Por Andrea Jubé, Fábio Pupo e Bruno Peres – Valor Econômico
BRASÍLIA - Em 90 dias de governo, o presidente interino Michel Temer recebeu mais deputados federais e senadores do que a presidente afastada Dilma Rousseff em cinco anos e cinco meses. Um levantamento feito pelo Valor nas agendas oficiais de ambos, divulgadas na página do Palácio do Planalto na internet, mostra que Temer recebeu, individualmente, ou em pequenos grupos, 72 parlamentares em três meses. Dilma, em um mandato e meio, reuniu-se com 66.
O levantamento do Valor considerou, apenas, audiências individuais ou reuniões com até três parlamentares de cada vez. O resultado mostra estilos de governo absolutamente contrapostos. Enquanto Temer prioriza a conversa individual, olho-no-olho, Dilma reunia-se somente com os líderes, e com menos frequência, com as bancadas.
Ainda assim, a frequência de reuniões de Dilma com a cúpula era muito menor. Em seus 2.007 dias de governo, Dilma fez 67 reuniões com líderes da base governista e bancadas de partidos aliados, além de conceder audiências aos presidentes dos partidos. Média de uma por mês. Em três meses, Temer comandou 12 reuniões com os líderes, o que equivale a uma por semana.
A pesquisa não considera encontros e jantares realizados nos períodos investigados, mas que não entraram nas agendas oficiais. Há três semanas, por exemplo, Temer jantou com a cúpula do DEM para discutir alianças nas eleições municipais.
"Essa é a característica de um homem que passou 24 anos na Câmara, presidiu a Câmara três vezes. Chega-se a esse posto por saber lidar com o parlamento", explica o líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE), sobre o estilo de Michel Temer. "Ele sabe dialogar, atende individualmente, escuta, dá retorno, liga para dar satisfação, os ministros do governo também dão retornos e encaminhamentos. E não é só o atendimento, é a atenção: ele mesmo liga, telefona".
Mas o vice-presidente do PT e ex-líder do governo Dilma, deputado José Guimarães (CE), critica o que chama de "política de varejo" de Michel Temer. Para Guimarães, o "estilo Temer" fragiliza a democracia, porque o presidente da República tem que fazer interlocução com os líderes e presidentes de partidos, que por sua vez, se reportam aos seus liderados.
"Não tem nenhuma relevância criar essa dicotomia com as agendas, isso é política pequena", rebate Guimarães. Ele diz que "não é papel de presidente da República ficar recebendo deputados e senadores no varejo, porque esse toma-lá-dá-cá enfraquece a democracia". Segundo Guimarães, o número de audiências com políticos não traduz "governabilidade". Ele diz que nunca teve um presidente que dialogasse tanto com os líderes como Dilma. Para o vice-presidente do PT, enquanto Temer dedica a agenda a receber parlamentares, a economia não decola. "É o governo da gastança", dispara.
Em contraponto a Guimarães, uma outra liderança petista, que pediu anonimato, aponta essa conduta como um dos catalisadores do impeachment. "Basta ver esses números para entendermos o que aconteceu com a gente", desabafa, sobre o PT e o isolamento em que o partido se encontra.
Um aliado próximo a Dilma reconhece que a petista sempre foi criticada pela difícil relação com o Congresso Nacional. "Dilma bebeu nas águas de Júlio de Castilhos e Leonel Brizola [ex-governadores do Rio Grande do Sul], líderes que não eram famosos pela boa relação com o parlamento", analisa um aliado da presidente afastada.
A agenda de Dilma em 2011, primeiro ano de mandato, sugere que ela pouco interagia com o parlamento. Dilma se reuniu, individualmente, com cinco políticos naquele ano: com os então presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), da Câmara, Marco Maia (PT-RS), com o então líder do PT, senador Humberto Costa (PE), com o então deputado federal João Paulo Lima (PT-PE), e com a senadora Kátia Abreu (TO), no cargo de presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Eram reiterados os apelos para que Dilma recebesse mais políticos, principalmente parlamentares. Enquanto adiava esses encontros, abria espaços na agenda para celebridades. Recebeu a cantora colombiana Shakira, o cantor Bono Vox, a cantora Dionne Warwick [todos ativistas humanitários], e o artista plástico Romero Britto. Em março, fez a primeira reunião com os líderes governistas na Câmara. Em maio, começou uma rodada de almoços com aliados, incluindo PT, PMDB, PP, PTB.
Outro aliado, com trânsito no Palácio da Alvorada, aponta um mea culpa nas primeiras palavras de Dilma, assim que foram proclamados os resultados das eleições de 2014. "Essa presidenta aqui está aberta ao diálogo". O acirramento da temperatura política inviabilizou o cumprimento da promessa.
Em claro contraponto a Dilma, Temer afina o diálogo com líderes e parlamentares, sem distinção. Articulou, sem alarde, para que ao final Rodrigo Maia (DEM-RJ) fosse eleito presidente da Câmara. Imediatamente, promoveu um jantar reunindo Maia e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Em outra frente, intensifica o diálogo individual, principalmente com senadores, na reta final do impeachment. Apenas nos últimos 15 dias, recebeu em seu gabinete 11 senadores, de diferentes partidos.
Temer faz gestos calculados. No início de julho, convidou o senador Wellington Fagundes (PR-MT), que foi relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para uma conversa informal em pleno sábado à tarde no Palácio do Jaburu. Fagundes não revelava seu voto, mas votou a favor da pronúncia de Dilma. No último dia 3, recebeu o senador Eduardo Lopes (PRB-RJ), que se declara "indeciso".