Ministro diverge do relator e vota por não condenar João Paulo Cunha
Para o revisor do processo, o deputado, mesmo tendo recebido R$ 50 mil de Marcos Valério, não favoreceu a agência do operador do mensalão em licitação da Câmara na época em que ele era presidente da Casa
Um dia após concordar com o relator Joaquim Barbosa e pedir a condenação do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, votou pela absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP). O ex-presidente da Câmara é acusado de receber R$ 50 mil de Marcos Valério, em 2003, em troca da escolha da agência SMP&B em licitação pública. Contrariando o voto de Barbosa e a acusação do Ministério Público, Lewandowski aceitou a tese da defesa de que o dinheiro não tinha ligação com a escolha da empresa de Valério na Câmara e foi pedido por João Paulo Cunha ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares apenas para pagar pesquisas de opinião pública em São Paulo.
Lewandowski contesta relator e livra petista
Revisor ignora elementos que Barbosa usou para condenar deputado João Paulo Cunha
André de Souza, Carolina Brígido
BRASÍLIA Um dia depois de seguir o relator Joaquim Barbosa e condenar o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski, votou ontem pela absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara e candidato a prefeito de Osasco (SP), acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Segundo Lewandowski, não houve desvio de dinheiro público na licitação ganha pela agência SMP&B e na execução do contrato de publicidade da Câmara, como sustentam o Ministério Público e Joaquim Barbosa.
Em relação a Marcos Valério, operador do mensalão, e seus ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, o ministro Lewandowski, que na véspera tinha condenado os três por corrupção ativa e peculato, por desvio de recursos do Fundo Visanet, ontem inocentou os três dos mesmos crimes (corrupção ativa e peculato) no caso da Câmara dos Deputados. Semana passada, Barbosa condenou os réus também por esses crimes. O julgamento será retomado na segunda-feira com os votos dos outros nove ministros do Supremo.
Dinheiro foi para pesquisa, diz defesa
O Ministério Público denunciou João Paulo por ter recebido R$ 50 mil de Marcos Valério e seus sócios em 2003 em troca de favorecimento na licitação da Câmara - que foi concluída com a vitória da agência SMP&B, de Valério. Receber vantagem indevida para realizar ato de ofício configura crime de corrupção passiva. Quem paga propina é enquadrado em corrupção ativa.
Lewandowski disse que não houve ligação entre os R$ 50 mil e o processo de licitação. Ele concordou com a versão da defesa de que João Paulo pediu o dinheiro ao então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para realizar pesquisa de opinião para as eleições do ano seguinte em quatro cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Para Lewandowski, o dinheiro teria sido repassado por Marcos Valério a Delúbio para esse fim. Ele ignorou as diferentes versões apresentadas por João Paulo, ainda na fase da investigação, sobre a ida de sua mulher a uma agência do Banco Rural para pegar o dinheiro. Fato que o relator Joaquim Barbosa levou em conta para condenar o deputado.
- Esses R$ 50 mil não tinham nada a ver com a licitação, mas com pesquisa eleitoral feita em Osasco (e outras cidades). Não há uma ligação entre a vantagem indevida e o ato de ofício que se pretendia ver realizado ou até omitido - afirmou Lewandowski. - O dinheiro não foi recebido por João Paulo Cunha para, de qualquer modo, interferir na licitação. Não ficou configurada, portanto, a prática de corrupção passiva.
Sobre a licitação, o ministro ponderou que João Paulo procedeu conforme determinam as normas da Câmara ao convocar uma comissão de funcionários para cuidar do assunto. Lewandowski citou depoimento dos concorrentes que perderam a disputa, que teriam atestado a idoneidade da concorrência.
- O Ministério Público não logrou produzir uma prova sequer, nem um mero indício, de que João Paulo Cunha tenha interferido no trabalho da comissão ou influenciado seus membros para dar tratamento privilegiado à SMP&B - disse o ministro.
O petista foi acusado de cometer peculato por duas vezes. O primeiro, supostamente praticado com os sócios da SMP&B, corresponde a desvios de dinheiro público na execução do contrato com a Câmara. Segundo a denúncia, a agência teria repassado a outras empresas 99,9% do contrato de R$ 10,7 milhões, como forma de não prestar o serviço para o qual recebeu. Lewandowski afirmou que o presidente da Casa não tinha a posse dos recursos e, por isso, não pode ser acusado do desvio do dinheiro.
- João Paulo Cunha não era o executor do contrato entre a SMP&B e a Câmara, tarefa vinculada ao diretor-geral da Câmara na época, Sérgio Sampaio Contreiras de Almeida, e ainda ao então diretor da Secretaria de Comunicação, Márcio Marques de Araújo - explicou.
O ministro lembrou que auditoria do TCU e laudo da PF afirmaram que a subcontratação correspondeu a 88,68%. O revisor chamou o índice considerado pelo Ministério Público - e avalizado por Barbosa - de "fictício" e "equivocado". Segundo os laudos, esse percentual é normal entre agências, já que a maior parte do valor é paga a meios de comunicação para a veiculação de publicidade. Lewandowski também citou os laudos para atestar que o contrato foi realizado, não havendo indício de que o dinheiro público foi pago indevidamente à SMP&B.
- Todos os serviços terceirizados, inclusive os que foram autorizados diretamente pelo então presidente da Câmara dos Deputados, foram rigorosamente prestados. Quem diz isso? TCU e a Polícia Federal - afirmou o ministro.
ABSOLVIÇÃO TAMBÉM DA ACUSAÇÃO DE LAVAGEM
Lewandowski também absolveu João Paulo da segunda prática de peculato. Segundo a denúncia, a empresa IFT, do jornalista Luís Costa Pinto, foi contratada pela Câmara para prestar serviços de comunicação. No entanto, teria servido apenas ao assessoramento do presidente. Segundo o ministro, um laudo da PF confirma a versão do MP. Mas ele preferiu ficar com o TCU, que atestara a realização dos serviços.
O revisor do processo também votou pela absolvição de João Paulo da acusação de lavagem de dinheiro. A denúncia afirma que João Paulo ocultou o beneficiário - ele mesmo - e a origem dos R$ 50 mil. Segundo Lewandowski, para cometer o crime, a pessoa deve estar ciente de que a origem do dinheiro é ilícita. Como o réu não foi denunciado por formação de quadrilha, o próprio MP estaria admitindo que ele não tinha conhecimento da atuação de outros réus.
Acusação por acusação
AS DIVERGÊNCIAS ENTRE BARBOSA E LEWANDOWSKI
João Paulo Cunha
CORRUPÇÃO PASSIVA
Lewandowski: Os R$ 50 mil que a mulher de João Paulo sacou no Banco Rural não foram propina paga pela agência SMP&B para vencer a licitação e conseguir o contrato de publicidade da Câmara, mas repasse de dinheiro do PT para pagamento de despesas eleitorais. O ministro desconsiderou as diferentes versões de João Paulo. "Não restou comprovado nenhum ato de João Paulo para dar tratamento privilegiado à SMP&B no procedimento de licitação sob exame, o qual ademais foi considerado hígido pelo TCU."
Barbosa: Ressaltou que o réu mudou de versão duas vezes. Inicialmente negava ter recebido o dinheiro, depois afirmou que a esposa foi tratar de TV a cabo no banco, e, por último, admitiu que recebeu os recursos. Mantinha contato frequente com Valério e não poderia alegar que não sabia a origem do dinheiro sacado.
PECULATO
Barbosa: Há provas do crime de peculato, uma vez que João Paulo Cunha autorizou a subcontratação de serviços no contrato de publicidade da Câmara, sem que a agência de Valério apresentasse contrapartida. Apenas 0,01% do valor do contrato teria sido prestado. O relator citou relatório preliminar do TCU atestando a irregularidade.
Lewandowski: Cita auditoria final do TCU e laudo da PF nas quais as subcontratações foram normais. "Se não houve subcontratações fictícias e os serviços terceirizados foram efetivamente prestados por veículos de comunicação e outras empresas, não há o que falar em desvio de dinheiro público."
LAVAGEM DE DINHEIRO
Lewandowski: "Tenho como certo que o réu não tinha nenhum conhecimento dos crimes antecedentes praticados por essa alegada quadrilha da qual, conforme o próprio MP, ele não fazia parte."
Barbosa: João Paulo tentou ocultar a origem dos R$ 50 mil. "O crime se consumou e permitiu a ocultação da origem, da movimentação, localização e propriedade do dinheiro por quase dois anos. Órgãos de fiscalização não foram informados da operação, que não foi registrada em nome de Márcia (mulher de João Paulo)".
Marcos Valério e sócios
CORRUPÇÃO ATIVA
Lewandowski: "É elemento fundamental para a caracterização do crime de corrupção ativa a determinação de ato de ofício. [...] A acusação, todavia, a meu ver, não moveu êxito em evidenciar qual o ato de ofício do grupo de Marcos Valério quando alegadamente entregou R$ 50 mil ao réu João Paulo Cunha."
Barbosa: "O dolo dos réus quanto aos crimes de corrupção ativa (Valério e sócios) e passiva (João Paulo) fica evidenciado primeiro pela já exposta relação prévia entre o acusado João Paulo Cunha e os réus Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, iniciada em sua campanha para presidência da Câmara".
PECULATO
Lewandowski: Não existem "provas ou indícios minimamente convincentes" demonstrando que a agência dos réus tenha sido favorecida durante o procedimento licitatório. "Se não houve subcontratação fictícia, e como os serviços terceirizados foram efetivamente prestados, não se pode cogitar qualquer crime."
Barbosa: "A SMP&B contratou integralmente o contrato. Apenas R$17.091 de R$ 10,9 milhões representaram o serviço executado diretamente pela SMP&B, ou seja, 0,01% do objeto contratual. Crime de peculato se consumou porque SMP&B era mera recebedora de honorários e realizou excessivo volume de subcontratações.
FONTE: O GLOBO