- O Estado de S.Paulo
Estamos sendo vitimados pela escassez de coordenação democrática
Em política, quem está contra não é necessariamente oposição. Pode bloquear um adversário, dificultar sua ação, mas não organizar ou fornecer diretrizes à sociedade. Estigmatiza e produz atrito, mas não demarca um campo de luta.
Faz tempo que estamos sem oposição. Durante os anos petistas, o domínio do governo foi tão intenso que paralisou o PSDB e tudo o que se contrapunha ao PT. Havia um só bloco, por mais que existisse a sensação de que um bloco alternativo sobrevivia. No período FHC o PT foi a voz da contestação intransigente, mas não teve poder de fogo para direcionar os cidadãos: limitou-se a mobilizá-los em torno de cláusulas genéricas que não continham uma proposição capaz de suportar chuvas e trovoadas. Venceu em 2002 graças à fadiga de material dos tucanos. Quando Dilma foi levada ao impeachment, a oposição veio das ruas, de modo desorganizado e sem saber o que pôr no lugar. Foi essa oposição caótica que elegeu Bolsonaro.
Oposição mesmo – com ideias claras, força magnética, capacidade de articulação e lideranças plurais efetivas – só houve na fase final da luta contra a ditadura, entre 1978 e 1985, quando o MDB foi o mar aberto em que desaguou a ampla frente democrática que dissolveu a credibilidade do regime autoritário e preparou o caminho para a volta da democracia.
Dado o estado calamitoso da política nacional e do governo Bolsonaro, deveriam estar todos buscando empreender uma ação que recomponha a sociedade e o Estado, dando um eixo aos cidadãos. Será difícil confrontar a onda bolsonarista – que é “societal”, ideológica e digital, desdobrando-se numa obra de intensa deseducação política – sem uma oposição democrática consistente, ao mesmo tempo serena, firme e contundente.