domingo, 24 de março de 2019

Merval Pereira: Sobre o Supremo

- O Globo

A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf

A disputa de interpretações de teorias jurídicas vem dando a tônica nos debates do Supremo Tribunal Federal. A denominação informal de cada um dos grupos mostra bem os parâmetros desta disputa. Os “garantistas” sustentam que qualquer decisão a ser tomada deve levar em conta a literalidade da lei para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

Os “iluministas” ou “progressistas” buscam contornar eventuais obstáculos impostos pela literalidade com interpretações do texto legal, em busca da intenção do legislador para ter uma Justiça mais célere e eficiente. Assim, a jurisprudência atual é permitir a prisão em segunda instância, mesmo que a Constituição diga que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de seu processo.

Para tanto, considera-se que o processo se encerra na segunda instância, e os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) podem continuar sendo feitos depois da prisão, pois são de caráter extraordinário. A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf. Até hoje há a discussão sobre se lavagem de dinheiro é um crime instantâneo, que se encerra na sua consumação, ou se é permanente, como decidiu a Primeira Turma do STF.

Bernardo Mello Franco: ‘Mito’ liberal era fake news

- O Globo

Proposta de reforma para os militares mostra que Bolsonaro continua o mesmo. Sua conversão ao liberalismo era conversa de campanha

A campanha de 2018 fabricou um novo Jair Bolsonaro. Ele se dizia convertido ao liberalismo, embora admitisse não entender nada de economia. Ao ser questionado sobre algum tema concreto, escapava com um gracejo: “Vou perguntar lá no Posto Ipiranga”. Era uma referência a Paulo Guedes, anunciado como futuro ministro da Fazenda.

O aval do banqueiro bastou para convencer o mercado. Com os parceiros habituais em apuros, empresários e investidores arrastaram todas as fichas para a candidatura do “Mito”. Agora eles começam a se perguntar se fizeram a aposta certa.

Nos últimos dias, Bolsonaro indicou que não está tão empenhado em entregar o que prometeu. “Eu, no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, disse, na quinta-feira. Ele acrescentou que seria “irresponsável” não mexer nas aposentadorias, mas a primeira frase foi a que soou mais sincera.

Não é só com palavras que o presidente mostra a que (não) veio.

Na quarta-feira, ele levou ao Congresso um projeto de reforma para as Forças Armadas. Em vez de cortar privilégios, incluiu benesses como o reajuste dos soldos e o aumento da gratificação no fim da carreira. Até o líder do PSL, Delegado Waldir, reclamou do truque.

Ascânio Seleme: O homem mais odiado do Brasil

- O Globo

O título um dia foi de Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral de 1985, quando ele disputou a Presidência com Tancredo Neves, que era o símbolo da redemocratização brasileira. Depois, foi de Fernando Collor de Mello, no auge da CPI que resultou na sua cassação por corrupção. Antes, Collor já havia experimentado o ódio nacional ao congelar todas as contas bancárias dos brasileiros. Mais recentemente, coube ao deputado Eduardo Cunha o troféu de mais odiado do país. Ele era unanimidade nacional. Sua cassação e posterior prisão foram festejadas de Norte a Sul.

Durante todo o ano passado e boa parte do ano anterior, o homem mais odiado do Brasil foi o então presidente Michel Temer. O “Fora, Temer!”, que nasceu de uma contestação petista ao homem que conspirou contra a presidente Dilma e ajudou a arregimentar os votos necessários para o seu impeachment, acabou se espalhando e viralizou em todos os setores da sociedade. Ao deixar o governo, Temer tinha a aprovação de apenas 7% dos brasileiros. O que significa que 93% rejeitavam o presidente.

Sua prisão na quinta-feira passada pode ter servido para atender à gana que se tinha em Temer, mas não deixou o país melhor ou aliviado. O país não melhora com a prisão de ex-presidentes. Não melhorou com a prisão de Lula. Não vai melhorar agora. Tampouco dá para respirar aliviado, porque essa não foi a última mazela da nação. O Brasil está repleto de mazelas. Inclusive algumas novas, recém-incorporadas ao cardápio nacional. Mas claro que a sensação de satisfação com instituições como a Lava-Jato aumenta com esses episódios.

*Elio Gaspari: Está no ar a barafunda Bolsonaro

- O Globo / Folha de S. Paulo

Governo enriquece Lei de Murphy: se algo pode dar certo, trabalha para que dê errado

Jair Bolsonaro superou as marcas de impopularidade de seus antecessores no início do primeiro mandato. Com viés de piora, esse desempenho deve-se em parte a um processo de autocombustão, mas nem tudo pode ser atribuído a Bolsonaro. Ele teve a ajuda de ministros civis e militares.

Resolveram fazer uma reforma da Previdência. Poderiam ter seguido a sugestão do economista Paulo Tafner, fatiando-a. Mandariam primeiro o corte dos privilégios dos marajás e depois cuidariam dos miseráveis. Resolveram juntar as duas brigas. Vá lá.

É elementar que a profissão e a Previdência dos militares nada têm a ver com as dos servidores civis. Poderiam ter separado as duas questões. Não só juntaram os debates, como decidiram botar no combo um projeto de reestruturação da carreira militar, coisa que não tem nada a ver com a Previdência.

Todas essas decisões embaralham o debate e dificultam a aprovação de algo parecido com o projeto original do governo. Como alguma reforma haverá de ser aprovada sempre se poderá cantar vitória. Afinal, Fernando Henrique Cardoso e Lula também fizeram reformas da Previdência. Nenhum deles atritou-se com o presidente da Câmara.

A barafunda vai além da reforma. O ministro Sergio Moro resolveu peitar Rodrigo Maia com mais uma de suas jeremíadas. Tomou umtranco e ficou em paz. Durante a visita de Bolsonaro a Washington, o ministro das Relações Exteriores foi humilhado, um filho do presidente disse que os brasileiros que vivem nos Estados Unidos sem documentação são “vergonha nossa” e o condestável da Economia informou que gosta de Coca-Cola e da Disneylândia. (Quem passava dias sozinho na Disney era o professor Mário Henrique Simonsen, mas ele nunca anunciou isso a uma plateia de empresários.)

Se tudo isso fosse pouco, Bolsonaro disse na Casa Branca que acredita “piamente” na reeleição de Donald Trump. Sentiu cheiro de banana e foi procurar a casca para escorregar. Os dois presidentes que mais ajudaram a ditadura brasileira foram Lyndon Johnson e Richard Nixon. Um encantou-se com o marechal Costa e Silva, o outro com Emilio Médici. Ambos foram eleitos com memoráveis maiorias e acabaram naufragando. Amaldiçoado, Johnson desistiu da reeleição. Acuado, Nixon renunciou. Os presidentes brasileiros não disseram coisa parecida. Trump nunca teve a força de qualquer um desses antecessores.

A Lei de Murphy diz que, se uma coisa pode dar errado, errado ela dará. O governo do capitão parece disposto a enriquecê-la: Se uma coisa pode dar certo, trabalham para que dê errado.

BRETAS PRENDEU TEMER PORQUE QUIS
Lula foi para a carceragem de Curitiba depois de ter sido indiciado, denunciado e condenado em duas instâncias. Temer foi encarcerado sem ter sido ouvido, indiciado, denunciado ou condenado. Tudo bem, o juiz Marcelo Bretas prendeu-o preventivamente e decisão judicial deve ser cumprida.

Na sua decisão o doutor Bretas reconheceu que Temer não foi condenado e ofereceu uma “análise ainda superficial” dos crimes que o ex-presidente teria cometido.

Cuidando do “superficial”, ocupou 40 páginas de sua decisão. Sua análise faz sentido, e muito, mas é apenas uma opinião. Justificando a prisão preventiva de Temer, Bretas não escreveu uma só linha.

Justificou-a genericamente, quando associou-a à de outros integrantes da “suposta organização criminosa”, e nisso ocupou três páginas. Nelas, justificou as preventivas porque “no atual estágio de modernidade, bastam um telefonema ou uma mensagem instantânea” para ocultar “grandes somas de dinheiro”. (São Paulo tem rede de telefonia desde o início do século passado.)

Mais: o coronel Lima, faz-tudo de Temer, cuidava de apagar rastros e documentos no próprio escritório. (Bretas não fez qualquer referência à tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo na conta do coronel.)

Mesmo admitindo-se que tudo o que Bretas atribuiu a Temer na sua “análise ainda superficial” seja apenas parte de uma horrível verdade, as razões que citou para encarcerá-lo preventivamente são ralas.

O Brasil teve dois ex-presidentes presos. Um porque foi condenado. O outro não foi ouvido, indiciado, denunciado ou sentenciado. Os tempos estranhos ficaram mais estranhos.

Dorrit Harazim: O Chile errado de Bolsonaro

-O Globo

Um primeiro relatório concluiu que 2.296 pessoas haviam sido assassinadas ou ‘desaparecidas’ em mãos de agentes do regime militar no país

O presidente Jair Bolsonaro pisou em solo chileno esta semana ofendendo de uma só tacada a memória do país anfitrião, a história do Cone Sul e o julgamento universal de humanidade. Só não ofendeu também a própria biografia porque desatinos repetidos não contam.

“Essa questão da dita ditadura aqui do Cone Sul tem que ser lavada à luz da verdade... Tem gente que gosta dele [do ditador Augusto Pinochet], outros que não gostam”, declarou ao desembarcar em Santiago para participar da gênese de um novo bloco regional de perfil direitista, o Foro para o Progresso e Desenvolvimento da América Latina.

Era uma defesa aberta do comentário pornográfico feito pouco antes por seu ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “No período Pinochet”, sustentara Lorenzoni em entrevista à Rádio Gaúcha, “o Chile teve de dar um banho de sangue. Triste. Mas as bases macroeconômicas fixadas naquele governo...” Traduzindo: há banhos de sangue que vêm para o bem de reformas econômicas.

Por uma amarga coincidência de calendário, no dia da chegada dos brasileiros uma notícia aguardada há décadas agitava a vida nacional chilena: o julgamento de um crime particularmente horrendo da era Pinochet (1973-1990) — o “Caso Quemados” — chegava ao fim com a condenação de 11 militares a penas entre três e dez anos de prisão. Mesmo para o padrão de brutalidade do regime da época, a ação de uma patrulha militar sempre fora mal digerida, por simpatizantes de Pinochet. Ela ocorreu numa tarde de julho de 1986, quando dois jovens que participavam de um protesto foram surrados, encharcados com gasolina, queimados vivos e despejados na periferia. Por uma patrulha militar. Moradores que encontraram os corpos contorcidos conseguiram salvar Quintana, que tinha 18 anos e está desfigurada até hoje. Rojas, de 19 anos, não resistiu.

Triste, diria Onyx Lorenzoni. É preciso lavar os fatos à luz da verdade, contestaria Jair Bolsonaro.

Míriam Leitão: O exagero que derruba a tese

- O Globo

Paulo Guedes tem sólida formação intelectual, mas recorre a exageros para defender suas teses e aceita ideias que não caem bem a um liberal

O ministro Paulo Guedes seria mais convincente se não exagerasse nos números, cálculos e versões para confirmar seu ponto. Ele tem argumentos fortes que independem de distorção superlativa. Quando for à Câmara falar da reforma, seria bom que ele evitasse o que fez na sua eloquente e fluente fala nos Estados Unidos. Guedes disse em Washington que o Brasil foi governado 30 anos pela esquerda. Foram 13, na verdade. Os 30 anos incluiriam até José Sarney, Collor e Temer. Ele diz que nenhum presidente teve coragem de enfrentar a crise fiscal, mas o país teve 16 anos de superávit primário e tem a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O fato de o Brasil estar desde 2014 com déficit primário é grave. Torçamos para que ele nos leve de volta ao superávit. Se ele quiser dizer que o presidente Bolsonaro terá a coragem de enfrentar o déficit, seria ótimo se o fizesse em bom português. Não precisa usar uma linguagem chula que transforma coragem em sinônimo de parte da anatomia sexual masculina. Isso não pegou bem nos Estados Unidos, uma sociedade aberta, na qual as mulheres têm cada vez mais poder, inclusive no mundo corporativo. Isso não pega bem no Brasil.

O ministro Paulo Guedes está correto em dizer que durante as últimas décadas o total do gasto público como percentual do PIB cresceu ano após ano. A democracia atendeu às demandas sociais represadas, mas também errou ao distribuir benesses a grupos corporativistas. A dívida aumentou no governo de Fernando Henrique porque ele colocou na contabilidade explícita o que durante a ditadura estava fora das estatísticas. Eram os chamados esqueletos. Os números têm história.

Todos os governos fizeram mudanças na Previdência. A reforma do ex-presidente Lula reduziu alguns privilégios no setor público, como o fim da paridade e integralidade para servidor civil. Agora será a vez de Jair Bolsonaro. Ele não é o primeiro e, ao contrário do que o ministro Guedes disse nos Estados Unidos, a reforma não acabará com privilégios. Vai de novo apenas reduzi-los em alguns pontos, e até elevar, no caso dos militares.

Marcus Pestana: Mitos e evidências sobre a reforma da previdência

- O Tempo (MG)

Como prometido, retomo hoje a discussão sobre a reforma da previdência.

A previdência tem papel central no crescente endividamento do Brasil. Nossa dívida chega, segundo o FMI, a 87% do PIB, e o déficit nominal anual está em 9,3% do PIB. Isto é grave ou não? Gravíssimo. A dívida média dos países emergentes é de 49,9% e o déficit nominal médio é de 4,2%. A Previdência é o maior fator do desequilíbrio fiscal, o gasto total previdenciário consome 14% de toda a riqueza gerada pela sociedade, sendo o déficit total dos diversos regimes 335 bilhões de reais ou 5,1% do PIB. Diante disso alguém vai dizer que não há déficit e que a situação é sustentável? Pior é o agravamento do déficit previdenciário, mais 50 bilhões de reais por ano, ou seja, o valor da construção e equipamento de 400 novos bons hospitais, temos sete inconclusos em Minas.

No mundo inteiro, reformas da previdência se fazem necessárias. Por um simples motivo, as mudanças demográficas. Nascem cada vez menos bebês e, felizmente, estamos vivendo cada vez mais. Em 1980 tínhamos apenas 4,0% da população acima de 65 anos, em 2020 teremos 9,8% e em 2060 25,5%. Paralelamente, em 1980 tínhamos 38,2 de crianças e jovens abaixo dos 14 anos, em 2020 serão 20,9% e em 2060 teremos 14,7%. Menos gente contribuindo, mais gente usufruindo. Simples assim. Ou será que o IBGE está mentindo?

Apenas 12 países não têm, como o Brasil, idade mínima. No México, no Peru e no Japão é de 65 Anos. Na Argentina e no Chile, 65 para homens e 60 para mulheres. Nos EUA, 66. Será que Irã, Iraque, Nigéria e Brasil estão certos e o resto do mundo errado? E não há evidências demográficas para a diferenciação de idade entre homens e mulheres. As mulheres vivem muito mais. O argumento é o peso inegável da maternidade. Neste sentido, achei interessante a proposta de que a idade seja a mesmo, mas a mulher tenha um prêmio de um ano abatido da idade mínima por cada filho. Hoje 30% das mulheres não têm filhos.

Rolf Kuntz*: Bolsonaro e sua estranha diplomacia sem Estado

- O Estado de S.Paulo

Presidente, no Brasil, é chefe de governo e de Estado. Falta explicar os termos ao presidente

Depois de prestar vassalagem a seu ídolo e modelo Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro foi a Santiago com a anunciada intenção de enterrar a quase esquecida Unasul, uma irrelevante invenção bolivariana, e participar da criação de um bloco proposto pelo colega chileno Sebastián Piñera. Nenhuma das duas visitas tem relação clara com interesses de Estado. As duas foram motivadas por objetivos ideológicos e até religiosos, sem conexão com os atributos essenciais da entidade conhecida como República Federativa do Brasil. Essa entidade é laica e sua Constituição garante, além da “livre manifestação do pensamento”, a “liberdade de consciência e de crença”. É uma aberração, portanto, a ideia de uma diplomacia cristã, proclamada pelo embaixador Ernesto Araújo, ocupante formal do posto de ministro de Relações Exteriores. Na tradição do Itamaraty, violada algumas vezes no passado e simplesmente ignorada no atual governo, a diplomacia se faz em nome do Estado.

O chanceler e seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, estão muito longe dessa tradição. Isso foi comprovado de forma indisfarçável na visita presidencial a Washington. Na Casa Branca ele falou de um Brasil engajado com os Estados Unidos. Não falou de afinidades ou simplesmente de interesses comuns, mas de engajamento, numa condição de clara subordinação. Além disso, a afinidade, se fosse mencionada, seria entre países ou ente governantes? A hipótese correta, nesse caso, é a segunda.

Eliane Cantanhêde: 'Não tem governo'

- O Estado de S.Paulo

Rodrigo Maia: “É um governo vazio, sem ideia, sem proposta, sem articulação”

Mais uma semana infernal no Congresso, no Executivo, no Judiciário, no mercado e, muito especialmente, no twitter. Começou e terminou com o presidente Jair Bolsonaro ajustando as posições brasileiras às de Donald Trump, enquanto o Brasil pegava fogo. Mais um ex-presidente preso, o presidente da Câmara em pé de guerra e os filhos do presidente desgovernados nas redes sociais.

A maior vítima é a reforma da Previdência, que sofreu vários solavancos: críticas no Congresso à proposta dos militares, considerada mais branda do que para outras categorias; parlamentares do PSL comemorando a prisão de Michel Temer, maior nome do MDB; a queda de 15 pontos na popularidade de Bolsonaro no Ibope; a desarticulação do governo com sua base.

Nada, porém, foi tão nocivo às chances da reforma da Previdência quanto os ataques de bolsonaristas e até do governo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é, nada mais, nada menos, a peça principal para a aprovação da proposta no Congresso.

De pavio curto, como se sabe, Maia não gostou quando o ministro Sérgio Moro se reuniu com a “bancada da bala” e disse que iria insistir na tramitação do pacote anticrime o quanto antes. Maia, que tinha acertado com Bolsonaro dar prioridade à Previdência e deixar o pacote Moro para o segundo semestre, deu um pulo. E avisou que não falava com funcionários, só com o chefe. Ou seja, não falava com Moro, só com Bolsonaro.

Bruno Boghossian: Volte três casas

- Folha de S. Paulo

Presidente anda para trás no trabalho de articulação e aprofunda isolamento

Jair Bolsonaro igualou uma façanha dos tempos modernos quando se elegeu sem fazer alianças com grandes partidos. Ao tomar posse, concretizou um lance audacioso ao montar um governo sem negociar ministérios em troca de apoio no Congresso. Desde então, o presidente passa os dias admirando os dois títulos pendurados na parede.

Bolsonaro chega à reta final do terceiro mês de mandato sem apresentar um diagrama do que será erguido no lugar das relações partidárias que ele prometeu derrubar. Na última semana, o governo obteve a proeza de aprofundar ainda mais seu isolamento político.

O PSL, partido do próprio presidente, deu sinais de esfarelamento. O líder da sigla na Câmara criticou a proposta do Planalto para reformar a aposentadoria dos militares e disse que a legenda não estava disposta a “descascar o abacaxi no dente”.

O desprezo do clã Bolsonaro pela tal velha política se traduziu em hostilidade. Conseguiu incomodar o DEM, o único partido que fazia esforços para dar sustentação ao governo, com o comando das duas casas do Congresso. O presidente andou para trás no trabalho de articulação.

Bolsonaro não precisa ceder ao “toma lá, dá cá” que marcou, por décadas, a relação entre Executivo e Legislativo, mas também não conseguiu mostrar como conquistar votos para aprovar os projetos de seu interesse. Sua única estratégia, até agora, foi tentar abrir caminho na política a golpes de machado.

Vera Magalhães: Bolsonaro quer reforma?

- O Estado de S.Paulo

Amadorismo na política e corporativismo militar são riscos à aprovação da proposta

Poucos presidentes na história recente do Brasil tiveram a oportunidade de, com uma única ação, definir o sucesso de seu governo e ter quatro anos de relativa tranquilidade econômica e política. Mas Jair Bolsonaro não enxerga a reforma da Previdência como prioridade. E aí reside um risco enorme não só à aprovação da medida, mas ao êxito de seu quadriênio presidencial.

Na transmissão ao vivo que fez do Chile na última quinta-feira, Bolsonaro explicitou exatamente o que pensa do assunto: por ele, não gostaria de fazer reforma nenhuma. Mais: o presidente da República voltou a agir como um sindicalista, se referindo aos militares como “nós” e defendendo a forma excepcionalíssima com que as Forças Armadas foram tratadas na discussão da reforma.

A má vontade com que encaminha o projeto se traduz no desastre da articulação política. Nem o PSL, a colcha de retalhos em forma de partido à qual hoje o presidente é filiado, tem manifestado apoio firme à reforma.

Insistindo no discurso vazio de que não cederá à velha política para negociar, Bolsonaro corre o risco de perder o principal interlocutor pró-reforma hoje, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ainda que tenha procurado reduzir o tom nas últimas entrevistas, o presidente da Câmara deixou claro o que pensa do governo: um deserto de ideias mais preocupado com o Twitter que em resolver os problemas do País, como desemprego e pobreza. E ele está correto no diagnóstico.

Isso fica evidente quando um dos assessores diretos do presidente, Filipe Martins, faz no mesmo Twitter uma série de posts com pretensão de alta filosofia política em que identifica uma suposta ala “anti-establishment” no governo, que seria a chave para, com base em mecanismos próprios de democracia direta, promover uma mobilização popular permanente via redes sociais capaz de pressionar o Congresso a aprovar as agendas do governo, entre elas a reforma.

Trata-se de um diagnóstico absolutamente descolado da realidade, típico de alguém que nunca acompanhou os meandros do Legislativo e ignora as diferentes realidades sociais de um país complexo como o Brasil, no qual a militância virtual é uma ínfima e irrelevante fração.

Janio de Freitas: Correspondência de guerra

- Folha de S. Paulo

A Lava Jato acirra o conflito com os mesmos métodos que acabaram por provocá-la

É guerra. Era previsível, omissões a tornaram inevitável. Mas, guerra embora, promete ser benfazeja. A Lava Jato inicial e suas extensões reagem ao retardatário entendimento, no alto Judiciário, de que combate à corrupção e abuso do poder repressivo são coisas diferentes. A Lava Jato foi deixada livre para suas práticas indiferentes aos limites legais e ao bom senso, com violação de direitos civis, de exigências processuais e da ética (pessoal e jurídica). O desgaste, porém, não a atingiu, resguardada pela “mídia”: o omisso Supremo Tribunal Federal foi o desgastado —e afinal se assustou.

A interpretação generalizada das prisões encabeçadas por Michel Temer, ou do momento em que ocorrem, é a de resposta da Lava Jato contrariada por decisões recentes do Supremo. Se às prisões juntarmos o vazamento que atinge o ministro Luiz Fux, desencavado do depoimento inatual de um empresário, o propósito dos recentes atos e afirmações da Lava Jato está claro, dispensa interpretações.

Concomitante ao despertar do Supremo vê-se, portanto, que também na “mídia”, e daí na opinião pública, ações da Lava Jato já são identificadas com finalidades alheias à razão jurídica. É um passo pequeno, mas é avanço na direção de justiça. Ou, mais preciso, de menos injustiça. E não de política e sede de poder com armas da Justiça.

A Lava Jato acirra a guerra com os mesmos métodos que acabaram por provocá-la. O argumento mais forte para a prisão de Temer, por exemplo, foi a continuação das práticas corruptas. Quais são os fatos comprovantes? “Houve apenas uma comunicação do Coaf”, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, palavras de uma procuradora. “Mas esse fato, de acordo com o registrado pelo Coaf, aconteceu em outubro de 2018”. Logo, “é indicativo de que a organização criminosa continua atuando”.

Não é. Há cinco para seis meses, Temer ainda na Presidência, um fato foi indicativo de algo há um semestre, não do presente. Se houve o fato então, isso não indica a sua continuidade. A alegação central para a prisão não tem veracidade.

*Angela Alonso: Tuítes, bíblias e balas

- Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Adversários do 'marxismo cultural' promovem proselitismo agressivo

“Em nome da Santíssima Trindade” —assim se abre a primeira Constituição brasileira, de 1824. Seu miolo continha uma religião de Estado. Visava menos a exclusão inquisitorial que operar como meio de controle social.

A Igreja Católica tocava os serviços estatais de registrar quem nascia, casava, morria. Votava-se em paróquias e se moldavam corações e mentes cristãos em capelas e escolas. Os religiosos, mais que Deus, estavam em toda parte, a política incluída.

Ainda no Segundo Reinado, o tema foi à berlinda. Secularizar o Estado virou bordão em discursos parlamentares, artigos de imprensa e projetos de lei de modernizadores.

Um argumento caracterizava o Estado teocrático como típico de tempos de obscurantismo, a Idade Média, e advertia que a sociedade moderna se alicerçava na ciência, em vez de na fé revelada. O ministro da Educação conhece o debate: no mestrado estudou alguns de seus participantes positivistas.

Outra linha era a liberal clássica, da liberdade de consciência. A tolerância à religião dos outros seria a única maneira de se proteger da imposição da crença alheia. Liberal —e agora autodeclarado evolucionista— o ministro da Economia deveria concordar com o postulado.

O Império caiu, os dois raciocínios seguem de pé.

A República inscreveu em sua Constituição inaugural a laicidade do Estado, deixando a religião como decisão de foro íntimo. A vigente, de 1988, registrou em seu preâmbulo a expressão “sob a proteção de Deus”, mas sem impor a ninguém o exercício de uma fé particular, menos ainda o proselitismo religioso por meio de política pública.

Vinicius Torres Freire: Parece que o pau está comendo'

- Folha de S. Paulo

Ideólogo do bolsonarismo prega agitação, propaganda e democracia direta tuitada

"O poder no Brasil está em guerras", se escrevia aqui, no domingo passado (17). "Parece que o pau está comendo", disse na sexta-feira (22) o ministro Paulo Guedes (Economia), que fazia troça da semana de confrontos explícitos entre as turmas do poder.

Gente no centro do governo, porém, fazia teoria do conflito e da importância da rebelião das massas para o sucesso do governo de Jair Bolsonaro.

Filipe Martins, assessor da intimidade presidencial, um ideólogo do bolsonarismo e de seu núcleo de agitação e propaganda, pregou no Twitter nove teses sobre a missão da "ala antiestablishment" do governo: derrubar a "oligarquia" atiçando as massas, por meio de pressão popular direta, o que substituiria a "velha política". Leia mais abaixo um resumo desse manifesto bolsonarista, também um grito de guerra dentro e fora do governo.

Nesta semana, ficaram mais graves os atritos entre o Supremo e os procuradores militantes; entre Congresso e Planalto. O líder lava-jatista, o ministro Sergio Moro (Justiça), chocou-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, por sua vez, abdicou do posto de articulador-geral parlamentar de Bolsonaro.

Maia estava sendo flagelado pelas falanges de Bolsonaro nas redes insociáveis, caçado por ser um representante da "velha política" e, em última análise, por tentar reunir uma coalizão parlamentar de apoio ao governo ou, pelo menos, à reforma da Previdência.

Mas os remendos de coordenação política que havia se desmilinguiram na semana passada.

Para piorar, no Chile, Bolsonaro dissera que a governabilidade e acordos políticos baseados em divisão de poder (cargos) criam situações propícias à corrupção.

O presidente e o núcleo ideológico de seu governo estão afinados. Trata-se do grupo comandado por seus filhos Carlos e Eduardo, que puseram Filipe Martins no cargo de assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, todos eles muito ligados ao influenciador digital Olavo de Carvalho.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, que onda é essa?

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo”

Muita gente ainda não se deu conta de que o grande derrotado nas eleições foi o chamado centro democrático. E que o tsunami eleitoral gerou uma sucessão de swells que fazem a alegria dos surfistas da política. Em português, essa palavra significa “ondulação”. São vagas formadas por uma tempestade em alto-mar que se deslocam para a costa, gerando grandes ondas que se propagam por longas distâncias. Ao se aproximarem da praia, quando batem nas barreiras de corais ou bancos de areia, tornam-se ainda maiores; dependendo das condições climáticas e das características do local, podem se tornar gigantes.

Essa analogia tem tudo a ver com o momento político que estamos vivendo. É um erro supor que o grande derrotado nas eleições gerais passadas foi o PT, que chegou ao segundo turno e manteve a segunda bancada na Câmara, mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso. As forças centristas que ficaram de fora do segundo turno, e derivaram para o apoio a Bolsonaro, embora sejam as maiores derrotadas, mantiveram a ilusão de que esse apoio por gravidade lhes garantiria a preservação dos espaços de poder que ocupavam antes. Isso, até agora, vem sendo um ledo engano.

Estão como aquele banhista que permanece na areia tomando sol e se diverte com os surfistas que caem das pranchas, sem levar em conta que o calhau que os derrubou vai se espraiar. Quando menos espera, a onda invade a praia, carrega os chinelos, enche a toalha de areia e molha a carteira com os documentos. É mais ou menos isso que está acontecendo com os políticos que esperavam de Bolsonaro o mesmo tratamento recebido durante o governo de Michel Temer, que governou como se fosse primeiro-ministro, compartilhando o governo com o Parlamento. O ex-presidente e seu maior estrategista, o ex-governador fluminense Moreira Franco, estão presos. Outros políticos do MDB e partidos do centro investigados pela Operação Lava-Jato estão na mira do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e seus amigos que continuam na força-tarefa encarregada de banir a corrupção da política

Bolsonaro não se propôs a fazer um governo de centro, a lógica da formação da sua equipe, sua forma de atuação e a narrativa política que adotou, assumidamente de direita, é incompatível com a construção de uma coalizão ampla. Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo. Está mais para Dilma Rousseff com sinal trocado, do que para Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora o primeiro não tenha metido os pés pelas mãos como o segundo. Seus ataques à política tradicional são uma demonstração dessa incompatibilidade de gênios. Para manter a base eleitoral que o levou ao segundo turno, enquanto gozar de prestígio popular, não fará nenhum movimento em direção ao centro político que possa parecer aos seus eleitores um “estelionato eleitoral”. Somente um fracasso na economia, uma “vaca” sinistra, para usar a linguagem dos surfistas, pode levar Bolsonaro a um “arreglo”.

Ricardo Noblat: Para esquecer o passado

- Blog do Noblat / Veja

Tempos estranhos

“Cidadania”. É como se chamará doravante o Partido Popular Socialista (PPS), nome fantasia do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundado em 1922.

Houve quem não gostasse do nome, e sugerisse que melhor seria chamá-lo de Partido da Cidadania.

A sugestão foi derrotada porque então a sigla do partido (PC) remeteria à agremiação original, e nestes tempos estranhos…

“Cidadania”, pois. Ou Cida.

A falência do PMDB

Frouxa reação

O ex-presidente José Sarney estava em sua casa no Lago Sul de Brasília quando soube da prisão do ex-presidente Michel Temer na manhã da última quinta-feira. À tarde, leu a nota onde seu partido, o PMDB, protestava contra a prisão. Considerou-a muito fraca.

Então telefonou para o ex-senador Romero Jucá (RR), presidente do partido, e recomendou que convocasse uma reunião de emergência da Executiva do PMDB e que divulgasse depois uma nota mais dura.

Desligou depois de ouvir Jucá dizer que para fazer isso não tinha confiança na maioria dos 21 membros da Executiva.

Clóvis Rossi: Contra o ódio, é preciso conversar

- Folha de S. Paulo

Macron mostrou o caminho; será seguido aqui?

Duas iniciativas do presidente da França, Emmanuel Macron, talvez devessem ser replicadas no Brasil.

A primeira foi a convocação de um grande debate nacional: durante dois meses, desde meados de janeiro, se realizaram mais de 10 mil reuniões em todo o país. Macron participou de uma dúzia delas.

Objetivo: dar voz aos franceses, para entender a insatisfação popular. Que há insatisfação, é só ver a quantidade de gente que participa, todos os sábados, das manifestações dos "coletes amarelos".

A propósito: não vale confundir os protestos, quando pacíficos, com o vandalismo promovido pelos chamados "casseurs", que saem quebrando o que encontram pela frente. Não é civilizado.

Segunda iniciativa de Macron, levada a cabo na segunda-feira (18) e que avançou pela madrugada de terça (19): chamar ao Palácio do Eliseu 64 acadêmicos (filósofos, historiadores, sociólogos, economistas, cientistas), como se fosse o epílogo do grande debate nacional.

Por que acho que são iniciativas que deveriam ser imitadas?

Primeiro, porque o Brasil precisa conversar. O que há hoje é um monólogo dentro de cada tribo, não uma conversação entre uma tribo e outra (ou entre diferentes tribos).

Segundo, porque há no Brasil uma situação razoavelmente parecida com a que o filósofo Pascal Bruckner descreveu para Macron sobre a França. Lamentou, no Eliseu, "esta anarquia crescente, que faz da França um país em um estado de quase guerra civil latente, na qual o ódio de todos contra cada um parece triunfar".

Entrevista/ ‘Presidente não demonstra capacidade de articulação’, diz cientista político

Sérgio Abranches, cientista político

Para Sérgio Abranches, falta de uma coalizão com o Legislativo traz dificuldades para a governabilidade

Paulo Beraldo, O Estado de S. Paulo

Passados quase três meses desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro não mostra forças para fazer uma “aglutinação” no Congresso, agravando a tensão entre Executivo e Legislativo, avalia o cientista político Sérgio Abranches. “Existe uma percepção de que coalizão é igual corrupção. Não é. O que está posto agora é ver como formar uma nova coalizão. Isso implica um projeto de governo bem articulado, um presidente que assuma a liderança disso e que queira formar maioria em torno de ideias que unam e não desunam.” Autor do termo “presidencialismo de coalizão” nos anos 1980, Abranches afirma que “não faz sentido” o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser articulador político de qualquer agenda do governo. “Quem tem de fazer articulação é o presidente e suas lideranças, e elas não estão dando demonstração de ter capacidade para essa articulação.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Como o sr. vê o cenário político?

A eleição de 2018 encerrou o primeiro ciclo do presidencialismo de coalizão, que organizou governo e oposição de 1994 a 2014. Em 2018, houve a substituição de um sistema partidário por outro, um realinhamento. Todos perderam com a eleição de 2018, com exceção do PSL. Esse ciclo caracterizado pelo duopólio na disputa pela presidência entre PT e PSDB, que também organizava tanto governo quanto oposição, começou a dar problema em 2014, teve o auge da crise com o impeachment em 2016 e se confirmou em 2018 quando esse sistema que estava em exaustão se encerrou. O que vemos agora são os resultados disso.

Ataques do PSL afastam aliados do presidente

Parlamentares de diferentes partidos reclamam da ‘demonização’ da política e se irritam com ofensiva, inclusive dos filhos do presidente, nas redes sociais. Líder do governo já procurou deputados para pedir desculpas

Eduardo Bresciani / O Globo

BRASÍLIA - Parlamentares de diferentes partidos afirmam que a postura de setores do Palácio do Planalto e, principalmente, da bancada do PSL de “demonizar” a atuação política tem dificultado a construção de uma base aliada ao governo Jair Bolsonaro no Congresso.

As críticas, que já eram intensas nos bastidores, se ampliaram na semana passada. Essas reclamações encontram ressonância até dentro do governo. Um ministro classificou os ataques a potenciais aliados como uma “imaturidade amplificada pela internet” que precisa ser consertada. O descontentamento com essas atitudes está presente em vários partidos.

As principais queixas estão relacionadas a discursos dos aliados de Bolsonaro nas bases parlamentares, que procuram capitalizar a popularidade do presidente e carimbar o selo de “velha política” nos deputados de outras siglas, mesmo sendo estes aliados necessários para o Planalto. Um vice-líder do governo afirma que o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) tem buscado atuar para reduzir os danos. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), por exemplo, já procurou alguns deputados pedindo desculpas por ataques. Há preocupação, porém, com a postura dos filhos do presidente, pois, nesse caso, caberia a Bolsonaro colocar um freio. Até agora, isso não ocorreu.

Em uma reunião da bancada do PSDB, ocorrida na última quarta-feira, diversos deputados fizeram relatos de agressão em suas bases. Um episódio ocorrido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na semana passada deixou os tucanos especialmente irritados. O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) chamou repetidamente o presidente do PSDB, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, de “assassino de policiais”. E, mesmo depois que um tucano pediu a retirada das palavras dos anais da Câmara, Tadeu repetiu o ataque.

O líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP), protocolou uma representação contra Coronel Tadeu no Conselho de Ética. Os ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vieram até de um dos filhos de Bolsonaro, e as comemorações de parlamentares do PSL pela prisão do ex-presidente Michel Temer geraram ainda mais irritação em deputados que tendem a apoiar o governo. Uma liderança da bancada ruralista chega a dizer que não haverá base aliada enquanto o governo não interferir para controlar os ânimos.

Em bate-boca com Maia, Bolsonaro diz que reforma é no Congresso

Presidente e deputado trocam farpas sobre articulação política para Previdência

Sylvia Colombo , Talita Fernandes e Tássia Kastner / Folha de S. Paulo

BUENOS AIRES , BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL), em viagem oficial ao Chile, trocou neste sábado (23) uma série de farpas com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a articulação política da reforma da Previdência.

Bolsonaro voltou a criticar a “velha política”. Após uma cobrança de Maia, o presidente disse que a responsabilidade para a aprovação das mudanças nas regras das aposentadorias e pensões agora está com o Congresso.

O presidente respondeu às declarações de Maia, que tem criticado a posição do governo diante da reforma.

Bolsonaro falou três vezes sobre o impasse político durante visita a Santiago. Ele comentou o tema em café da manhã com empresários, em discurso ao lado do presidente Sebastián Piñera e em rápida entrevista coletiva.

BATE-BOCA
"Os atritos que acontecem no momento, mesmo eu estando calado e fora do Brasil, acontecem na política lá dentro porque alguns, não são todos, não querem largar a velha política"
"Nunca o critiquei [Maia], eu não sei por que ele de repente está se comportando dessa forma um tanto quanto agressiva no tocante à minha pessoa"

"Eu até perdoo o Rodrigo Maia pela situação pessoal que ele está vivendo"
Jair Boslsonaro (PSL), presidente

"Ele não pode terceirizar a articulação como ele estava fazendo"

"Você pode pesquisar os meus tuítes, os do presidente e do entorno do presidente, para você ver quem está sendo agredido nas redes sociais"

"Depois da Previdência, a nossa agenda é a reforma tributária e a repactuação do Estado brasileiro. De que forma o governo vai ou não participar, isso não é um problema meu"

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados

“Os atritos que acontecem no momento, mesmo eu estando calado e fora do Brasil, acontecem na política porque alguns, não são todos, não querem largar a velha política”, afirmou Bolsonaro.

Em Brasília, ainda pela manhã deste sábado, Maia disse que o presidente precisa mostrar o que é a “nova política”. Ele afirmou também que Bolsonaro deveria assumir responsabilidades e não terceirizar a articulação política.

Para Bolsonaro, a reforma da Previdência não é uma questão de governo, mas de Estado. “A responsabilidade no momento está com o Parlamento brasileiro. Eu confio na maioria dos parlamentares”, afirmou.

Sobre as críticas do presidente da Câmara, Bolsonaro disse não entender o tom agressivo.

“Nunca o critiquei, eu não sei por que ele de repente está se comportando dessa forma um tanto quanto agressiva no tocante à minha pessoa.”

“Agora, o que é articulação? O que é que está faltando eu fazer? O que foi feito no passado não deu certo e não seguirei o mesmo destino de ex-presidentes, pode ter certeza disso.”

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB) estão presos. O petista foi condenado na Lava Jato, e o emedebista está em preventiva.

“Eu até perdoo o Rodrigo Maia pela situação pessoal que ele está vivendo. O Brasil está acima dos meus interesses e do dele. O Brasil em primeiro lugar”, disse Bolsonaro.

Maia é casado com a enteada de Moreira Franco (MDB), ex-ministro de Temer e ex-governador do Rio, que também foi preso nesta semana por ordem do juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato no Rio.

Rodrigo Maia afirma que PPS é importante para a democracia e critica Jair Bolsonaro

- Portal do PPS

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou, neste sábado (23), na abertura do Congresso Extraordinário do PPS, em Brasília, que o partido é importante para a democracia e comprometido com o futuro do País. Ele defendeu o fortalecimento das instituições democráticas brasileiras e criticou o governo Bolsonaro por preferir o ataque e não o debate.

“Estou aqui com um partido muito importante para a nossa democracia. Recebi a presidente do parlamento da Espanha e ela me questionou como o governo brasileiro quer governar sem partidos políticos. É isso que precisamos afirmar. A importância que os partidos tem na democracia brasileira. O que queremos tirar não são os partidos, mas aquelas pessoas que fizeram mal ao estado e a sociedade. Quando você faz criticas o outro lado caminha para o ataque. Me preocupa porque não me parece uma preocupação com a democracia. Parece mais um viés autoritário. O PPS está aqui reafirmando a importância dos partidos, das instituições e a democracia. Renovando, mostrando novos caminhos para o Brasil e trazendo novas ideias. Hoje temos um vazio de ideias”, disse Maia, no congresso que vai definir o novo nome do partido.

“Não se encontrou”
O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o presidente da Câmara dos Deputados tem uma grande importância para o processo democrático e disse que o governo Bolsonaro “ainda não se encontrou”. Para ele, o governo federal traz preocupações.

“Nós temos pouco tempo de um governo que criou uma cultura com a eleição. O governo não se encontrou e não assumiu o mundo concretamente. Em alguns momentos traz até preocupação de optar por um caminho que não leva em consideração o processo democrático. Busca disputa populista nas ruas contra as instituições. Precisamos estar presentes e saber o papel da política que iremos representar neste momento. O papel representado por Maia é fundamental para o processo democrático”, afirmou.

Veja a Carta de Princípios do Cidadania, o novo nome do PPS Portal PPS

O Cidadania defende a participação cidadã inclusiva de diferentes segmentos da sociedade

Em Congresso Extraordinário neste sábado (23), em Brasília, o PPS aprovou a mudança de nome para Cidadania(veja aqui) e aprovou a Carta de Princípios (veja abaixo) da nova formação política.

O documento aprovado pelos delegados reafirma o compromisso do Cidadania “em construir uma política na qual a participação cidadã inclua diferentes segmentos da sociedade, que são hoje minoritários em representação, como mulheres, negros, indígenas, LGBTI+, pessoas com deficiência e jovens”.

A Carta de Princípios conclama ainda os “cidadãos, cidadãs e movimentos da sociedade civil organizada, que compartilham desses valores, a participar conosco da construção dessa nova formação partidária”

“CARTA DE PRINCÍPIOS
Brasília, 23 de março de 2019

Nós, delegados do Partido Popular Socialista e de diversos movimentos sociais, reunidos em Brasília, deliberamos pela criação de uma nova formação partidária, nomeada Cidadania, que trata com a mesma importância as questões econômicas e sociais, e que:

– se constrói em oposição à polarização política e a favor do diálogo e da convergência;

– se compromete com o combate à pobreza e o combate às desigualdades sociais;

– defende a responsabilidade fiscal em respeito aos impostos que são fruto do trabalho dos cidadãos;

– apoia a sustentabilidade nas suas dimensões ambiental, política e econômica;

– acredita na liberdade como um direito inalienável;

– combate as diferentes formas de preconceito e discriminação;

– se compromete em construir uma cultura de solidariedade e paz;

– se dedica a promover igualdade de oportunidades para todos os que residem no Brasil, brasileiros ou não;

– tenha pluralidade como prioridade na construção dos debates e processos de deliberação do partido;

– combate o populismo e discute os problemas complexos do Brasil e do mundo com a seriedade que eles merecem;

– acredita no acesso à educação como principal vetor da cidadania;

– defende o fortalecimento das instituições democráticas;

– defende a transparência como mecanismo de controle social;

– se compromete com a redução das fronteiras físicas e políticas entre as pessoas;

– reafirma o seu compromisso em construir uma política na qual a participação cidadã inclua diferentes segmentos da sociedade, que são hoje minoritários em representação, como mulheres, negros, indígenas, LGBTI+, pessoas com deficiência e jovens.

Conclamamos todos os cidadãos, cidadãs e movimentos da sociedade civil organizada, que compartilham desses valores, a participar conosco da construção dessa nova formação partidária.

Entrevista/O enigma populista

'Autoritários aprenderam a controlar sem ser opressores', diz Jan-Werner Mueller

Cientista político alemão, autor de 'What is Populism?', veio ao Brasil e concedeu entrevista ao 'Estado'

Guilherme Evelin, O Estado de S.Paulo/ Aliás

O cientista político alemão Jan-Werner Mueller tornou-se uma referência no debate sobre a ascensão de líderes políticos populistas em vários países depois de publicar, em 2016, ano da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o livro What Is Populism? (O Que É Populismo?). Ele veio para o Brasil a convite da Embaixada da Alemanha para uma série de conferências e debates. Ele deu entrevista ao Estado na sexta-feira, 15, após palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso. Nela, discutiu suas ideias a respeito de populismo, democracia, imprensa e redes sociais num momento em que há uma série de desafios às formas tradicionais de democracia representativa no mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

• Como distinguir um líder populista em ação? O presidente Jair Bolsonaro pode ser qualificado como um populista?

Sou relutante em ser uma espécie de teórico com cartão de milhagem, que viaja de um país a outro e diz que isso é assim, aquilo funciona dessa forma, quando, obviamente, as pessoas no Brasil conhecem muito mais as circunstâncias locais. O que eu posso fazer é dar uma moldura e alguns indicadores para que as pessoas possam decidir por si próprias. No meu ponto de vista, um populista é alguém que diz: “Eu e apenas eu represento o povo” – ou o “verdadeiro povo”, como tipicamente, gostam de dizer. Outros políticos são considerados por eles como ilegítimos, corruptos – e todos os cidadãos que não concordam com os populistas são basicamente excluídos do “verdadeiro povo”. 

Outra forma de distinguir um líder populista é que eles promovem guerras culturais. Há uma diferença entre populismo e nacionalismo. Você pode ser um nacionalista e dizer: “América em primeiro lugar” ou “Brasil acima de todos”, mas não necessariamente proclamar que “apenas eu represento o povo”. É importante ver a diferença, embora muitos populistas sejam nacionalistas. Como eles têm de proclamar quem é o “verdadeiro povo”, o nacionalismo é a melhor resposta para dizer que um bom americano é isso, um bom alemão é aquilo. Um último ponto é que os populistas, frequentemente, não têm uma política externa previsível. Há uma hostilidade em relação às organizações internacionais. Quando eles chegam ao poder, precisam dar continuidade ao discurso anti-elite – e eles recorrem ao clichê de que existe uma “sombria” elite internacional que age nos bastidores contra os interesses do “verdadeiro povo”. Por isso, frequentemente, mas nem sempre, partilham de um discurso anti-semita.

Certa deterioração: Editorial / Folha de S. Paulo

Erros, desatinos e trepidações ameaçam cacife político do presidente e reformas

Sintomas de deterioração política em torno do presidente da República se avolumaram nos últimos dias. Erros e desatinos originados no Planalto e em sua vizinhança se somaram a litígios novos, ou redivivos, espocados em outros núcleos de poder da República, com efeitos secundários na governabilidade.

Enquadra-se nesse caso a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), de fundamentação duvidosa. Há coincidências com a operação que, em maio de 2017, expôs a tenebrosa conversa entre o então presidente Temer e o empresário Joesley Batista —gravíssima, sem dúvida, mas tratada com visível açodamento pela Procuradoria.

À época, tal como agora, procuradores, policiais e magistrados —privilegiados por regimes salariais e de aposentadoria sob questionamento no Congresso— produziram um fato capaz de prejudicar o andamento da reforma da Previdência Social.

Só 'vontade de Deus' não basta: Editorial / O Estado de S. Paulo

Cada dia que passa é um dia a menos que o governo tem para articular sua base com vista a aprovar a reforma da Previdência, mas o Palácio do Planalto e seus operadores políticos parecem longe de compreender a urgência do problema. As advertências de deputados e senadores ao governo deixaram de ser apenas murmuradas e passaram a frequentar discursos e entrevistas em que as queixas são expostas de maneira explícita. Hoje parece haver um consenso segundo o qual o presidente Jair Bolsonaro precisa mudar o modo como negocia o apoio para a reforma, sob o risco, cada vez mais concreto, de ser derrotado.

A questão central é que os parlamentares que apoiam a reforma e se dispõem a liderar o esforço por sua aprovação estão cada vez mais descontentes com o fato de que o próprio Bolsonaro não se apresenta para defender com vigor a proposta. Não são poucos os que temem arcar sozinhos com o ônus político da reforma enquanto o presidente hesita ante a natural impopularidade do tema – quinta-feira passada, por exemplo, Bolsonaro disse que, “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, embora reconheça que seja necessária.

O fato é que Bolsonaro parece raciocinar ainda como deputado, condição que o tornaria mais suscetível à pressão de suas bases, e não como presidente, que deve governar para o conjunto da sociedade, com coragem para tomar medidas que podem eventualmente desagradar a seus eleitores.

A julgar pela desorganização de sua articulação política – até mesmo um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, diz ter sido designado para fazer contatos com deputados em nome do pai –, soa otimista a previsão oficial de que a reforma da Previdência possa ser votada ainda no primeiro semestre e de que faltariam pouco menos de 50 votos para aprová-la, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.

À espera da aprovação de reformas: Editorial / O Globo

Êxito do leilão de aeroportos é sinal da vinda de investidores que pode ocorrer se expectativas melhorarem

Em tempos econômicos difíceis, iniciados em 2014, na campanha da presidente Dilma à reeleição — que ela e respectivos marqueteiros se desdobraram para esconder do eleitor —, um dos indicadores infalíveis da crise são os baixos volumes de investimentos.

Eles flutuam, por óbvio, em função da confiança que têm os empresários de que haverá consumo no futuro para os bens ou serviços que produzem. Neste sentido, os horizontes ficaram bastante turvos a partir daquele ano. Embora, segundo os economistas, a taxa ideal de investimentos para que o Brasil alcance um índice razoável de crescimento sustentado seja de 25% do PIB, ela encerrou o ano passado em 15,8%. Faz sentido, portanto, que o crescimento brasileiro, depois da cava recessão de 2015/16, tenha sido nos últimos dois anos na faixa de anêmico 1%. Como decorrência, há ainda 12 milhões de desempregados, que estão sendo absorvidos pelo mercado de trabalho de forma lenta, principalmente por meio de empregos informais e de salários baixos.

Mas existem bons sinais e possibilidades. É o que mostra o resultado positivo do leilão de aeroportos organizado no governo Temer e realizado na sexta-feira retrasada. Foram 12 terminais, distribuídos entre Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, em que se destacam Recife, Cuiabá e Vitória, havendo aeroportos voltados para o turismo e também os negócios — caso de Macaé, no Rio de Janeiro, muito promissor diante do crescimento da exploração de petróleo no pré-sal. Mesmo representando apenas 10% do setor brasileiro — com um movimento de 20 milhões de passageiros por ano —, o conjunto licitado arrecadouparaaUniãoR$2,37bilhões,cerca de dez vezes mais que o preço mínimo de R$ 218,7 milhões.

*Cláudio de Oliveira: Por que Astrojildo e Cristiano foram expulsos do PCB?

O jornalista fluminense Astrojildo Pereira e o advogado pernambucano Cristiano Cordeiro foram dois dos nove fundadores, em 25 de março de 1922, do antigo PCB, o primeiro partido da esquerda brasileira a se organizar nacionalmente. Ambos foram expulsos do partido em 1930 e 1947, respectivamente.

Astrojildo Pereira (1890-1965)

Astrojildo foi o primeiro líder do PCB até 1930, quando o partido sofreu intervenção da Internacional Comunista (IC), sediada em Moscou e comandada pelos partidários de Josef Stálin, o ditador da URSS.

Astrojildo foi afastado da secretaria-geral e depois expulso do PCB acusado de “desvio direitista de caráter menchevique martovista”.

Naquela altura, a IC recusava qualquer diálogo com liberal-democratas e passara a considerar a socialdemocracia como “irmã gêmea do fascismo”, inimigo número um a combater. Tal visão sectária favoreceu a vitória de Adolf Hitler na Alemanha, em 1932.

Já Astrojido liderou a criação, a partir de 1927, do Bloco Operário e Camponês (BOC), uma aliança formada pelo PCB, pelo PSB e por membros do Partido Democrático do Distrito Federal.

Em 1929, o bloco chegou a fazer uma aliança com o Partido Democrático de São Paulo, de liberal-democratas contrários ao Partido Republicano, agremiação conservadora que sustentou os governos da República Velha (1899-1930).

Astrojildo estava com uma posição política adequada à realidade brasileira e foi vítima do ultra-esquerdismo da IC.

Voltou ao PCB com a legalidade de 1945, após escrever uma humilhante carta de autocrítica. Permaneceu na condição de membro suplente do Comitê Central até sua morte, em 1965, no Rio de Janeiro, aos 75 anos.

Mesmo sem ocupar o centro das decisões políticas do PCB, desempenhou papel importante na renovação do pensamento da esquerda brasileira através da Novos Rumos, revista partidária que ajudou a editar.

Cristiano Cordeiro (1895-1987)

O PCB havia decidido candidatar Cristiano à Constituinte de 1933 pela legenda Trabalhador, ocupa teu posto!, em Pernambuco. Cristiano lançou sua candidatura no 1º de maio, em ato no Teatro Santa Isabel, no centro de Recife.

Recusou-se a colocar na sua plataforma eleitoral a formação de conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros, isto é, de sovietes no Brasil.
Ele considerava a proposta alheia à realidade brasileira.

Cristiano conseguiu se eleger deputado. Porém, a comissão eleitoral anulou duas urnas de um bairro popular, reduto eleitoral do PCB, deixando Cristiano fora da Constituinte.

Em 1935, Cristiano foi eleito vereador pelo Recife. Em fins de 1934, contatado por Silo Meirelles, em nome da direção nacional do PCB, Cristiano se recusou a organizar um levante armado contra o governo de Getúlio Vargas.

Para Cristiano, um movimento conspiratório restrito aos quartéis e isolado da sociedade seria uma quartelada fadada ao fracasso.

Em vez disso, propôs Cristiano, o PCB deveria buscar derrotar Vargas não no plano militar, mas na esfera política, articulando uma frente que reunisse não só comunistas e socialistas, como também liberais contrários ao governo.

Dito e feito. O levante de novembro de 1935, organizado pelo PCB, foi facilmente derrotado e forneceu as condições políticas para que Getúlio Vargas promovesse um golpe de Estado em 1937 e instalasse a ditadura do Estado Novo.

Mesmo contrário e sem participar do movimento de 1935, Cristiano foi preso. Libertado um ano depois, só em 1937, por força de um mandato de segurança, conseguiu tomar posse como vereador. Com o golpe do Estado Novo, a Câmara Municipal foi dissolvida, Cristiano foi novamente preso e intimado a deixar a cidade.

Fugiu para Santos, em São Paulo, e depois transferiu-se para Goiás. Com o fim da ditadura, em 1945, voltou a Pernambuco. Por suas posições, foi expulso do partido em 1947.

Cristiano Cordeiro foi reintegrado ao PCB somente em 1980, aos 87 anos. Morreu em novembro de 1987, aos 92 anos de idade.

A partir de 1958, e especialmente depois de 1967, o PCB evoluiu para as posições políticas defendidas por Astrojildo e Cristiano: uma frente reunindo todos os setores democráticos com o objetivo de reestabelecer o Estado de Direito, conquistado afinal com a Constituição de 1988.

Em 1992, a maioria do PCB aprovou a mudança de nome para PPS, cujo instituto de estudos leva o nome de Astrojildo Pereira. Uma ala liderada pelo arquiteto Oscar Niemeyer recriou o partido, porém o novo PCB não conseguiu eleger representantes no Congresso.

*Cláudio de Oliveira é jornalista, cartunista e autor do e-book Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil
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Carlos Drummond de Andrade: A rua diferente

Na minha rua estão cortando árvores
Botando trilhos
Construindo casas.

Minha rua acordou mudada.
Os vizinhos não se conformam.
Eles não sabem que a vida
tem dessas exigências brutas.

Só minha filha goza o espetáculo
e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena
e o cimento escorrendo nas formas

Roberta Sá | Disseram que eu voltei americanizada