho quente e conectou-se à internet antes de aprender a ler.

No seu discurso na ONU, ela acusou os governos do mundo inteiro de "roubar meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias" sobre as mudanças climáticas. Greta, porém, não representa a maior parte dos adolescentes do planeta, nem os adolescentes de tantas gerações anteriores que experimentaram carências vitais.

A história pessoal e familiar ajuda a decifrar o tom chantagista de seu discurso. Há quatro anos, movida por uma obsessão precoce pelo aquecimento global, Greta convenceu seus pais a se tornarem veganos e a renunciarem a viajar de avião, o que cortou a carreira internacional de sua mãe. Para a persuasão familiar, contribuiu o diagnóstico de que a pré-adolescente sofria de um transtorno do espectro do autismo. Da família para o mundo —no palco iluminado da ONU, Greta realiza um salto acrobático destinado a fracassar.

"Por mais de 30 anos, a ciência tem sido cristalinamente clara." Três décadas —a eternidade para quem tem 16 anos— são nada na escala do tempo geológico e um intervalo ínfimo na história humana. A tendência de aquecimento global inscreve-se tanto no ciclo natural do interglacial em curso, iniciado 15 mil anos atrás, quanto na emergência da economia industrial, em meados do século 19. O consenso científico diz que a contribuição humana é decisiva. As mesmas tecnologias e modos de produzir que alçaram a maior parte da humanidade acima do patamar da fome crônica provocaram a elevação das emissões de gases de estufa.

Roberto Simon - A esquerda americana contra corrupção

- Folha de S. Paulo

Nos Estados Unidos, tema virou base da campanha democrata

Pode parecer estranho no Brasil, onde é a direita que tem vestido a camisa da luta contra a corrupção, com brasão da CBF e slogans contra o “socialismo”. Mas, ao lançar um processo de impeachment contra Donald Trump, o Partido Democrata colocou de vez o tema no cerne de sua pré-campanha presidencial e criou um denominador comum entre seus candidatos e facções.

O discurso contra a corrupção —em seu sentido fundamental, de captura do Estado por interesses privados, em detrimento da maioria— já dominava as alas mais à esquerda dos democratas, sobretudo entre os que se auto-intitulam “socialistas”.

Agora, com a decisão da presidente da Câmara, a moderada Nancy Pelosi, de desatar o nó do impeachment, chegou definitivamente ao establishment do partido.

Americanos estão divididos sobre o impedimento de Trump: uma pesquisa divulgada nesta sexta (27) indicou que 49% são a favor, e 48%, contra. A proposta tem boas chances de prosperar na Câmara, controlada pelos democratas. Mas republicanos são maioria no Senado, e o presidente detém as rédeas do partido. A queda de Trump, portanto, é altamente improvável.

Ainda assim, daqui para frente, o processo de impeachment no Congresso pautará a corrida eleitoral —e ele será, ao final, um debate sobre corrupção e conflito de interesses.

Ao pressionar ucranianos a investigar o filho de Joe Biden, Trump teria usado a máquina do governo para perseguir um rival político. Interesse privado e assuntos de Estado se misturaram completamente.

Oscar Vilhena Vieira* - Sísifo e a lei

- Folha de S. Paulo

Ao Supremo cumprirá colocar limite às paixões da Lava Jato, sem debilitá-la

Após enganar a morte pela segunda vez, Sísifo —considerado o mais astuto dos mortais— foi condenado pelos deuses a eternamente rolar uma rocha até o alto de uma montanha, para depois vê-la retornar ao ponto de partida.

Para Albert Camus, Sísifo é o herói do absurdo, tanto por se deixar tomar pelas paixões que o levaram a enfrentar os deuses, como pelo suplício cruel e destituído de sentido que esses deuses lhe impuseram.

Muitos dos que cerraram fileiras em torno da Lava Jato estão se sentido como Sísifo, condenados a testemunhar a inutilidade do trabalho penosamente realizado.

Nas últimas semanas o Congresso Nacional aprovou uma nova lei de abuso de autoridade que coloca inúmeros limites a condutas que foram importantes para o sucesso da operação.

O presidente Bolsonaro, por sua vez, nomeou um procurador-geral da República disposto a conter os excessos da Lava Jato.

Hélio Schwartsman - Anula a jato

- Folha de S. Paulo

STF abre caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar

Não penso que seja o fim da Lava Jato, mas acho complicada a tese, para a qual já há maioria no STF, de que julgamentos em que réus delatados não tiveram a oportunidade de apresentar suas alegações finais depois das dos delatores podem ser anulados.

Não discordo do mérito da proposta. A legislação que trata das delações deveria incluir essa disposição. Seria um ótimo aperfeiçoamento. Creio até que o mecanismo possa ser introduzido por jurisprudência, mas valendo só daqui em diante.

Preocupa-me é o recado que o STF passa para a magistratura. Ao anular sentenças em que juízes aplicaram a letra da legislação processual afirmando que eles deveriam ter ignorado as determinações concretas dos códigos em favor de princípios mais abstratos da Constituição, como a ampla defesa e o contraditório, o STF abre uma caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar.

Julianna Sofia - O dono da bola

- Folha de S. Paulo

Disputa de protagonismo entre Câmara e Senado é egolatria estéril, que trava reformas

O Brasil atingiu informalidade recorde no emprego e 40 milhões de trabalhadores vivem de bico. O Banco Central revisou para baixo a expectativa de crescimento econômico para o próximo ano e agora, mais pessimista que analistas do mercado, avalia que o país crescerá menos de 2% em 2020.

Enquanto o PIB patina e há dúvidas sobre o grau de letargia da economia, os presidentes da Câmara e do Senado brigam para ser o dono da bola. O senador Davi Alcolumbre nunca escondeu seu aborrecimento com o papel de destaque da casa ao lado no encaminhamento da agenda econômica, a começar pela reforma da Previdência --já aprovada pelos deputados.

Nas últimas semanas, ele passou a reivindicar que as alterações das regras fiscais previstas numa proposta de emenda constitucional em discussão na Câmara migrassem para o Senado. A ideia seria acoplar o pacote à esperada PEC do pacto federativo, que propõe flexibilizar o Orçamento. A disputa atrasaria o processo em debate já avançado entre deputados. Preocupada, a equipe econômica costurou uma saída salomônica e dividiu tarefas.

Ricardo Noblat - O poder em estado bruto

- Blog do Noblat | Veja

Janot conta suas verdades
Pressões, ameaças, chantagens, tentativas de suborno, vale tudo pelo poder como se sabe e como agora conta com uma fraqueza surpreendente o ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot em livro de memórias que chegará em breve às livrarias.

A VEJA antecipou parte do que Janot ditou ao jornalista Jailton de Carvalho, coautor do livro. As memórias de Janot deixam todo mundo mal, principalmente ele, embora essa não fosse a intenção. Ninguém se autoincrimina de propósito, a não ser um suicida.

Janot revelou-se um assassino em potencial e um suicida arrependido quando entrou armado com um revólver no prédio do Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e depois matar-se. Engatilhou o revólver, mas na hora de disparar…

Uma força divina, segundo ele, impediu-o de apertar o gatilho. Como tanta gente faz, Janot meteu Deus numa história com a qual ele nada teve a ver. O mais correto seria admitir que lhe faltou coragem para consumar o gesto ou que pensou melhor e desistiu.

Graças a Deus (êpa!) que desistiu. Primeiro porque poupou a vida de um semelhante e a sua própria vida. Depois porque poupou o país do horror de ver duas togas ensanguentadas no espaço destinado a produzir justiça de acordo com a lei.

Impossível que o livro não venha a ser lembrado pelo tresloucado gesto abortado. Mas também o será por outros episódios ali narrados. Que tal um ex-presidente (Collor) que passa uma audiência inteira sussurrando que o procurador é filho da puta?

Que tal um vice-presidente (Temer) que convoca o procurador para uma audiência e lhe pede para não denunciar por crimes o presidente da Câmara (Eduardo Cunha)? A audiência foi assistida pelo então ministro da Justiça (José Eduardo Cardoso).
Que tal um senador (Aécio), candidato a presidente da República, que para escapar de ser investigado por corrupção se apressa a oferece ao procurador o que ele quiser – do posto de embaixador em Portugal à vaga de vice em sua chapa?

Cabe a pergunta: por que o procurador, do alto de um dos cargos mais poderosos da Corte, não denunciou todos os que o ameaçaram ou tentaram corromper? Não tinha provas para sustentar as denúncias? Tem agora para sustentar o que conta?
De Janot sempre se soube que apreciava beber – até aí nada demais. Lula gostava muito de beber e não foi por isso que está preso. Espera-se que o gosto de Janot pela bebida não o tenha desnorteado no momento em que resolveu depor para a História.

Lula (mais ou menos) livre

A ideia agrada a Bolsonaro
O plano original era: condena-se Lula em primeira e segunda instância no caso do sítio de Atibaia de modo que ele não fosse para o regime semiaberto por ter cumprido um sexto da pena a que fora condenado no caso do tríplex. Aí não deu tempo.

Sérgio Augusto - Tempestade fascista

- O Estado de S.Paulo / Caderno 2

Ciclo examina a reemergência na cena política internacional do racismo e antissemitismo

Para seu novo e sempre fundamental ciclo de palestras, como de hábito no Sesc, o prof. Adauto Novaes escolheu um dos temas mais relevantes da atualidade: o neofascismo. A “Volta do fascismo” seria um título geral adequado, mas Novaes, influenciado pelo visionário Paul Valéry, optou pelo poético “Ainda Sob a Tempestade”.

Dissipada a tempestade da Primeira Guerra Mundial, Valéry continuou sentindo no ar o mesmo clima de ansiedade de antes, alimentado por desesperançados temores e terríveis incertezas; uma sensação de mal-estar insanável, como se uma nova tempestade estivesse a caminho. Estava, mesmo, e em três etapas desabou, trazendo Mussolini, a Depressão e Hitler.

A procela da vez já cobre nosso céu há algum tempo. A neodepressão veio em 2008. Quanto ao resto, temos aí Trump, Erdogan, Duterte, Orbán, Bolsonaro. Além de Salvini, provisoriamente no freezer.
Ao ler, tem pouco tempo, o ensaio Récidive 1938, do filósofo francês Michaël Foessel, Novaes pôde avaliar, com maior riqueza de dados, o quanto a sociedade alemã havia muito estava preparada para aceitar com espantosa naturalidade e bovina tranquilidade o nazismo, oficialmente alçado ao poder em 1933. Na Alemanha de 1938 descrita no livro Novaes deparou com a recidiva bolsonarista.

1938 também foi o ano em que economistas e filósofos se reuniram para recauchutar o liberalismo econômico posto à prova pela tempestuosa Depressão de 1929. Ali nasceu o neoliberalismo redentor, tão historicamente ligado ao fascismo e ao populismo de direita quanto o fascismo à modernidade e ao capitalismo oportunista e predatório.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A confissão de Janot – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, diz a Constituição. Pois bem, para assombro de toda a Nação, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, transcorridos mais de dois anos, veio a público dizer que compareceu a uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) armado e com a intenção de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes. “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou Rodrigo Janot.

“Cheguei a entrar no Supremo (com essa intenção)”, relatou o ex-procurador ao Estado. “Ele (Gilmar) estava na sala, na entrada da sala de sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma ‘mão’ mesmo. (...) Foi a mão de Deus”, disse Rodrigo Janot, explicando a razão de não ter concretizado sua intenção.

Ainda que Rodrigo Janot tenha se aposentado do Ministério Público Federal em abril, sua confissão não é apenas um assunto pessoal, a recomendar atenção com sua saúde mental. A revelação de que se preparou para matar um ministro do STF pode bem ser, por si só, uma ameaça. Afinal, qual poderia ser o objetivo de Rodrigo Janot para trazer a público essa faceta violenta de sua personalidade, depois de tanto tempo?

Além do eventual objetivo de intimidar algum desafeto, a confissão de Janot joga luzes sobre o período em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). Talvez agora fiquem mais explicitadas algumas ações do então procurador-geral da República, não apenas incompatíveis com o cargo, mas que escapavam a qualquer senso de racionalidade.

Na tarde de 4 de setembro de 2017, por exemplo, dias antes de deixar a chefia da PGR, Rodrigo Janot convocou uma coletiva de imprensa para dizer que o órgão que chefiava havia recebido no dia 31 de agosto uma gravação com conteúdo gravíssimo, que poderia levar à rescisão do acordo de delação premiada com os executivos da J&F. “Áudios com conteúdo grave, eu diria, gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público Federal na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal”, disse Rodrigo Janot.

Imediatamente, a então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, solicitou a abertura de uma investigação, que depois viria a concluir que, nas gravações mencionadas por Janot, não havia referências indevidas a ministros do STF. Quem ficava mal nas gravações era a PGR. Simplesmente era falsa a informação prestada pelo então procurador-geral da República.

Meses antes, em maio de 2017, o País havia sido agitado pela informação de que haveria uma gravação, feita por Joesley Batista, com prova inequívoca de suposta anuência do então presidente Michel Temer à compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro. Quando o inteiro teor da gravação foi revelado, não se encontrou a tal prova inequívoca. Mesmo assim, Rodrigo Janot ainda apresentaria duas denúncias contra Michel Temer. Ainda que a Câmara dos Deputados não tenha encontrado em nenhuma das duas denúncias elementos suficientes para autorizar o prosseguimento da ação penal contra o presidente da República, o País sofreu os efeitos deletérios das manias do então procurador-geral da República que, agora reconhece, precisamente naquele período, não apenas nutriu intenções assassinas e suicidas, mas chegou a preparar, com atos concretos, a execução de seus íntimos desejos.

Poesia | Vinicius de Moraes - A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Música | Gal Costa - Sua estupidez