terça-feira, 14 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“O leitor tem diante de si um texto expressivo do exemplo brasileiro de um partido revolucionário – o PCB – que se converte em partido da política. Os comunistas do PCB assentaram neste país uma tendência à identificação ´sem reservas com o Estado democrático de direito, sem o abandono de objetivos reformistas muito além do status quo”, como propõe Habermas às esquerdas´”

(Raimundo Santos, na apresentação do texto “Resolução Política do Comitê Estadual da Guanabara do PCB (março de 1970), publicado na coletânea Manifestos Políticos do Brasil Contemporâneo, Lincoln de Abreu Penna (Org.), editora E-Papers, Rio de Janeiro, a ser lançado nesta 4ª. Feira, dia 15 de abril 2009, no IFCS – Salão Nobre, 2º. andar, Largo de S. Francisco, às 18 h.)

Crise interfere na política

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

É sintomática da mudança dos ventos políticos a decisão do Partido Socialista Brasileiro (PSB) de lançar a candidatura do deputado federal Ciro Gomes à Presidência, mesmo com o presidente Lula centrando todos os seus esforços na candidatura da ministra Dilma Rousseff, uma invenção tirada do fundo da cartola, já que o PT, especialmente por culpa dele, não tem nome de peso para disputar com naturalidade a sucessão presidencial. O PSB teme que a crise econômica enfraqueça a candidatura de Dilma e acha que Ciro, que já foi ministro da Fazenda no Plano Real, pode ser uma alternativa mais sólida.

Lula nunca foi um líder que deixasse crescer à sua sombra outras lideranças partidárias e quem tentou enfrentá-lo dentro do PT acabou morrendo politicamente, como foi o caso dos hoje senadores Cristovam Buarque e Eduardo Suplicy. Na eleição de 2002, os dois defenderam que Lula, depois de derrotado duas vezes por Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno, não se apresentasse mais como candidato a presidente, dando lugar a outros políticos do PT. Suplicy chegou ao ponto de disputar com Lula prévias dentro do partido, sofrendo uma derrota formidável.

O lançamento de uma mulher para sua sucessão foi um golpe de mestre de Lula, que criou um fato político novo com uma ministra que não tem carreira política própria e, em tese, será uma fiel seguidora de suas orientações.

A popularidade excepcional de Lula também ajudou a fazer com que o PT engolisse a candidatura imposta, e os partidos aliados a vissem como uma solução natural.

Mas a crise econômica, tão forte que começa a afetar a vida no interior do país, com estados e municípios sofrendo com a queda de arrecadação, também começa a mostrar seus dentes afiados aqui no país.

A perspectiva de um crescimento negativo da economia brasileira este ano, a cada dia mais confirmada, e as dificuldades para deslanchar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma criação de marketing político, mais para alavancar a candidatura oficial do que para combater os efeitos da crise, começam a fortalecer as resistências à candidatura de Dilma.

O PAC foi lançado antes que a crise econômica ficasse explícita em setembro do ano passado, e não tem, portanto, nada a ver com um plano de políticas públicas para minorar os seus efeitos.

Ele era mais um programa de ação política para expor publicamente a imagem de boa administradora de Dilma Rousseff. Agora, momento em que teria que se transformar em um gerador de investimentos e empregos, revela toda a sua fragilidade.

No primeiro trimestre do ano, como mostrou reportagem do GLOBO, os investimentos do governo corresponderam a apenas 7,5% do total previsto para 2009, e mesmo assim porque nesta conta estão computados os gastos previstos para o ano passado que somente agora foram executados, os famosos "restos a pagar".

Se consideradas apenas as despesas do ano, a execução é de míseros 0,7% do orçamento geral. Os números, por si só, falam da incapacidade do governo de executar seus próprios programas de obras, o que não será uma boa propaganda para uma eventual campanha de Dilma Rousseff.

Com a crise econômica pressionando o cidadão comum, é previsível que a popularidade do presidente Lula não termine o ano com a força com que se apresentava até recentemente, e esse decréscimo terá reflexos não apenas no índice da sua candidata preferida à sucessão.

É possível que, assim como o PSB já começa a se rebelar contra a estratégia oficial de ter apenas um candidato da base aliada, o próprio PT encontre forças para rejeitar a candidatura de Dilma, que nunca foi a preferida do establishment partidário.

A percepção que começa a se generalizar é a de que os índices que a ministra ostenta nas pesquisas de opinião não indicam que ela tenha um futuro fácil na campanha presidencial, especialmente se o apoio do "cara" for relativizado pelos efeitos da crise econômica.

No seu melhor cenário, a ministra Dilma Rousseff aparece com um máximo de 18% da preferência, mesmo estando em evidência há mais de um ano, apresentada por Lula como "a mãe do PAC" no Rio, no lançamento das obras em favelas, em março do ano passado.

Segundo uma pesquisa recente do Vox Populi, nada menos que 49% dos entrevistados sabem que ela é a candidata de Lula, mas apenas 30% têm informações sobre ela.

A transferência de votos, mesmo sem se levar em conta os problemas econômicos, é um dos mistérios da política. E, pelo que as pesquisas de opinião estão mostrando, há um teto para essa transferência automática, seja qual for o candidato, que parece estar na casa dos 15%.

Para ir além disso, o candidato oficial terá que se valer da máquina partidária e de sua trajetória política pessoal, o que não favorece a ministra Dilma, que tem na biografia apenas sua luta armada na resistência à ditadura, o que não a distingue de tantos outros que nunca conseguiram ter votos suficientes para se eleger.

O PT pode tirar do fundo de sua cartola o nome do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, se ele for absolvido pelo Supremo Tribunal Federal da acusação de ter sido o mandante da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

Mas não bastará que o Supremo não o processe. Será preciso que a sociedade civil aceite a decisão e se convença de que ele realmente nada teve com aquela agressão ao direito individual de um homem do povo que se colocou no seu caminho quando ainda era o todo-poderoso ministro da Fazenda.

Essa percepção popular com relação a um abuso de poder chocante poderá ser testada no lançamento da candidatura de Palocci para o governo de São Paulo, que já está sendo preparada pelo PT paulista.

Dilma, dilemas e Ciro

Marcos Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O CONTROLE da agenda da eleição presidencial de 2010 já anda há algum tempo nas mãos da oposição. Porque tem dois candidatos fortes, com certeza.
Porque está muito mais bem posicionada na montagem dos palanques estaduais do que a aliança governista, sem dúvida. Mas também porque conta com uma impressionante convergência de apoio na indústria, nos bancos, nos partidos, na mídia, nos dez por cento mais ricos da população.

A Lula interessa que a próxima eleição seja um referendo sobre seu governo. Mas dificilmente vai conseguir convencer: não é reeleição, já houve alternância no poder.

Além disso, essa é uma polarização que não interessa à oposição. A pauta da eleição deverá estar dirigida para a frente, e não para trás.

Esse é um dos dilemas da candidatura de Dilma Rousseff. Depende em boa medida da transferência de votos de Lula -mesmo que se saiba ainda bem pouco se e em que medida isso vai realmente acontecer. De outro lado, é alto o risco de ficar falando sozinha se continuar a insistir em se apresentar apenas como defensora do legado da era Lula.

O que leva a um outro dilema. Para tornar viável a sua candidatura, Dilma avalia que precisa das máquinas municipais do PMDB. Não do partido, porque partido não há -o PMDB é de há muito uma guilda do comércio político.

Nessa estratégia, a formalidade de uma aliança lhe permitiria chegar pelo menos aos prefeitos, já que, nos palanques estaduais, o PMDB deverá estar comprometido com candidaturas de oposição na grande maioria dos casos. Ocorre que a formalidade de uma aliança jamais constrangeu o PMDB a apoiar a candidatura presidencial mais conveniente às circunstâncias e interesses locais. Que o diga o candidato tucano em 2002, José Serra. Nada mais cômodo para o PMDB do que indicar o vice da chapa de Dilma. E depois fazer o que bem entender.

Para complicar ainda mais, a equação conta com um elemento decisivo e sistematicamente ignorado pela campanha governista: Ciro Gomes. Esnobar Ciro não é só algo bem pouco prudente. É um grave equívoco de avaliação.

Porque Ciro é o candidato ideal para polarizar com a candidatura tucana. Ao contrário de Dilma, não está obrigado a defender o governo Lula em todos os seus aspectos. E pode olhar para frente com muito mais desenvoltura do que a ministra candidata.

A perseverar na mesma estratégia, Dilma se arrisca a perder tanto a disputa da agenda da eleição como a vaga em um eventual segundo turno. A menos que faça a aposta ainda mais arriscada de oferecer a Ciro a posição de vice em sua chapa.

Marcos Nobre escreve às terças-feiras nesta coluna.

Santo nome em vão

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O pacto republicano assinado ontem entre os chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é pretensioso no nome, ambicioso na proposta - garantir ao brasileiro um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo -, mas absolutamente despojado, modesto mesmo, no que tange à sua execução.

À primeira vista, um modelo pronto e acabado daquelas declarações bem-intencionadas, cuja validade não costuma ir muito além do momento solene da inauguração.

Será ótimo se essa impressão for equivocada, bem como não haverá melhor notícia que a comprovação, mais adiante, da possibilidade real de se transformar intenções em gestos sem um plano de ação prévio com responsabilidades claramente distribuídas entre os signatários.

Cada qual na posse plena das respectivas condições objetivas para tirar do papel o enunciado do problema, perfeitamente entendidos uns com os outros, equilibrados no grau das respectivas autonomias, mobilizados para a tarefa como prioridade e coordenados por um eixo garantidor do foco do trabalho, do começo ao fim.

Isso posto, é grande a chance de êxito de um pacto.

O que lança dúvida a respeito do pacto republicano é justamente o fato de as condições acima não estarem nem de longe postas. A começar pelos sinais de carência de espírito republicano nos três avalistas do compromisso que invoca o santo nome da República, até prova em contrário, em vão.

Poderes que se atropelam, não raro se engalfinham, não são Poderes em estado de normalidade funcional. Há uma evidente desorganização em termos de atribuições.

Isso, óbvio, não impede ninguém de propor melhorias, pensar em avanços, demonstrar boa vontade e, sobretudo, vontade de acertar. Embora aconselhe cuidado para não se criar expectativas vazias, frustrantes, indutoras da descrença.

Há acertos a serem feitos no presente, sem os quais fica quase impossível caminhar para o futuro. O pacto assinado ontem depende fundamentalmente do Congresso e da sintonia com os outros dois Poderes.

Em sã consciência, ninguém pode apostar na hipótese remota de o Parlamento tocar as regulamentações e novas legislações necessárias à execução das medidas pactuadas, da maneira como funciona hoje o Legislativo.

Omisso, submisso, referido nos interesses corporativos, defensivo, resistente a mudar seus costumes, preso, enfim, a uma série de deformações, o Congresso nem sequer tem uma agenda própria, mal consegue administrar a sinuca da qual é prisioneiro, quem dirá dar conta de uma tarefa da envergadura proposta pelo pacto. É irreal.

O Executivo, por sua vez, propõe, mas não ajuda a materializar as propostas. Usa sua força apenas para angariar os benefícios políticos das sugestões. A recente proposta de reforma política, posta no Congresso como quem põe um pacote na porta do alheio e dá por cumprida a missão, está aí para demonstrar.

Ao Palácio do Planalto interessa única e exclusivamente tratar de eleições e cultivar a popularidade do presidente Lula de forma a ilustrar-lhe a biografia. Enxerga no Congresso um prestador de serviços, não um Poder autônomo com força correspondente ao papel a ele reservado na definição de República.

O Judiciário reclama. Muito justamente na maior parte das vezes. Mas a própria necessidade de os magistrados precisarem deixar de lado a tradicional neutralidade desapaixonada e partir para o ativismo mostra como o desequilíbrio campeia.

Na cerimônia de ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, declarou que "Câmara e Senado são essenciais para a democracia".

Ora, quando o presidente da corte guardiã da Constituição se vê na obrigação de informar tal obviedade em tom de quem faz algum tipo de alerta, é porque as coisas não estão caminhando com naturalidade.

Se o ministro Gilmar Mendes disse isso para se associar de alguma maneira à tese de que apontar as falhas do Congresso representa um risco para a democracia, aí é que se corre perigo mesmo, porque significa que a desfaçatez pode sair vencedora.

Mas o presidente do STF disse também que o conjunto de metas do pacto republicano só pode ter êxito com um Parlamento "aberto, ativo e altivo".

No momento em que o Legislativo se fecha limitando a circulação de informações por causa das denúncias de suas malfeitorias, no momento em que o Legislativo se queda paralisado como nunca em suas funções, no momento em que o Legislativo é mais submisso aos ditames do Executivo, não é nesse momento que o Legislativo poderá se desincumbir do papel de dar ao Brasil um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.

Conhecedores dessa crua realidade, os signatários do pacto participaram ontem de um ato inócuo e ficaram devendo um diálogo mais realista com a sociedade brasileira. Se começarem daí, talvez seja possível retomar valores perdidos, como, por exemplo, a confiabilidade da palavra dita e a respeitabilidade do compromisso assumido.

Poupança de oposição

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O governo tem razão ao antever uma dura reação da oposição às mudanças que precisa fazer na remuneração da caderneta de poupança. Há gente de tocaia para comparar qualquer medida ao confisco decretado por Collor no início dos noventa, logo agora que a poupança se tornou um investimento atrativo - a evolução do estoque é crescente desde 1999 e, em 2008, atingiu a marca de R$ 215,4 bilhões. Mas há também, na oposição, quem pense que a equação não é tão simples e se disponha a dar uma mãozinha ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarefa de reformar a caderneta de poupança.

"Não basta dizer "olha, o Lula está tungando a nossa poupança", não é isso, não dá para ser assim", diz o deputado federal Rodrigo Maia (RJ), presidente do Democratas (DEM), partido desde o PFL identificado como aliado da banca. "A gente pode se beneficiar politicamente de falhas do governo e de muitas outras coisas que achamos erradas, diz. "Mas a situação a que nós chegamos hoje não é em decorrência da incompetência do governo. Ela decorre de uma crise mundial que está dando novo patamar de juros no Brasil".

Maia pretende deflagrar a discussão no Congresso e no partido, a partir desta noite. Ele encomendou um estudo para a assessoria técnica do DEM tendo como referência a queda da taxa selic abaixo dos 10% prevista por algumas consultorias.

A conclusão do estudo é que isso deverá "causar fortes distorções no mercado financeiro", em decorrência do "aumento da atratividade da caderneta de poupança em relação aos demais ativos financeiros, em especial o principal instrumento de captação, os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs)". Além disso - diz - , também devem ficar "relativamente mais caros os financiamentos habitacionais".

"Essa discussão da poupança não dá para ser desse jeito: "Vamos colar no Lula o desgaste" . Tudo bem, por um lado ele vai ter o desgaste mas por outro lado ele vai dizer "vocês não querem financiar a casa própria, vocês não estão entendendo nada, vocês defendiam a redução da taxa de juros, a taxa de juros caiu e agora como faz com a taxa projetando 9%?" É uma realidade diferente", insiste Maia.

No mérito, Maia diz que a questão da poupança é complexa porque não se restringe ao poupador. O Sistema Brasileira de Poupança e Empréstimo conta também com os bancos, "que precisam captar; com os poupadores, que de dois, três anos para cá têm taxas melhores em relação aos últimos anos todos e conta, na outra ponta, com os financiamentos da habitação", argumenta.

Para o presidente do DEM, duas coisas devem acontecer: "primeiro, os bancos não vão querer aumentar a captação da poupança, porque, num momento como o atual, não tem tanto tomador assim na praça e eles também não vão querer assumir o risco" e, segundo, "se você olha a taxa do poupador em relação ao CDI (taxa de juros do mercado interbancário), vê que, enquanto o poupador ganhou remuneração nos últimos anos, o tomador do setor de habitação passou a pagar mais caro pelo financiamento (leia o gráfico)".

A consultoria do DEM apresenta dois exemplos. Em relação ao CDB, se a taxa básica de juros atingir 9% ao ano, a rentabilidade final do papel, após a cobrança do Imposto de Renda, seria de 5,6%. E conclui: "Como a remuneração da caderneta de poupança está atrelada à TR e na taxa de juros de 6% ao ano, capitalizada mensalmente, o seu rendimento final será de 7,4%, com isenção de IR, o que corresponde a 133% do rendimento líquido do CDB".

No que se refere ao financiamento habitacional, "o benefício para o mutuário da queda do juro básico tem sido menos que proporcional". Segundo o estudo demista, em 2008 o custo do empréstimo habitacional já superou a remuneração do CDI.

É uma tendência que deve se acentuar em 2009. "Supondo que a selic seja reduzida até 9% ao ano, o custo médio do financiamento habitacional com recursos das cadernetas de poupança, mesmo na faixa com taxa de juros tabelada, ficará muito acima do CDI", diz o estudo do Democratas.

"Da nossa parte, o presidente do Banco Central não precisa ficar preocupado se vai entregar um problema para o governo", anuncia Rodrigo Maia. "Vamos aprovar coisas que ajudem a questão do crédito no Brasil. Vamos aprovar o cadastro positivo", afirma. "Não podemos sinalizar para os próprios investidores que a discussão é oportunista de tentar colar uma coisa ou outra no Lula.

Maia não está sozinho no DEM. Resta saber até que ponto pode arrastar outros aliados, como PSDB e PPS, que veem na reforma da poupança uma chance para abalar a popularidade de Lula.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

EUA liberam viagem de parentes a Cuba

Fernando Canzian
De Nova York
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Remessas de dinheiro também deixam de ter limite; apesar de distensão, embargo de Washington a Havana segue vigente

Casa Branca diz que meta é fomentar democracia; ação é a mais significativa em 3 décadas e cumpre promessa de campanha de Obama


O governo americano anunciou ontem o fim das restrições para que familiares de cubanos vivendo nos EUA possam viajar a Cuba e enviar dinheiro ou artigos como produtos de higiene, roupas e outros "presentes" a moradores da ilha.

Empresas americanas de telecomunicações também foram autorizadas a realizar licenciamentos em Cuba para implementar serviços de telefonia fixa e celular, transmissão de TV via satélite e internet.Embora o embargo comercial que já dura 47 anos não tenha sido levantado, as medidas anunciadas abrem a possibilidade de voos comerciais regulares serem restabelecidos com a ilha. Hoje, só há voos fretados.

Existem cerca de 1,5 milhão de norte-americanos com parentes vivendo em Cuba."A conexão dos cubano-americanos com familiares em Cuba não só é um direito básico no sentido humanitário mas também nossa melhor ferramenta para ajudar a fomentar o início de uma democracia de base na ilha", diz o comunicado da Casa Branca, que sublinha o desejo por uma Cuba "que respeite os direitos básicos, econômicos e políticos de todos os cidadãos".Sob a nova política, cubano-americanos poderão viajar livremente à ilha e enviar quantias de dinheiro sem limites a seus familiares. A única restrição que persiste nesse aspecto é que o governo dos EUA procurará se certificar de que as quantias não serão encaminhadas para o governo cubano ou para o Partido Comunista.

Não foi detalhado como exatamente o governo dos EUA poderá controlar isso.Revertendo política imposta pelo ex-presidente George W. Bush em 2004, os cubano-americanos poderão enviar uma série de produtos a parentes na ilha, desde que estes não acabem caindo nas mãos do governo ou do Partido Comunista.

Inicialmente, as maiores empresas de telecomunicações dos EUA não comentaram as mudanças e as novas oportunidades de negócios que elas significam. Mas as decisões provocaram altas significativas na Bolsa de Valores de Nova York em ações de empresas que podem vir a se beneficiar com as medidas, como companhas aéreas, de cruzeiro marítimo e até de mineradoras canadenses.

"O presidente (Obama) está tomando essas medidas no sentido de ajudar os cubanos a conquistar direitos humanos básicos", afirmou o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, sobre a decisão. "São ações tomadas para ampliar o fluxo de informações (com Cuba)."Não foi anunciado, porém, nenhuma medida que indique uma aproximação política entre os governos dos dois países.

O anúncio pelo governo Obama preenche uma promessa de campanha do presidente de estreitar as relações com Cuba, que está a apenas 144 quilômetros da costa da Flórida.Foi feito ainda às vésperas da Cúpula das Américas, que acontece a partir desta sexta em Trinidad e Tobago e que tem a relação Washington-Havana como o tema que mais causa expectativa. E marca um salto em relação à medida recém-aprovada pelo Congresso que suprimiu a verba federal para fiscalizar quem burlasse as restrições antes vigentes.

Reações

Embora alguns congressistas tenham considerado as medidas insuficientes (muitos querem liberdade total para qualquer americano visitar a ilha), outros parlamentares criticaram a abertura. Para estes, as ações podem beneficiar o regime comunista em Havana e retardar o seu fim. Cuba é comandada pelo irmão de Fidel Castro, Raúl, desde fevereiro de 2008, quando Fidel se afastou do poder oficialmente um ano e meio após adoecer.

Os irmãos cubano-americanos e congressistas republicanos (partido de oposição ao de Obama) da Flórida Mario e Lincoln Diaz-Balart, soltaram comunicado afirmando que Obama está cometendo um erro "muito sério".

A principal crítica é que o governo dos EUA estaria fazendo uma "concessão unilateral, que proverá à ditadura em Cuba milhões de dólares anuais".

"A conexão dos cubano-americanos com familiares em Cuba não só é um direito básico no sentido humanitário mas também nossa melhor ferramenta para ajudar a fomentar o início da democracia de base na ilha"

"Todos que aderem aos valores democráticos fundamentais anseiam por uma Cuba que respeite os direitos humanos, políticos e econômicos básicos de todos seus cidadãos. O presidente Obama acredita que as medidas aqui apresentadas ajudarão a converter essa meta em realidade. "

(Trechos do comunicado da Casa Branca)

EUA podem sair da recessão neste ano, afirma Krugman

Fernando Canzian
De Nova York
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Cenário, contudo, ainda será de baixa atividade econômica; alta do desemprego se estenderá também por 2010, diz economista

Hipótese de crise piorar não é descartada pelo vencedor do Nobel de Economia, para quem estatizar bancos pode ser saída inevitável nos EUA

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008 por ter analisado com precisão os riscos de o mundo chegar à atual crise, afirmou ontem que os EUA podem sair da recessão ainda neste ano.Mas, segundo ele, "isso não quer dizer muita coisa", já que o desemprego no país deve continuar crescendo em 2010 dentro de um cenário de baixíssima atividade econômica.

"Nós devemos desculpas aos japoneses por termos criticado, no início dos anos 1990, a lentidão com que agiram na recuperação do sistema bancário. A década [de 1990] perdida no Japão até que parece um bom negócio vista de onde estamos agora", disse Krugman em entrevista à imprensa estrangeira em Nova York.

Krugman lembrou que não existe método específico para definir uma recessão nos EUA. Isso se dá, normalmente, quando todos os indicadores econômicos apontam para baixo."Em 2001, quando a recessão terminou oficialmente, o desemprego seguiu aumentando por mais um ano e meio", disse. Ele prevê que isso volte a ocorrer novamente na atual crise.

O economista frisou que a recuperação a partir de 2002 foi justamente impulsionada pela farra na concessão de crédito, que armou o cenário para a atual crise. "A "bolha" de crédito foi a salvação para aquela recessão. Agora, estamos muito pior do que estávamos lá atrás."Krugman diz não existir o risco de "depressão" econômica, mas não afasta a hipótese de uma nova e surpreendente piora da crise. "Não sabemos o que pode vir pela frente. Se um país de porte médio estoura, ou se o mercado de imóveis comerciais cair muito mais, o quadro pode piorar rapidamente."

Doutor em economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e colunista do "New York Times", Krugman comparou os últimos oito meses ao período 1930-31, no início da Grande Depressão.

"A diferença com o que ocorreu no passado é que, a partir de 1931, o sistema bancário norte-americano entrou em verdadeiro colapso. Até aqui, estamos tentando preservar o conjunto dos bancos", disse.

Krugman afirmou, no entanto, não acreditar que o atual plano do Departamento do Tesouro para livrar os bancos dos chamados "ativos tóxicos", que vêm entupindo o sistema de crédito nos EUA, venha a dar os resultados esperados e diz esperar que o Tesouro norte-americano terá de estatizar parte do sistema bancário.

Mercado revê para 0,3% queda do PIB

Folhapress, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Os economistas ouvidos pelo Banco Central aumentaram a previsão de desaceleração da economia brasileira neste ano de 0,19% para 0,3%, de acordo com a pesquisa semanal Focus, do Banco Central. O número está abaixo das previsões do governo, que espera um crescimento de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB).

A pesquisa também mostra uma piora na previsão para o desempenho da indústria neste ano, de -3,06% para -3,56%.

Com a desaceleração da economia, os economistas também reduziram as previsões para a inflação. A expectativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve como meta para o BC, caiu de 4,26% para 4,25%. A meta de inflação é de 4,5% neste ano, podendo chegar a 6,5% no intervalo de tolerância (teto da meta).

Em relação a outros índices de inflação, a expectativa do mercado para o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) caiu de 3,03% para 2,41%, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) passou de 2,71% para 2,22%, e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (Fipe), de 4,37% para 4,36%.

Foram mantidas as previsões para o câmbio e os juros. A previsão para o dólar no fim deste ano ficou em R$ 2,30. Já a taxa básica de juros (Selic) deve cair dos atuais 11,25% ao ano para 9,25% ao ano até o fim de 2009. A previsão para o saldo da balança comercial subiu de US$ 14,5 bilhões para US$ 15 bilhões.

A expectativa para o déficit em conta corrente neste ano caiu de US$ 22,60 bilhões para US$ 21,10 bilhões. A estimativa de investimentos estrangeiros diretos ficou em US$ 22 bilhões. A previsão para a relação dívida/PIB ficou em 37%.

Lula e a crise


MST invade prédio público e engenho no Nordeste

Letícia Lins e Tássia Correia
DEU EM O GLOBO

Abril vermelho começa com atos em Pernambuco e Bahia, onde BR-101 foi bloqueada

RECIFE e SALVADOR. Com invasões a um engenho, em Pernambuco, e à sede da Secretaria estadual de Agricultura, em Salvador, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou ontem o abril vermelho, em memória do Massacre de Eldorado de Carajás, onde 19 pessoas foram mortas, em 17 de abril de 1996, no Pará. Em Recife, cerca de cem famílias ocuparam de manhã o Engenho General, em São Lourenço da Mata, a 22 quilômetros de Recife. Em Salvador, cerca de 800 manifestantes ocuparam de manhã as instalações da Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária (Seagri).

Segundo a coordenadoria regional do MST em Pernambuco, a ocupação do engenho deu início à "Jornada nacional de lutas por reforma agrária", que irá até o dia 17. Segundo o coordenador do acampamento, Cícero Oliveira, no fim da tarde as famílias no local já somavam mais de 150.

Os sem-terra informaram em nota que o engenho pertence ao complexo da usina Tiúma, do Grupo Votorantim. Mas a empresa informou que a sede da indústria e as terras já foram vendidas pela família Ermírio de Morais. Mais tarde, o Sindicato da Indústria do Álcool e do Açúcar informou que a Tiúma e seus engenhos foram vendidos em 2005 à Usina São José, que fica no município de Igarassu, a 30 quilômetros de Recife.

A usina Tiúma foi desativada há mais de 15 anos e, desde então, seus engenhos vêm sendo disputados por movimentos sociais que realizam ocupações de terra em Pernambuco. A empresa informou ainda que o engenho tem 350 hectares, e não 400, como afirmou o MST.

- Por enquanto, a gente só está acampado. Mas, a partir de amanhã (hoje), vamos começar a discutir a substituição dos canaviais pelo plantio de nossas lavouras - afirmou o coordenador do acampamento.

Em Salvador, a ocupação da secretaria também não tem prazo para terminar. Entre as reivindicações do MST está a aquisição de terras pelo estado para realização de reforma agrária e para obras de infraestrutura, como rodovias e escolas, nos acampamentos. Integrantes do movimento também bloquearam de manhã a rodovia BR-101, no Km 694, entre Eunápolis e Itagimirim. O bloqueio acabou por volta de 15h.

Socorro de R$1 bi, de olho em 2010

Cristiane Jungblut e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Em ano pré-eleitoral, governo estende a todos os municípios verba para superar perdas

Para não se indispor com mais de 5,5 mil prefeitos em ano pré-eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou ontem a decisão política de socorrer todas as prefeituras, e não apenas aquelas que sofreram as maiores perdas com a queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Para 2009, foi garantida uma ajuda extra de R$1 bilhão, sendo que o primeiro repasse para compensar as perdas registradas até abril deverá ficar entre R$500 e R$600 milhões. A área econômica resistiu até o último momento a um socorro tão generoso às prefeituras.

O primeiro pagamento emergencial será feito depois que o Congresso aprovar o "pacote de bondades". Na próxima semana, novas medidas devem ser anunciadas para ajudar os estados mais afetados pela queda no repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O governo vai editar uma medida provisória criando um piso para o repasse do FPM, pelo qual os municípios terão que receber este ano, pelo menos, o valor bruto pago em 2008, R$51,3 bilhões - sem correção da inflação - considerado recorde, 17% maior que o de 2007.

Ao deixar a reunião entre Lula e o Conselho Político (líderes e presidentes dos partidos aliados), o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, resumiu:

- O presidente nos deu um xeque-mate e nos orientou (à equipe econômica), e vamos repassar a todos os municípios a título de compensação das perdas. O valor-limite será de R$1 bilhão, e a primeira parcela deverá ficar em um pouco mais de R$500 milhões.

Além da MP, o governo enviará ao Congresso projeto de lei de crédito extraordinário de R$1 bilhão, para formar a reserva emergencial. Os municípios só começarão a receber o dinheiro cinco dias após a aprovação da MP. A área econômica preferia ajudar apenas os mais afetados, o que custaria cerca de R$300 milhões até abril.

Estados também serão socorridos

Quanto aos estados, Paulo Bernardo confirmou as medidas antecipadas pelo GLOBO ontem. Três propostas estão em estudo: linha de crédito especial para obras de infraestrutura, antecipação de repasses do Fundeb e adiamento do pagamento da contrapartida nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Ao saber que, incluindo capitais e grandes cidades, a conta do governo não ficaria muito maior, Lula disse que não queria comprometer o "bom relacionamento" que conquistou com os prefeitos nos últimos seis anos e decidiu que a ajuda seria para todos.

- O presidente disse que não estava confortável com o fato de que muitos municípios não estavam conseguindo pagar as folhas de pagamento - contou o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Lula argumentou que, ao fazer um gesto concreto para salvar as prefeituras, ajuda também o Brasil a enfrentar a crise global. Ele e seus aliados já haviam identificado a estratégia da oposição de transformar a crise municipal numa bandeira política.

- Agora, ninguém pode reclamar. Isso é muito bom para os municípios e muito mais do que a oposição esperava. Havia resistências da equipe econômica, mas ficou claro que esse governo tem comando, e quem comanda é o presidente Lula - disse o líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP).

- Foi um gol do presidente, nosso atacante. Os prefeitos não têm do que se queixar - disse o ministro José Múcio (Relações Institucionais).

- Foi um gesto de muita responsabilidade. Lula soube agir muito rápido. Se não fizesse isso, haveria uma romaria de prefeitos. O choro seria grande. Ninguém aguentaria! - completou o líder do PP, Mário Negromonte (BA).

O governo omitiu, no anúncio, o fato de o Orçamento da União de 2009 já prever repasse de R$52,8 bilhões do FPM. Antes da crise, a previsão era de R$58 bilhões. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, reclamou:

- Continuo preocupadíssimo. O maior problema, das dívidas do INSS, não foi examinado. E o valor anunciado é menor do que os R$52,8 bilhões previstos. Se estão falando em R$1 bilhão no ano, não dá a metade da renúncia fiscal do IPI, que já foi de R$2,1 bilhões - disse Ziulkoski, referindo-se à reduções de IPI para carros.

Já o presidente da Frente Nacional de Prefeitos, João Paulo (PT), ex-prefeito de Recife, aplaudiu:

- É uma grande vitória para os municípios e um gesto de grandeza no momento de crise.

Esperamos o mesmo gesto do Congresso.

Lula ainda tentou capitalizar politicamente ao chamar a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que passou rapidamente pela reunião e foi saudada como "presidenta".

Quem serão os reempregados?

José Pastore
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os primeiros que vão são os primeiros que voltam. Assim é a vida dos trabalhadores terceirizados. Na hora da crise, são logo despedidos. Isso porque as empresas relutam em perder o pessoal de seu quadro fixo. Despedi-los custa caro duplamente. As verbas rescisórias são altas e a perda do capital humano é expressiva.

Os que não fazem parte do quadro fixo são empregados de outras empresas - as contratadas - que prestam serviços às contratantes. Com raras exceções, os laços entre contratadas e contratantes são mais frouxos e as despesas de desligamento ficam por conta das contratadas, ainda que tais despesas tenham sido embutidas no preço do contrato de prestação de serviços. Há aí um rateio de riscos entre as contratantes e as contratadas.

Se os terceirizados são os mais vulneráveis na hora da crise, eles são também os primeiros a ser chamados na hora da retomada. Sim, porque a reativação dos negócios não se dá de repente. Tudo começa a aquecer devagar, de forma gradual e progressiva.

Em vista disso, as empresas tornam-se cautelosas no processo de recrutamento. A reação inicial é a de ocupar a capacidade ociosa contratando funcionários terceirizados, temporários, por prazo determinado, etc. Na medida em que as vendas vão tomando corpo, elas partem para a ampliação do seu quadro fixo. Raros são os casos em que as encomendas aparecem de repente a ponto de justificar a contratação desse pessoal logo de saída.

Se assim é a realidade, o contrário disso é a legislação trabalhista. Para dizer pouco, basta mencionar que o Brasil não possui um marco regulatório claro para contratar serviços terceirizados. A única disciplina existente é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que dentre outras dificuldades proíbe a contratação de terceiros nas chamadas atividades-fim da empresa.

Essa é uma grande limitação na hora da retomada. Aliás, é um obstáculo em qualquer circunstância. Até hoje não se sabe o que é fim e o que é meio no processo produtivo. A referida súmula não esclarece. Os juristas mais divergem do que convergem. A maioria das sentenças judiciais usa argumentos não definidos em lei.

E, no final das contas, de nada adianta querer distinguir esses dois tipos de atividades na economia atual, que se baseia em redes de produção, que ocupam profissionais em várias condições - os que são empregados, os que prestam serviços por meio de outras empresas, alguns em termos pessoais, outros como parte de uma equipe de especialistas e muitos de forma autônoma, executando projetos que têm começo, meio e fim e que podem se repetir no tempo de forma indefinida.

Mais importante do que definir o que é meio e o que é fim é assegurar que todos os profissionais estejam protegidos pelos direitos que lhes cabem, sejam eles derivados da lei ou dos acordos e convenções coletivas de trabalho.

A ausência de um marco regulatório para a contratação de terceiros gera desentendimento, transformando-se em grave problema para os trabalhadores. São pessoas reempregáveis que ficarão desempregadas em razão da insegurança jurídica das empresas para contratá-las de forma indireta.

O mesmo ocorre com os que trabalham em tempo parcial ou por prazo determinado. Para contratá-los, não há o menor estímulo por parte das leis vigentes. As empresas estão sujeitas às mesmas despesas de contratação que têm quando contratam um profissional por prazo indeterminado.

Sabendo que a recontratação vai começar por essas categorias, por que não tomar providências hoje para facilitar a vida de todos amanhã?

O assunto vem sendo debatido há décadas, e nada acontece. As discussões têm sido marcadas por informações incompletas, por dados distorcidos e por interesses ocultos dos que pretendem a concentração do poder do lado sindical e a ausência de responsabilidade do lado empresarial.

O fato de haver muita precarização no trabalho terceirizado é, em grande parte, em razão da ausência de uma disciplina clara, funcional e realista. Isso leva muitas pessoas a querer acabar com o processo de terceirização - o que é impensável na produção atual. Seria como jogar fora a água do banho juntamente com a criança. É urgente disciplinar o compartilhamento de riscos e de responsabilidades no processo de terceirização.

*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo

Ovo da páscoa de Lula

Além do horizonte

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O Banco Central errou ao acreditar na tese do descolamento. Grande parte do mercado acreditou, mas a função do BC é ser capaz de ver além do horizonte de curto prazo. Erra de novo agora, quando não prepara o governo para a gravidade da crise e defende a tese de que a recuperação já começou. Erra mais ainda quando é conivente com o expansionismo fiscal que vai criar esqueletos no futuro.

A tese de Henrique Meirelles é que a recuperação econômica já começou neste segundo trimestre, e a projeção do BC é de um crescimento de 1,2% do PIB. A previsão de inflação foi uma espécie de conta de chegar para não brigar com os fatos que indicam recessão e não desagradar ao governo, que aposta num crescimento de 2%. É um número político, e uma declaração política numa hora em que, mais do que nunca, é necessário um Banco Central técnico.

Meirelles disse aos repórteres Alex Ribeiro e Cristiano Romero, do jornal "Valor Econômico", que o BC não errou na política monetária, e explicou que a crise foi provocada pela quebra do Lehman Brothers e pela falta de liquidez que dela resultou. Segundo Meirelles: "Não há país, independentemente da política monetária, que pudesse evitar esse fenômeno."

A crise tinha começado muito antes, a quebra do Lehman Brothers foi apenas o gatilho que detonou o ataque de pânico que aprofundou uma crise da qual já se sabia que era de grandes proporções antes mesmo daquele 15 de setembro. Os Estados Unidos já estavam em recessão, bancos já estavam mergulhados no vermelho - alguns estatizados até em países como a Inglaterra -, o estouro da bolha imobiliária já produzia queda em cascata do preço dos ativos havia quase um ano, quando o Lehman Brothers quebrou. O fato é que o BC achava que o país estava "blindado", ele realmente acreditou nesse conto da carochinha. Por causa disso é que estava em pleno "ciclo de aperto de política monetária" quando a crise se agravou.

A função de um banco central é ver além dos consensos de curto prazo dos operadores do mercado, e não ficar a reboque deles. Precisava ter visto a tempo a gravidade da crise externa, que já tinha contratado uma queda do crescimento global, qual fosse o destino do Lehman Brothers. Qualquer pessoa que tenha conversado com as autoridades do BC, ou tenha lido com calma seus atos e relatórios, e tenha sido informada das análises que ele fez periodicamente, sabe que seu erro foi achar que a bolha imobiliária americana se dissolveria paulatinamente e não explodiria; o erro foi avaliar mal a conjuntura econômica internacional e superestimar a capacidade brasileira de resistir a ela. Na verdade, para o BC, o único risco que o Brasil corria em 2008 era o de excesso de crescimento, de aquecimento da demanda. O erro do Banco Central foi ficar impressionado com os números imediatos, sem ver o horizonte mais amplo que indicava uma retração global que atingiria todos os países, entre eles o Brasil.

O BC precisava, também, ter preparado o país, do ponto de vista institucional, para o momento de queda maior das taxas de juros, para não se criar o dilema que está agora, entre queda de juros e remuneração da poupança. Isso é pedra cantada há muito tempo. Já se sabia que haveria este impasse com a natural queda dos juros abaixo dos dois dígitos. Poderia ter apontado a necessidade de se desarmar a bomba da renegociação da dívida dos estados, quando havia tranquilidade para fazer isso, o que evitaria uma mudança feita por pressão em momento de crise. Não cabe ao BC gerir toda a política econômica, mas ele tem que ter visão de longo prazo para ir mostrando a necessidade de se desfazer os nós institucionais que o Brasil tem. Até porque a atual gestão do Ministério da Fazenda não tem mesmo capacidade de formulação. Principalmente, já poderia ter trabalhado para reduzir o spread, se acha que o problema é tão relevante.

Caberia também ao BC ter dado alertas mais fortes sobre os riscos fiscais que país correu em anos recentes, e corre muito mais agora na abertura geral dos cofres aos lobbies amigos. Não o fez porque o órgão vive na corda bamba no governo Lula, numa autonomia consentida, tendo que ser confirmada a cada nova reunião do Copom. Faria melhor a defesa da moeda se tivesse explicitado que o governo fez uma política de ampliar gastos de custeio numa época de crescimento da arrecadação, não preparando, a tempo, a política contra-cíclica. O BC se omitiu para não ferir susceptibilidades do governo Lula.

Da mesma forma que, agora, finge não ver que a política fiscal expansionista, feita de forma improvisada, está erodindo, na prática, a Lei de Responsabilidade Fiscal e contratando os próximos esqueletos dos armários de Brasília. O uso abusivo dos fundos de poupança compulsória e o dos bancos públicos aumenta os riscos de esqueletos. E é deste descontrole que se alimentará a inflação futura. A estabilidade monetária precisa muito mais da vigilância fiscal que de certos preciosismos supostamente técnicos, alegados em alguns dos seus comunicados.

A Bovespa e os bancos americanos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Balanços e auditoria de bancos nos EUA podem detonar dias de "realização de lucros" e volatilidade na Bolsa até maio

QUEM SE OCUPA das idas e vindas da Bolsa no curtíssimo prazo já se pergunta até onde vai o atual estirão do Ibovespa. Por curtíssimo prazo entenda-se o período que vai até maio. Não há meios de prever o que será da Bolsa nem no "longo prazo" (no Brasil, um ano), que dirá daqui a dois meses. Mas, até maio, estão agendadas notícias que podem balançar o coreto.

Começou a temporada americana de balanços. Balanços merecem cada vez menos crédito, mas isso não vem muito ao caso. Desde março, bancos dos EUA dizem que tiveram um "grande" primeiro bimestre. As Bolsas dos EUA subiram, o que se refletiu aqui e deu mais impulso à alta motivada pela volta dos estrangeiros à Bovespa. Analistas de bancos por ora certeiros e famosos nos EUA, como Meredith Whitney e Mike Mayo, deram de ombros, dizendo que o otimismo banqueiro é cascata.

Mas o mercado deu de ombros para os analistas e seguiu comprando. Nem se importa com o fato de que a estimativa de resultados bancários seja agora ainda mais incerta, pois o conselho que regula a contabilidade nos EUA relaxou normas de avaliação de ativos e registro de perdas.GE, Johnson & Johnson e Nokia também divulgam balanços, além de perspectivas para o ano.

Essas empresas são termômetros da economia real. Caso pintem um cenário ruim, isso em tese deveria derrubar os bancos (que correriam mais risco de perdas com calotes de empresas e consumidores). Enfim, sejam "bons" os balanços de bancos, maquiados ou não, quem comprou no boato venderá no "fato", derrubando a Bolsa? Por quanto tempo?

Além de balanços, virá o resultado dos "testes de estresse" de 19 bancões dos EUA. Trata-se de uma espécie de auditoria conduzida pelas autoridades americanas a fim de verificar se essas instituições precisam de mais capital. Se ignora qual tipo de informação o governo divulgará, mas entre abril e maio vai se saber algo sobre a necessidade de capital.

Os tais "testes" foram espinafrados, mas são ansiosamente esperados. Nouriel Roubini e Paul Krugman lembram, com mais ou menos ênfase, que as previsões de PIB, desemprego e preço de imóveis que baseiam tais testes são otimistas demais, quando não já desatualizados pela realidade. Portanto, os resultados do "teste" seriam maquiados.

Uns críticos dizem que o governo não pode revelar muitos dados do "teste", pois isso poderia arrebentar bancos. Outros, que a falta de transparência pode causar medos. Logo, ninguém sabe de nada do impacto dos "testes de estresse" sobre as ações. Mas trata-se de um bom motivo para detonar "volatilidades", ainda mais após semanas de alta.

Para piorar a confusão, a Bovespa tem suas particularidades. Mais e mais aparecem relatórios dizendo que commodities e cia. (Petrobras, Vale etc.) e "emergentes" como o Brasil podem ter um desempenho superior ao da média mundial. Boatos sobre a "recuperação" ou "crise" da China (grande consumidora de commodities) levantam e derrubam Bolsas e os papéis das duas maiores empresas brasileiras.

Mas não seria descabido esperar dias agitados e de "realização de lucros" (venda de ações para embolsar ganhos). Até maio, pode vir um período de recesso na alta da Bolsa.

Duas lentes para observar o G-20

José Eli da Veiga
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O documento lançado pela cúpula do G-20 no histórico encontro londrino de 2 de abril contém afirmações que poderiam ser consideradas bem auspiciosas. Principalmente nos três últimos parágrafos, que destoam de todo o restante, além de não constarem de nenhum dos quatro relatórios finais dos grupos de trabalho que prepararam o evento.

Quatro das mais relevantes estão no 27º, no qual os 20 líderes anunciam: a) que pretendem fazer de tudo para que os investimentos bancados por programas de estímulo fiscal gerem uma recuperação resiliente, sustentável e verde; b) que farão a transição para tecnologias e infraestruturas que sejam limpas, inovadoras, eficientes no uso dos recursos naturais e de baixo carbono; c) que encorajam os bancos multilaterais de desenvolvimento a contribuírem de forma decisiva para que esse objetivo seja atingido; d) e que identificarão e trabalharão juntos em outras iniciativas que construam economias sustentáveis.

No parágrafo seguinte, comprometem-se em chegar a um acordo na conferência de Copenhague, de dezembro de 2009, que cuide da ameaça de irreversível mudança climática com base no princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. E no último anunciam que a próxima cúpula será antes do fim do ano.

Outras pérolas também podem ser pinçadas nos primeiros 26 parágrafos. Como a repetida necessidade de se promover "atividades econômicas sustentáveis", de "construir uma recuperação inclusiva, verde e sustentável", ou de "acelerar a transição a uma economia verde". Com destaque especial para a solene declaração inicial de que o crescimento "não deve refletir apenas os interesses da população atual, mas também o das futuras gerações".

Todavia, tudo isso mais parece chique maquiagem de um conteúdo que não poderia ser mais vulgar. Pois o comunicado insiste em fazer crer que a atual crise só ocorreu porque vários governos de países centrais cometeram a imprudência de deixar que suas esferas financeiras galopassem com rédeas soltas. Ou seja, nada teria ocorrido de grave com o precedente crescimento das atividades econômicas não-financeiras. Estas, coitadas, agora seriam apenas trágicas vítimas de uma dinâmica bancária autônoma, que contou com o beneplácito de autoridades irresponsáveis.

Para perceber que essa interpretação da crise é pura estória da carochinha, basta que se leia os artigos semanais no Financial Times do convencional Martin Wolf, sempre traduzidos nesta página do Valor. Enfatizam os colossais excedentes de oferta dos países superavitários, dos quais China, Alemanha e Japão são os mais importantes, com seus respectivos excedentes em conta corrente de US$ 372 bilhões, US$ 253 bilhões e US$ 211 bilhões em 2007. Aí está a base material das patuscadas bancárias, e ela não será contornada pelo cumprimento do comunicado do G-20, que tem o surrealista título de "Plano Global para Recuperação e Reforma".

Mais do que chamar a atenção para a base real dos desmandos financeiros, a ênfase de Wolf só reforça duas hipóteses que ele certamente desdenha por jogarem areia demais em seu circunspeto caminhão. A primeira é a da atual crise como episódio sinalizador de uma complexa mudança global, com apenas três precedentes históricos. Os do começo do Século XVII, do final do XVIII e do início do XX, que marcaram as ascensões da Holanda, da Grã-Bretanha e dos EUA. Desde o final do século passado fica cada vez mais clara a indomável ressurreição da China, cujos vínculos econômicos com os EUA repetem o padrão das três anteriores grandes mudanças capitalistas. Que os EUA tiveram com a Grã-Bretanha até o início do Século XX, que esta manteve com a Holanda até o final do XVIII, e que Amsterdam se entreteve com os genoveses até o começo do XVII.

A segunda hipótese está ainda mais distante dos horizontes mentais de qualquer analista do Financial Times. É possível que, ao longo dessa quarta grande mudança do capitalismo mundial, a macroeconomia dos países centrais venha a ser cada vez menos centrada no ininterrupto aumento do consumo de suas populações, favorecendo simultaneamente a decolagem de mais de uma centena de economias periféricas. Em outras palavras, que ocorra significativa redistribuição geopolítica da oferta e da demanda globais, conforme os países mais avançados busquem os caminhos de uma planejada prosperidade sem crescimento, única saída para que suas economias possam vir a ser ambientalmente sustentáveis.

Essas duas hipóteses - que estão se tornando cada vez mais plausíveis - ajudam a entender tanto a importância do G-20 para a imprescindível governança mundial, como as incongruências dos 29 parágrafos que sua cúpula se dispôs a adotar na falta de um verdadeiro plano. Medidas de reforma do sistema financeiro e perorações contra o protecionismo combinam muito mais com os atuais presidentes e primeiros ministros das 19 nações do que a perspectiva de enfrentamento dos dois maiores desafios deste século: mitigação do aquecimento global e reestruturação da geopolítica mundial engendrada pela ressurreição da China.

Explanação detalhada da primeira hipótese pode ser encontrada na fascinante obra de Giovanni Arrighi "O Longo Século XX; Dinheiro, Poder e as Origens de Nosso Tempo" (Contraponto/Unesp, 1996). Como a pesquisa que gerou esse livro foi feita nas décadas de 1970 e 1980, o início do deslocamento da acumulação para o eixo asiático levou o autor ao erro de dar mais importância ao Japão do que à China. Mas isso em nada diminui a riqueza analítica que precede as últimas páginas.

Já os detalhes sobre a segunda hipótese foram sistematizados em "Prosperity Without Growth? The Transition to a Sustainable Economy", relatório que o professor Tim Jackson, da Universidade de Surrey, elaborou para a Sustainable Development Commission, "watchdog" criado pelo governo britânico para ajudá-lo na formulação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável. (http:// www.sd-commission.org.uk/publications.php?id=914 )

José Eli da Veiga, professor titular do departamento de economia da FEA-USP e autor de diversos livros sobre desenvolvimento sustentável, escreve mensalmente às terças.

Samba para Vinicius

Toquinho, Quarteto em Cy, Chico Buarque
Vale a pena ver o vídeo


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