quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Ricardo Noblat - A dívida de Bolsonaro com a Globo

- Blog do Noblat | Veja

O que ele sai ganhando
Se pensar direitinho – se é que já não pensou e com antecedência -, o presidente Jair Bolsonaro ficou em dívida com a Globo depois do que ela revelou sobre o caso do porteiro do condomínio onde ele morava à época do assassinato de Marielle.

Em dívida porque a confirmar-se que o porteiro mentiu, cai por terra a suspeita de que havia um homem dentro da casa de Bolsonaro quando ele estava em Brasília enquanto Marielle e seu motorista eram executados no centro do Rio. Menos mal.

Em dívida também porque a reportagem do Jornal Nacional permitiu que Bolsonaro praticasse seu esporte favorito: bater na imprensa em geral e na Globo em particular. Isso não tem preço e provoca orgasmos múltiplos nos seus seguidores.

Por último, em dívida porque se não fosse a história do porteiro ainda estaríamos falando do vídeo do leão e das hienas que tentam matá-lo. Uma das hienas carregava o nome de Supremo Tribunal Federal. Segundo Carlos, foi o pai que postou o vídeo.

De resto, Bolsonaro teve mais uma oportunidade para avaliar a fidelidade canina dos seus devotos, e também para incitar os instintos mais primitivos deles.

Plim, plim.

Uma história muito mal contada

E segue o baile...
Só aos que temem a elucidação do assassinato de Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista interessa a produção de fatos que possam embaralhar as investigações. É o caso dos assassinos. E também dos seus cúmplices. E mesmo daqueles que à distância, por uma razão ou outra, preferem que fique tudo por isso mesmo.

Bernardo Mello Franco - Sobrou para o porteiro

- O Globo

Em 24 horas, o porteiro do condomínio de Bolsonaro passou de testemunha-chave a vilão. Ninguém explicou por que ele inventaria uma trama contra o presidente

Depois de quase 600 dias, as autoridades encontraram um culpa dopara ocaso Marielle. É o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, domicílio do presidente Jair Bolsonaro, de seu filho Carlos e do ex-PM Ronnie L essa, preso sob acusação de matara vereadora.

Na noite de terça, o Jornal Nacional revelou o teor dos depoimentos do porteiro à polícia. Ele disse que Élcio Queiroz, outro ex-PM envolvido no caso, esteve lá no dia do crime e informou que iria à casa de Bolsonaro. Segundo o relato, a entrada foi autorizada pelo “Seu Jair”.

O testemunho coincidiu com o livro do condomínio, onde o porteiro anotou a visita à casa 58. O JN apontou uma contradição: Bolsonaro não poderia estar no local. Meia hora depois da entrada do ex-PM, ele registrou presença no plenário da Câmara, em Brasília.

O presidente reagiu à reportagem com fúria. Direto da Arábia Saudita, atacou violentamente a TV Globo e o governador Wilson Witzel. Ele ameaçou não renovara concessão da emissora, fórmula usada por Hugo Chá vez par acalar o jornalismo independente na Venezuela.

Ascânio Seleme - A ira desnecessária

- O Globo

A reportagem do ‘JN’ apenas apresentou um fato. Um fato inexorável

O presidente Jair Bolsonaro foi muito além do que podia se esperar de um chefe de Estado ao reagir com ira contra a reportagem do “Jornal Nacional” com o depoimento do porteiro sobre a visita de um dos assassinos de Marielle Franco ao seu condomínio, no Rio. A fúria presidencial ignorou um ponto simples em que se baseia toda matéria jornalística. A reportagem do “JN” apenas apresentou um fato. Um fato inexorável. O depoimento foi prestado, e a polícia investigava o seu teor. Por isso, aliás, pretendeu-se levar a supervisão do processo ao Supremo Tribunal Federal, já que envolvia o presidente da República.

Se Bolsonaro tivesse ao seu redor assessores com capacidade de diálogo e intervenção sobre o seu rápido e muitas vezes equivocado raciocínio, teria dito o que a matéria da TV já mostrara. Ele estava em Brasília no dia da ida do miliciano ao condomínio. Por isso, a declaração do porteiro de que ligou a pedido do miliciano para a casa de Bolsonaro e ouviu “seu Jair” autorizar a sua entrada não se sustentava. O Ministério Público, orientado pelo novo procurador Augusto Aras, disse que o porteiro será investigado e que o áudio apresentado pelo vereador Carlos Bolsonaro desmentiu o seu depoimento.

Agora, imagine a seguinte situação. Descobre-se que um empreiteiro preso num enorme esquema de corrupção foi ao apartamento de Lula em São Bernardo do Campo no mesmo dia de uma licitação de cartas marcadas da Petrobras que ele ganhou com preços superfaturados. Lula tinha registros digitais comprovando que naquele dia estava no Palácio do Planalto, mas ainda assim a polícia seguia investigando a denúncia. E, mais, diante da acusação do porteiro a um presidente da República, o caso teria de subir ao Supremo. Se você fosse jornalista, não publicaria esta história? Claro que sim, até porque você conhece muito bem as relações promíscuas de Lula com empreiteiras e o esquema de corrupção montado na Petrobras. Por isso a denúncia seria verossímil.

Míriam Leitão - Novo cenário do crédito no país

- O Globo

Quedas sucessivas da Selic estão chegando na ponta em várias linhas e transformando o mercado de crédito. Isso vai estimular a recuperação

Algumas boas notícias começam a surgir no mercado de crédito como reflexo da queda consistente da taxa de juros, que ontem foi para 5%. A Selic tem ido a níveis historicamente baixos há algum tempo, mas agora as previsões dos economistas começam a apontar a possibilidade de uma taxa de juros básica abaixo de 4% no ano que vem. A oferta de crédito está aumentando, os spreads estão caindo, e o mercado privado tem assumido mais espaço, antes dominado por bancos públicos.

Esse novo cenário do crédito começou a se formar através da sucessão de quedas da Selic, que começou no governo anterior. De janeiro de 2018 até setembro de 2019, nesse um ano e nove meses, o saldo do crédito para a pessoa jurídica aumentou 18%, e para a pessoa física, subiu 22%. Os juros médios caíram 4,6 pontos percentuais nas linhas para as empresas e 4,5 pontos para as pessoas físicas. De lá para cá, a Selic caiu de 7% para 5%. Os juros ainda permanecem altíssimos na ponta, principalmente nas linhas do chamado hotmoney, como cheque especial e cartão de crédito, mas já houve um ciclo de melhora. As taxas médias cobradas nas operações com as empresas foram de 22,4% para 17,8%, e as das pessoas físicas foram de 55,8% para 51,3%.

Há outros eventos no mercado, como o contado aqui neste espaço pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, em que o crédito rural este ano está em grande parte coberto por linhas de bancos privados, e menos dependente do Plano Safra. Empresas têm emitido debêntures no mercado privado para captar recursos e pagar antecipadamente dívidas contraídas no BNDES. Os juros à época subsidiados estão agora mais altos do que os custos com os quais as empresas estão se financiando.

Luiz Carlos Azedo - Linhas cruzadas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro está convencido de que Witzel lidera uma conspiração para inviabilizar sua reeleição a qualquer preço. O governador pretenderia incriminá-lo no caso Marielle”

Não convidem para a mesma solenidade Jair Bolsonaro e o governador fluminense Wilson Witzel (PSC). A relação entre os dois desandou de vez depois da divulgação, pela TV Globo, do depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra — onde mora o principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, o sargento da PM reformado Ronnie Lessa —, onde o presidente e seu filho Carlos têm casa. O porteiro contou à polícia que, horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, entrou no condomínio e disse que iria para a casa de Bolsonaro. E que alguém na casa dele, a de número 58, liberou a entrada. Ocorre que, naquele dia, na mesma hora, o então deputado federal estava em Brasília, e os registros da portaria mostram que Élcio, na verdade, interfonou para Lessa.

Bolsonaro acusa o governador de ter vazado o depoimento para prejudicá-lo: “Dia 9 de outubro, às 21h, eu estava no Clube Naval no Rio de Janeiro. O governador Witzel chegou perto de mim e falou o seguinte: ‘o processo está no Supremo’. Eu falei: ‘que processo?’ ‘O processo da Marielle.’ ‘O que eu tenho a ver com a Marielle?’ ‘O porteiro citou teu nome.’ Quer dizer: Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça. Comentou comigo”, afirmou o presidente. “No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação, que eu poderia estar envolvido na morte da senhora Marielle”, completou o presidente da República.

Witzel nega envolvimento no caso: “Jamais vazei qualquer tipo de informação, seja como magistrado, seja como governador. Eu lamento que o presidente tenha, num momento, talvez, de descontrole emocional, no momento em que ele está numa viagem, não está, talvez, no seu estado normal, tenha feito acusações contra a minha atividade como governador”. E completa: “Não manipulo o Ministério Público, não manipulo a Polícia Civil. Isso é absolutamente inadequado, contrário às instituições democráticas. A Polícia Civil, no meu governo, tem independência. O MP tem e sempre terá independência e, infelizmente, eu recebi com muita tristeza essas levianas acusações.”

Igor Gielow - Radicalização bolsonarista preocupa Forças Armadas

- Folha de S. Paulo

Ativa teme narrativa que una protestos latinos a reação sobre investigação sobre o clã

A radicalização proposta pelo entorno ideológico do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é a principal fonte de preocupação institucional na cúpula das Forças Armadas.

Oficiais-generais da ativa, das três Forças, dizem não haver apoio generalizado a eventuais aventuras repressivas sugeridas pelo grupo.

Os dois mais recentes episódios, envolvendo a publicação do “vídeo das hienas” contra o Supremo Tribunal Federal e a reação à reportagem sobre movimentações de acusados de matar Marielle Franco no condomínio de Bolsonaro, geraram o que um oficial-general definiu como “alta ansiedade”.

O alerta vem circulando desde que o bolsonarismo encampou o discurso de que os protestos no Chile e Equador, a volta do peronismo na Argentina e até o derramamento de óleo no Nordeste fazem parte de uma trama da esquerda que precisa ser combatida.

As teorias conspiratórias chegaram não só aos usualmente falantes filhos presidenciais Carlos e Eduardo, mas também ao general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que hoje está numa frequência bastante diversa daquela registrada na ativa.

Bruno Boghossian – A vitória de Carlucho

- Folha de S. Paulo

Personagens que agiram para desarmar bomba, como Aras e Moro, ganham espaço

A tensão provocada por episódios como o depoimento do porteiro do condomínio de Jair Bolsonaro tem potencial para mexer nas relações do centro do poder. O papel dos atores políticos no caso deverá ter efeitos na balança de influências do entorno do presidente.

Alguns personagens saem fortalecidos. Um deles é Carlos Bolsonaro. Foi o vereador carioca quem divulgou uma peça-chave para rebater publicamente uma informação dada pelo funcionário, que vincularia o pai a criminosos que mataram Marielle Franco em 2018.

Depois que o Ministério Público apontou a contradição no depoimento, Carlos escreveu: "Sou seu soldado há quase 20 anos e isso não vai mudar, independentemente do que vier. Estou preparado!".

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - Vocação de poder

- Folha de S. Paulo

Peronistas têm disposição para mudar de rumo a fim de manter o poder

Bom conhecedor da vida pública de seu país, o jornalista Rosendo Fraga, falando da figura mais importante da Argentina contemporânea, o três vezes presidente Juan Domingo Perón (1895-1974), disse que “(ele) podia girar da esquerda para a direita sem perder seu objetivo político, que era alcançar, reter ou recuperar o poder”.

O mesmo se aplica às principais lideranças do peronismo, movimento de muitas faces e facções que detém —nas ruas e nas urnas— o indisputado apoio das camadas populares. Apoio de raízes fundas, porque ser peronista é uma forma duradoura de identidade política para milhões de argentinos, sejam eles trabalhadores, pobres sem trabalho ou membros das camadas baixas da classe média.

“Desde bebê/ em minha casa havia uma foto de Perón na cozinha/ e agora que sou grande/ unidos e organizados estamos com Cristina” cantam por toda parte os fervorosos apoiadores da vice-presidente recém-eleita.

De 1946 em diante, os peronistas só perderam eleições para a Casa Rosada quando foram proscritos entre 1955 e 1973; durante a ditadura militar de 1976 a 1982; ou quando concorreram, divididos, com mais de uma candidatura. Feitas as contas, ocuparam a Presidência durante 24 dos 36 últimos anos. No governo, aplicaram pragmaticamente, conforme as circunstâncias, políticas neoliberais, com Carlos Menem, ou redistributivas, com Nestor Kirchner e sua viúva e sucessora, Cristina K. Sobretudo mostraram enorme vocação para o mando quando a hiperinflação e os movimentos de rua fizeram desmoronar duas vezes —e antes do tempo regulamentar— os mandatos de seus adversários do Partido Radical, Raúl Alfonsin (em 1989) e Fernando de la Rua (em 2001).

Fernando Schüler* - O poder e a liberdade de imprensa

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não pode lançar mão de instrumentos de poder para interferir na mídia

Segundo o Ministério Público, o porteiro mentiu. É isso. Mesmo antes do MP se manifestar, muita gente já “sabia” que era mentira. Uma outra turma, mesmo depois, continua “sabendo” que é tudo verdade. A verdade líquida, na era digital, tem dessas coisas.

De qualquer forma, tenho uma intuição. Se tudo se mostrar de fato um balão furado, Bolsonaro sairá disso com um bônus retórico semelhante ao que ganhou após o atentado que sofreu, antes das eleições.

Mas há um tema complicado aí, que diz respeito às relações do poder com a liberdade de imprensa. É aí que Bolsonaro insiste em um erro. Não um erro em sua estratégia política, mas para nossa democracia. De um tipo que tem uma longa história.

Todos se lembram de Leonel Brizola e sua infatigável disputa com a Rede Globo. Segundo Brizola, concessões de TV eram como linhas de ônibus, “não pode transportar uns e não transportar outros”. O problema, por óbvio, era explicar o que isso significava exatamente.

Mesmo que o princípio abstrato do “transportar a todos” seja correto, sua aplicação será dada pela própria imprensa. Cada veículo definirá quando e de que jeito cada um entra em cena. É injusto? Talvez.

Vinicius Torres Freire – Guedes e bancos na era do juro baixo

- Folha de S. Paulo

Com Selic perto do piso, política econômica e juros bancários vão ficar na berlinda

Na virada de 2019 para 2020, a taxa básica de juros terá chegado a um nível baixo o bastante para ficar quase invisível nos debates sobre a retomada do crescimento. A conversa vai mudar de rumo. Os juros bancários e a possível ou provável lerdeza do PIB serão alvos ainda mais evidentes de queixas.

O Banco Central reduziu a taxa básica, a Selic, o piso do custo do dinheiro no país, de 5,5% ao ano para 5% ao ano, nesta quarta-feira. Afora desastres, a Selic deve ir a 4,5% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do BC, em 11 de dezembro. Com apenas moderado otimismo, pode-se chutar que deva cair a 4% até março de 2020. A taxa real de juros ficaria então abaixo de 0,5% ao ano. Por ora, anda em torno de 1% ao ano, mínima histórica.

Quais os riscos? Uma daquelas tormentas financeiras em países ricos ou “emergentes”, um colapso no programa liberal deste governo e Congresso ou um tumulto político (desde 2013, tivemos pelo menos um por ano, com a exceção deste 2019 e olhe lá).

Malu Delgado - Manchas no caminho

- Valor Econômico

Qual é a proximidade dos Bolsonaro com os acusados dos crimes?

O desolador desastre ambiental no Nordeste - que os governadores da região nominam de crime - já oferecera elementos suficientes para esgarçar a imagem do governo federal, seja pelo imobilismo, seja pela falta de ação coordenada para uma reação urgente ou pelo flagrante desinteresse político em tratar o fato com a seriedade e a maturidade que exige. Mas além dos dois meses de óleo derramado e de 2,5 mil quilômetros de costa litorânea contaminada, o Executivo Federal voltou a lidar com outra mancha tão viscosa e densa como o petróleo cru que se alastra: as milícias cariocas.

Em 17 de setembro deste ano, a então procuradora-geral Raquel Dodge, em seu último dia no cargo, enviou um pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que fosse aberto novo inquérito para apurar os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Dodge denunciou o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão, por suposto envolvimento no assassinato e por desvirtuamento das investigações em curso, o que explicaria a necessidade de abertura de novos inquéritos. Trata-se de um IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), ou, em outras palavras, um pedido de transferência da competência de investigação de uma esfera judicial a outra. O que a PGR solicitou ao STJ foi a federalização das investigações para que autoridades locais - leia-se polícia, Legislativo e Judiciário do Rio - não possam interferir na delicada apuração desses homicídios. Esse IDC do caso Marielle tramita no STJ em segredo de justiça e a relatora Laurita Vaz é da Terceira Seção. Cabe, a ela, pedir informações sobre o processo e definir seu voto. Finalizada essa etapa, a relatora submeterá o voto aos colegas da Terceira Seção.

Ricardo Abramovay* - Amazônia, caminho para a inovação

- Valor Econômico

A bioeconomia é o caminho mais acessível para que o Brasil deixe o triste lugar que ocupa na retaguarda da inovação tecnológica global

A Mesa Redonda da Soja responsável, que reúne sete mil produtores em países como Estados Unidos, Brasil, Argentina e China reagiu à recente aceleração na derrubada de florestas tropicais com uma orientação clara: desmatamento zero. Não se trata de desmatamento ilegal zero até 2030, como preconizado pelo Brasil. A ideia é: mesmo que a lei o permita, o bom senso, a ética e o sentido estratégico dos negócios não podem tolerar que o avanço da produção de soja siga vinculado à destruição florestal: “zero é zero”, tornou-se o lema da organização.

Têm sentido bastante semelhante as recentes tomadas de posição dos governadores do Pará, do Amapá, do Amazonas e do Maranhão, inclusive em encontros internacionais como a Climate Week, em Nova York, quando da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesta ocasião houve reuniões empresariais cuja tônica central era a urgência de um novo paradigma para o crescimento econômico da Amazônia. Como já preconizava documento da Academia Brasileira de Ciências de 2008, o grande desafio brasileiro do Século XXI consiste em fazer com que este crescimento se apoie fundamentalmente em ciência e tecnologia, não em devastação.

Apesar do recente aumento na invasão de terras indígenas, da intensificação de atividades ilegais na exploração madeireira e no garimpo clandestino e das ameaças a ativistas, é impressionante o avanço e a consistência das propostas elaboradas por cientistas, ONGs, empresários e também por governos da região.

William Waack - Bolsonaro e os demônios

- O Estado de S.Paulo

Os fatos que atrapalham o presidente não são excepcionais, não fossem demônios

Jair Bolsonaro sente-se e age como homem cercado. Em parte, os motivos para essa autopercepção são práticos e “palpáveis”. Em parte, sente-se acuado por demônios de criação própria – em geral, a combinação dos dois leva os personagens da política a cometer erros. É real o cerco que sofre no Judiciário. O filho Flávio é investigado pelo conhecido esquema das “rachadinhas”, uma série de inquéritos faz menções a ligações do clã Bolsonaro com milícias no Rio, o TSE está tratando da acusação do envio de mensagens durante a campanha eleitoral de 2018. Porém, tratam-se de dores de cabeça que, tomadas isoladamente, até aqui não são arrasadoras.

Como é perfeitamente normal em sistemas políticos abertos, atribulações com o Judiciário são fartamente utilizadas por adversários. Que agem segundo o habitual método (nem foi a Lava Jato que inventou isso) dos vazamentos de inquéritos ou, nos últimos dias, de divulgação de áudios de figuras como Fabrício Queiroz, essa espécie de assessor “faz-tudo” que é muito útil no dia a dia dos políticos e muito perigoso pelo o que podem dizer.

Note-se que adversários, nesses casos mais recentes, não são apenas a oposição composta por correntes políticas antagônicas, empenhadas como em qualquer outro lugar em atrapalhar o governo. 

Sergio Fausto* - Por que o Chile interessa

- O Estado de S.Paulo

Bom ou ruim, o que lá acontecer terá efeitos na América Latina, em especial no Cone Sul

Nas últimas semanas o Chile virou de pernas para o ar. O que ao início parecia se limitar a um punhado de jovens a pular catracas no metro de Santiago, em desafio pelo aumento da tarifa, transformou-se numa gigantesca onda de protesto social. Os protestos são tanto um produto do sucesso do “modelo chileno” quanto um reflexo de suas crescentes limitações.

Na herança deixada pela ditadura militar do general Pinochet, a coalizão de centro-esquerda que assumiu o poder no Chile em 1990 encontrou uma economia aberta que recém se havia estabilizado e começado a crescer; uma sociedade empobrecida por ajustes estruturais feitos a ferro e fogo e traumatizada pela violação sistemática de direitos humanos; e uma Constituição outorgada que estabelecia severos limites políticos à vontade dos governos democráticos eleitos.

Vistos contra esse pano de fundo, saltam aos olhos os avanços do Chile nas três últimas décadas de governança democrática: o crescimento econômico acelerado tornou o país o mais rico da América Latina; a pobreza despencou de 40% para 9% e a indigência, de 20% para 3%; a quase totalidade dos jovens passou a completar o ensino médio e mais da metade a concluir o ensino superior; os milhares de violações de direitos humanas foram apuradas e os culpados julgados e condenados; as amarras políticas impostas pela ditadura foram removidas. Falar em fracasso do “modelo chileno” é um equívoco, o que não significa ignorar seus problemas.

Luis Fernando Verissimo - Óbvio

- O Estado de S. Paulo | O Globo

Os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres ficam cada vez mais miseráveis. O que tem o neoliberalismo a ver com isso?

Os chilenos se manifestam nas ruas contra o aumento de tarifas e do custo da sua vida em geral. Nada que não tenha mobilizado multidões em outra partes do mundo. Mas um milhão de manifestantes nas ruas do Chile não significa o mesmo que um milhão de manifestantes em outro lugar. Uma nova e inesperada causa entrou no elenco de reclamações dos chilenos. Uma causa não inédita – no fundo é a causa básica, o genérico, de todas as outras –, mas que não costuma frequentar manifestações de rua. Os chilenos protestam contra a desigualdade.

Dirá o leitor que a desigualdade, a má distribuição de renda, a injustiça social ou que nome tenha a bandida está implícita em todo o discurso de esquerda e é tão óbvia que está à beira de ser uma abstração. É-se contra a injustiça social como se é contra a morte, a explosão de vulcões, a seborreia e a techno music. O leitor tem razão, mas a obviedade nunca foi dita com a clareza em que está sendo ouvida nas ruas do Chile. Os ricos ficam cada vez mais ricos, os pobres ficam cada vez mais miseráveis e isto não é uma fatalidade como o rompimento de uma barreira da Vale. O cataclismo tem autores, tem defensores, tem teóricos, tem até filósofos.

Zeina Latif* - Novos ventos

- O Estado de S.Paulo

Evitar o “voo de galinha” do País dependerá do avanço de reformas

O início do ano foi bem difícil do ponto de vista da atividade econômica, com contração do PIB e de investimentos, e mercado de trabalho muito fraco.

Minha avaliação, naquele momento, foi que, para além da fraqueza estrutural da economia (baixo potencial de crescimento de longo prazo), o início conflituoso do novo governo afetou o humor de empresários e consumidores, cujos índices de confiança caíam.

O susto do início do ano foi superado por boas surpresas: o espírito mais reformista do Congresso, a queda da inflação e o cenário de corte de juros do Fed, o banco central americano. Afastou-se o risco de nova retração do PIB ou sua estagnação.

A economia vem ganhando tração. Aumentou a chance de as projeções de crescimento do PIB – na casa de 2% em 2020 – não frustrarem novamente. O gatilho principal é o possível aumento da potência do corte de juros do Banco Central para estimular a demanda.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A palavra do presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

Palavras de Jair Bolsonaro mais espantam e desorientam do que inspiram. Revelam ciclotimia que desgasta o estoque de confiança que os brasileiros nele depositaram

A palavra do presidente da República é forte no Brasil. Por duas vezes, em 1963 e 1993, os brasileiros afirmaram sua preferência pelo regime presidencialista nas urnas. Foi uma opção consciente por um tipo de líder claramente identificável como o fiel depositário dos anseios da sociedade, responsável último, no olhar do cidadão, por dar soluções para os graves problemas que afligem a Nação, como a pobreza e a desigualdade.

Pode-se discutir, é evidente, se a escolha pelo presidencialismo, e não pelo parlamentarismo, foi ou não a mais sábia. Fato é que, por razões históricas e culturais que marcaram a construção de nossa identidade nacional, o que o presidente diz e escreve nesta porção do mundo tem um peso como em poucos outros países. Isso é um patrimônio do chefe do Poder Executivo.

Por suas ações erráticas e por vezes irascíveis, o presidente Jair Bolsonaro tem comprometido esse patrimônio. Suas palavras mais espantam e desorientam do que inspiram. Revelam uma ciclotimia que desgasta o estoque de confiança que os brasileiros nele depositaram na eleição de 2018.

Nos últimos dias, a atenção do País tem se concentrado, mais uma vez, nas esquisitices do presidente. Em entrevista exclusiva ao Estado, o presidente admitiu ter sido uma “injustiça” a publicação de um tosco vídeo em sua conta no Twitter em que ele é associado a um leão solitário sob ataque de uma alcateia de hienas, estas representando o Supremo Tribunal Federal (STF), os partidos políticos, a imprensa, a Organização das Nações Unidas (ONU), em suma, instituições que são caras a países democráticos. Aos olhos do presidente Jair Bolsonaro, no entanto, essas instituições são os obstáculos que o impedem de guiar o País a bom porto. “Me desculpo publicamente ao STF, a quem porventura ficou ofendido. Foi uma injustiça. Erramos e haverá retratação”, disse o presidente.

Poesia | Vinicius de Moraes - Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Música | Ana Costa - As coisas que mamãe me ensinou