Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
Merval Pereira - O lado certo
Eliane Cantanhêde - Depois da festa, a ressaca
Mais
uma que Jair Bolsonaro perde e ele some, cala e usa o general de escudo
Passada
a festa histórica da primeira vacinação em São Paulo, vem a ressaca e, com ela,
a realidade de um Brasil onde o presidente da República nega a pandemia e combate a vacina, o ministro da Saúde oscila entre
ignorância, prepotência e mentira e, nessas mãos, o futuro da imunização é incerto,
não sabido e preocupante.
Goste-se
ou não dele, é graças ao governador João Doria que o Brasil pôde
começar a vacinar e os Estados estão recebendo avidamente suas primeiras doses.
Se dependesse do presidente Jair Bolsonaro e do ministro
Eduardo Pazuello, não haveria vacina nenhuma e estaríamos todos chorando as
mágoas e os mortos com cloroquina (ou “tratamento precoce”, que a própria Anvisa desautoriza).
Obrigado agora a engolir em seco e requisitar todas as doses de São Paulo, Bolsonaro atacou a Coronavac por meses, depois de desautorizar Pazuello e cancelar a compra de 46 milhões de doses já anunciadas aos governadores: “Vacina chinesa do Doria? Não vou comprar”; “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Mais adiante, quando um voluntário se suicidou, o presidente acusou a Coronavac de “morte, invalidez e anomalia” e comemorou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Danem-se os brasileiros.
Luiz Carlos Azedo - Como perder a guerra
Tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz
precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como
os chineses da nossa soja
Há
derrotas por antecipação. Geralmente, como já disse, ocorrem quando se comete
um erro de conceito estratégico. A partir daí, os planejamentos tático e
operacional são desastres sucessivos. Em tese, oficiais superiores são
treinados para serem bons estrategistas. O marechal Castelo Branco, por
exemplo, conquistou essa fama nos campos da Itália, na II Guerra Mundial, ao
elaborar o bem-sucedido plano da tomada de Monte Castelo, que veio a ser uma
das glórias de nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Não é
o caso do general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, apesar da fama de craque
em logística.
O primeiro erro de conceito de Pazuello é considerar a pandemia uma guerra. Como figura de linguagem, ainda se pode dar um desconto; como conceito de política sanitária, porém, leva a conclusões equivocadas. Logo no começo da pandemia, o sanitarista Luiz Antônio Santini, médico e ex-diretor do Inca, publicou um artigo no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz chamando atenção para isso: “A metáfora da guerra, embora frequente, não é adequada para abordar os desafios da saúde, até porque, por definição, uma guerra visa derrotar um inimigo e, para isso, vai requerer a mobilização de recursos das mais variadas naturezas que, em geral, levam a uma brutal desorganização econômica e social do país. Essa visão belicosa, no caso de uma pandemia, além de limitar, é seguramente ineficiente”.
Ricardo Noblat - É a Constituição, estúpido, não os militares que garante a democracia
Bolsonaro finge que faltou a essa aula
Nada
há de ignorância quando o presidente Jair Bolsonaro diz, como disse ontem, como
disse no passado antes e depois de se eleger, que “quem decide se um povo vai
viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.
Pelo
menos isso, ele sabe que não é assim. Quem garante a democracia é a
Constituição. A nossa, em vigor desde 1988, foi escrita e aprovada por
representantes do povo eleitos justamente para dar conta de tal tarefa.
Sempre
que se vê em apuros, Bolsonaro bate à porta dos quartéis atrás de apoio,
corteja seus antigos pares e ameaça seus adversários políticos com esse tipo de
declaração. É quando seu instinto e intuito golpistas traem de fato o que ele
é.
As
Forças Armadas não estão acima da Constituição que o presidente jurou
respeitar, mas que desrespeita sempre que pode. Obedecer à Constituição não é
só um dever, é uma obrigação coletiva. Tentar enfraquecê-la é um crime de lesa
majestade.
Do
que mais têm medo Bolsonaro e Pazuello
Crime
de responsabilidade
Jair
Bolsonaro e Eduardo Pazuello têm em comum a formação militar e o fato de serem
no momento as duas figuras públicas de maior relevo em meio a uma pandemia que
colheu até ontem no Brasil mais de 210 mil vidas. E que poderá colher muito
mais, uma vez que mal começou, a vacinação poderá ser suspensa em breve devido
à falta de doses suficientes para imunizar tanta gente.
Faltam insumos para que o Instituto Butantan possa fabricar a CoronaVac no volume necessário. A Fundação Oswaldo Cruz também não tem para fabricar a AstraZeneca. Os insumos para as duas vacinas dependem da China que os produz, e, por lá, menos de 1% da população foi imunizada. Fracassou a operação de compra da AstraZeneca à Índia. Era fake. Um golpe.
Hélio Schwartsman - Doria derrota Bolsonaro
Depois
de dizer 'NÃO SERÁ COMPRADA', Bolsonaro comprou 46 milhões doses da Coronavac
João
Doria é valente. Em seu lugar, eu não teria entregado as vacinas
contra Covid-19 ao governo federal antes de o cheque pela compra do
biofármaco ter sido compensado. Para não dizer que Jair Bolsonaro e seus prepostos
são um bando de salafrários, afirmo apenas que a confiabilidade do Planalto
tende a zero.
Nem
precisamos nos afastar da vacina para constatá-lo. Menos de três meses atrás,
ao ser questionado por um apoiador sobre o anúncio de que o Ministério da Saúde
iria adquirir a Coronavac sino-doriana, o presidente desautorizou seu ministro
e escreveu no Facebook: "NÃO SERÁ COMPRADA". Comprou, 46 milhões de
doses, com opção de mais 54 milhões.
Obviamente, não me queixo de o presidente ter descumprido a palavra. Mas, se tivesse dignidade, ofereceria uma explicação para a mudança de atitude, além de um pedido de desculpas aos chineses e ao governador paulista.
Cristina Serra - A ciência derruba mitos
Início
da vacinação é a derrota mais espetacular de Bolsonaro nestes dois anos
O dia
17 de janeiro de 2021 deveria assinalar o começo do fim do desgoverno
Bolsonaro. Foi sua derrota mais espetacular nestes dois anos em que tentou com
máximo empenho destruir o Brasil. As luzes da ciência brilharam com todo o seu
esplendor, mesmo numa agência reguladora dirigida por um seguidor do
negacionista.
A
Anvisa aprovou o uso emergencial de duas vacinas importadas e produzidas em
parceria de instituições científicas brasileiras com farmacêuticas e uma
universidade estrangeiras. Aos cientistas e servidores públicos do Instituto
Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz devemos a vitória deste domingo
inesquecível.
O sabotador-mor da República chegou a dizer que a "vacina chinesa" teria como efeitos colaterais "morte, invalidez, anomalia". "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", comemorou, quando o suicídio de um voluntário levou à interrupção dos testes. A frase agora é outra: "Mais uma que Jair Bolsonaro perde". E vai perder mais, porque a história mostra que a marcha do Iluminismo é irreprimível e que a ciência derruba mitos.
Joel Pinheiro da Fonseca* - A Necrochanchada
Vacina
há de vencer o vírus; se Brasil não vencer Bolsonaro, novos desastres virão
Apesar
de Bolsonaro, temos
finalmente duas vacinas aprovadas, e as primeiras
doses da Coronavac já sendo aplicadas na população.
Isso
prova duas coisas. A primeira é que mesmo com um sabotador desqualificado na
Presidência da República, o Brasil ainda resiste: laboratórios, universidades,
governos, agências, todos ainda funcionam. O receio de um Instituto Butantan ou
de uma Anvisa politizados revelou-se infundado.
A
segunda é que a permanência
de Bolsonaro na Presidência virou um fardo intolerável para o país. Cada
dia a mais em que permitimos que ele continue —apesar dos inúmeros crimes de
responsabilidade— na cadeira presidencial, são mais mortes que deixamos de
evitar.
Quando, no mesmo governo, misturam-se safadeza, má-fé e incompetência, é difícil saber qual é mais danosa. O ministro Pazuello, nosso "expert em logística" que deixou milhões de testes perderem a validade num galpão, não se lembrou de comprar seringa para vacinar a população. O governo até tentou confiscar as seringas de São Paulo, mas o malvado STF não deixou.
Andrea Jubé - Quem desdenha sempre quer comprar
Doria
perdeu chance de tapa com luva de pelica em Bolsonaro
Ӄ
uma vacina emergencial, 50% de eficácia. É algo que ninguém sabe ainda se
teremos efeitos colaterais ou não".
Essa
foi a declaração do presidente Jair Bolsonaro ontem a um grupo de apoiadores na
saída do Palácio da Alvorada sobre a CoronaVac, vacina do Instituto Butantan em
parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Nas
redes sociais, ele se manifestou com o silêncio sobre a única vacina disponível
aos brasileiros num universo de 200 mil famílias enlutadas, e com um atraso de
41 dias, em relação à inauguração da temporada de vacinações com a britânica
imunizada no Reino Unido. Hoje pelo menos 50 países estão imunizando seus
cidadãos.
O
Brasil só começou anteontem e quem saiu na foto foi o governador de São Paulo,
João Doria - provável adversário de Bolsonaro em 2022.
Essa
declaração de Bolsonaro aos apoiadores, voltando a desacreditar a CoronaVac, é
contraditória, senão, estapafúrdia.
Isso porque neste sábado, depois que veio a público o fracasso do governo na importação da Índia de dois milhões de doses da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca, o Ministério da Saúde tentou confiscar as seis milhões de doses da CoronaVac, para dar largada, com ela, no Plano Nacional de Imunização (PNI) em uma competição burlesca com o governo de São Paulo.
Desgaste sofrido pelo Planalto afeta disputa na Câmara
Tulio
Kruse Camila Turtelli Daniel Weterman / O Estado de S. Paulo
A pouco mais de dez dias da eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, o Solidariedade declarou ontem apoio à candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). O partido chegou a flertar com o candidato Arthur Lira (Progressistas-al), principal oponente do emedebista, mas alegou que desistiu do movimento por causa da proximidade do líder do Centrão com o Palácio do Planalto.
Em
reunião na sede do Solidariedade em São Paulo, com a presença de Baleia e
líderes de PT, PV, PSL e Cidadania, a avaliação foi a de que o desgaste do
governo federal provocado pela condução da pandemia do novo coronavírus deve
ajudar a atrair mais parlamentares para o bloco do emedebista, que tem aval do
atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Acredito que todo esse batecabeça (na questão da pandemia e da vacinação) pode ajudar no fortalecimento da nossa candidatura.os parlamentares vão fazer essa análise, porque uma Câmara independente vai dar condições de os parlamentares exercerem o seu mandato, de se colocarem quando o governo erra de maneira clara e objetiva”, afirmou Baleia. Presidente do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força disse que a legenda se afastou de Lira por causa da “aproximação com o governo Bolsonaro”. “Isso pesou bastante dentro do partido.”
Candidato do Planalto, Lira buscou se posicionar em meio à crise sanitária e cobrou ontem o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por soluções para a vacinação contra a covid-19. O líder do Centrão, no entanto, evitou comentar a postura do presidente Jair Bolsonaro, que entrou em uma disputa com o governador João Doria (PSDB) na questão dos imunizantes.
Bolsonaro tenta reagir a derrota política
Isolado
no início da vacinação, presidente troca discurso para recuperar terreno
Jussara Soares e Natália Portinari / O Globo
BRASÍLIA
- Derrotado politicamente após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB),
dar início à vacinação contra o novo coronavírus, no último domingo, o
presidente Jair Bolsonaro tentou reagir na segunda-feira e sair do isolamento.
Ele se encontrou com o embaixador da Índia, Suresh K. Reddy, em uma tentativa
por ora frustrada de agilizar a importação de doses da vacina
Oxford/AztraZeneca; convocou ministros para uma reunião de emergência; e após
meses de críticas à CoronaVac, mudou o tom e disse que a “vacina é do Brasil,
não é de nenhum governador”. Integrantes do governo que evitavam se manifestar
sobre a vacinação passaram a publicar em suas redes sociais a imagem de
brasileiros que começaram a ser imunizados.
Auxiliares
de Bolsonaro reconhecem que o presidente errou ao minimizar a gravidade da
pandemia, bem como ao colocar em xeque a ciência. Reservadamente,
interlocutores do Palácio do Planalto avaliam que Bolsonaro, ao insistir no
tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada, e ao adotar uma
postura contra a vacina, cedeu espaço para que o governador de São Paulo
faturasse com a viabilização do início da imunização no país.
Em
um esforço para tentar evitar o aumento do desgaste da imagem do presidente, o
governo tenta minimizar a participação de Doria no processo. Auxiliares do
Planalto atribuem a responsabilidade pelas falhas ao ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello. Potencial candidato a presidente em 2022, Doria é visto como
adversário de Bolsonaro em seu projeto de reeleição.
A imagem do governador de São Paulo ao lado da enfermeira Monica Calazans, a primeira pessoa a receber a dose da vacina no país, irritou o presidente e seus aliados. Enquanto o tucano lucrava com a exposição, concedendo entrevista coletiva e sendo um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, Bolsonaro permaneceu em silêncio após a aprovação da Anvisa.
Lira à frente da Câmara não significa excluir impeachment, diz Carlos Melo
Por
Carolina Freitas / Valor Econômico
SÃO
PAULO - O cientista político Carlos Melo, professor da Escola de Negócios do
Insper, disse ontem em live promovida
pelo Valor que
a eventual eleição de Arthur Lira (PP-AL) para o comando da Câmara dos
Deputados não afasta a possibilidade de um processo de impeachment contra o
presidente Jair Bolsonaro. Melo lembrou que Lira foi "forjado à sombra de
Eduardo Cunha (MDB-RJ)". O ex-deputado liderou o impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Para
o professor, ao se aproximar dos partidos do Centrão, por meio da distribuição
de cargos no governo, Bolsonaro conseguiu se blindar temporariamente contra o
risco de impeachment. Há no entanto, no horizonte de 2021, fatores que podem
colocar isso à prova, como o fim do auxílio emergencial, a segunda onda de
covid-19 e a piora da economia e dos índices de desemprego.
Questionado
se Lira na Presidência da Câmara seria uma garantia contra o impeachment de
Bolsonaro, Carlos Melo respondeu: "Evidente que não. Garantia contra o
impeachment, no fim das contas, é a popularidade. O presidente ainda tem por
volta de um terço de apoiadores. Vamos ver como esse apoio ficará."
O
cientista político apontou que, na situação atual de crise, o Brasil precisa de
políticas públicas para atender a população e iniciar a recuperação, mas ele
não identifica a capacidade de formular essas políticas nem no governo nem no Congresso.
Segundo Melo, se a popularidade de Bolsonaro cair, aumentam as chances de um
impeachment "a despeito de Lira e Pacheco [Rodrigo Pacheco, candidato ao
comando do Senado apoiado por Bolsonaro]".
Carlos
Melo disse que, quando um presidente no Brasil começa a perder popularidade, o
impeachment se coloca de forma automática, o que é um sinal de atraso
institucional do país. Ele lembrou que o primeiro presidente do Brasil eleito a
receber a faixa presidencial de um presidente eleito e passar a outro eleito
foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2011. Lula havia recebido a faixa de
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2003 e passou a Dilma oito anos depois.
"É um problema central. São dois impeachment já realizados e um terceiro cogitado, em 30 anos", afirmou. "Será que nosso presidencialismo de fato funciona?"
Carlos Andreazza - A imposição do mundo real
E
aí está o governo Bolsonaro, dependente da vacina chinesa
O
mundo real se impõe. E o governo federal recorrerá à CoronaVac. O mundo real se
impôs. E aí está o governo Bolsonaro, dependente da vacina chinesa,
requisitando a vacina do Doria, aquela, comunista!, que o presidente prometera
não comprar. Nunca houve dúvida de que o faria. A questão sempre sendo a demora
— a demora em imunizar os brasileiros —decorrente da irresponsabilidade.
O
mundo real se impôs, mas é o atraso que importa. O mundo real se impõe sempre.
Mas também se impõem os efeitos do atraso deliberado; projetando golpes
adicionais de tensão sobre um já esgarçado tecido social. A oferta de
imunizantes, por óbvio, não é infinita; sendo provável, por consequência, que,
já havendo vacinas aptas, não haja doses suficientes para todo o primeiro grupo
de prioridades, de modo que seria necessário definir prioridades entre
prioridades.
O
fim da fila em que se encontra o Brasil é obra exclusiva de Bolsonaro, o maior
agente antivacinação do mundo — tocador de uma campanha de desinformação e
descrença na praça desde março de 2020.
Jamais
foi a preocupação com a economia popular o que o motivara a pregar contra o
distanciamento social. Ou teria de ser um obcecado pela vacinação em massa.
Como se vê, consiste no próprio empecilho. Seu propósito é não apenas o
espalhamento do caos, mas sua constância. Bolsonaro se dedica à sustentação de
um estado de calamidade por meio de que alimenta um governo calamitoso.
Torceu pela segunda onda. Trabalha para que perdure. Seu governo — sua própria existência competitiva — depende da anormalidade. O fenômeno reacionário que encarna depende da imprevisibilidade. Nada melhor do que uma pandemia que permaneça para muito além do que seria o tempo possível de o Brasil domá-la. Nós ainda não vacinamos porque Bolsonaro não quis.
Míriam Leitão - A pior gestão da crise sanitária
O
comportamento do presidente Bolsonaro durante esta pandemia não foi apenas
execrável, foi criminoso. Ele deveria estar hoje respondendo a um processo de
impeachment. Brasileiros morreram por causa da sua atitude e de suas decisões.
Ele é o chefe do governo e dá o comando. Uma sucessão de erros tem origem em
ordem direta do presidente. O Ministério da Saúde demorou a negociar a compra
de vacinas e perdeu várias oportunidades de negócio, o Itamaraty deixou de
fazer acordos e criou crises bizarras com países como a China.
O ministro Pazuello em mais uma de suas desastrosas entrevistas, mostrou ontem que não sabe qual é o inimigo. “Essa é a nossa guerra”, disse, e não se referia ao vírus, mas sim à imprensa. “A guerra contra as pessoas que estão manipulando o nosso país há muitos anos”. Depois, declarou guerra aos fatos. Negou ter feito o que fez, e falado o que falou, numa tempestade de mentiras desconcertante. Disse que nunca indicou cloroquina, nunca falou em tratamento precoce. Há documentos divulgados por sua gestão, há declarações públicas que desmentem o ministro. Com o governador ao lado, garantiu que atendeu sim ao Amazonas, mas as mortes por asfixia de amazonenses falam por si. Por que mente o ministro Pazuello? Porque o presidente mente.
Ivo Coser* - O governo começou, acabou e recomeçou, mas não sabemos como irá terminar
Refletir
sobre as notícias do jornal é uma tarefa que interessa a todos que refletem
sobre a política. A conjuntura com seus vários fenômenos, diversos atores e
suas interações múltiplas, seus resultados ora surpreendentes ora esperados
exigem do espectador um instrumental que lhe permita separar o passageiro do
permanente; que lhe forneça meios que direcione o olhar para as ações que vão
influenciar o curso dos acontecimentos daquelas que são apenas uma nuvem
passageira, a qual por vezes anuncia uma chuva que não virá. Numa passagem
das Lembranças de 1848, Alexis de Tocqueville reflete sobre as jornadas
daquele ano, vividas no parlamento e nas ruas, nos quais discursos se
multiplicavam, mas que não conseguiam captar o sentido dos fenômenos, cansado
de tanto debates inúteis, ele apela ao “futuro, juiz esclarecido e íntegro, mas
que infelizmente chega tarde demais.”. A partir dessa frase seria injusto
considerar que Tocqueville não considerasse importante refletir sobre a
conjuntura imediata. Acredito que ele desejasse apontar para a dificuldade de
considerar as forças de longa duração e as ações humanas. Essas emprestam aos
acontecimentos uma carga de acaso, pois representam o imprevisto; a escolha
dentre várias alternativas e que gera desdobramentos que transbordam o que
deveria ter ficado retido. Essa interação, entre a ação e as forças de longa
duração, é de difícil apreensão. E, talvez, seja essa a principal tarefa que um
observador da política tem diante de si.
Em
texto publicado nesse blog (6/04/2020), Bernardo Ricupero chamava atenção que o
governo Bolsonaro havia acabado[2].
Naquele momento tal diagnóstico era correto; entretanto, hoje verifica-se que a
conjuntura se modificou. As ações posteriores emprestaram um sentido novo, as
nuvens da paisagem se transformaram e com ela torna-se necessário um novo
diagnóstico. O governo recomeçou e, contudo, não sabemos como ele irá acabar.
O governo acabou, disse um haitiano para Bolsonaro na porta do Alvorada. E, de fato, o governo parecia, se não acabado, pelo menos emparedado. Sucessivas derrotas no Legislativo, ausência de coordenação política, conflitos internos, uma política econômica ultra liberal que não encontrava respaldo na realidade, projetos de reformas paralisados, – ou sequer iniciados no Legislativos – um governo sem políticas sociais, um presidente em confronto aberto com o STF; tudo era sinal de um governo cujo projeto fora construído no plano da utopia, sem contato com o país real. Jamais saberemos se a possibilidade de impeachment era real ou foi só uma justificativa oferecida pelo presidente para seus sicários acalmarem sua ânsia de conflitos. Aquele governo acabou, ou pelo menos, teve ímpeto freado, forçando uma mudança.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
A disponibilidade de vacina está muito aquém do necessário
O
Brasil, finalmente, tem vacinas. Pela conduta destrutiva do presidente Jair
Bolsonaro, é possível que tenham chegado tarde e em número muito menor do que
as desesperadamente necessárias. O governo está despreparado para realizar a
enorme e complexa operação de distribuir os imunizantes e convencer toda a
população de sua segurança e eficácia, mas por vontade própria. Sempre duvidou
delas, como também da própria gravidade da pandemia de coronavírus, que já
matou 209 mil brasileiros e levou ao caos, marcado por cenas desesperadoras, de
contagiados perdendo a vida, asfixiados por falta de oxigênio. Ao descaso do
governo central, no caso, aliou-se a incompetência e despreparo dos comandos
estaduais e municipais.
Em reunião extraordinária no domingo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial das vacinas Coronavac, produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a Oxford/ AstraZeneca, que deverá ser fabricada pela Fiocruz a partir de fevereiro. Apesar do conteúdo eminentemente técnico, a reunião de mais de quatro horas da Anvisa foi marcada pelo profissionalismo, competência e transparência, que culminou em boas decisões e no mapeamento das interrogações que ainda cercam as duas vacinas que agora estarão disponíveis no país.
Poesia | Vinicius de Moraes - Operário em construção
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.