terça-feira, 22 de novembro de 2022

Merval Pereira - Ainda os militares

O Globo

Não é aceitável que manifestações contra a posse do presidente eleito continuem sendo permitidas

Georges Clemenceau, jornalista, médico e político, primeiro-ministro da França na Primeira Guerra Mundial, definiu:

— A guerra! É uma coisa séria demais para ser deixada por conta dos militares.

Talvez esteja na frase desse grande estadista a explicação para que um Ministério da Defesa deva ser ocupado por um civil, sem que isso signifique menosprezo aos militares.

O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann definiu como imperativo para o país, como nação soberana, “levar a sério nossa defesa e as Forças Armadas, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e às nossas elites”. O Livro Branco da Defesa Nacional de tempos em tempos é enviado ao Congresso justamente para que os representantes do povo aprovem as diretrizes de segurança nacional, prioridades do setor e relação do país com o mundo, numa demonstração de que o poder civil é que determina os objetivos do setor.

Quando participou em Brasília da 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, em julho deste ano, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, incluiu como a afirmação do papel dos militares numa sociedade democrática “o respeito às autoridades civis, aos processos democráticos e aos direitos humanos”. Para ele, é necessário que as Forças Armadas e as de segurança “estejam preparadas, capacitadas e sob firme controle civil”.

Carlos Andreazza - Bodão

O Globo

O bode está posto. No Parlamento. Para o Parlamento. É a PEC. O gabinete de transição engordou o bicho. Informou: quero tudo. Colheu reações ruins. E ainda pôs mais peso ao entregá-lo. Sentiu que podia empurrar uns quilinhos inesperados. Informou: quero tudo — tudo de que se reclamou — e ainda mais um bocado. Bancou, até o último minuto, o regime de engorda. Ao Congresso, agora, a disciplina — o ônus — da dieta.

O governo eleito esticou a corda mesmo; e ora transfere responsabilidades. É velha estratégia política. E que decerto considerou — ou deveria haver considerado — o estresse entre agentes econômicos. Decerto também medindo — e fácil não está — o pulso da sociedade impaciente.

Bodão. O mercado chiou. (A expectativa, finalmente, está baixa.) Os donos do Parlamento veem negócio.

Lula gere o tempo e dá seus recados. Foi ele quem venceu. Ele e o PT. O mercado se agasta. Esperava, ademais, que a tal frente ampla eleitoral produzisse, na forma de governo, um Pérsio Arida na Fazenda. Expectativa delirante que afinal resulta no alívio de ao menos não ser Mantega. Esse é o jogo.

Míriam Leitão – Agenda ousada e novos desafios

O Globo

Lula quer sediar a COP 30, que acontece no ano que os países terão que mostrar redução das emissões. Brasileiro na presidência do banco interamericano pode auxiliar nesta agenda

O presidente Lula aumentou a pressão sobre si mesmo no combate ao desmatamento. Fez espontaneamente, mas será grande o desafio. A COP que ele pediu para ser realizada no Brasil, a de 2025, é exatamente no ano em que os países terão que mostrar que cumpriram as primeiras metas do Acordo de Paris. Em 2025, o Brasil terá que comprovar que reduziu as emissões de gases de efeito estufa em 37% em relação a 2005. E como a nossa maior fonte de emissão é o desmatamento, o governo Lula terá que correr atrás dessa meta. Ele terá pouco tempo para mudar a tendência, porque neste momento o país está aumentando as emissões, e parte do desmatamento de 2023 já está contratado.

Para efeito de cálculo do desmatamento, o ano vai de agosto a julho. Neste fim do governo Bolsonaro, que estimulou a destruição da floresta, os criminosos ambientais estão acelerando suas ações. Esse segundo semestre entrará na conta de 2023. O primeiro número de desmatamento do governo Lula será contaminado pelo pior do desgoverno de Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo - PEC da Transição troca o Bolsa Família pelo orçamento secreto

Correio Braziliense

Com programa fora do teto de gastos, haveria um espaço de R$ 105 bi no Orçamento que estavam reservados para o Auxílio Brasil

Não gosto de afirmações categóricas na política, porque ela é como uma nuvem, como dizia o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto. Você olha pro céu, parece um elefante; olha novamente, já virou um jabuti; olha de novo, e desaba um aguaceiro danado. A nuvem desta semana no céu de Brasília é a PEC da Transição, que está sendo objeto de intensas negociações entre representantes da equipe de transição, sob coordenação do senador eleito Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, e os caciques do Centrão, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ontem, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa rebateu as críticas à PEC da Transição com uma comparação que soa como música para os políticos do Centrão: disse que o governo Lula em 2023, o seu primeiro ano de mandato, gastará menos do que o governo Bolsonaro em 2022, ou seja, no seu último ano. Segundo o relatório de orçamento mais recente, o atual governo deve gastar o equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ao passo que a proposta do novo governo é reduzir esse percentual para 17,6% do PIB.

Hélio Schwartsman - Exorcizando a maldição

Folha de S. Paulo

Despesas para abrigar esses campeonatos chegam facilmente às dezenas de bilhões de dólares

Indivíduos singulares caem no conto do vigário; países caem no conto da Copa ou das Olimpíadas. Quanto mais detalhadamente economistas estudam os casos de nações ou cidades que sediaram essas competições esportivas, mais firmemente concluem que fazê-lo é uma fria.

As despesas para abrigar esse gênero de evento são certas e chegam facilmente à casa das dezenas de bilhões de dólares; os retornos são raros e, quando ocorrem, mostram-se muito mais mirrados do que nas estimativas iniciais. O sempre prometido legado não costuma passar de uma ilusão; já os elefantes brancos ficam.

Economistas cunharam a expressão "maldição olímpica" para referir-se ao resultado dos investimentos. E os prejuízos vão muito além da inequação financeira. Os prazos exíguos e inelásticos são um convite ao descontrole orçamentário e à corrupção, que sempre envolve algum nível de deterioração institucional. No caso do Qatar, vimos até o emprego de um tipo de contrato de trabalho que remete à escravidão.

Cristina Serra - Agro é golpe

Folha de S. Paulo

A violência golpista vai muito além de manés dispostos a amolar por aí

A capital do golpismo no Brasil atende pelo singelo nome de Sorriso. Fica em Mato Grosso, tem 94 mil habitantes e orgulha-se de ser a capital nacional do agronegócio. As urnas de Sorriso deram 74,34% dos votos para o zumbi do Alvorada e 25,66% para Lula.

Conforme levantamento do UOL, são de Sorriso os donos de 24 das 43 contas bancárias bloqueadas por determinação do STF por suspeita de financiamento de atos golpistas. Alguns dos empresários também foram doadores da campanha bolsonarista.

Alvaro Costa e Silva - A guerra fria entre Bolsonaro e Mourão

Folha de S. Paulo

Eleito senador, o general quer liderar a direita no Brasil

Nos dias de reclusão no Alvorada (ou de conspiração em silêncio?), Bolsonaro notou que Hamilton Mourão está vivo, podendo delegar a ele tarefas protocolares, como receber cartas credenciais de embaixadores estrangeiros que vão atuar no governo Lula 3. Embora seja um protagonismo de café servido frio, é o tipo de consideração que o general não desfrutou como vice-presidente eleito — pois foi logo escanteado.

Um livro que acaba de sair — "Poder Camuflado", em que o jornalista Fabio Victor desnuda a caserna em suas atitudes ideológicas e corporativas, indo do fim da ditadura à aliança com o capitão que virou presidente — mostra que Mourão e Bolsonaro debateram-se numa espécie de guerra fria. Ambos em luta para provar quem merecia ser o herdeiro do coronel-torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Andrea Jubé - Alckmin e a lição de Getúlio no umbuzeiro

Valor Econômico

Vice será conselheiro, árbitro e articulador de Lula

O natural protagonismo do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) na coordenação do gabinete de transição deverá se estender ao governo Lula. Essa é a expectativa diante do papel central que o ex-governador de São Paulo vem desempenhando, e é o que potenciais aliados da futura gestão esperam dele.

Embora a aproximação de ambos seja recente - remonta há pouco mais de um ano, pelas mãos do trio Fernando Haddad, Márcio França e Gabriel Chalita - Alckmin e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceram uma relação de confiança comparável à dos amigos de longa data.

Por isso, interlocutores e aliados do “doutor Geraldo” - como é chamado em um círculo restrito, em referência ao diploma de medicina - apostam que o vice-presidente ganhará projeção como conselheiro e árbitro de Lula nas decisões sensíveis e nos conflitos.

Maria Clara R. M. do Prado - A distopia do mercado

Valor Econômico

É como se o mercado transferisse para o próximo presidente a irresponsabilidade fiscal do atual

Ao contrário do que os economistas e analistas vinculados a fundos de investimento fazem crer, o chamado mercado financeiro não é um oásis de virtude. Sempre que haja brechas por descuido das autoridades reguladoras, ocorrem ganhos de uns em detrimento de outros. O exemplo mais notório é o da crise de 2008/2009 que redundou no escândalo dos “subprimes” com perdas imensas para os investidores nos Estados Unidos e altos custos para a economia como um todo. Surgiu de um esquema tipo pirâmide montado por bancos e fundos com o objetivo de alavancar ganhos sobre ativos de altíssimo risco.

No dia a dia, as instituições que administram o dinheiro dos poupadores e ou investidores não deixam de tirar proveito em benefício próprio e podem gerar lucro adicional a partir de boatos e suposições que afetam os preços dos ativos para o bem ou para o mal. Ao imaginar situações ruins e causar sofrimento antecipado, o mercado espalha a distopia na forma de manada, todos juntos para o mesmo lado.

Eliane Cantanhêde – Quebra de sigilo já!

O Estado de S. Paulo

Nenhum sigilo de cem anos foi tão grave e deletério quanto o do Exército sobre Pazuello

Ao lavar as mãos e deixar para lá um ato de insubordinação público e inquestionável do então general da ativa Eduardo Pazuello, o Exército abriu a porteira para a boiada passar e pisotear o Estatuto Militar e o seu próprio Regimento Interno. Deu nisso: oficiais da ativa usando as redes para xingar autoridades constituídas, instituições e até o presidente da República eleito, como mostrou o repórter Marcelo Godoy.

Derrubar os atos do ainda presidente Jair Bolsonaro aplicando cem anos de sigilo a toda hora, para qualquer coisa, será uma das primeiras providências de Luiz Inácio Lula da Silva ao assumir a Presidência pela terceira vez. O digníssimo público tem direito de saber de atos, fatos e personagens que são… públicos.

Rubens Barbosa* - Uma Grande Estratégia para o Brasil

O Estado de S. Paulo

Uma percepção mais ampla de defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, responderia aos desafios da projeção do País no contexto internacional.

As circunstâncias conjunturais pelas quais o Brasil passa hoje fazem com que as atenções da opinião pública informada se concentrem no debate sobre economia, taxa de juro e inflação, orçamento, sobre redução do desemprego, da pobreza, a saúde no novo governo. O brasileiro menos favorecido quer saber como ganhar dinheiro para pagar a comida, o remédio, o transporte e sua roupa.

Neste contexto, pouca gente está pensando o Brasil como uma potência emergente, cada vez mais dividida e com um novo governo que terá grandes desafios para reafirmar a democracia e as instituições, em vista da previsível feroz oposição bolsonarista. Assuntos institucionais, como o lugar do Brasil no mundo, defesa e segurança, o aperfeiçoamento dos meios de trabalho das Forças Armadas para defender os interesses reais do País e superar as novas ameaças globais, são tratados por restrito número de pessoas no governo, no meio acadêmico, no âmbito de instituições militares e (muito pouco) no Congresso. O Brasil não enfrenta ameaças de uma guerra convencional entre Estados, sendo efetiva a atuação das Forças Armadas em missões de paz, intervenções humanitárias, combate ao terrorismo, ao crime organizado, em segurança cibernética, Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ações cívicas e outras.

Bernard Appy* - E os mercados?

O Estado de S. Paulo

Melhor maneira de não ser dependente das reações dos mercados é ter uma situação macroeconômica sólida

Na última semana passamos por momentos de estresse no mercado financeiro. A defesa de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) abrindo espaço para despesas adicionais de quase R$ 200 bilhões nos próximos anos e o tom das falas do presidente eleito assustaram os investidores.

O dólar subiu, a Bolsa caiu e os juros de longo prazo mudaram de patamar. Por conta dessa reação, iniciou-se um debate sobre se a política econômica deve ou não se sujeitar aos “mercados”.

É importante deixar claro que a política econômica sempre será, como diz o nome, “política”. São os representantes eleitos, nos Poderes Executivo e Legislativo, que definem os rumos da política econômica de um país. Mas isso não significa que devam desconsiderar as reações dos investidores. Embora a política econômica não deva se orientar exclusivamente pelas respostas de curto prazo dos mercados, o impacto da política sobre variáveis como câmbio e curva de juros deve, sim, ser um dos fatores orientadores das decisões dos representantes.

Pedro Fernando Nery – O toldo da festa

O Estado de S. Paulo

Inclusão de gastos tributários no teto poderia dar um arranjo mais sustentável à política fiscal

O economista Gil do Vigor colecionou fãs na sua passagem no programa BBB, que especulavam animadamente sobre como seria a sua festa temática – direito do participante. No Twitter, um analista ironizou: “A festa vai ter um toldo, e os participantes vão ficar a noite toda discutindo se é para tirar o toldo, se o toldo tá furado ou se é melhor esperar uns 10 anos pra mexer no toldo.”*

A referência, claro, é ao teto de gastos e ao debate às vezes aborrecido e interminável entre economistas sobre sua existência. Desde o fim das eleições, a coluna já analisou temas caros ao governo eleito: a reforma trabalhista, o salário mínimo, o Auxílio Brasil. Peço licença porque, sim, agora é a vez dele. Esta é mais uma coluna de jornal sobre o “toldo”.

Pedro Cafardo - Cartas expõem duelo fiscal de economistas

Valor Econômico

Na bolsa se joga, se ganha e se perde. Façam suas apostas

Com a bola já rolando no Catar, o ímpeto seria relaxar e escrever apenas sobre a Copa do Mundo, seu duvidoso impacto econômico e questões históricas desse megaevento.

Mas há fatos relevantes no Brasil, que se prepara para a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Mais importante que os duelos do Catar é o duelo fiscal que se dá aqui, onde duas correntes, ambas apoiadoras de Lula no segundo turno da eleição, tentam influenciar a política econômica do novo governo.

Teve enorme repercussão em todas as mídias a carta aberta ao presidente eleito escrita pelos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga e Edmar Bacha. Em tom respeitoso, esses três “pais do Real” alertaram Lula para o risco de que sua atuação venha a criar “problemas maiores do que os que queremos resolver”. A preocupação deles surgiu com a alta do dólar e a queda da bolsa decorrentes do discurso de Lula na COP27. Pela avaliação do trio signatário, ele teria dado a entender que a responsabilidade fiscal representa um obstáculo ao “nobre anseio da responsabilidade social”.

Teve pouca repercussão nas mídias, principalmente na grande, outra carta ao presidente eleito, escrita por um quinteto de economistas: Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Luis da Costa Oreiro, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, Kalinka Martins da Silva e Luiz Carlos Garcia Magalhães. Esses quatro “Luízes” e a professora Kalinka, novos desenvolvimentistas, procuram fazer um “contraponto” à carta dos três pais do Real.

O ponto central do alerta do trio é sobre a extinção do teto de gastos, um preceito constitucional que, na opinião desses economistas, “não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos”, ao contrário do que sustentou Lula. O Brasil paga juros altíssimos, segundo eles, porque “não é percebido como um bom devedor, seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente”. O trio passa a ideia de que a revogação do teto de gastos pode provocar uma onda inflacionária em razão de efeitos na desvalorização cambial, na redução de salários e na vida dos trabalhadores em geral.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Tentativa de ressuscitar PAC é péssima ideia

O Globo

Além de faltarem recursos, basear programa em investimento público é solução errada para a infraestrutura

A equipe de transição informou que o futuro governo pretende relançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca das gestões petistas, com o objetivo de ampliar investimentos em infraestrutura e de aquecer a economia. Integrantes da equipe afirmam que, ao menos num primeiro momento, a nova versão deverá ser mais modesta: R$ 40 bilhões em recursos públicos, além de aportes privados em projetos e concessões. Quando foi criado, em 2007, na gestão Lula 2, o PAC previa R$ 67 bilhões em investimentos públicos (ou R$ 165 bilhões em valores corrigidos).

O primeiro desafio, óbvio, será obter o dinheiro. O Orçamento para 2023 prevê R$ 22 bilhões para investimentos públicos, metade do pretendido pelos petistas. A equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera que parte dos recursos seja liberada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que tenta abrir espaço no Orçamento para cumprir promessas de campanha — como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 — burlando o teto de gastos. A PEC ainda depende de acordos políticos e precisará passar pelo Congresso, onde o governo não tem maioria.

Poesia | José Saramago - Ergo uma rosa

 

Música | Mariza - Quem me dera