Dada a explicação, antes de tratar da matéria que anunciei acima, vou pedir licença aos leitores para cometer o gesto, normalmente antipático, de me citar. E de fazê-lo de modo longo, o que arrisca juntar, à provável antipatia, um risco de enfado. Como se não bastasse, é citação de texto antigo, de quase duas décadas atrás. Com o risco adicional do anacronismo, consuma-se a imprudência. Mas é meu intuito mostrar aos leitores que ouso tratar do tema a partir de inquietações antigas e não ditadas por sua recorrência atual. Como não posso remetê-los à publicação original (A Tarde, ou Tribuna da Bahia, em algum momento de maio de 2004, em página que também não sei precisar) submeto-os à leitura do texto inteiro, que tenho em arquivo pessoal e que aí vai. O título era “Cotas, democracia e incertezas”:
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 6 de março de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto*: Cotas raciais ontem e hoje: uma mesma e outra pauta
Cristovam Buarque*: Desarmamento nuclear: a voz do Brasil
Blog do Noblat / Metrópoles
Ainda que a bomba só tenha sido usada duas vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de estupidez
A Ucrânia faz lembrar os dias de outubro de 1962 em que olhávamos para os céus querendo saber se Estados Unidos e União Soviética haviam iniciado a guerra nuclear. O mundo temia que isto acontecesse, devido a reação dos norte-americanos contra a existência de foguetes russos em Cuba. Trinta anos depois, o mundo respirou aliviado quando o fim da União Soviética terminou com as razões para a guerra nuclear em escala mundial. Um engano, porque este risco sempre existirá enquanto a tecnologia for capaz de fazer as bombas e a política foi capaz de usá-la. Sessenta anos depois, a história se repete, mudando apenas o fato que, em vez de Cuba cercada pelos Estados Unidos, contra a União Soviética, agora é a Ucrânia cercada pela Rússia, contra foguetes dos Estados Unidos/OTAN. O risco é o mesmo: algum dirigente apertar o botão da guerra nuclear.
Eliane Cantanhêde: Nomes aos bois
O Estado de S. Paulo
Aos fatos: guerra é guerra, condenação é
condenação e Bolsonaro não é neutro
Na Rússia, o autocrata Vladimir Putin impõe ao povo
russo que guerra não é guerra, invasão não é invasão, só há uma “operação
militar especial”. Quem fala o contrário fica sujeito a prisão de 15 anos, o
principal jornal de oposição foi fechado, a imprensa está censurada, há
restrições ao Facebook e ao Twitter e crianças são bombardeadas com fake news.
Na ONU, Conselho de Segurança, Assembleia-Geral, assembleias emergenciais e Conselho de Direitos Humanos votam pela condenação da Rússia na guerra, mas condenação não é condenação. O texto da Assembleia-Geral não “condena”, só “deplora” a ação russa.
No Brasil, a posição do Itamaraty é a mesma desde a nota no dia da invasão e em todas as manifestações na ONU, pedindo “cessar-fogo” e “suspensão imediata das hostilidades”. Não fala em guerra, como quer a Rússia, nem em condenação, como definiram os conchavos na ONU. Aqui, guerra é “hostilidade”.
Vinicius Torres Freire: Para onde vai a desgraça na Ucrânia
Folha de S. Paulo
Em vez de horror da Tchetchênia, guerra
pode ser mais arrastada e daninha para o mundo
A gente lê e ouve dizer que os
militares russos podem fazer com Kiev o que fizeram em Grozni, na
Primeira Guerra
da Tchetchênia (1994-96). Os russos quase cercaram e passaram a bombardear
a capital da Ucrânia e outras cidades a fim de impor uma rendição.
Pode ser. Mas Grozni é outra história. Se
Vladimir Putin fizer na Ucrânia o que Boris Ieltsin fez na Tchetchênia, terá
perdido a guerra de vez.
Ainda assim, Kiev logo ficará sem combustível, talvez sem eletricidade, água, celular, internet e terá pouca comida, como ora a cidade portuária de Mariupol. O povo vai lutar nas ruas ou, no caso extremo e tchetcheno, entre escombros? A resposta importa além da preocupação humanitária ou da curiosidade mórbida.
Janio de Freitas: Onde estão as vítimas da guerra
Folha de S. Paulo
Alheios à tragédia ucraniana são sujeitados
a dificuldades por não estarem no perde-ganha das potências
A guerra econômica, financeira, cultural e
esportiva dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia
realiza um sonho de 105 anos das potências ocidentais.
Desde a extinção do czarismo, só por uma
vez a punição destrutiva foi tentada, na guerra civil fomentada por nações
ocidentais contra a revolução comunista em 1917, com o Exército Branco dos
restauradores derrotado pelo Exército Vermelho.
Mas
derrubar Putin e, no mesmo passo, a potência russa, só para os Estados
Unidos tem o velho sentido.
O que pesa sobre Putin é mais do que o ataque brutal aos ucranianos. É também o fato de ser uma lembrança ativa da União Soviética.
Bruno Boghossian: O pacote de Guerra de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Presidente só reconhece urgência para
patrocinar mineração e ganhar poder sobre combustíveis
Jair Bolsonaro já demonstrou ser um
político pouco habilitado para situações de emergência. Depois que o mundo viu
surgir um vírus mortal, o presidente deu de ombros e, por mais de dois anos,
sustentou um desinteresse ímpar. Quando a chuva devastou cidades do Sul da
Bahia, no fim do ano passado, ele preferiu manter
uma programação de passeios de jet ski em Santa Catarina.
A serenidade do capitão se repetiu com a guerra na Ucrânia. Na largada, o Palácio do Planalto esboçou reações tímidas à invasão e se recusou a lançar um alerta para os brasileiros que viviam no país. O primeiro avião da FAB para retirar refugiados da região só deve decolar para a Polônia na segunda-feira (7).
Luiz Carlos Azedo: Um único homem poderia impedir a guerra
Correio Braziliense / Estado de Minas
A expansão da Otan rumo ao
leste e os ressentimentos da Rússia de Putin resultaram na invasão à Ucrânia
Jean Jaurés (1859-1914) foi um dos mais
destacados pacifistas de seu tempo. Professor de filosofia em Tolosa, tentou
conciliar o idealismo e o marxismo. Era um liberal radical que se tornou
socialista, integrando a ala direita do Partido Socialista Francês. Em 1897,
com Zola e Clemenceau, liderou a campanha em favor de Alfred Dreyfus, o capitão
francês injustamente acusado de espionagem pelo alto comando do Exército
francês.
Grande orador, lutou contra o militarismo e sempre defendeu a aproximação entre a França e a Alemanha para garantir a paz na Europa. Foi assassinado no dia da declaração da guerra, 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um nacionalista fanático. Foi o principal líder da II Internacional a defender a paz. Quase todos os demais apoiaram a entrada dos seus países na guerra, a começar pelos dirigentes da poderosa Social-Democracia Alemã, que estava no poder. Com exceção de Vladimir Lênin, que defendeu a paz para derrubar a autocracia czarista e, depois, tomar a Rússia de assalto, na Revolução de Outubro.
Míriam Leitão: Estilhaços globais do colapso russo
O Globo
A economia russa caiu num precipício e puxa as outras economias. A globalização atou tanto milhões de fios entre os países que o terremoto que atinge uma nação é sentido por todas as outras. A ideia de que o Brasil não seria afetado pela proibição de venda de fertilizantes não faz sentido. A Rússia não conseguirá vender porque a seguradora não fará o seguro que é obrigatório em qualquer carga. Metade do gás neon do mundo é fabricado pela Ucrânia e o produto é insumo para chips e semicondutores, e isso afeta a indústria de automóveis. Os choques se espalham assim, pelos elos que se formaram em anos de cooperação.
Elio Gaspari: Em 1917, o czar não entendeu nada
O Globo
Não se sabe o que acontece no Kremlin,
muito menos o que se passa na cabeça de Vladimir Putin. Passados 105 anos,
sabe-se bem o que acontecia nos palácios do czar Nicolau II em 1917.
No dia de hoje, pelo calendário gregoriano,
a Rússia Imperial estava em guerra contra a Alemanha e ia mal. A vida doméstica
de Nicolau ia pior. Uma de suas filhas e o príncipe herdeiro, Alexei, estavam
doentes (era sarampo). A czarina Alexandra ainda não havia se recuperado do
assassinato, em dezembro, do monge Rasputin, curandeiro de seu garoto
hemofílico. Ela vivia chapada por tranquilizantes. A Corte russa era um
serpentário de intrigas e pensava-se até num golpe. Num desses planos,
Alexandra seria mandada para um mosteiro.
Nos últimos dois anos, além de Rasputin, a
Rússia tivera quatro primeiros ministros, cinco ministros do Interior, três
chanceleres, outros três ministros da Guerra e quatro da Agricultura.
Bailava-se nos palácios, mas faltava comida em São Petersburgo e formavam-se longas filas diante das lojas num inverno que levava a temperatura a quinze graus abaixo de zero. Como aconteciam alguns protestos e greves, Alexandra aconselhou o marido: “Eles precisam aprender a ter medo de você. O amor não basta.”
Bernardo Mello Franco: A boiada de Putin
O Globo
Bolsonaro usa guerra como pretexto para
liberar garimpo na Amazônia
Jair Bolsonaro quer usar a invasão da
Ucrânia como pretexto para liberar a mineração em terras indígenas. Na
quarta-feira, o capitão disse que a guerra vai prejudicar a importação de
fertilizantes à base de potássio. Logo, seria preciso reduzir a dependência
externa de “algo que temos em abundância”.
O truque lembra uma fala célebre de Ricardo
Salles. O ex-ministro queria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na
legislação ambiental. Agora o presidente quer aproveitar o ataque russo para
fortalecer o garimpo. É a boiada de Putin.
O projeto do governo foi apresentado no início de 2020. Parou na mesa do deputado Rodrigo Maia, que prometeu a líderes indígenas não levá-lo a plenário. Com a ascensão de Arthur Lira, o lobby das mineradoras voltou a se assanhar. Antes do conflito no Leste Europeu, a proposta entrou na lista de prioridades legislativas do Planalto.
Dorrit Harazim: O desmundo
O Globo
A ordem
emitida sugeria apenas um deslocamento forçado: todos os judeus da cidade de
Kiev e vizinhanças deveriam se apresentar às 8 da manhã do 29 de setembro de
1941 na esquina de duas ruas específicas, munidos de documentos, dinheiro e
pertences valiosos; além de roupas quentes e lençóis. Quem não obedecesse seria
encontrado e fuzilado. O comando nazista que ocupara a cidade uma semana antes
esperava atrair não mais de 5 mil vítimas, uma vez que 70% dos 225 mil judeus
da cidade já haviam fugido. Restavam, portanto, entre 60 mil e 70 mil, e boa
parte deles compareceu ao local.
A logística montada para ludibriá-los foi eficiente, tipo linha de montagem. Mal chegavam, entregavam primeiro os pertences, depois capotes e sapatos, em seguida as roupas do corpo. Até ficarem nus. Tudo muito rápido e atordoante. Quando, finalmente, se aproximavam do ponto em que se ouviam disparos de metralhadora, já era tarde para recuar. Um barranco de 150 metros de comprimento, 30 metros de largura e 15 de profundidade os aguardava. Obrigados a deitar em fila sobre os já executados, cada nova fileira recebia uma rajada de tiros no pescoço. Não é fácil fuzilar individualmente 33.771 mulheres, crianças e homens. Os SSs de Hitler e seus colaboradores locais precisaram de 46 horas para completar o massacre de Babi Yar.
Merval Pereira: Sanções descabidas
O Globo
Não apenas as sanções econômicas, instrumentos eficazes e necessários, atingem a Rússia, mas também as culturais, importante “soft power” do país. Essas, descabidas. A Rússia trata muito bem seus escritores, pelo menos os mortos. Dostoiévski, Gorky, Tolstói, Tchekhov, Gogol, e, sobretudo, Alexandre Pushkin, poeta considerado o precursor da moderna novela russa, são figuras que dominam as ruas e praças das principais cidades da Rússia, especialmente Moscou e São Petersburgo, terra de Putin. Os locais onde moraram tornaram-se quase todos museus. Mas o mundo está tratando os escritores e artistas russos, do século XIX e os atuais, de uma maneira insana, como se a invasão da Ucrânia transformasse todo artista russo, vivo ou morto, em inimigo da Humanidade, e não seu patrimônio.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
EDITORIAIS
Como fica o mundo depois da agressão russa
à Ucrânia
O Globo
Em seu pronunciamento ao Congresso na
última semana, o americano Joe Biden afirmou que o russo Vladimir Putin “está
agora mais isolado do mundo do que nunca”. É sem precedentes o isolamento a que
o Ocidente submeteu a Rússia como resultado da agressão à Ucrânia. As sanções
foram muito além do esperado.
O bloqueio às transações do banco central
russo e a suspensão de outros bancos do sistema de comunicação Swift
garrotearam a economia russa. O rublo derreteu a ponto de o Sberbank, maior
banco do país, ter de encerrar operações na Europa, pois suas ações viraram pó.
A Apple parou de vender iPhones na Rússia. YouTube e Facebook restringiram
canais oficiais russos em suas plataformas. Empresas como Ford, BMW,
Volkswagen, Boeing, Dell, Ericsson, Nike, Exxon, Shell, BP, Disney e Warner
Brothers decidiram suspender ou reduzir negócios na Rússia.
A reação se estendeu para além da economia. O maestro Valery Gergiev, conhecido pela proximidade de Putin, foi demitido da Filarmônica de Munique. A soprano Anna Netrebko e balés russos tiveram de suspender apresentações programadas na Europa. A delegação russa foi banida do festival de cinema de Cannes. A seleção nacional e os times russos foram suspensos da Copa do Mundo e da Eurocopa. O lançamento de satélites ocidentais por foguetes da Rússia foi cancelado, e surgiu dúvida até sobre o futuro envolvimento russo na Estação Espacial Internacional.