segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil precisa ser realista sobre presidência do G20

O Globo

Embora liderar o bloco traga visibilidade, é difícil haver avanço em toda a agenda defendida por Lula

Brasil acaba de assumir, pelo período de um ano, a presidência rotativa do G20. Trata-se de um espaço especial. O G20 congrega as principais economias do mundo, incluindo países de todos os continentes. Durante o mandato à frente do bloco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer levar três itens para a agenda de discussões: combate à fome e à desigualdade, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Há, é certo, uma impossibilidade prática de converter as intenções em realidade. Mas isso não justifica que se abandone a defesa de boas ideias.

O primeiro item é aquele em que parece haver mais consenso. Ninguém discorda de que seja preciso acabar com a fome e melhorar o padrão de vida da população mundial. Tais temas são sempre levantados por Lula, ainda que o fim da miséria no planeta dependa de transformações nas regiões afetadas, nem sempre ao alcance de organismos multilaterais. Os esforços terminam canalizados para ações assistencialistas, também necessárias, mas raramente suficientes. Para o discurso não se tornar vazio e repetitivo, a pregação contra a fome e a miséria precisa apontar as barreiras que impedem o crescimento econômico e a distribuição de renda nas regiões mais pobres.

Fernando Gabeira - Lições de um ano violento

O Globo

Hoje é dia de refletir sobre o Natal. Mas o Natal não pode ser comemorado em Belém, onde Jesus nasceu. É a guerra

O ano que acaba foi muito violento. Outros também foram, mas nem tanto. O ataque sangrento do Hamas e as consequências dele assombram os últimos meses de 2023.

Depois de tudo o que vi e li, estupros, execuções covardes, corpos infantis sendo resgatados dos escombros, escolas e hospitais bombardeados, cheguei a escrever que perdi minha fé no ser humano. Ao longo dos dias, ajudado por algumas leituras, concluí que minha fé no ser humano era apenas uma ilusão, o tipo de ilusão que talvez valha a pena manter com a ressalva de que estamos conscientes dela.

Num texto de John Gray sobre os astecas, constato uma nova maneira de ver a violência. Para eles havia um caos subjacente, e a violência do Estado refletia a violência do cosmo e dos deuses. Matavam gente em larga escala, em sacrifícios ritualescos. Foi como se percebessem que não podiam abrir mão da violência e decidiram santificá-la. Segundo Gray, conferiam um lugar central para os impulsos, algo que o pensamento moderno nega.

Edu Lyra - Solidariedade para a vida toda

O Globo

Ser solidário exige um engajamento mais sério com a causa social, pois a pobreza não será vencida sem um esforço constante

No começo de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da emergência provocada pela Covid-19, que passou a ser considerada mais uma doença endêmica como tantas outras. Era, por assim dizer, o fim “oficial” da pandemia.

Isso significa que 2023 foi o primeiro ano em que pudemos realmente voltar à normalidade. É claro que, desde as bem-sucedidas campanhas de vacinação, a crise sanitária já estava controlada. Desde o ano anterior, vivíamos em clima de relativa normalidade, mas 2023 selou essa conjuntura como primeiro ano pós-pandemia de fato.

Com isso, pudemos enfim respirar e atravessar um período sem grandes crises humanitárias, certo? Infelizmente, não.

Ao menos duas tragédias ocorridas em 2023 ficarão na memória dos brasileiros: no feriado de carnaval, temporais devastaram o litoral paulista, com deslizamentos arrastando bairros inteiros de São Sebastião. Mais tarde, em junho, um ciclone extratropical atingiu os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, provocando alagamentos que se tornariam, segundo a Defesa Civil do RS, o maior desastre natural em quatro décadas.

Demétrio Magnoli - Gonet e a hidra descontrolada

O Globo

A mera vontade das autoridades não será suficiente para sanar a anarquia institucional provocada pela politização do MP

A sombra da Lava-Jato pairou sobre a cerimônia de posse de Paulo Gonet. O Ministério Público (MP) “não pode achar que todo político é corrupto”, advertiu Lula, pedindo-lhe que seja “o mais honesto possível, o mais duro possível, mas ao mesmo tempo o mais justo possível”. O novo procurador-geral (PGR) respondeu que “no nosso agir técnico, não buscamos palco, nem holofotes”. Tudo isso faz sentido — mas passa longe da reforma indispensável.

Conduzidos por um impulso de idealismo ingênuo, os constituintes de 1988 desenharam os contornos de uma hidra, criando um Quarto Poder sem controle e atribuindo-lhe as mais amplas, genéricas e vagas funções. O MP ganhou, entre outras, a prerrogativa de proteção “de outros interesses difusos e coletivos” — o que significa tudo e qualquer coisa. Daí, bastou um passo para que jovens procuradores entusiasmados, institucionalmente livres de amarras legais, vestissem a fantasia de justiceiros reformadores da sociedade.

Camila Rocha* - 2024 promete disputa acalorada

Folha de S. Paulo

Conquistar a prefeitura da capital não será tarefa fácil para Boulos

Previsões entusiasmadas de setores da esquerda, baseadas nas últimas pesquisas de intenção de voto, apontam a vitória de Guilherme Boulos (PSOL) para a Prefeitura de São Paulo como altamente provável. Há também quem aposte que o retorno de Marta Suplicy ao PT, e sua presença na chapa de Boulos como vice, é garantia de vitória.

No entanto, com ou sem Marta na chapa, conquistar a prefeitura da capital não será tarefa fácil para o candidato do PSOL. Afinal, é preciso levar em consideração que a esquerda perdeu a capilaridade que possuía em seus próprios redutos eleitorais ao longo dos últimos dez anos.

Em 2016, João Doria, então filiado ao PSDB, conquistou a prefeitura no primeiro turno, alavancado pelo antipetismo galopante e pelo sentimento antipolítica que precedeu o crescimento do bolsonarismo no país. Quatro anos depois, os tucanos permaneceram no comando da cidade após Bruno Covas (PSDB) obter mais de 1 milhão de votos a mais que Boulos no segundo turno.

Marcus André Melo* - A política da imperfeição

Folha de S. Paulo

Como a mudança nas regras foi aprovada, se havia múltiplos atores com poder de veto?

O ministro Fernando Haddad afirmou que a Reforma Tributária aprovada não é perfeita porque é parte de um esforço coletivo. Para o presidente Lula, deveu-se a Deus todo-poderoso e à arte da negociação. Na realidade, são outras as razões que explicam por que ela foi aprovada e por que é imperfeita.

Lembro Maquiavel sobre a sina de reformas que impõem custos concentrados a setores específicos e benefícios difusos para toda a sociedade: "Não há nada mais difícil, perigoso e de resultado mais incerto do que começar a introduzir novas leis, porque o introdutor tem como inimigos todos aqueles a quem aproveitam as antigas e como frouxos defensores quantos viriam a lucrar com as novas".

Sylvia Colombo* - Peru vive normalidade instável

Folha de S. Paulo

País sul-americano construiu verdadeira ojeriza da política e tem recuperação difícil após protestos com dezenas de mortos

Dezembro de 2022 foi um mês duro para o Peru. E, um ano depois, com uma situação algo instável, segue existindo um sentimento de revolta e tensão em várias regiões do país que, a qualquer momento, poderia se transformar em um novo pico de convulsão social.

A situação inicial foi provocada pela tentativa de autogolpe do presidente Pedro Castilho em 7 de dezembro do ano passado. O esquerdista tomou essa decisão depois de pressionado e alvo de tentativas de impeachment por parte do Congresso em seu curto período de um ano de governo. Castillo terminou preso e julgado.

Uma vez que era popular no setor rural, as manifestações contra sua saída do cargo foram iniciadas por camponeses que rumaram à capital, Lima, e a outras grandes cidades peruanas, recebendo o apoio de setores urbanos. Os protestos duraram meses.

Ruy Castro* - O raro e o antigo

Folha de S. Paulo

Nem todo livro antigo é raro, e alguns dos grandes clássicos não são tão raros como se pensa

Há dias arrematei num leilão um exemplar da 1ª edição do romance "1984", de George Orwell. A original, inglesa, da Secker & Warburg, de 1949. E nem me custou tanto —para citar dois marcos de Copacabana, mais caro do que um prato de empadinhas no Caranguejo e mais barato do que uma porção de picles no Copacabana Palace. E só por isso pude disputá-lo: por ser um troféu da literatura, mas não tão raro que o tornasse proibitivo para jornalistas órfãos e desamparados.

"O quê?", dirá você. "Então uma 1ª edição de ‘1984’ não é rara?". Nem tanto. Orwell já era famoso e vinha do enorme sucesso de "Animal Farm" (no Brasil, "A Revolução dos Bichos"), em 1946. "1984" já era esperado antes mesmo de sair. E não posso garantir qual foi a tiragem inicial, mas sabe-se que foi grande e vendeu tudo. Desde então, aqueles exemplares correram mundo nas mãos de particulares, leiloeiros e donos de sebo, e muitos sobreviveram, como o que comprei. Uma 1ª edição de "Animal Farm" rende mais ao martelo.

Carlos Pereira - Fim da reeleição é presente de grego

O Estado de S. Paulo

O risco de perder o poder é justamente a força motriz que tem o potencial de gerar o bom governo

Está em curso um movimento pelo fim da reeleição. O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que vai colocar em pauta uma proposta que prevê o fim da reeleição para cargos no Executivo. Argumenta que existiria uma vantagem desproporcional do incumbente, tanto por ser mais conhecido, como pelo risco de manipular a máquina pública para se reeleger.

Por outro lado, a reeleição poderia ser interpretada como uma chance de o eleitor avaliar retrospectivamente a performance de um governante, premiando ou punindo pelo seu desempenho. Ou seja, a reeleição, ao ampliar o horizonte temporal do governante no poder, cria uma estrutura de incentivos para o bom comportamento e para que o governante alinhe a sua conduta às preferências do eleitor mediano.

Sérgio Augusto* - As palavras de 2023

O Estado de S. Paulo

Todo dezembro, os dicionários de maior prestígio no Ocidente apontam a ou as palavras que mais se destacaram durante o ano. As mais faladas, escritas e abusivamente usadas, ao sabor de acontecimentos e modismos passageiros.

Embora rito lexical de origem alemã, americanos e britânicos se apossaram da ideia e, beneficiados pela língua franca que trazem do berço, a universalizaram.

Não cultivamos esse hábito entre nós. Os franceses tampouco, preferindo destacar apenas as palavras anualmente incorporadas ao Larousse, ao Robert e congêneres. NFT, acrônimo em inglês de “token não fungível”, só chegou agora ao Larousse, com as letras JNF e duas temporadas de atraso em relação ao Collins Dictionairy.

Se já não falamos tanto, por motivos óbvios, em “pandemia” e “quarentena”, em compensação ainda ouvimos em demasia “desmatamento”, “polarização”, “fake news”, “narrativa”, “feminicídio”, e temo que tão cedo não nos livraremos de “icônico”, “robusto”, “surreal”, “camada” – e talvez nunca de “interessante”, o mais anódino e onipresente dos adjetivos, placebo semântico com maior ibope entre os comentaristas de nossa TV. “Interessante” é um qualificativo que nunca desceu do muro.

Celso Ming - O Natal e a mentalidade ocidental

O Estado de S. Paulo

Se nos ativermos à chamada mentalidade ocidental, as representações que os humanos fazem das coisas começaram lá atrás com a luta entre gigantes, ou gigantomaquia, tal como representada no altar do templo de Zeus na antiga Pérgamo, hoje oeste da Turquia. Depois vieram as diatribes dos heróis, como nos contam as obras de Homero. Pouco a pouco, emerge da representação das coisas a vida dos mortais comuns.

Na antiguidade, o entendimento era o de que os deuses conviviam em concórdia com os humanos, como nas bodas de Cadmo e Harmonia. Depois veio a ruptura entre os habitantes do Olimpo e os da terra, só tentativamente remediada por meio do sacrifício.

Lula | Mensagem de fim de ano

 

Poesia | Poesia de Natal - Cora Coralina

 

Música | Orquestra Filarmônica de Berlim - Bachiana n°5 - Villa Lobos