sábado, 27 de abril de 2019

*Marco Aurélio Nogueira: O oposicionismo retórico e os democratas

- O Estado de S.Paulo

Estamos sendo vitimados pela escassez de coordenação democrática

Em política, quem está contra não é necessariamente oposição. Pode bloquear um adversário, dificultar sua ação, mas não organizar ou fornecer diretrizes à sociedade. Estigmatiza e produz atrito, mas não demarca um campo de luta.

Faz tempo que estamos sem oposição. Durante os anos petistas, o domínio do governo foi tão intenso que paralisou o PSDB e tudo o que se contrapunha ao PT. Havia um só bloco, por mais que existisse a sensação de que um bloco alternativo sobrevivia. No período FHC o PT foi a voz da contestação intransigente, mas não teve poder de fogo para direcionar os cidadãos: limitou-se a mobilizá-los em torno de cláusulas genéricas que não continham uma proposição capaz de suportar chuvas e trovoadas. Venceu em 2002 graças à fadiga de material dos tucanos. Quando Dilma foi levada ao impeachment, a oposição veio das ruas, de modo desorganizado e sem saber o que pôr no lugar. Foi essa oposição caótica que elegeu Bolsonaro.

Oposição mesmo – com ideias claras, força magnética, capacidade de articulação e lideranças plurais efetivas – só houve na fase final da luta contra a ditadura, entre 1978 e 1985, quando o MDB foi o mar aberto em que desaguou a ampla frente democrática que dissolveu a credibilidade do regime autoritário e preparou o caminho para a volta da democracia.

Dado o estado calamitoso da política nacional e do governo Bolsonaro, deveriam estar todos buscando empreender uma ação que recomponha a sociedade e o Estado, dando um eixo aos cidadãos. Será difícil confrontar a onda bolsonarista – que é “societal”, ideológica e digital, desdobrando-se numa obra de intensa deseducação política – sem uma oposição democrática consistente, ao mesmo tempo serena, firme e contundente.

João Domingos: Cada um por si

- O Estado de S.Paulo

Rodrigo Maia construiu sua força política à revelia de Bolsonaro

Há sinais evidentes de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), optou por seguir um caminho paralelo ao de Jair Bolsonaro, embora na economia tenha muitos pontos em comum com o governo. Ou, talvez, exatamente por ter pontos em comum com o governo na economia, e este setor ser tocado pelo ministro Paulo Guedes, tão ou mais liberal que ele, é que Maia mostra concordância com várias propostas do governo, como as reformas da Previdência e tributária, além do programa de privatizações ainda a ser lançado, mas não com outras iniciativas ou com a agenda conservadora de Bolsonaro.

Toda a força política que tem hoje, e que aumentou muito depois que passou a se entender perfeitamente com os partidos de centro e de centro-direita que formam o Centrão ou que deste grupo não participam organicamente, Maia a construiu à revelia de Bolsonaro. O presidente tinha outros candidatos para dirigir a Câmara.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que é do DEM, chegou a tentar sabotar a candidatura de Maia à presidência da Câmara. E olha que são do mesmo partido. Não deu certo. Depois, Bolsonaro apoiou os ataques do filho Carlos Bolsonaro a Maia, ataques estes que insinuavam ser o presidente da Câmara uma espécie de chefe da “velha política”, responsável por enfiar a faca no pescoço do presidente para arrancar cargos do governo. Foi um Deus nos acuda, todos se lembram. Restabelecidas as relações, Maia passou a cobrar de Bolsonaro uma atuação maior nos esforços para a aprovação da reforma da Previdência. Hoje, com o projeto já admitido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, graças à atuação de Maia e do Centrão, Bolsonaro continua devendo uma defesa mais enfática da reforma da Previdência.

Marcus Pestana: O que o futuro imediato reserva aos brasileiros?

- O Tempo (MG)

A preocupação com os descaminhos do governo Bolsonaro

O perfil cultural brasileiro – fruto de séculos de sincretismo, miscigenação, diversidade e originalidade – acumulou, entre várias outras tradições, o apego a algumas crendices, mitos, dogmas e supertições.

Uma delas reflete o nosso atávico otimismo. Afinal, “Deus é brasileiro”, “o brasileiro não desiste nunca” e “o Brasil é o país do futuro”. Acreditamos sempre que, independentemente de nossas ações conscientes e concretas, alguma coisa transcendental ou divina vai sempre nos salvar de nossos erros ou desvios.

Realmente, o Brasil foi o país que mais cresceu no pós-guerra até 1980. O fantástico desempenho da economia brasileira no período autorizou a visão ufanista sobre nosso futuro. Mas o segundo choque do petróleo, a moratória da dívida externa e a hiperinflação crônica puxaram o freio de mão.

Os últimos 40 anos configuraram o “voo de galinha” na economia e o agravamento dos desequilíbrios fiscais. A Constituição Cidadã de 1988, ao lado de grandes avanços democráticos, deixou inequivocamente uma bomba de efeito retardado no plano fiscal que se tornou insustentável com a mudança de cenário em relação ao crescimento e com a lentidão das reformas que refundassem o desenvolvimento capitalista no Brasil. Compare, leitor, a variação da renda per capita do Brasil, do Chile e da Coreia do Sul, entre 1975 e 2018.

Demétrio Magnoli*: A corte do bobo

- Folha de S. Paulo

O guru bolsonarista adula seu rei para iludi-lo, conduzindo-o à beira do precipício

Os soberanos renascentistas empregavam um profissional encarregado de entreter os cortesãos e, antes de tudo, a si mesmos: o bobo da corte. A entourage bolsonarista tem um personagem assim, que é Olavo de Carvalho. Mas, com uma diferença: por aqui, a corte é que presta serviço ao bobo.

Nas cortes do passado, recrutavam-se bobos no próprio círculo da nobreza, entre jovens com deficiência mental. Mais comumente, eles eram pinçados entre comediantes que cantavam ou dançavam em grupos de saltimbancos. Salvo engano, Olavo enquadra-se no segundo caso.

Depois de tentar a sorte como astrólogo e islamita, ele vestiu a fantasia de filósofo e passou a exibir truques intelectuais primários no palco itinerante da internet. O ofício de comediante intelectual propiciou-lhe uma carreira precária no diversificado mercado da autoajuda —até que, miraculosamente, o colapso do sistema político brasileiro degenerou no governo dos ignorantes da extrema direita. Daí, ele virou um bobo singular: o guru de uma corte abobalhada.

Os bobos eram contratados para cometer equívocos divertidos. Nesse ponto, Olavo, o bobo de plantão, é fiel à tradição. Segundo o que ele qualifica como uma “tese histórica irrefutável”, os militares brasileiros entregaram o país ao comunismo. O interessante, aqui, é que não há, entre pessoas medianamente informadas, nem mesmo um debate histórico relevante sobre o tema.

O golpe de 1964 não salvou o país da ascensão comunista pelo simples fato de que a hipótese inexistia: Jango e os seus, populistas da cepa varguista, não nutriam qualquer simpatia pelo comunismo. Os comunistas, cindidos em dois partidos rivais, eram colinas periféricas na paisagem nacional. Duas décadas depois, na hora da transição democrática, a esquerda aglutinou-se no PT, que de socialista só tem trechos esparsos de resoluções escritas para enganar trouxas.

Golbery do Couto e Silva tinha razão, se é verídica a versão de que enxergava em Lula o coveiro da esquerda radical no Brasil. Mas, ainda que divertida, a “tese histórica irrefutável” de Olavo é um equívoco proposital de um profissional da comédia. O bobo que nada tem de bobo formulou uma galhofa destinada a ser levada a sério por seus devotos estúpidos da corte bolsonarista, entre os quais contam-se o presidente e seus rebentos.

Julianna Sofia: Quando o piso vira teto

- Folha de S. Paulo

Sigilo sobre estudos da reforma da Previdência escondia gordura bilionária

O estratagema para esconder os estudos e pareceres que serviram de fundamento para a reforma da Previdência afinal tinha objetivo prosaico. O governo de Jair Bolsonaro esquivou-se, até onde pode, de abrir os microdados para não ser obrigado a revelar que as mudanças nas aposentadorias embutem uma gordura de centenas de bilhões.

Ao franquear o acesso aos números, surpreendeu até analistas mais atentos sobre o tamanho da economia da nova Previdência. Em vez de R$ 1,072 trilhão de ganho fiscal com as alterações, a expectativa é atingir uma cifra ainda maior: R$ 1,236 trilhão. O argumento técnico é a atualização de parâmetros e o período de cálculo do impacto —o intervalo de dez anos será considerado a partir de 2020, e não mais 2019.

Com tamanha adiposidade, o espaço para acordo com congressistas é bastante elástico. Imagine se tivessem tomado conhecimento disso os incautos da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)! Lá, a PEC foi aprovada nesta semana com um placar folgado de 48 a 18 votos.

Hélio Schwartsman: Não faça isso em casa

- Folha de S. Paulo

Ensino domiciliar é como um seguro contra fogo

O ensino domiciliar está longe se ser uma prioridade da educação, área em que não faltam grandes problemas para o governo tentar resolver. Há, ademais, fortes evidências de que a expansão da educação gratuita a jovens, a partir do século 19, foi uma das melhores políticas públicas jamais adotadas.

Também é verdade que o direito de ensinar em casa é, hoje, uma pauta restrita quase que exclusivamente à direita religiosa, que não quer ver seus filhos expostos a ideias que possam contrariar ou questionar seus dogmas. Lamento por essas crianças. Elas foram prejudicadas na loteria cósmica, mas, infelizmente, não há muito o que se possa fazer para mudar isso.

Em termos de arquitetura institucional, porém, é importante que a matrícula numa escola oficial não seja uma obrigação para a qual inexistam válvulas de escape. E não é difícil ver o porquê disso.

Merval Pereira: Os bilhetinhos de Bolsonaro

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro é um simulacro de Jânio Quadros, que mandava bilhetinhos proibindo biquínis, desfile de misses, briga de galo. Os bilhetinhos do Bolsonaro são os seus tuítes. Tal qual o personagem de nossa tragédia, que agora se repete como farsa, Bolsonaro dá seu toque pessoal especialmente em questões comportamentais, um populismo tosco que se volta para seu público específico, e não para os interesses do país.

Agora mesmo vetou um vídeo publicitário do Banco do Brasil, e ainda demitiu o diretor de Comunicação e Marketing do banco estatal, Delano Valentim. A campanha, marcada pela diversidade, trazia atores e atrizes negros, uma transexual e jovens tatuados usando anéis e cabelos coloridos. O objetivo da propaganda era levar o Banco do Brasil até os jovens, e ele não gostou do que viu.

Se fosse o dono de um banco privado, poderia dar vazão às suas idiossincrasias, mas talvez tivesse problemas com seus conselheiros, que poderiam ficar preocupados com a imagem da instituição. Mas o Banco do Brasil não é do presidente do momento, e não pode, portanto, obedecer a seus desejos pessoais.

Tem que ser dirigido de acordo com objetivos técnicos, e a propaganda devia estar adequada aos nichos jovens que o banco busca. O país tem que acompanhar sua juventude, que é o seu futuro. Uma atitude hostil a comportamentos característicos de jovens contemporâneos é retroceder nos hábitos e costumes já aceitos, inclusive legalmente, no Brasil.

Acontece a mesma inadequação quando diz que o Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay, porque aqui temos famílias”. Além de intolerável, essa discriminação assumida já há muito, e que tentava negar, foi acompanhada de um comentário insensato: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”.

O país não pode ser receptáculo de turismo sexual, ponto. Sobretudo de pedofilia, uma praga, principalmente nos estados mais pobres. Tem a obrigação de receber bem seus turistas, homossexuais ou não. Se os gays se sentem no Brasil bem acolhidos, sem repressão, é ótimo que o país tenha uma fama internacional de ser acolhedor com os gays.

Míriam Leitão: Quanto custa um bom Censo?

- O Globo

Discussão sobre o futuro do Censo foi atropelada pela ordem do governo de corte de orçamento, em meio a críticas de Bolsonaro ao IBGE

O Censo 2020 está no meio de uma polêmica na qual há confusão de conceitos e vários riscos. Demógrafos e especialistas já estavam discutindo sobre o número ideal de perguntas, quando veio a ordem de reduzir o questionário para ficar mais barato. O ministro Paulo Guedes nega qualquer interesse de intervenção, mas em entrevista ele disse que se quer fazer 360 perguntas. Na verdade, o número é bem menor.

O Censo faz dois questionários. Um deles teria 37 perguntas, e o corpo técnico do IBGE sugeriu cortar para 34. Esse é respondido em todos os domicílios. O outro teria 112 e foi cortado para 96. Esse só 10% da população responde. Essas reduções não foram consideradas suficientes. Eu reuni na Globonews o sociólogo e ex-presidente do IBGE Simon Schwartzman e o professor José Szwako, do Iesp-Uerj, para um programa a respeito do assunto.

— Dá para diminuir essa parte geral? Talvez dê. O que precisa ser calculado é a economia que vai se conseguir com isso. Quanto tempo o pesquisador vai ficar na casa da pessoa é importante, mas não é a única. Pode-se reduzir as perguntas e mesmo assim não diminuir o custo —explica Simon. Esse é um ponto relevante, porque o custo maior é pelo fato de o Brasil ser um país continental e a logística ser complexa. O risco é deixar de fazer perguntas indispensáveis e mesmo assim não conseguir a economia que o governo quer. Para se ter uma ideia, o orçamento original era de R$ 3,4 bilhões, mas o governo quer que fique em R$ 2,3 bilhões.

Ricardo Noblat: Sem luz no fim do túnel

- Blog do Noblat / Veja

Desesperança precoce
Os militares empregados no governo já concluíram que o presidente Jair Bolsonaro não dará conta do recado. Ele foi um sindicalista durante seus sete mandatos como deputado federal. Jamais passou disso. E na Câmara nada aprendeu.

Eles o apoiaram porque era o único candidato com chances reais de impedir a volta do PT ao poder. Continuarão a apoiar mais preocupados em evitar o desmanche do governo do que esperançosos de que no final acabará dando certo.

A desesperança da farda contamina políticos de todos os partidos, até do PSL de Bolsonaro, e os donos do dinheiro no país. Esses estão cada vez mais aflitos com a possibilidade de que o Congresso aprove uma reforma da Previdência raquítica.

Por sua vez, deputados e senadores não querem dar a Bolsonaro uma reforma robusta. Não confiam nele. Não o veem disposto a compartilhar o poder. Temem ser ainda mais marginalizados caso aprovem a reforma do jeito que ela lhes foi proposta.

Tudo que vai mal sempre pode piorar. E se Carlos Bolsonaro continuar como dono da voz e da senha do pai nas redes sociais? E se ele não parar de fazer campanha para derrubar o vice-presidente Mourão Filho?

E se chegar a um ponto, como já admitiu o próprio Mourão, de ele renunciar o cargo como reação às hostilidades do filho mimado pelo pai? E se o Ministério Público Federal do Rio puser em risco o mandato do senador Flávio Bolsonaro?

E se o próprio Bolsonaro, o pai, que já disse não ter nascido para ser presidente, que se revela às vezes entediado ou irritado com sua rotina, se ele, um dia, resolver largar tudo pelo meio e renunciar ao cargo? Dizem que os filhos não deixarão…

O ministro Paulo Guedes, da Economia, é o fiador deste governo junto ao mercado. Mas é também um temperamental, talvez menos do que Bolsonaro. Se o Congresso não lhe der o que quer e do tamanho que quer poderá ir embora.

O ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, não irá embora mesmo que seja contrariado. Despiu a toga acreditando que irá retomá-la em breve e numa posição superior a que tinha. Só está à espera da ocasião.
Procura-se quem acredite que este governo, do jeito que vai, será bem-sucedido.

5 disparos de Lula

A entrevista
“Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece isso e, sobretudo o povo, não merece isso”.

“Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a minha consciência tranquila. E tenho certeza de que o [procurador Deltan] Dallagnol não dorme, que o [ministro da Justiça e ex-juiz Sergio] Moro não dorme.”

“Eu estou achando estranho essa tal de milícia do Bolsonaro. Cadê aquele cidadão dos R$ 7 milhões [Fabrício Queiroz, ligado a Flávio Bolsonaro]? Cadê a imprensa que não está atrás do Queiroz? Então, é o seguinte, o Brasil tem dois pesos e duas medidas”.

“Quem coloca no Ministério da Educação o ministro que está lá não gosta de Educação. Quem coloca no Meio Ambiente o atual ministro não gosta do Meio Ambiente. Quem coloca Paulo Guedes no Ministério da Economia não gosta do povo”.

“Eu vou sair daqui melhor do que entrei. E doido para retomar as caravanas pelo país”.

Adriana Fernandes: Por cessão onerosa, o teto vai mudar

- O Estado de S.Paulo

O teto de gastos vai mudar para abrir espaço ao pagamento de R$ 33,6 bilhões que a União deve à Petrobrás

Aprovada em 2016, a emenda que criou o teto de gastos vai mudar para abrir espaço ao pagamento de R$ 33,6 bilhões (US$ 9 bilhões) que a União deve à Petrobrás pela revisão do contrato de cessão onerosa de exploração do pré-sal.

A coluna apurou que a equipe econômica está negociando com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que o pagamento fique fora do teto do gastos. Será o primeiro ajuste do teto, instrumento de política fiscal que limita o crescimento do gasto público.

A estratégia que está sendo acertada é mudar a emenda do teto de gastos por meio da PEC do Orçamento impositivo, que voltou para a Câmara depois das alterações feitas no Senado.

Será preciso incluir na lista de exceções do limite do teto o crédito extraordinário para o pagamento à Petrobrás. Hoje, só ficam fora do teto as transferências constitucionais, créditos extraordinários, capitalização de empresas estatais e gastos da Justiça com eleições. Se houver acordo, com a mudança a PEC terá de voltar para uma última votação no Senado.

José Márcio Camargo*: Herança maldita

- O Estado de S.Paulo

A aprovação da PEC da Previdência elimina de vez as incertezas que retardam a retomada do crescimento

Após forte recessão entre 2013 e 2016, período no qual a renda per capita no Brasil caiu quase 10%, a economia brasileira entrou em trajetória de crescimento a partir de 2017. Entretanto, ao contrário de outras recessões, desta vez a retomada tem sido particularmente fraca, com taxas próximas a 1% ao ano em 2017 e em 2018 e projeções de crescimento entre 1,0% e 2,0% ao ano em 2019. A questão que tem intrigado os economistas é: por que o crescimento é tão lento?

Como resposta à crise e à desaceleração da economia mundial, o governo brasileiro adotou entre 2010 e 2015 uma estratégia de política econômica baseada no aumento dos gastos públicos – seja por meio da injeção direta de recursos na economia (aumento real do salário mínimo, dos gastos com pessoal, investimento de empresas estatais, como a Petrobrás, etc.), seja por meio de subsídios, principalmente de crédito via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a empresas privadas, os chamados “campeões nacionais”.

Essa política teve resultados desastrosos: aumento do déficit primário, da relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB), aceleração da taxa de inflação, recessão e corrupção. Em especial, uma parte substancial das decisões de investimentos foi tomada de forma irracional, com base em taxas de juros subsidiadas e, muitas delas, mediante propinas a agentes públicos.

Desmatamento eleva o risco Bolsonaro: Editorial / O Globo

Constatação preocupa ainda mais porque governo tem posição contrária à conservação

Eleito como antítese do lulopetismo, Jair Bolsonaro avança contra ícones destes tempos. Tem legitimidade para isso, mas precisa, é claro, respeitar os limites institucionais zelados pelo estado democrático de direito. Bem como a racionalidade, porque há um patrimônio de políticas e programas corretos que não são propriedade de qualquer corrente político-ideológica, e que precisam ser preservados. Desde a campanha, Bolsonaro demoniza a preservação ambiental, como se ela fosse algum entrave ao crescimento da agropecuária. Há irregularidades e distorções, porém, com todas as regras estabelecidas até hoje e os sistemas de vigilância, o Brasil se converteu em potência mundial na produção de alimentos.

Bolsonaro buscou com afinco o apoio ruralista, chegando a acenar para ele com uma espécie de “liberou geral”. Mas mesmo representantes do agronegócio aconselharam o futuro presidente a moderar-se, devido ao risco de retaliações sobre exportações brasileiras de alimentos, sob a acusação de serem produzidos em zonas de degradação ambiental. Hoje, felizmente, há acordos e protocolos multilaterais que envolvem grandes empresas exportadoras e importadoras de commodities, para evitar a exploração predatória de recursos naturais.

Bolsonaro recuou em algumas ideias, mas não parece abandonar o conceito equivocado de que a preservação atravanca o progresso — quando ocorre o contrário. Não é por acaso que o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, assinou projeto de lei de autoria do colega Márcio Bittar (MDB-AC), que extingue a exigência de haver uma reserva florestal nas propriedades rurais. Um ataque frontal principalmente à Amazônia, área de interesse do Brasil e do planeta, pela importância que tem no clima global. Qualquer grande desequilíbrio na região atinge muitos países, mas primeiro os brasileiros.

De Jânio a Bolsonaro: Editorial / Folha de S. Paulo

Atual presidente por vezes parece inspirar-se em seu excêntrico antecessor

No dia 3 de outubro de 1960, Jânio Quadros elegeu-se presidente com a promessa de varrer a corrupção e moralizar os costumes no Brasil.

Nos sete meses em que se manteve no poder, antes da renúncia, encontrou tempo para vetar a realização de corridas de cavalo nos dias de semana, as brigas de galo, a comercialização de lança-perfume no Carnaval e o uso de trajes de banho considerados indecorosos em concursos de misses.

Passadas mais de cinco décadas, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) por vezes parece inspirar-se em seu excêntrico antecessor para cumprir o intento de promover um governo conservador nos costumes.

Além de iniciativas polêmicas na esfera ministerial, o próprio mandatário coleciona declarações e atitudes extravagantes, não raro a alimentar preconceitos e incentivar a discriminação de minorias.

Dois casos recentes ilustram esse comportamento —a retirada do ar de um comercial do Banco do Brasil, voltado para o público jovem, com ênfase na diversidade racial e sexual, e a chocante declaração acerca do turismo de gays no Brasil.

Desconto camarada: Editorial / O Estado de S. Paulo

A equipe econômica refez as contas e chegou à conclusão de que a reforma da Previdência pode gerar uma economia de R$ 1,236 trilhão nos próximos dez anos, um aumento de R$ 164 bilhões em relação à estimativa original. A perspectiva mudou porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixou de prever reajuste real para o salário mínimo, base para dois terços dos benefícios do INSS. É uma ótima notícia, pois dá ao governo uma margem melhor para negociar com o Congresso as mudanças que provavelmente reduzirão esse ganho.

No entanto, o presidente Jair Bolsonaro parece inexplicavelmente inclinado a fazer concessões e descontos antes mesmo que alguém demande, como se ele mesmo não desse muito valor à reforma. Enquanto a equipe econômica insiste que tudo fará para que as mudanças na Previdência resultem em uma economia de pelo menos R$ 1 trilhão, o presidente Bolsonaro declara agora que aceita fazer por R$ 800 bilhões. “É a previsão mínima, né?”, disse ele a jornalistas.

É evidente que uma reforma dessa magnitude enfrentará resistência no Congresso e que o governo terá de aceitar mudanças para preservar uma economia que não somente recoloque as contas em ordem, mas também evite que uma nova reforma se torne necessária em breve. Já se tem como certo que sairão do texto as mudanças na aposentadoria rural, que renderiam uma economia de R$ 94,2 bilhões em uma década, e no benefício assistencial para idosos de baixa renda, o chamado BPC, cuja expectativa de ganho é de algo em torno de R$ 34,8 bilhões. Também se espera oposição à proposta de restringir o pagamento do abono salarial a quem ganha até um salário mínimo – hoje se paga para quem ganha até dois mínimos –, proposta que geraria uma economia de R$ 169,4 bilhões em dez anos.

Governo recua e não vai mais analisar propagandas

Ministro Santos Cruz diz que orientação para aprovação prévia do Planalto ‘não tem validade’

Após o Planalto ordenar que estatais submetam todas as propagandas à Secretaria de Comunicação, o governo recuou. O ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Santos Cruz, disse ao GLOBO que a orientação “não tem validade” por desobedecer à Lei das Estatais. O presidente Jair Bolsonaro havia mandado tirar do ar um filme de publicidade do Banco do Brasil com o mote da diversidade. Em e-mail enviado na quarta-feira, a Secom generalizou a orientação para apresentação prévia ao Planalto. O mercado publicitário criticou a tentativa de controle.

O RECUO DO VETO

Governo admite que proibição a comercial do Banco do Brasil fere a Lei das Estatais

Gustavo Maia / O Globo

Um dia após O GLOBO revelar a interferência do presidente Jair Bolsonaro na área de marketing do Banco do Brasil (BB), ao ordenar a retirada de um comercial do ar, o Palácio do Planalto recuou e, ontem à noite, reconheceu que a medida desrespeita a Lei das Estatais, que protege a independência de empresas como o BB.

Chefe da Secretaria de Governo, a quem está subordinada a área de comunicação da Presidência, o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz disse ao GLOBO que o veto ao vídeo do BB está suspenso, assim como também era inválida a determinação do setor para que toda a publicidade estatal fosse submetida à análise prévia do Planalto.

— Não observou estritamente o que diz na legislação, não tem validade —disse Santos Cruz, deixando em aberto a possibilidade de o filme voltar ao ar. — Se vai ou não, é problema do presidente do Banco do Brasil — completou.

Ainda ontem, a TV Globo revelou um e-mail enviado na quarta-feira pelo secretário de Publicidade e Promoção da Secretaria de Comunicação (Secom), Glen Lopes Valente, a empresas estatais determinando que toda peça publicitária deveria ter autorização prévia do Planalto.

O e-mail generalizava para toda a administração pública a atitude de Bolsonaro em relação ao vídeo do Banco do Brasil. “Em atendimento à decisão estratégica de maximizar o alinhamento de toda ação de publicidade do poder Executivo federal”, o conteúdo de todas as ações publicitárias, “inclusive de natureza mercadológica” deveria ser submetido para “conformidade prévia” da Secom, dizia o texto.

No início da noite de ontem, porém, a Secretaria de Governo divulgou um novo comunicado reconhecendo que a determinação contida no e-mail não havia respeitado a Lei de Estatais.

“A Secom, ao emitir o email veiculado, não observou a Lei das Estatais, pois não cabe à Administração Direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais”, disse o ministério.

O ministro Santos Cruz afirmou ter cobrado informações de Glen Valente, responsável pelo comunicado às estatais. Ele assumiu nesta semana o cargo de secretário de Publicidade e Promoção da Secom.

Segundo Santos Cruz, depois de Glen ter ido ao seu gabinete para explicar o e-mail, o governo concluiu que a interferência na publicidade das estatais “não tem validade”.

No artigo 90, a Lei das Estatais determina que “as ações e deliberações do órgão ou ente de controle não podem implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas”.

Mercado publicitário critica tentativa de controle

Para associações do setor, interferência direta do Planalto nas ações comerciais de estatais prejudicaria concorrência com empresas privadas e afetaria liberdade dos profissionais da área

Tiago Aguiar / O Globo

Empresas e associações do mercado publicitário reagiram com preocupação à possibilidade de o Palácio do Planalto, por meio da Secretaria de Comunicação Social (Secom), passar a controlar toda a publicidade das empresas estatais, inclusive as chamadas ações “mercadológicas”, em que há apenas disputa de mercado, e não posicionamentos institucionais do governo.

A decisão de passar toda a publicidade estatal pelo crivo do Planalto foi anunciada pelo secretário de publicidade da Secom, Glen Valente, na última quarta-feira. Na noite de ontem, porém, o próprio Planalto admitiu que a ordem viola a Lei das Estatais, que protege a autonomia de empresas como o próprio Banco do Brasil. A interferência direta do governo na publicidade das estatais poderia ainda reduzir o poder de concorrência com o setor privado e limitara criatividade dos publicitários, argumentam críticos da ideia. Ênio Vergeiro, presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda (APP), considerou “péssima” a decisão de submeter cada material de publicidade à Secom.

Governo recua e reexamina análise prévia de propagandas de estatais

Secretaria de governo afirma que não cabe à Secom intervir na publicidade de caráter mercadológico

Gustavo Uribe, Julio Wiziack / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro recuou e decidiu reexaminar determinação para que empresas estatais submetam previamente à avaliação da Secom (Secretaria de Comunicação Social) campanhas publicitárias de natureza mercadológica.

Na quarta-feira (24), a orientação foi dada a companhias públicas em email enviado pelo secretário de publicidade e promoção da Secom, Glen Lopes Valente. Segundo ele, a instrução normativa que disciplina a publicidade federal seria atualizada, em momento oportuno, com a inclusão da determinação.

Em nota. no entanto, a Secretaria de Governo, a quem a equipe de comunicação está subordinada, informou na noite desta sexta-feira (26) que a Secom não observou a Lei das Estatais e que não cabe à administração direta intervir no conteúdo de publicidade.

"A Secom, ao emitir o email veiculado, não observou a Lei das Estatais, pois não cabe à administração direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais", disse.

Segundo assessores presidenciais, o setor jurídico do Palácio do Planalto avaliou que a medida desobedeceria as regras que disciplinam as empresas públicas e estuda agora de que maneira a mudança pode ser feita.

Nas palavras de um auxiliar palaciano, "o governo desistiu, pelo menos neste momento, da análise prévia, até segunda ordem".

Santos Cruz veta controle de publicidade pela Secom após proibição de anúncio do BB

Ministro da Secretaria de Governo desautoriza ordem dada pelo órgão para que campanhas de estatais tenham autorização prévia

Tânia Monteiro e Lígia Formenti / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A Secretaria de Governo desautorizou nesta sexta-feira, 26, uma ordem da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) para que todo o material de propaganda da administração pública, incluindo o das estatais, passasse por análise prévia da pasta. A ordem da Secom veio um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro mandar suspender publicidade do Banco do Brasil.

Horas depois, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo – à qual a Secom está subordinada –, emitiu nota dizendo que a medida fere a Lei das Estatais, “pois não cabe à administração direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais”.

O caso expõe o confronto entre o novo chefe da Secom, Fábio Wajngarten, e Santos Cruz. O empresário, que assumiu a secretaria há duas semanas, é próximo do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e sua nomeação foi comemorada nas redes sociais pelo escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.

A determinação para o controle dos comerciais foi dada por e-mail do secretário de Publicidade e Promoção da Secom, Glen Lopes Valente. O Estado apurou que a justificativa para o cancelamento da ordem foi a de que um e-mail não pode se sobrepor a uma instrução normativa.

A Instrução Normativa n.º 2, de 2018, que regula campanhas publicitárias, determina que sejam encaminhadas para análise prévia do Planalto apenas peças institucionais. Isso significa que as estatais têm autonomia para escolher material que promovam seus produtos ou serviços. Hoje há apenas a recomendação de se informar ao Planalto quais são as mídias usadas para veicular as campanhas e, eventualmente, é comunicado o conteúdo da peça.

Ex-secretário especial de Comunicação no governo Michel Temer, Márcio de Freitas afirmou que a praxe nas campanhas de caráter mercadológico era fazer apenas uma análise do custo, mas não de seu conteúdo.

Bolsonaro propõe reduzir verba para cursos de sociologia e filosofia no país

Para presidente, governo deve priorizar áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte

Dhiego Maia / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu nesta sexta-feira (26) uma medida polêmica: descentralizar os investimentos para os cursos de filosofia e sociologia no país. A iniciativa é uma das bandeiras de seu ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Weintraub propôs a contenção de recursos para as duas áreas do conhecimento em uma transmissão ao vivo pelo Facebook de Bolsonaro nesta quinta-feira (25). Ao lado do presidente, Weintraub, disse que "a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto".

"Então, o que a gente tem que ensinar para as crianças, para os jovens? São, primeiro, habilidades, de poder ler, escrever, fazer contas". Para o ministro, também é importante ensinar um ofício que "gere renda para a pessoa, bem-estar para a família, que melhore a sociedade em volta dela".

Sobre a alteração na distribuição de recursos para faculdades de humanas, o ministro citou o Japão como exemplo. "Ele [Japão] está tirando dinheiro público do pagamento de imposto de faculdades que são tidas como para uma pessoa que já é muito rica ou de elite, como filosofia", disse Weintraub.

Nesta sexta, o presidente voltou ao assunto na mesma rede social e reforçou a ideia de Weintraub. Para Bolsonaro, o objetivo da proposta em estudo é “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte.”

Segundo Bolsonaro, as áreas mais competitivas são aquelas ligadas à "medicina veterinária, engenharia e medicina". O presidente e nem o ministro detalharam como a proposta será posta em prática.

Bolsonaro só disse apenas que os alunos já matriculados em filosofia e sociologia “não serão afetados”.

Segundo o presidente, a função do governo “é respeitar o dinheiro do pagador de impostos, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”, escreveu no Facebook.

UNIVERSIDADE PÚBLICA NÃO FAZ PESQUISA
Essa não é a primeira polêmica do presidente envolvendo o ensino superior. Recentemente, Bolsonaro declarou nas redes sociais que “poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada, como a Mackenzie em São Paulo”.

A informação do presidente é incorreta, segundo mostrou análise publicada na Folha pelos especialistas em educação, Sabine Righetti e Estevão Gamba.

O Brasil está entre os 15 países com a maior quantidade de estudos científicos publicados no mundo. Cientistas brasileiros lançaram cerca de 200 novos artigos acadêmicos diariamente em 2017. A maioria desses trabalhos está em instituições públicas.

Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal

Universidades brasileiras têm autonomia didática garantida e regulamentada por lei de 1996

Sabine Righetti* Nina Stocco Ranieri* / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO: A proposta de redução de investimentos do MEC em sociologia e em filosofia para priorizar áreas como engenharias e veterinária mostra, de novo, que o governo parece desconhecer as leis e a realidade do ensino superior brasileiro.

As universidades brasileiras têm autonomia didática garantida pela Constituição de 1988 e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. De acordo com o marco legal, a decisão sobre criação, expansão, modificação e extinção de cursos de graduação no Brasil é prerrogativa exclusiva das universidades.

Isso significa que legalmente não cabe ao MEC decidir quais graduações devem receber mais ou menos recursos e nem o que deve ser extinto. Isso já havia sido discutido em 2018 no caso da oferta de uma disciplina sobre o "golpe de 2016" na UnB.

O governo erra se a proposta de esvaziar sociologia e filosofia for, de fato, redução de custos. Esses cursos têm operação relativamente barata se comparados às ciências da saúde, por exemplo, que muitas vezes têm laboratórios requintados e equipamentos importados que podem valer alguns milhões.

Sociologia e filosofia precisam de bons professores, salas de aula e bibliotecas.

Se acha que as humanas têm mais gente do que o país precisa, o governo também está equivocado. De acordo com dados do próprio MEC, apenas 0,6% dos ingressantes no ensino superior se matricularam em sociologia ou filosofia em 2017. Foram pouco mais de 10 mil alunos entrando nessas duas carreiras naquele ano —cursos de direito receberam 215,6 mil novos alunos no mesmo ano.

Risco de cortes para Sociologia e Filosofia

Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, sugerem redução de investimento em cursos de ciências humanas.

HUMANAS SOB ATAQUE

Bolsonaro sugere cortes nas faculdades de Filosofia e Sociologia

Paula Ferreira e Renato Grandelle / O Globo

Depois do “viés ideológico” em questões do Enem e da batalha contra o “marxismo cultural” nas universidades, o governo tem novo alvo na área da Educação: as Ciências Humanas. Os cursos de Filosofia e Sociologia seriam os primeiros afetados com um corte de verbas.

Ontem, o presidente Jair Bolo sonar o foi às redes sociais fazer corocomo ministro Abr ah amWeintraube confirmar:

“O ministro da Educação (Abraham Weintraub) estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados”, escreveu o presidente no Twitter. “O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina.”

A proposta, que já havia sido colocada na mesa pelo ministro em vídeo transmitido pelo Facebook, causou indignação entre educadores, que defendem a importância das disciplinas humanas para resolver problemas fundamentais do país, como a desigualdade de renda. Além disso, a ingerência do governo sobre o investimento nos cursos é limitada pela autonomia universitária —os repasses da União às instituições públicas não são direcionados a determinada faculdade. Já o destino das bolsas dada sacada área pode sofrer maior interferência federal.

Hoje, levando em consideração apenas a área da pesquisa científica, dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico( CNPq) mostram que os valores par abolsas em Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas — R$ 225,5 milhões — não conseguem alcançar o montante de R$ 244,9 milhões investidos em Ciências Exatas e da Terra, área que mais recebe recursos do governo. O cálculo leva em consideração apenas valores destinados ao benefício, já que as agências não informaram ao GLOBO as verbas destinadas a projetos e custeio de laboratórios .

Frei Betto: ‘Marxismo cultural’, o que é

- O Globo

A cultura não é neutra. É roupa que veste os fatos. Os fatos são fatos, e não se pode negá-los, exceto se você ostenta a suprema toga. Pode-se, porém, ressignificá-los.

Ninguém nega que os militares derrubaram o governo democrático de João Goulart, em 1964. É um fato. Contudo, varia a hermenêutica. Para uns, foi golpe; para outros, simples movimento, contrarrevolução ou intervenção salvífica de Nossa Senhora Aparecida, invocada pela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, para livrar o Brasil da iminente ameaça comunista.

O “marxismo cultural” dissemina a versão de que se tratou de um golpe cívico-militar, e ainda insulta a imagem de oficiais das Forças Armadas e agentes policiais aos acusá-los de torturadores e assassinos.

Outro fato inquestionável é a existência do planeta Terra, no qual vivemos. No entanto, há quem afirme ser ele redondo, o que teria sido constatado pelo grego Eratóstenes no século III a.C. Contudo, há controvérsias. Para os adeptos do terraplanismo, ele é plano, e há uma muralha de gelo nas suas bordas, o que impede o esvaziamento dos oceanos. E acima de nossas cabeças paira o domo com o Sol e a Lua. Porém, a Nasa gasta bilhões de dólares para nutrir a farsa globalista de que a Terra é redonda.

No século XVI, o polaco Nicolau Copérnico concordou que a Terra é redonda, e ainda acrescentou que, integrada a um colar de planetas, ela gira em torno do Sol.

O leitor certamente se pergunta: como o “marxismo cultural” influi nessa questão? Aparentemente trata-se apenas de uma divergência astronômica. Só aparentemente.

Ícone da esquerda chega fragilizado à eleição espanhola

Decadência de partido que rompeu bipartidarismo em 2015 pode comprometer formação de uma coalizão que se oponha à ultradireita

João Paulo Carvalho / O Estado de S.Paulo

MADRI - Pablo Iglesias surgiu há três anos como principal nome da esquerda na política espanhola. Com um discurso forte e contra as elites, ajudou a fundar o Podemos, partido que pretendia desbancar o tradicional Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Pedro Sánchez, e se consolidar no cenário nacional, fazendo oposição ao PP (Partido Popular).

Depois de um início promissor em 2015, quando obteve 69 cadeiras das 350 do Congresso espanhol, a legenda sofreu uma grande crise interna e vários integrantes importantes do partido acabaram saindo. Após três meses de licença-paternidade, Pablo só retornou à vida política em março e assumiu o Podemos em meio a uma crise que não parece ter fim.

Cabe agora ao ex-professor de ciências políticas da Universidade Complutense de Madri manter a credibilidade do partido perante o público estudantil, maioria de seu eleitorado. “O Podemos deu uma escorregada e se deixou levar pela soberba. De qualquer maneira, acho que eles ainda têm as melhores propostas para a cultura e a educação, meus principais critérios na hora de votar”, diz Borja Gonzales, de 28 anos, estudante de ciências sociais.

“O PSOE é uma coisa ultrapassada. Mesmo discordando de muitos pontos do plano de governo do Podemos, creio na força do Iglesias como líder”, afirma Enrique Julio, de 29 anos, estudante de administração.

Crise
Desde o início do ano, o Podemos tem vivido uma de suas maiores crises, depois que Íñigo Errejón – que era peça-chave do partido – decidiu sair para liderar o partido Más Madrid. Ele disse que estava saindo porque não o desejavam lá nem deixavam que desenvolvesse seus projetos. Seguiu-se um terremoto na legenda que levou à saída de Ramón Espinar, homem forte de Iglesias em Madri, e a do ex-candidato às eleições europeias Pablo Bustinduy – partidário de Errejón.

Na Espanha, ultradireita jura fim da 'ditadura progressista'

Com 10% nas pesquisas, Vox deve chegar ao Parlamento nas eleições de domingo

Lucas Neves / Folha de S. Paulo

MADRI - O clima no começo da noite desta sexta (26) nos arredores da Praça de Colón, centro de Madri, era de entrada de estádio de futebol. Centenas de "torcedores" caminhavam em direção ao local erguendo ou enrolados em bandeiras e entoando o equivalente a cantos de torcida, "puxados" por um e logo retomados em coro.

Todos convergiam em direção ao comício de encerramento da campanha do Vox, o primeiro partido de ultradireita desde a redemocratização da Espanha, iniciada há mais de 40 anos, com chances reais de conquistar cadeiras no Congresso dos Deputados.

As eleições gerais acontecem neste domingo (28), e a legenda criada em 2013 por dissidentes do Partido Popular (establishment conservador espanhol) aposta em uma vigorosa presença online e no discurso áspero frente ao separatismo da Catalunha (que virou "o" tema da campanha) para ir além do status de azarão.

Na multidão aglomerada na praça, chama a atenção a quantidade de jovens na casa dos 20 anos, tanto homens quanto mulheres. Há também alguns idosos e famílias, com carrinhos de bebê e tudo.

Do mar de bandeiras do país e do partido (estas, verdes) emergem aqui e ali cartazes, como o que leva a inscrição "Venezuela = PSOE [sigla dos socialistas ibéricos, atualmente no poder]; Vox = Espanha" e outro que propõe a rima de colhões com soluções.

O "esquenta" para a atração principal da noite, o discurso do líder Santiago Abascal, inclui pronunciamentos de Rocío Monasterio, candidata à chefia de governo da comunidade autônoma de Madri e dona, nas palavras do mestre de cerimônias, do sorriso mais temido pela esquerda.

Gilles Lapouge: Premiê espanhol resiste

- O Estado de S.Paulo

Ultradireita considera Sánchez um traidor que conspira contra a monarquia

Amanhã haverá eleições legislativas na Espanha, cujo governo, comandado pelo socialista Pedro Sánchez, se demitiu em fevereiro por não conseguir aprovar seu orçamento para 2019. Naquele momento não se apostava muito em Sánchez, sobretudo porque o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) teria um novo adversário jovem e muito ambicioso, que tomava forma: o partido de ultradireita Vox, que, segundo as pesquisas, deverá obter pelo menos 12% dos votos e ingressará no Parlamento. Conseguirá ele, mediante alianças, ter peso sobre a composição do futuro governo?

Sánchez não é o tipo de pessoa que se deixa abater sem um combate. O título que deu a sua autobiografia lançada no início do ano seria mais apropriado a um militar ou a um revolucionário: Manual de Resistência.

Esse chefe de governo, que dirigiu o país somente por dez meses e acreditava-se que estava derrotado, deverá obter o primeiro lugar na eleição, com uma votação confortável: entre 25% e 30%, segundo os institutos de pesquisa. E então? Isso quer dizer que os socialistas e Sánchez retomarão o comando? Não tão rápido. Mesmo que o PSOE consiga a maioria, a prova de fogo virá depois.

Sánchez dispensará alianças com outras agremiações para formar o governo? Nesse caso, os socialistas enfrentarão um inimigo tenaz e eficaz: o Vox, partido à direita da direita, que já agarrou algumas semanas atrás a Província da Andaluzia.

Carlos Drummond de Andrade: Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Zélia Duncan: O que mereço