segunda-feira, 8 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: atos de junho

Complicador de natureza imediatamente política foi o modo pelo qual as autoridades federais reagiram. Um movimento que era "local" - mexendo mais com os prefeitos e governadores -tornou-se nacional a partir do momento em que a Presidenta chamou a si a questão e qualificou-a primordialmente, no dizer de Joaquim Barbosa, como uma questão de falta de legitimidade. A tal ponto que o Planalto pensou em convocar uma Constituinte, e agora, diante da impossibilidade constitucional disto, pensa resolver o impasse por meio de plebiscito. Impasse, portanto, que não veio das ruas.

A partir daí o enredo virou outro: o da relação entre Congresso, Executivo e Judiciário e a disputa para ver quem encaminha a solução do impasse institucional, ou seja, quem e como se faz uma "reforma eleitoral e partidária". Assunto importante e complexo, que se apenas desviasse a atenção das ruas para os palácios do Planalto Central e não desnudasse a fragilidade destes, talvez fosse bom golpe de marketing. Mas não. Os titubeios do Executivo e as manobras no Congresso não resolvem a carestia, a baixa qualidade dos empregos criados, o encolhimento das indústrias, os gargalos na infraestrutura, as barbeiragens na Energia e assim por diante. O foco nos aspectos políticos da crise, sem que se negue a importância deles, antes agrava do que soluciona o "mal-estar", criados pelos "malfeitos" na política econômica e na gestão do governo. O afunilamento de tudo em uma crise institucional (que embora em germe não amadurecera na consciência das pessoas) pode aumentar a crise, em lugar de superá-la.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República, in “Tempos difíceis”, O Globo, 7/7/2013

Dilma rejeita concessões para compensar base aliada

Pressionada a promover uma reforma na equipe para garantir a governabilidade, a presidente Dilma Rousseff avisou ao PT e ao PMDB que não entregará ministérios com "porteira fechada" a nenhum partido da base aliada e disse não ter pressa para fazer mudanças na equipe. A fórmula, que permite a ocupação linear de todos os cargos de um ministério pela mesma legenda, foi sugerida a Dilma como forma de compensar um eventual corte de pastas, em resposta aos protestos de rua, mas ela recusou. Em conversas reservadas, peemedebistas dizem que aceitariam trocar ministérios menos robustos por diretorias da Petrobrás, de Furnas e da Eletrobrás - proposta também rejeitada por Dilma.

Dilma banca articulação política e refuta entregar ministérios de "porteira fechada"

Vera Rosa

BRASÍLIA - Pressionada a fazer uma reforma na equipe para garantir a governabilidade, a presidente Dilma Rousseff avisou ao PT e ao PMDB que não entregará ministérios com "porteira fechada" a nenhum partido da base aliada e disse não ter pressa para mudanças na equipe. A fórmula que permite a ocupação linear de todos os cargos de um ministério pela mesma legenda foi sugerida a Dilma como forma de compensar eventual corte de pastas, em resposta aos protestos de mãy mas ela não deu chance para a cobrança.

"Se forem essas as concessões, não vou-fazer. Podem tirar o cavalinho da chuva", disse Dilma durante reunião com 22 deputados que compõem a coordenação da bancada do PT na Câmara, na sexta-feira, Inconformada com as críticas à articulação política do governo, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, fez um desabafo a um colega, logo após a reunião. "Esse pessoal critica a articulação política do governo, mas vive deixando um currículo e um pedido de cargo na minha mesa. Eu não faço esse tipo de articulação política."

A redução do número de ministérios - hoje em 39 - foi proposta a Dilma por congressistas e dirigentes do PT e do PMDB, nos últimos dias, por ser considerada uma rnedida de marketing para adoçar a opinião pública. O PMDB do vice Michel Temer reclama de estar subrepresentado na Esplanada, com seis ministérios - Minas e Energia, Agricultura, Previdência, Turismo, Aviação Civil e Defesa - enquanto ó PT controla 18.

Mesmo assim, em conversas reservadas, peemedebistas dizem que aceitam trocar ministérios menos robustos por diretorias da Petrobrás, de Fumas e da Eletrobrás. Querem, ainda, autonomia para nomear seus indicados "de cima até embaixo" nas pastas que comandam, Dilma, porém, se recusa tanto a cortar ministérios, nesse momento, como a conceder o que no jargão político se chama de "porteira fechada", incluindo as diretorias de estatais. Até agora, ela prefere insistir no plebiscito sobre a reforma política para reverter o desgaste a investir na redução do tamanho da máquina pública.

Mesmo com a ameaça de partidos aliados, como o PSB, o PDT e o PRB, de não apoiarem o projeto de reeleição presidencial, em 2014, Dilma vem dizendo que não se "intimidará" com pressões por estar em queda nas pesquisas. "Não pensem que estou acuada", afirmou ela na reunião com os petistas, conforme revelou o Estado na semana passada. Até governadores do PSB que rejeitavam a candidatura do colega de Pernambuco, Eduardo Campos, agora dizem ser preciso examinar melhor o quadro político antes de fechar com o PT.

Dilma não confia em que os partidos queiram mesmo cortar na própria carne com a redução de ministérios. Na avaliação da presidente, esse é apenas um discurso para a platéia, nesse momento de crise, tanto que a proposta de "porteira fechada" já ressurge como uma espécie de "contrapartida".

Desastre. Escaldada por sofrer desgaste após chamar de volta para a Esplanada representantes de partidos alvejados pela faxina ética de 2011 - que abateu seis ministros -, Dilma diz ter feito as mudanças justamente para agregar adesões à campanha do segundo mandato. Diante desse quadro, afirmam assessores, não será agora que fará fusões de ministérios.

"Os problemas do governo não são os políticos, mas os tecnocratas, que não têm compromisso com o projeto", afirmou o deputado André Vargas (PT-SP). "Não estamos pedindo cargos nem andamos com currículo na mão para entregar em gabinetes, mas achamos que a articulação política do governo e a comunicação são um desastre."

Para o senador Jorge Viana (AC), o PT precisa arquivar o coro do "Volta Lula" e se unir no apoio a Dilma, que, no seu diagnóstico, deve melhorar urgentemente a relação com o Congresso. "Antecipar a campanha de 2014 já foi um erro. Agora, esse discurso do "Volta Lula" não cabe aqui, porque isso prejudica o governo que está em curso", insistiu Viana, que é amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A cobrança por cargos e emendas ao Orçamento voltará a ser apresentada nesta semana, quando entra em votação no Congresso a derrubada dos vetos presidenciais a projetos que causam forte impacto nas contas públicas, como o do fim do fator previdenciário.

O tema foi discutido ontem em duas reuniões de Dilma com ministros, no Palácio da Alvorada. O titular da Fazenda, Guido Mantega, disse não haver mais espaço para desonerações do setor produtivo e defendeu um bloqueio na casa dos R$ 15 bilhões em gastos do Orçamento.

Da primeira reunião com Dilma, ontem, participaram os ministros Gleisi, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência), Aloizio Mercadante (Educação), Paulo Bernardo (Comunicações) e José Eduardo Cardozo (Justiça).Na segunda estavam Mantega, Gleisi, Miriam Belchior (Planejamento) e Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), além do senador José Sarney (PMDB).

Gleisi é uma das que vão deixar a equipe de Dilma para ser candidata do PT ao governo do Paraná. Embora a presidente negue mudanças no primeiro escalão, é provável que ela promova uma reforma até dezembro, antes do prazo, estabelecido por lei para que candidatos com cargos no Executivo deixem as pastas, em abril de 2014.

No Palácio do Planalto, auxiliares de Dilma calculam que dez dos 39 ministros podem sair no fim do ano. Na lista dos pré-candidatos do PT, dois são dados como praticamente certos na disputa dos maiores colégios eleitorais: Alexandre Padilha (Saúde), em São Paulo, e Fernando Pimentel (Desenvolvimento), em Belo Horizonte.

A maior preocupação de Dilma ao negar a reforma imediata foi abafar rumores sobre a troca de Mantega num momento de alta da inflação, expectativa de novo aumento dos juros e desconfiança do mercado sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Se PT insistir no plebiscito, vamos gritar Fora Dilma', afirma Paulinho

Presidente da Força crítica plano dos petistas cie de usar mobilização de quinta para defender bandeira de Dilma

Vera Rosa e Débora Bercamasco

Numa reação ao plano do partido de Dilma Rousseff de defender no Dia Nacional de Luta a bandeira de reforma política da presidente, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, afirmou que, "se o PT insistir em "enxertar" essa história de plebiscito na manifestação de quinta-feira, a Força Sindical levantará a bandeira do "Fora Dilma"". "Nossa manifestação é pela redução da jornada de trabalho, fim do fator previdenciário, reajuste para os aposentados e mais investimentos em saúde e educação", disse Paulinho.

A Executiva Nacional do PT aprovou, na quinta-feira passada, uma resolução na qual convoca seus militantes a assumirem "decididamente" as manifestações no Dia Nacional de Luta, com greves e atos em defesa das reivindicações trabalhistas e da reforma política, com plebiscito. "Não podemos permitir que o PT utilize a Força Sindical e outras centrais sindicais como correia de transmissão do que pensa o partido", disse o deputado do PDT, que vive em rota de colisão com Dilma e pretende criar um novo partido, para a disputa de 2014.

"O que Rui Falcão está tentando fazer é uma apropriação indébita da pauta dos trabalhadores. Vamos deixar bem claro: o plebiscito não está na pauta do ato das centrais sindicais, no dia 11", emendou, numa referência ao presidente do PT.

Procurado, Falcão não quis comentar o assunto, Além de cartazes com "Fora Dilma", o deputado disse que não se surpreenderá com faixas pedindo "Volta Lula". Embora o PT tenha baixado ordem para abafar esse coro, há no partido quem continue pregando a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2014, em substituição a Dilma Rousseff.

"Se precisar". "Lula não quer voltar, mas, se precisar, volta", afirmou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), um dos que defendem o retorno do ex-presidente. Devanir foi o deputado que apresentou a proposta de terceiro mandato para Lula, rejeitada por este.

Na semana passada, Falcão disse que a CUT e as outras cinco centrais sindicais estavam unidas na organização do Dia Nacional de Luta. Afirmou, ainda, que o PT, o PDT e o PC do B programaram uma reunião para sexta-feira com as centrais, a CNBB, a OAB, a UNE e o MST, com o objetivo de debater pontos da reforma política e tributária.

"Eu acho que o Paulinho está sendo oportunista", reagiu o deputado André Vargas (PT-PR). aA mudança nas regras de financiamento eleitoral vai servir para democratizar a participação de trabalhadores na política, por exemplo."

Para Vargas, o presidente da Força Sindical foi "contaminado" pelas recentes manifestações, que rejeitaram a participação de partidos em passeatas. "Essa postura é até compreensível para um adolescente, mas não para alguém que pretende presidir um partido", provocou.

Pontos. Dilma enviou ao Congresso proposta de cinco pontos que devem ser submetidos a consulta popular para a reforma política. Na lista estão o financiamento de campanha (público, privado ou misto), a definição do sistema eleitoral (voto distrital, distrital misto, distritão), o fim das coligações proporcionais e do voto secreto no Parlamento, além da manutenção ou não dos suplentes no Senado. Até agora, porém, há forte resistência, no Congresso, a convocar o plebiscito.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Plano contra Dilma em ação

Senado e Câmara retomam votações para esvaziar plebiscito proposto pela presidente. Mas devem evitar ou mesmo amenizar os temas que podem prejudicar os próprios parlamentares

Juliana Braga, Amanda Almeida

Diante do declarado fracasso do plebiscito, esta semana o Congresso retoma a iniciativa de retirar da gaveta projetos que tratam das mudanças nas regras políticas propostas por Dilma Rousseff. O objetivo, como mostrou o Correio, é esvaziar a iniciativa da petista, votando uma reforma paralela.

Ao se anteciparem à consulta popular, parlamentares garantem que a reforma será conduzida de forma a não tocar em pontos vitais, aqueles que podem prejudicá-los e ainda tiram o mérito da aprovação de uma proposta das mãos de Dilma. Temas polêmicos como o fim das coligações e voto distrital não devem entrar na lista de prioridade.

A reforma tocada pelo Congresso deve analisar itens classificados como “perfumaria” pelos próprios, como o voto secreto para a cassação de mandatos e o fim da suplência no Senado. Na pauta do Senado, já há requerimento de urgência, a ser lido no plenário, pedindo a aceleração da tramitação do projeto que proíbe cônjuge ou parente de serem suplentes de senadores.

A PEC 37/2011 está na pauta da próxima terça-feira e também corta um dos dois suplentes que atualmente são eleitos na carona do senador titular. Outro tema que os senadores estão tratando como reforma política é o fim do foro privilegiado, tratado na PEC 10/2013, pautado para a terça-feira da próxima semana (16). Pressionado pelas manifestações, o parlamento quer agora acelerar o fim do voto secreto. “Já tramitava há muito tempo no Senado. A radicalização na transparência não precisa de reforma, precisa só de decisão”, argumenta o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

Mas, embora o Senado tenha aprovado na última quarta-feira a PEC/20, do senador Paulo Paim (PT-RS), um texto que extingue a votação sigilosa em todas as previsões constitucionais, os parlamentares recuaram e o discurso agora é o de acabar somente com o sigilo para a cassação de congressistas.

Na pauta prioritária divulgada na última sexta-feira pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ele dá o assunto por encerrado com a aprovação do projeto de Álvaro Dias (PSDB-PR), que prevê o fim do voto secreto apenas para cassações, e diz apenas que pediu à Câmara que dê prioridade à apreciação da proposta, sem falar sobre a matéria que acaba com o sigilo em todas as circunstâncias.

Já a Câmara colocará na pauta amanhã dois assuntos que não constam na mensagem de Dilma, mas que têm apelo popular. Um deles determina a realização de nova eleição caso o prefeito eleito seja afastado do cargo por corrupção eleitoral. Atualmente, o segundo na lista é convocado.

O segundo assunto proíbe candidatos de se retirarem da disputa a menos de 20 dias da realização do pleito. Em 2010, Joaquim Roriz “desistiu” de sua candidatura ao Governo do Distrito Federal a poucos dias das eleições e colocou sua mulher, Weslian, no lugar. “Se for muito em cima da hora, o eleitor vota em uma pessoa, achando que está votando em outra”, justifica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que presidirá a comissão a ser instalada na Câmara para analisar a reforma política. A proposta permite a substituição somente em caso de morte ou de problema de saúde incapacitante.

Atropelo

O vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), admite que há uma disposição por parte do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), de colocar os assuntos já debatidos no Congresso em pauta. “Tem assuntos que já estão fluindo, não tem por que esperar”, justifica. E ele nega que, ao fazer isso, os deputados estejam atropelando o Executivo. “Não existe essa de atropelar, se a iniciativa é do Congresso”, afirma.

Mas ele mesmo sinaliza que assuntos polêmicos devem esperar mais um pouco. “Nós temos projetos para votar, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias, temos de cuidar do país. A reforma não é o único assunto do Congresso.” O modelo de financiamento de campanha é um dos temas que deve encontrar resistências. Entre as propostas sobre o assunto, a que encontra mais consenso é o financiamento misto, que prevê doações de empresas privadas e um fundo de recursos públicos. “Isso não coíbe o caixa dois e, por isso, é mais fácil chegar ao consenso.”

Outra proposta sem acordo é o fim da reeleição e a adoção de mandatos de cinco anos. Até na base há divergência. O PMDB divulgou nota em que cogita debater a reeleição. Renan, um dos líderes do partido, disse que é contra o fim da reeleição. O próprio presidente do Senado já admite a busca de “alternativas” ao plebiscito. “Se houver dificuldade para aprovação do plebiscito na Câmara, é óbvio que, a partir daí, todo mundo vai tentar construir uma alternativa para votar a reforma e, em votando, como há um clamor, ouvir a sociedade”, disse Renan, na quinta.

Estratégia de ataque

Veja em que pé está a discussão dos principais pontos da reforma política proposta:

Financiamento de campanha
O tema deve ficar no fim da lista de prioridades dos parlamentares. A proposta mais próxima de um consenso é a de financiamento misto, que segundo os próprios parlamentares, não coíbe o caixa dois.

Fim da reeleição e mandato de 5 anos
Se aprovada, a mudança deve valer somente para 2018, e não afetar os atuais chefes do Executivo. A executiva do PMDB, por exemplo, defendeu mudanças em nota oficial.

Fim do voto secreto
Os parlamentares tentam dar uma resposta tímida à mensagem de Dilma. Em vez de acabar com o sigilo em todas as previsões constitucionais, querem extinguir somente para análise de cassação de mandato.

Suplência de senadores
Duas propostas tramitam no Congresso. Uma reduz para um o número de suplentes e a outra propõe que o segundo mais votado assuma. O Senado se dá por satisfeito com a proibição de parentes.

Fonte: Correio Braziliense

Tarifa sem aumento só adia inflação

A tentativa do governo federal de segurar os reajustes das tarifas públicas terá como consequências o aumento da inflação e a redução de investimentos. Na avaliação de economistas, essa interferência funciona como uma bomba-relógio, que poderá explodir no início do ano que vem

Bomba-relógio armada

Economistas alertam que, ao segurar reajuste de tarifas, governo apenas adia impacto na inflação

Eliane Oliveira, Mônica Tavares

INTERFERÊNCIA EM XEQUE

BRASÍLIA - Ao segurar reajustes de tarifas públicas, como combustíveis, energia elétrica, pedágios e transportes em geral, com a ajuda dos governos estaduais e municipais, o governo armou uma bomba-relógio, que poderá explodir no ano que vem ou no começo de 2015, já no governo do próximo presidente. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, a interferência artificial nos preços administrados terá várias consequências no futuro: aumento da inflação, redução de investimentos, queda na qualidade dos serviços prestados aos usuários e aumento dos gastos do Tesouro para cobrir as defasagens sofridas pelas empresas que prestam atendimento à população.

Para Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, o efeito já está sendo sentido pela Petrobras e pela prefeitura paulistana. Segundo ele, o resultado da estatal brasileira de petróleo foi prejudicado pela política de contenção do preço do combustível no mercado interno em relação ao praticado no exterior. Ele também criticou a suspensão dos reajustes das tarifas de ônibus, sob o argumento de que os custos para as prefeituras crescerão de forma substantiva - caso de São Paulo que, conforme o economista, pagará um preço de R$ 3 bilhões por ano.

- Não tem jeito: ou você compromete o dinheiro público, ou terá de dar um reajuste maior depois - disse Schwartsman.

De acordo com Fábio Silveira, da GO Associados, no mês passado, o preço da gasolina no mercado interno ficou 16% abaixo da cotação externa. Na refinaria, o preço internacional subiu 6%, em função da valorização do dólar, alcançando R$ 1,54 o litro. Já o preço doméstico ficou em R$ 1,29 o litro. Também em junho, a cotação do óleo diesel lá fora aumentou 8% em relação a maio, atingindo R$ 1,65/litro, no Brasil o valor negociado foi de R$ 1,58/litro, o que representa uma defasagem de 4%.

- Em face da pressão inflacionária doméstica, eu diria que o governo vai torcer pela queda do preço do petróleo. Não vejo, no momento atual, possibilidade de o governo aumentar o preço da gasolina. Por outro lado, o preço do diesel não está tão atrasado - comentou Silveira.

Conta da energia virá em 2014

Uma conta da economista Basilik Litvac, da MCM, mostra que as últimas contenções de reajustes darão um "empurrãozinho" para baixo no IPCA de 0,15 ponto percentual. Ela acredita que uma saída para o governo, lá na frente, será negociar reajustes menores com os setores envolvidos.

- Talvez a realização de acordos possa minimizar um eventual impacto negativo na economia - acrescentou.

Na área energética, se este ano o preço da tarifa não teve impacto no bolso no consumidor e na inflação, esta conta vai ser paga em 2014, e não será pequena. Segundo uma fonte do próprio governo, a grande maioria das distribuidoras deverá dar reajustes de 6%, em média.

O ex-diretor da Aneel Afonso Henriques Moreira classificou como uma manobra política o governo não ter autorizado o aumento de 9,73% da Eletropaulo. Foram aplicados diversos descontos ao consumidor e o índice caiu para 0,43%.

- No ano que vem, haverá outro malabarismo, porque será ano eleitoral - acredita ele.

José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe da área de estudos monetários da Fundação Getulio Vargas, também criticou o que chamou de "irrealismo de preços". Ele lamentou que o governo esteja tratando a inflação de forma episódica e não permanente e advertiu que esse tipo de procedimento tira credibilidade dos condutores da política econômica brasileira.

- Quando as expectativas de inflação saem do controle, ou seja, quando se desancoram, os choques a que toda economia está sujeita adquirem efeitos mais permanentes - disse Senna.

José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, lembrou que um dos cinco pactos propostos pela presidente Dilma Rousseff é o da responsabilidade fiscal. A questão, observou, é que o governo até o momento emite sinais contrários e não explicou como funcionaria esse pacto.

- Esse pacto é importante para sabermos como é que vai se tentar, no mínimo, atenuar os efeitos dessa bomba que vai explodir. O governo está empurrando a poeira para debaixo do tapete, mas haverá um momento em que faltará tapete para tanta poeira - disse.

O economista Joaquim Elói Cirne de Toledo destaca que, se a inflação continua em torno de 6,5%, significa dizer que os demais preços da economia sobem a um ritmo bem acima dos preços administrados, em torno de 7,5%.

- Estamos fragilizando a situação fiscal. No fim da história a gente sabe onde a corda arrebenta, que é na parte de investimentos públicos - disse Elói.

O economista Armando Castelar lembrou que, quando o preço da gasolina aumentar, o mesmo ocorrerá com o álcool. Isso tudo terá impacto na inflação, o que reforça a necessidade de melhorar as contas públicas. Ele lembrou ainda que o fim das desonerações de tributos, adotadas para estimular o consumo, também pressionará os preços daqui para frente.

- O que vejo, ao analisar a economia americana e outros itens, é que a pressão sobre o real vai crescer. Essa passagem da alta do dólar para os preços demora - comentou.

No caso dos pedágios na Via Dutra (Rio/SP) e na Ponte Rio-Niterói, que tiveram o reajuste adiado, o governo federal vai compensar as empresas pelas perdas. A fórmula é ressarci-las em dinheiro ou prorrogar o prazo da concessão, segundo o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte.

- Ano que vem é eleitoral. A ideia é esta, não acumular para 2014 - disse.

"Alguém vai pagar mais por isso"

O superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, disse que a discussão sobre a redução das passagens de ônibus não é nova e já aconteceu quando foi instituído o vale-transporte. Mas destacou que em São Paulo 75% dos passageiros têm algum tipo de desconto, e em qualquer política de redução tarifária o estado vai arcar com o ônus.

- Se não tem um novo imposto, os recursos virão do Tesouro. Assim, não há como financiar e alguém da sociedade vai pagar mais por isso. Os governos já estão retirando investimentos previstos nos orçamentos, não tem almoço grátis - disse Néspoli.

O GLOBO procurou o Ministério da Fazenda e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para se posicionarem sobre o adiamento das tarifas e as consequências futuras. A Fazenda não respondeu e a ANTT informou que não iria comentar. Em entrevista ao GLOBO, publicada no domingo (30/06), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurou que não haverá quebra de contrato, ao comentar o temor do mercado de que as manifestações populares possam prejudicar os leilões de concessão por causa do medo dos investidores de que o governo queira mudar contratos. "Nós não rasgamos contratos", disse.

Fonte: O Globo

Cabral aposta em Lula e em Paes para garantir sobrevivência política

Alvo principal dos protestos no Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral (PMDB) traçou na
semana passada um plano de recuperação que passa pelo retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a disputa presidencial, antecipação de investimentos e inaugurações e a colocação de seu nome para suceder o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), em 2016.

Enquanto manifestantes ainda acampavam em frente ao seu apartamento no Leblon, Cabral se fechava em reuniões de avaliação política no Palácio Guanabara com seus mais próximos aliados. Concluiu que as manifestações no Estado, as maiores do país, "zeraram o jogo" no Estado e abriram espaço para candidaturas ao estilo do ex-deputado Fernando Gabeira (PV) ou do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL): distantes de grandes máquinas partidárias e com forte discurso em defesa da ética e de combate à corrupção.

Por isso, Cabral conclui, em suas análises, que a aliança PT-PMDB no Rio neste novo cenário pós-manifestações se impõe, deve acontecer ainda que à força, por inteligência e sobrevivência. Ainda mais porque percebe o crescente assédio do senador Aécio Neves (PSDB), candidato tucano a presidente, sobre Gabeira, o que garantiria um forte palanque ao tucano no Estado. Diante disso, avaliou com aliados que o retorno de Lula é fundamental e necessário para unir PT e PMDB no Estado e impedir a derrota dos dois partidos em nível estadual e nacional.

Mas há aí um cálculo político pessoal. Na ideia de Cabral, a volta de Lula o torna automaticamente o nome preferencial do partido para ser seu vice e abre espaço para o acordo no Rio. Inclusive com a possibilidade de o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) ser o cabeça de uma chapa que inclua o atual vice de Cabral e pré-candidato do PMDB ao governo, Luiz Fernando Pezão.

Até as manifestações, o PMDB do Rio ameaçava não apoiar a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência devido à insistência do PT em querer lançar Lindbergh. Agora o cenário é outro. Cabral, segundo interlocutores, vê os projetos nacional e estadual ameaçados e considera que com Lula as chances de salvá-los é muito maior. O cenário com que o PT fluminense trabalha é semelhante. Ambos acreditam que a volta de Lula traria agenda e caras novas, o que fortaleceria o nome de Lindbergh ao governo.

Esses planos, porém, têm um problema: Lula, até agora, nega uma nova disputa presidencial. O que faz Cabral e o PMDB fluminense manterem suas apostas em Pezão em 2014 e permitirem que avancem as conversas sobre sua candidatura à sucessão de Paes em 2016.

O discurso para o ano que vem é contraditório. Ao mesmo tempo em que dizem acreditar na viabilidade de Pezão, rejeitam a todo custo uma candidatura adversária petista. Com a ameaça de que, se ela ocorrer, "pode haver uma debandada que coloque o partido no Rio no colo do Aécio", segundo um pemedebista com cargo importante no Estado.

Isso porque o PMDB do Rio sabe que, ainda que a contragosto, depende do não lançamento de candidaturas do PT para manter seus status quo sem maiores dificuldades. Além disso, o diretório regional do partido tem vida própria em relação ao PMDB nacional. Detém o governo do Estado e a prefeitura da capital, que estão entre os maiores PIBs do país. Mas considera que a cúpula do partido, com seu perfil congressual, não dá muita atenção a isso e nem tem planos de voos maiores. Por isso, seu projeto regional vale mais do que o nacional. Vem daí também a tranquilidade com que o nome de Cabral é novamente colocado para a Vice-Presidência da República, cargo hoje ocupado pelo presidente nacional da sigla, Michel Temer.

A entrada de Paes no PMDB do Estado acentuou essa condição, pois deu sobrevida ao seu projeto de poder. Ao mesmo tempo que conferiu nova dinâmica no jogo interno partidário. O estilo "workaholic", com agenda própria e independente, inicialmente incomodou Cabral, que esperava um Paes menos ambicioso e mais subordinado. Após alguns meses, houve a acomodação e não há quem no círculo de ambos aponte que não jogam juntos. Os dois falam-se todos os dias. Paes reconhece que é devedor de Cabral, pois foi o governador que patrocinou sua migração do PSDB ao PMDB, a aproximação com Lula e a eleição para prefeito.

Só que, independentemente do que ocorrer com Cabral em 2014, Paes continua sendo o prefeito da Olimpíada - mesmo com algumas sugestões aqui e ali para que saia a governador. Algo que havia previsto que ocorreria, a ponto de colocar um vice do PT em sua chapa em 2012. Já Cabral precisa disputar - e vencer - alguma eleição. O governador, aos 52 anos, sabe bem de duas regras de ouro da política: político sem mandato perde força e espaços vazios são rapidamente ocupados. Daí começa a surgir a ideia de se lançar a prefeito em 2016.

"Hoje o Sérgio [Cabral] é nosso melhor nome. É o nome natural, meu candidato é ele", disse ao Valor Eduardo Paes. Essa posição ocorre dias depois de ele manifestar preferência pelo seu secretário da Casa Civil, Pedro Paulo, o que gerou irritação do presidente do PMDB-RJ, Jorge Picciani, que quer eleger prefeito um dos dois filhos: Leonardo, deputado federal, ou Rafael, secretário municipal de Habitação.

Picciani controla o partido e sua ligação é muito maior com Cabral do que com Paes, cuja entrada no PMDB em 2007 barrou durante oito meses. Ocorre que Picciani está sem mandato e não será candidato em 2014. E Cabral, se não for eleito, também fica sem mandato. O que deixaria Eduardo Paes como o principal expoente da legenda no Rio. Há dez dias, Picciani e Paes se encontraram para aparar as arestas. "Deixei claro a ele que ele só está onde está porque eu o ajudei", disse Picciani sobre o encontro.

Mais recentemente, Cabral passou a enfrentar problemas na sua base. A oposição formada por 12 deputados ganhou apoio de um grupo independente composto por mais 13 deputados, liderados por Domingos Brazão, do PMDB. O governo perdeu algumas votações na Assembleia Legislativa e uma Comissão Parlamentar de Inquérito está em vias de ser instaurada para apurar desvios de verbas da região serrana do Rio, devastada por enchentes em 2011.

Muito embora no PMDB haja certeza de que Cabral se elege a qualquer cargo em 2014, - a queda na sua avaliação é similar à de todos políticos - os adversários o consideram um candidato fácil de ser batido. "Ele está inviabilizado até a senador", disse o deputado Anthony Garotinho (PR), pré-candidato a governador e hoje o maior adversário, político e pessoal, de Cabral. Segundo ele, o único cenário em que a disputa seria mais difícil é o da candidatura Lindbergh com apoio de Cabral. "Aí se juntariam as três máquinas contra mim", afirma. É justamente um dos cenários avaliados hoje por Cabral. Garotinho diz acreditar que o governador fará tudo para impedir que ele vença por temer uma devassa. "Eles sabem que, no governo, vou fuzilar todos eles".

Foi Garotinho quem vazou em 2012 em seu blog as fotos de integrantes da cúpula estadual do Rio dançando com guardanapos na cabeça em Paris. Cabral e o ex-sócio-proprietário da construtora Delta, Fernando Cavendish, estavam na festa.

O episódio é considerado mais um a complementar o conturbado segundo mandato de Cabral, reeleito em 2010 no primeiro turno com 66% dos votos. Dentre outros detonadores de crise destacam-se um problema com os bombeiros que colocou a população contra ele e um acidente de helicóptero com vítimas fatais que revelou sua proximidade com Cavendish. O empresário era o dono do helicóptero, utilizado pelo governador.

O mais conhecido opositor de Cabral na Assembleia Legislativa, Marcelo Freixo (PSOL), aponta que no Rio os protestos tinham o governador como o primeiro alvo, tanto que foi o único lugar onde manifestantes acamparam em frente à sua residência. "Ele é o mais atingido pela relação próxima que tem com as empreiteiras, por sua ausência constante do Estado, pela crise dos guardanapos; o Rio quanto mais cresce mais desigual fica, a política de segurança está em xeque", disse.

Freixo, que surpreendeu na disputa contra Paes em 2012 - teve 28,15% dos votos - não confirma sua candidatura, mas deixa no ar a possibilidade de se lançar. "Meu projeto é para 2016. Mas muita coisa pode acontecer ainda." No círculo próximo a Cabral, a candidatura de Freixo é ainda uma incógnita, mas vista com grande potencial de causar-lhe estrago.

Fonte: Valor Econômico

Rede de Marina encerra segunda fase de coleta com 706 mil apoios

Balanço tem 100 mil assinaturas a menos que meta do partido

SÃO PAULO - A Rede Sustentabilidade, partido que a ex-senadora Marina Silva trabalha para criar, encerrou ontem a segunda etapa do cronograma de coleta de assinaturas para a formalização da sigla com 100 mil apoios a menos que a meta estabelecida.

Depois de atingir 500 mil apoios no início de junho, o grupo havia determinado 7 de julho como prazo para chegar às 800 mil assinaturas, marca que considera necessária para conseguir obter o registro na Justiça Eleitoral a tempo de disputar as eleições de 2014. Segundo números atualizados até ontem, o grupo tem 706 mil apoios.

A quantidade de fichas, no entanto, ainda deve crescer nos próximos dias. O partido aguarda o envio pelo correio de assinaturas coletadas em cidades que não têm postos, além da contabilização de fichas dos últimos dias.

Para que a criação da Rede seja oficializada pela Justiça Eleitora, são necessárias 495 mil assinaturas validadas por cartórios. Como parte das fichas entregues acabam invalidadas por problemas em informações fornecidas ou por assinaturas que não correspondem à do título eleitoral, por exemplo, o grupo estabeleceu a meta de 800 mil.

Das primeiras assinaturas entregues para a validação, cerca de 40% apresentavam problemas e não foram reconhecidas. As perdas são maiores do que a estimada pelo grupo no início do processo de coleta.

Para que Marina possa disputar a Presidência no ano que vem, o partido precisa ser formalizado até outubro. A ex-senadora, no entanto, tem dito que sua candidatura ainda é uma "possibilidade".

Com os protestos das últimas semanas, Marina foi o nome que mais cresceu, segundo pesquisa Datafolha divulgada há uma semana. No cenário hoje mais provável, com candidaturas de Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e Dilma Rousseff (PT), ela disputaria o segundo turno com a petista.

Fonte: Folha de S. Paulo

Entrevista: Pedro Simon - "Temos que escolher o melhor"

Política nunca foi ciências exatas, preto no branco. Ao revelar no programa Dossiê GloboNews, que foi ao ar no final de semana pela canal de TV Globo News, que não pretende mais concorrer à reeleição em 2014, o senador Pedro Simon (PMDB) estava, sim, falando a verdade. Mas, como todo político experiente, suas declarações também precisam ser lidas nas entrelinhas.

Com 83 anos, 60 de vida pública, um mandato de governador e quatro de senador, Simon sabe que não tem mais o mesmo vigor para disputar a vaga dentro do PMDB e que outros nomes estão pedindo passagem. Portanto, não brigará por um novo mandato. Agora, isso não significa que, se vier a ser conclamado candidato de consenso, ele não possa aceitar mais este desafio. São as nuances da política.

A seguir, a síntese da entrevista concedida ontem a ZH por telefone:

ZH – A decisão de não concorrer mais depois que terminar o mandato de senador é para valer?

Pedro Simon – Estou no comando do MDB a vida inteira. Minha característica sempre foi a de brigar para trazer pessoas, desenvolver quadros. Trouxe para a política o Paulo Brossard, o Synval Guazzelli, o Nelson Jobim... Uma infinidade de gente. No meu caso, é mais do que normal. Faço 85 anos no dia em que encerro meu mandato de senador (em 31 de janeiro de 2015). Meu primeiro objetivo é fazer aniversário e completar o mandato. O resto é o resto. Sessenta anos de vida pública é razoável. Está, sim, no meu projeto continuar ajudando, colaborando. Até não entendi por que tanta repercussão com essas minhas declarações (ao programa Dossiê GloboNews), tenho falado isso para todo mundo no partido. Mas também não estou fechando a porta. Não estou é pleiteando qualquer cargo. Temos é que escolher o melhor.

ZH – O senhor não está fechando a porta?

Simon – Não estou dizendo que amanhã não posso ser candidato. Eu estou é fechado, ninguém vai disputar com o Simon (a vaga de candidato a senador).

ZH – Mas se o senhor for o único nome capaz de unir o partido, significa que pode vir a concorrer novamente?

Simon – Diria que não. Não tem por que acontecer isso. Se acontecesse eventualmente... Diria que já fiz sacrifício pior.

ZH – Qual foi o pior sacrifício?

Simon – Aguentar a ditadura, presidir um partido em plena ditadura. O MDB do Rio Grande do Sul tem uma história particular. Ainda vou escrever um livro sobre isso. A política gaúcha tem uma das páginas mais bonitas da política brasileira. Modéstia a parte, eu participei dela.

ZH – Se o senhor não concorrer, quem deve ser o candidato?

Simon – A posição do partido é tranquila. Nomes nós temos: Germano Rigotto, José Fogaça, Mendes Ribeiro, o José Sartori, Ibsen Pinheiro. Acrescento nessa lista um outro nome, o Paulo Ziulkoski (ex-prefeito de Mariana Pimentel e atual presidente da Confederação Nacional de Municípios), que tanto pode ser candidato ao Senado quanto ao governo.

ZH – E para governador, qual nome se impõe no PMDB?

Simon – Esses mesmos nomes. O fato é que, por enquanto, existem dois nomes postos: o de Tarso Genro (atual governador e provável candidato à reeleição pelo PT) e o de Ana Amélia Lemos (senadora e nome mais forte do PP para a disputa). O MDB terá candidato próprio. A diferença que está havendo em relação às eleições anteriores é que ninguém está querendo bater na mesa: "Sou eu o candidato". O Estado está numa situação tão difícil, frágil que ser governador virou mais uma missão a ser cumprida do que qualquer questão de vaidade. É diferente de São Paulo, Minas, Paraná, Pernambuco, Estados que estão vivendo uma economia forte.

Fonte: Zero Hora (RS)

Padrão Felipão - Aécio Neves

A presidente Dilma Rousseff cometeu enorme injustiça com o técnico Luiz Felipe Scolari ao dizer que seu governo tem um "padrão Felipão". Foi uma comparação infeliz, já que em nada os "times" se assemelham. A primeira grande diferença é que Felipão convocaria os melhores, e não os mais próximos ou os mais amigos.

Por tudo que os brasileiros conhecem dele, sabem que não toleraria qualquer tipo de privilégio. Transparente como é, seria intransigente com os desvios, a má conduta e a corrupção. Corajoso, jamais jogaria só para a torcida, evitando decisões às vezes difíceis e impopulares, mas necessárias.

Onde o treinador está a sua liderança se estabelece naturalmente pelo respeito e competência. Suas firmes convicções nunca o impediram de aceitar críticas e reconhecer erros quando eles ocorrem.

Aprendeu a acolher o sentimento nacional do que se convencionou chamar, simbolicamente, de pátria de chuteiras, que jamais imaginou dividir em duas. Não ignora o que gritam as arquibancadas. Sabe, como poucos, canalizar a energia da massa em favor do seu time para a superação de grandes desafios.

Se introduzido como paradigma para administração pública, o padrão Felipão mudaria importantes prioridades do governo. Logo de início, certamente armaria uma defesa intransponível contra a inflação.

Seus volantes marcariam a corrupção sob pressão. A articulação do meio-campo se daria sob o regime de alta transparência e solidariedade de esforços. No ataque, a criatividade e o talento brasileiros ganhariam espaço e estímulo para aplicar goleadas nos nossos verdadeiros inimigos --a desigualdade, a ignorância, a violência, a injustiça e o baixo crescimento.

Com um padrão Felipão correríamos dez vezes mais, de forma organizada, perseguindo objetivos claros. A leniência estaria fadada ao banco de reservas, a incompetência levaria cartão vermelho assim que entrasse em campo, e o improviso não provocaria vaias nos estádios lotados.

O estilo Scolari não canta vitória antes da hora, não permite salto alto e nem desrespeito ao oponente. Entende adversários como adversários, nunca como inimigos, e é capaz inclusive de reconhecer méritos neles. É duro, mas leal e verdadeiro. Sofre cada segundo enquanto seus jogadores se matam em campo pelo melhor resultado. Quando perde --e às vezes perde--, é o primeiro a assumir suas responsabilidades. Não a transfere nem terceiriza e sempre acrescenta algum aprendizado.

Exemplos como o do técnico são preciosos quando ultrapassam a fronteira do utilitarismo e da apropriação indevida e incorporam valores como qualidade, espírito de equipe e convergência em torno de causas comuns. Sem esquecer o mais importante: o Brasil em primeiro lugar.

Aécio Neves, senador e presidente nacional do PSDB

Fonte: Folha de S. Paulo

Democratas devem fazer ouvir sua voz - Marco Aurélio Nogueira

Os democratas não devem gastar tinta e energia com sofismas, aplausos acríticos, elogios fáceis e críticas inconsequentes. O papel deles é esclarecer de que reforma política o país necessita e contribuir para fixar o melhor modo de realizá-la.

Nós, que somos democratas — de esquerda, liberais, petistas ou tucanos, socialistas, comunistas, radicais —, deveríamos promover uma convergência entre nós. Por vários motivos, mas sobretudo porque o país ganharia muito com isso.

Nessa convergência, seriam convenientes duas coisas. (1) Parar de fazer carga gratuita contra a presidente Dilma. Criticá-la, duramente sempre que for o caso, mas sem rancor e ressentimento, sem espírito revanchista e sem estatelar os olhos no processo eleitoral de 2014. (2) Trabalhar para converter a ideia de reforma política numa proposta de reforma política que seja ao mesmo tempo saneadora da República e democrática radical, ou seja, aberta à ampliação da participação popular e à sociedade civil.

A segunda coisa dá substância política à primeira, pois a crítica que se deve fazer à Presidência é a de não ter tido a ousadia de propor a reforma. Ela somente falou na necessidade da reforma, tema batido e em torno do qual os consensos não são substantivos, pois os temas podem ter múltiplas traduções e combinações. Dificultou o debate, em vez de facilitá-lo. Dilma foi tímida, pretendendo ser “agressiva” e receptiva às ruas, e transferiu o ônus e o bônus da reforma ao Congresso — justo a ele, esse amontoado de gente de baixa qualidade política, vazia de ideias e sem pegada programática. Se o Congresso quisesse fazer reforma a sério, já poderia tê-la feito. A presidente sabia disso, pois todo mundo sabe disso. Por que então transferir a ele essa missão? Por que então investir em uma consulta popular que dificilmente produzirá, por si só, resultados reformadores?

Em minha opinião, porque a Presidência e seu partido não sabem que reforma propor. Não têm consensos a respeito. Terminaram assim por socializar a dúvida e deixar um grito suspenso no ar: para onde devemos ir?

Mas o pacote está aí, no meio da sala, como um bode. E não deveria caber aos democratas gastar tinta e energia com sofismas, aplausos acríticos, elogios fáceis e críticas inconsequentes. O papel deles é de dizer e de submeter à consulta popular, se for o caso, qual a reforma de que o país necessita.

Sei bem que alguns dirão: “Ora, isso é autoritarismo iluminista. Quem são os democratas para se arvorarem em intérpretes da vontade popular?”. Cá do meu canto, eu responderia: os democratas são aqueles que lutam com a população para que a democracia se aprofunde e ganhe consistência. Nessa condição, não só podem, como devem, dizer o que pensam. Se forem persuasivos e corretos, serão ouvidos. Se não forem, ninguém prestará atenção neles.
O que não podem é ficar em silêncio, assistindo à desagregação do processo político e sem contribuir para que se aproveite de forma positiva e democrática esse momento excepcional que vive a sociedade.

Os democratas são aqueles que querem, sempre, fortalecer, ampliar e revitalizar a democracia. No caso do Brasil, isso hoje passa pelo reconhecimento de que o sistema existente atingiu um ponto de saturação e esgotamento. É preciso reformar a dimensão eleitoral e a partidária, e, quanto antes isso for iniciado, melhor para todos.

Ninguém, nenhum partido, nenhum político, sai bem na foto depois dos protestos sociais. Todos perderam, e por isso todos terão de reagir. Irão se desgastar mais se ficarem atirando uns contra os outros, ou repetindo essa lenga-lenga primitiva de direita vs. esquerda, PT vs. PSDB.

A eleitoralização do debate é o pior inimigo dos democratas. O governo Dilma é o governo constitucional, e o melhor para todos é que ele funcione e seja capaz de administrar a crise.

Se os operadores políticos de Brasília estivessem valorizando a urgência da reforma, a discussão ampliada da reforma política já estaria a ser feita. A partir de alguma proposta. A ideia de “discutir a reforma política” só tem como progredir e empolgar se vier acompanhada de uma proposta de reforma, de uma ideia que apresente os pontos que poderão produzir uma política e uma democracia de melhor qualidade. Chamar a população para discutir “tudo” ou quase tudo, sem ter uma proposição de referência, é não sair do lugar.

A proposição da reforma política é correta, mas a forma como ela foi apresentada, não. O governo federal deveria ter aproveitado a força dos protestos para se reformar a si próprio, ou seja, para rever sua organização, suas opções, para livrar-se da sua banda podre e reformular a base parlamentar em que se apoia. Deveria ter feito uma proposta concreta de reforma, não um chamamento para que se discuta a reforma. Sem uma ideia de reforma que seja saneadora da República e democrática radical, ou seja, aberta à ampliação da participação popular e à sociedade civil, não vejo como se discutir reforma política e promover mudanças efetivas no sistema político.

Creio mesmo que a ausência dessa iniciativa reformadora explícita na reação governamental está na raiz das dificuldades que a proposta presidencial do plebiscito encontrou para ser assimilada, assim como dos desencontros horrorosos que se observam entre os operadores governamentais de Brasília.

Não é verdade que o povo não possa deliberar sobre a reforma política por não ter inteligência necessária para examinar temas técnicos complexos. Tem muita inteligência, sobretudo do tipo cívico, político, que nesse terreno é mais importante que a inteligência técnica. Tal como a presidente Dilma, os democratas acreditam na inteligência do povo brasileiro. Mas é menos verdade ainda a ideia de que, por ter essa inteligência, o povo pode decidir sem discussão. Se a intenção é fazer uma consulta popular que embase e dê o espirito de uma reforma democrática, o tempo é a variável-chave. Não sendo bem calculado, não haverá discussão, mas apoio ou oposição. Um tema como “lista fechada” ou “voto distrital” será decidido por palmas ou vaias, ao sabor da força sedutora de lideranças, campanhas e discursos. Por ter inteligência, o povo quer espaços de reflexão, diálogo e debate democrático. Tais espaços são o seu oxigênio.

Uma reforma política feita com participação popular é no momento atual a joia da coroa. Não se deveria estragá-la.

Nesse quadro, dá para compreender a má vontade do Congresso (e da base aliada antes de tudo) com a iniciativa da Presidência. Ela foi interpretada como uma tentativa de jogar a sociedade contra os parlamentares, pondo a nu a sua inoperância e a sua falta de compromisso. Foi uma interpretação correta daquilo que talvez seja a única virtude da ideia presidencial. As ruas nos ajudaram a entender que o país não tem como seguir em frente com o Congresso que está aí, com seu estilo de fazer política, com sua cultura. Ele não serve mais para organizar a política. Nem ele nem seus integrantes, parlamentares e partidos. As eleições regulares das últimas quatro décadas não tiveram força para democratizar o Congresso. E isso porque as eleições são corrompidas demais e porque os políticos — todos eles, de todos os partidos — se entregaram passivamente às regras eleitorais vigentes, especialmente às informais. Ao monopolizarem dessa forma a representação, contribuíram para desqualificá-la e por afastá-la da população, que não se vê neles.

A Presidência perdeu uma oportunidade de ouro: poderia ter se apoiado nos protestos para se autorreformar e imprimir ao governo outra orientação: ajustar o ministério, diminuir o peso que a banda podre da base aliada tem nele, escolher novos parceiros, reformular suas políticas e seus programas. Mostrar-se sensível às ruas seria fazer algo assim. Aí faria sentido privilegiar a reforma política. Ela tinha a faca e o queijo na mão. Mas optou por não usar a faca. Ainda poderá vir a usá-la, mas talvez o momento ótimo tenha sido perdido.

Apresentada de forma solta, sem outras ações governamentais e sem concatenação temática, a discussão da reforma empacou. Hoje corre o risco de perder vigor, morrer na praia, por pura falta de eixo e identidade. Só será salva se for projetada num prazo mais longo, se a cidadania ativa se dispuser a dar tratamento preferencial a ela e se as ruas voltarem a fervilhar.

Pressionada pelas ruas — que protestaram contra tudo, não contra ela em particular —, Dilma tentou direcionar a pressão para um terreno mais favorável. Acertou ao chamar o Congresso para a briga, transferindo para ele a culpa pela ausência de reforma. Pôs o bode na sala. O problema é que ela depende do Congresso para governar e será obrigada a contemporizar com ele. Se nada for feito, será retaliada pelo Congresso.

Os democratas estão aí. Não são da situação nem da oposição: estão de ambos os lados. Estão nas ruas e nos palácios. Não aceitam a baixaria das oposições, sua indigência teórica, sua mesquinhez e seu completo alheamento em relação às exigências da democracia. Também não aceitam a autovitimização e a arrogância do PT e do governo, sua recusa de assumir a responsabilidade pela coordenação política do país, sua paralisia propositiva.

A hora é dos democratas. Impulsionados pelas ruas, precisam fazer ouvir sua voz e demarcar com maior clareza sua presença.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

Uma primavera no outono? - Lourdes Sola

Os fatos são subversivos é o título de um dos últimos livros de GartonAsh,um dos mais lúcidos "historiadores do presente". "Os fatos são subversivos (...) porque subvertem os argumentos dos líderes democráticos eleitos tanto quanto dos ditadores (...) porque subvertem as mentiras, as meias-verdades e os mitos de todos aqueles de fala fácil." É à luz dessa reflexão (já citada neste espaço) que situo a irrupção de um movimento de massas apartidário, de escala nacional, cujo alcance surpreendeu a todos. Apesar da perplexidade, porém, tem sido percebido em retrospecto como "a crônica de uma revolta anunciada". Como caracterizá-lo? O que há de comum com outros movimentos similares e o que há de específico?

Uma das características surpreendentes é aforça gravitacional de um movimento liderado por jovens de uma classe média diversificada, em que manifestantes das classes C e D marcharam junto aos das classes A e B. Em poucos dias, o que era uma reivindicação tópica adquiriu escala nacional, atraindo cidadãos urbanos não organizados em 360 cidades. Com isso a pauta de reivindicações ganhou em densidade, diversificou-se e converteu-se num alvo móvel. Um dos fatores de sucesso é seu caráter apartidário, graças ao uso intensivo dessa imagem como seu principal asset político.

Há fatores socioeconômicos, políticos e institucionais a registrar. Um deles é o impacto politicamente persuasivo das questões econômicas. A inflação traduz-se em erosão da confiança da sociedade no compromisso do governo com a estabilidade de preços. Há um regime - o de metas inflacionárias ou seja, um conjunto de normas estáveis, que foi deixando de pautar as decisões de governo. O que se reflete no feto de que o teto da meta aos poucos se converteu em piso. Nesse quadro, a explosão do custo dos alimentos e as pressões que exerce sobre o orçamento familiar da imensa maioria dos brasileiros traz à luz a distância entre intenções e resultados das políticas oficiais. Daí a relativa unanimidade em tomo ao que está efetivamente em questão: a qualidade dos gastos públicos, condensada na demanda algo irônica por "escolas e hospitais padrão Fifa".

Há evidências de que a entrada das classes médias emergentes no cenário sociopolítico ocorre sob a égide da frustração, apesar dos baixos índices de desemprego. Sabem que pagam impostos, mas recorrem a sistemas privados de saúde e de ensino superior, que estão longe de oferecer os benefícios que as empresas relevantes vendem. Sabem que a carga impositiva é a maior da América Latina e entre os Brics. A valorização do transporte público é sintoma de uma dramática redução na tolerância com o modelo de crescimento inaugurado em 2006 e exacerbado depois de 2008. O que acabou por se esgotar, entendá-se, foi a eficácia dessa agenda econômica em termos político-eleitorais. Por conta de um processo cumulativo: os níveis de endividamento dos usuários do crédito fácil, concedido pelos bancos públicos, subvencionados pelo Tesouro; as evidências de que esse modelo responde aos lobbies da indústria automobilística; as redes minúsculas de metrô e o trânsito pesado nas grandes cidades. Serão esses os primeiros indícios de que as classes médias emergentes estão em via de desenvolver uma agenda pós-Lula (como sugere Elio Gaspari)? A pesquisar.

Outros fatores explicam a escala das manifestações e a recusa dos participantes a deixar-se pautar pela agenda dos partidos ditos populares. Ao contrário, é o movimento social que está pautando as respostas das elites governamentais, no Congresso e nos Executivos federal, estadual, municipal. A suspensão dos aumentos das tarifas, a derrubada da PEC 37, a proposta de tomar a corrupção crime hediondo são exemplos. Como explicar esse tipo de impacto? Minha hipótese é que ele reflete o reconhecimento implícito de uma crise de legitimação política combinada com a crise de representação. A resposta atabalhoada de extrair a fórceps uma reforma política mobilizando a sociedade via plebiscito é uma tentativa canhestra de desatar esse nó, inteiramente novo para governos que se querem populares.

O que há de comum com outros movimentos sociais similares e o que há de específico ao nosso? Todos têm caráter difuso e horizontal, ausência de uma liderança permanente, constituem maiorias que podem ser ocasionais, unidas em tomo de uma ou várias causas, articulados pelas redes sociais. O que há de específico são quatro características distintivas: 1) Sua inesperada força gravitacional, supoder de arrastre, em bom castelhano; 2) desenvolve-se num marco democrático, por melhora dos gastos públicos e por uma democracia de melhor qualidade; 3) ocorre no quadro de dominância de um partido cujas imagem e tradição se ancoravam no "monopólio" de representação dos interesses populares; e 4) a julgar pelas respostas recentes das autoridades relevantes e do Congresso, cabe falar numa boa dose de responsiveness (embora canhestra) por parte das elites governamentais - uma característica ausente na Turquia e mesmo em democracias consolidadas.

Há, portanto, lugar para otimismo, pois refletem algumas das qualidades da nossa democracia. Uma delas é a multiplicidade de instituições que limitam os poderes das elites político-partidárias: a relativa autonomia do Sistema de Justiça; as instituições que produzem indicadores e prospecções tecnicamente competentes, divulgados por uma mídia razoavelmente competitiva. Em condições de abertura e de integração do País ao sistema e à sociedade globais, o Twitter e o Facebook atuam como correias de transmissão, de dupla via. Pelas quais as avaliações da mídia internacional, das agências de rating e de uma cultura política mais igualitária são filtradas e internalizadas; e, vice-versa, nossos déficits, meias-verdades e mitos são expostos globalmente.

Cientista política, professora aposentada da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política, membro da Academia Brasileira de Ciências, é autora de "Democracia, Mercado e Estado" (FGV, 2011)

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dez lições que ficaram das ruas - Marcus Pestana

Ainda não é possível antever a intensidade das mobilizações de rua no futuro próximo. Mas uma coisa é certa, o Brasil não será mais o mesmo. Em meio a perplexidades e temores despertados, algumas conclusões preliminares são possíveis:

1) As redes sociais vieram para ficar. Muito era dito sobre o papel das redes na campanha de Obama, na Primavera Árabe ou nas mobilizações europeias. No Brasil, ainda parecia distante da realidade o protagonismo do Facebook ou do Twitter na vida social e política.

2) Índices de popularidade e aprovação de governo são provisórios e relativos. As manifestações mostraram claramente que nem tudo vai bem, no Brasil, nem tudo é céu de brigadeiro, ao contrário da propaganda apologética e unilateral do governo.

3) Instituições e lideranças são movidas pela intensidade da participação social. Todos se movimentaram em resposta às ruas. Dilma tentou recuperar a iniciativa política, vestindo o figurino de estadista, coisa que não fez em dois anos e meio de governo, gerando vácuo de liderança e utopia. O Congresso derrotou a PEC 37, caracterizou como crime hediondo a corrupção e destinou os royalties para educação e saúde. O Supremo decretou a prisão de um deputado federal.

4) A esmagadora maioria é contra o vandalismo, o banditismo e a violência como arma política. É preciso tolerância zero contra a barbárie.

5) A democracia representativa precisa ser recheada com alta dose de participação popular. A sociedade contemporânea é fragmentada e multifacetada. A democracia direta é impossível, a exclusivamente representativa se esgotou e é insuficiente.

6) É preciso atualizar a discussão sobre direitos e deveres entre cidadãos de uma mesma comunidade. O direito de manifestação livre e pacífica é sagrado, mas não é maior do que o direito do cidadão ir livremente da casa para o trabalho e vice-versa.

7) A democracia demanda segurança. As forças policiais têm um papel essencial para assegurar a liberdade e a ordem constitucional. Não vivemos mais uma ditadura. Não podemos glamourizar vândalos e demonizar policiais.

8) Ninguém tem o monopólio da verdade e das boas intenções. Houve um recado geral, concentrado, é claro, no governo federal, mas que foi também para todos os partidos, atores políticos e instituições.

9) Não bastam renda e emprego. Qualidade de vida foi o centro das manifestações. Qualidade na saúde, na educação, no transporte coletivo. Prioridade social efetiva nos gastos públicos. Menos estádios e trens-bala, mais escolas, mobilidade urbana e hospitais.

10) A demagogia e o populismo não são o caminho. Não podemos jogar fora o senso de responsabilidade fiscal e de equidade social nas políticas públicas e nas estratégias de fixação de tarifas e subsídios que duramente conquistamos.

“Tudo que é sólido desmancha no ar”. São conclusões provisórias. E é melhor aprender com o sambista: “Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB-MG

Fonte: O Tempo (MG)

Fadiga de material - Valdo Cruz

Pois bem, o que era dito à boca pequena passou, de repente, a ser falado às claras e diretamente para Dilma Rousseff. Algo inimaginável meses atrás, dado o temor que a presidente desperta nos subordinados e aliados.

Parece que a fragilidade atual do governo criou coragem em ministros e petistas que, na semana passada, sapecaram críticas na direção da presidente. Desceram a lenha, com gosto, na articulação política e na condução da economia.

O fato é que fala mais alto o instinto de sobrevivência. O retrato do momento mostra um governo acuado e enfraquecido, com a base aliada em pé de guerra. Daí o medo de que, se o barco não mudar de rumo, todos possam naufragar juntos.

Em momentos com esse, primeiro surgem as críticas de auxiliares e aliados, com pedidos urgentes de correção de rumo. A turma deixa de insinuar e dá o recado direto ao mandatário. Estamos nesta fase do jogo da manutenção do poder.

A fase dois depende do que a chefe fizer para mudar o clima geral. Se for criada a sensação de que o titanic palaciano segue na direção do naufrágio, o desembarque, já analisado nos bastidores, pode começar mais cedo do que se imagina. As conversas de aliados com a oposição, por sinal, já recomeçaram.

No meio desse temporal, Dilma passa a impressão, segundo auxiliares, de que retomou o controle da situação, depois de ter ficado perplexa, atônita e acuada com a onda de protestos e o tombo nas pesquisas.

Pressionada, resiste a fazer trocas na equipe que ela mesma considera necessárias. E aposta numa recuperação da economia neste segundo semestre do ano. Algo posto em dúvida até por subordinados.

Afinal, do lado de fora e de dentro do governo, a avaliação é de fadiga de material e de necessidade de reparos no navio. O risco é a comandante não querer enxergar os perigos pela frente. Algo já diagnosticado por gente próxima a ela.

Fonte: Folha de S. Paulo

Pulverização pós-avalanche - José Roberto de Toledo

Faz uma semana que a popularidade de Dilma Rousseff não cai. Um mês atrás, essa constatação equivaleria a dizer que água molha. Hoje, é um alívio refrescante para os dilmistas remanescentes.

Molhar-se no fundo do poço onde a aprovação da presidente despencou é prova de que o poço tem fundo, Parece pouco, mas é melhor do que esborrachar-se no seco, Se Dilma parou de cair, a escalada até a borda promete ser longa e escorregadia.

A estabilização da popularidade presidencial é constatada por pesquisas telefônicas diárias. Esse tipo de pesquisa é limitado a quem tem telefone fixo em casa. Não espelha o conjunto da população, mas serve para apontar a direção do vento.

O que importa nesses "tracking polls" não são os valores, mas a curva que eles formam, sua tendência. Ela mostra que a vertigem vertical de junho virou um patamar razoavelmente horizontal em julho. Aparentemente, Dilma encontrou o veio principal de seus apoiadores antes de afundar-se em déficits de impopularidade.

O "tracking" precisa ser confirmado por pesquisas face a face que ouçam brasileiros com e sem telefone fixo. Até lá, porém, os operadores da política vão continuar "vendendo" suas opções de Dilma e "comprando" as de •Marina Silva e similares. Isso cria um novo problema.

Antes de a avalanche da opinião pública ter atingido Dilma, a multiplicação de candidatos a presidente convinha à oposição porque aumentava a chance de levar a eleição de 2014 para o segundo turno. No cenário pós-avalanche, presidenciáveis demais são um estorvo para o PSDB de Aécio Neves, por exemplo.

Se Marina tira eleitores de Dilma, Joaquim Barbosa disputa o mesmo campo que o tucano. E Eduardo Campos (PSB) arranha ambos. Somem-se candidatos evangélicos, somem-se os nanicos e o cenário tende à pulverização. Num cenário pulverizado não existe a bipolarização que empurrou os candidatos do PSDB ao segundo turno em 2002, 2006 e 2010. É cada um por si e Dilma contra todos.

Pior ainda para Aécio é se José Serra concluir que passa a ter chances com a pulverização e sair do PSDB para disputar por outra sigla. Formar-se-ia um partidor com tantos cavalos quanto na eleição de 1989. Nenhuma barbada, mas com meia dúzia de montarias viáveis. Dilma seria Collor, com os outros atrás.

No Datafolha do fim de junho, a simpatia pelo PT desceu ao seu patamar mais baixo desde a crise do mensalão: 19%. A queda foi geral, mas principalmente entre os jovens com menos de 25 anos, entre os quais o petismo baixou a apenas 15%.

Nenhuma outra sigla se beneficiou disso. Ao contrário, os sem-partido chegaram a 64% da população em geral (67% entre jovens). Mesmo no seu pior momento, o PT mantém um grau de penetração no imaginário do eleitor que é quatro vezes maior do que o do PSDB. E o necessário para levar o candidato petista ao 2º turno.

Não é suficiente para ganhar. Nas suas três vitórias presidenciais, o PT conseguiu atrair a maioria do eleitorado independente - aquele que não é petista nem antipetista. Na primeira vez, porque esse eleitor queria mudança e Lula a personificou. Nas duas seguintes, porque o eleitor desejava continuidade e os candidatos petistas representavam isso.

O que ficou escancarado nas passeatas juninas é que muita gente quer mudar muita coisa. Claro que nem todos querem mudar as mesmas coisas. Tampouco quer dizer que os manifestantes concordem sobre para onde querem fazer a mudança. Certo apenas é que desejo de novidade nunca é bom para quem está no poder.

A biruta que mostra para onde sopra a opinião pública aponta para mudança. Dilma e os governadores que disputam a reeleição passaram a remar contra o vento. Podem torcer para que a biruta justifique o nome e mude novamente de lado, ou podem tentar mudar a direção de seus governos para que o vento lhes favoreça.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Um retrato na parede - Ricardo Noblat

Não pensem que eu estou acuada. Vou para cima e vou disputar o nosso legado.Dilma, presidente da República

Se você imaginava que o PT se resignaria em ser expulso das ruas pelos manifestantes que convulsionam pedaços das maiores cidades do país, sinto muito , enganou-se. Avalizada por Dilma, a ordem foi emitida pela direção do partido: lustrem as estrelas guardadas junto com antigas lembranças. Espanem a poeira das bandeiras rotas. Dispam-se dos trajes de burocratas. Todos às ruas na próxima quinta-feira.

POUCO IMPORTA que o “Dia Nacional de Luta ”, que prevê passeatas e greves, tenha sido convocado pelas centrais sindicais e movimentos afins. O PT não amanhecerá menor no dia seguinte só porque pegou carona em ato alheio. De resto, é o governo que tudo financia. Até mesmo o que poderá machucá-lo um pouquinho. O peleguismo se renovou. Mas não deixou de ser peleguismo.

QUE PALAVRAS de ordem gritará o PT? O que cobrará por meio de faixas e cartazes? O governo encomendou o apoio à reforma política elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva e submetida a um plebiscito. O PT entregará a encomenda. Por absurda, a ideia da Constituinte foi sepultada em menos de 24 horas. O plebiscito naufragou por falta de tempo para que seus efeitos incidissem sobre as eleições do próximo ano.

DILMA ESPERAVA lucrar com uma reforma que lhe garantisse melhores condições de concorrer ao segundo mandato . E que levasse o PT a emergir da eleição ainda mais forte . Casuísmo descarado , pois — não a re-forma, necessária . Mas a pressa com que seria feita e a tentativa de empurrar goela abaixo do Congresso pontos da reforma destinados a agradar Dilma e o PT .

A INSISTÊNCIA com a Constituinte e o plebiscito trai o desejo de Dilma em responsabilizar o Congresso pela reforma que ele não quer fazer . E denuncia o momento confuso e delicado que o governo atravessa. Uma pena o PT não poder dizer aqui fora o que diz quando se reúne no escurinho do cinema. Ou mesmo o que começou a dizer recentemente a Dilma. A coragem muitas vezes é movida pelo medo. E o PT receia perder o poder .

A POLÍTICA econômica está uma droga. A culpa não cabe apenas a Guido Mantega — aquele que Fernando Henrique chamou de “bem fraquinho” quando virou ministro da Fazenda do governo Lula. Cabe também a Dilma — aquela que Lula apresentou como melhor gestora do que ele. Maluf elegeu Celso Pitta prefeito de São Paulo pedindo para não votarem mais nele, Maluf, caso Pitta fracassasse. Pitta fracassou. Lula não foi tão longe em relação a Dilma.

AUMENTA A inflação. Diminuem os investimentos. Desequilibram-se as contas públicas. Revisa-se para baixo o Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas do país. O governo carece de uma estratégia compartilhada por seus 39 ministros. Há ministros demais e competência de menos. Em larga medida, o voluntarismo de Dilma é responsável pelo mau desempenho da economia. Seu desprezo pelos políticos só lhe cria problemas.

LULA MONTOU uma gigantesca coligação de partidos para eleger Dilma e ajudá-la a governar . Esqueceu-se de escalar ministros aptos a cuidar da articulação política. Apostou suas fichas em Palocci, posto na Casa Civil para escorar Dilma. Descobriu- se que ele se tornara milionário enquanto fazia política. Acabou demitido . A coligação ameaça se esfarelar . A persistir a queda de Dilma nas pesquisas, ela ser á abandonada.

O PT DO passado teria material de sobra para na quinta-feira ecoar a voz das ruas. O de hoje, não. É apenas uma fotografia na parede.

Fonte: O Globo

Contagem regressiva - Denise Rothenburg

Os aliados têm dito que ou Dilma abre o governo, de forma a dar a eles, em especial ao PMDB, a sensação de parceria, ou a relação tende a piorar com reflexos sobre o próprio governo e a tal governabilidade, dadas as armadilhas armadas no Congresso

O fim de semana foi cheio. Dilma Rousseff divulgou nota para dizer que não mudará ministros e fez uma nova reunião no Palácio da Alvorada para tratar de plebiscito sobre reforma política. Ou seja, passa-se a ideia de que na equipe de Dilma está tudo bem e que o problema continua sendo a forma como os políticos são escolhidos pelo povo. Enquanto isso, o dólar vai subindo, o tempo passando e a situação ficando cada vez mais estressante seja para o governo como um todo, seja para a manutenção da ampla base parlamentar. A inflação, entretanto, que todos até aqui apontavam como a grande vilã, vem caindo, o que dá a Dilma fôlego para agir não só na economia, como também na política, em que a presidente tem patinado.

Apesar das dezenas de reuniões das últimas semanas, o desprezo à participação de aliados nas decisões de governo continua, uma vez que nenhum deles é chamado para essas reuniões de avaliação, nem mesmo o vice-presidente Michel Temer.

No PMDB, o mal-estar cresce por dia. Primeiro, foi a constituinte exclusiva, onde Michel não foi chamado a opinar. Depois, o vice foi obrigado a recuar numa declaração sobre o adiamento do plebiscito para não desagradar a Dilma. Para completar, não participou da reunião de sábado.

Diante desse cenário, há no partido quem avalie que Dilma não tem muita escolha: ou abre o governo, de forma a dar aos aliados, em especial ao PMDB, a sensação de parceiro integrado, ou a relação tende a piorar com reflexos sobre o próprio governo e a tal governabilidade. E não faltam armadilhas ao longo do caminho que podem levar a um trágico desfecho.

Esta semana, por exemplo, sai o cronograma de votação dos vetos presidenciais, crucial para levantar a obstrução que barrou a análise do relatório preliminar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - o único projeto de lei que, se não for apreciado, não tem recesso parlamentar. Também está previsto mais um passo na direção do Orçamento impositivo para emendas dos deputados e senadores. A comissão se reúne na terça-feira.

Com o cronograma dos vetos conhecido, o Congresso analisará essas propostas com manifestantes batendo à sua porta ao longo do segundo semestre. E, nesse sentido, se a vontade das ruas for pela derrubada dos vetos, é por aí que os congressistas vão agir. Afinal, se tem uma coisa que os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, não desejam é o salão repleto de manifestantes cobrando projetos de lei. Ocorre que a conta das bondades quem vai pagar é o caixa da União, que não está com recursos sobrando.

E para sair desse imbróglio…

Se Dilma estivesse com a popularidade nas alturas não teria muito como que se preocupar. Poderia continuar desafiando a lei da gravidade que insiste em atirar ministros ao chão quando alguma coisa parece fora do script. Ocorre que, a contar pelos números divulgados recentemente, a vida não está um mar de rosas, tampouco a reeleição garantida. Portanto, é preciso reinventar o governo, nem que seja para dar aquela lufada de novidade a fim de atravessar esse período de turbulência e demonstrar um domínio maior da situação.

Há quem diga que a reforma ministerial, aquela que Dilma insiste em não fazer na área econômica, poderia dar essa oxigenada até a eleição, como tradicionalmente fizeram todos os presidentes que se sentiram em situação de desgaste com o eleitor. Mas Dilma, na avaliação de muitos, quer mostrar que é diferente, que não tira ministros. Se continuar assim, a classe política e o mercado pressionando por mudanças e ela batendo o pé, há na política quem avalie que ela pode terminar mais desgastada ainda. Até aqui, a impressão que se tem, diante da insistência com o plebiscito e mais nada, é a de que ela vai pagar para ver.

Enquanto isso, nas ruas…

Todas as atenções estarão esta semana voltadas para a greve geral convocada para quinta-feira. O PT e a CUT também vão às ruas para pedir ao plebiscito da reforma política. Resta saber se essa pauta passará a ser prioridade um para aqueles que já estão na avenida e nas estradas há quase um mês. Na véspera, os estivadores de Santos retomam o movimento. A paralisação será de dois dias. A categoria quer muita coisa, inclusive o direito de emprego nos novos terminais privados. Mas não se vê, no rol de pedidos, o plebiscito da reforma política.

Fonte: Correio Braziliense