quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Nem o Pelé conseguiria. É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República, sobre o projeto do governo de flexibilizar a meta fiscal acertada para 2014. O Globo, 13 de novembro de 2014.

Mudança na meta fiscal já enfrenta forte reação .

• Mudança na LDO que dá aval para déficit recebe críticas do TCU; Aécio ameaça ação na Justiça

Cristiane Jungblut, Martha Beck e Chico de Gois - O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - A mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 proposta pelo governo, que o libera, na prática, do cumprimento da meta fiscal neste ano, provocou reações ontem dentro e fora do Congresso. O presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, classificou a proposta de "improvisação". Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou a manobra e disse que a oposição irá estudar medidas judiciais porque, para ele, a presidente Dilma Rousseff incorrerá em crime de responsabilidade, caso o projeto seja aprovado.

Apesar dos acenos de apoio da base aliada, o governo começou a enfrentar dificuldades reais para aprovar o projeto, que permite a dedução de todas as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações da meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). A oposição obstruiu as votações, e a sessão do Congresso para votação de vetos presidenciais que trancam a pauta foi cancelada. Além disso, a bancada do PMDB na Câmara pediu mais prazo para apreciar a proposta.

- É uma improvisação que gostaríamos que não acontecesse no país. O Brasil tem que acabar com essa improvisação, com esse jeitinho de acertar as contas. Temos que ter um planejamento mais adequado - disse Augusto Nardes, ao ser perguntado sobre a mudança na LDO, após entregar ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a lista de obras consideradas irregulares pelo TCU, em 2014.

Aécio chama medida de "violência"
Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou a falar em estelionato eleitoral e afirmou que, com a proposta enviada ao Congresso, o governo dá um mau sinal sobre as boas práticas fiscais.

- Alerto ao Congresso que, se aprovada uma medida como essa, o sinal que estamos dando é que não há mais lei a ser cumprida. Basta que, no momento em que uma lei não for cumprida, o governante a altere com sua maioria. Espero que o Congresso se respeite, respeite suas prerrogativas, e impeça essa violência - afirmou. - O governo devia ter a humildade de dizer que falhou, que fracassou.

Ao comentar a medida o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse ontem que a presidente Dilma Roussef "está quebrando" o Brasil.

- A situação do país é difícil, eles não têm como cumprir o superávit fiscal. Eles têm que reconhecer isso. Dilma disse que eu quebrei o Brasil três vezes. Não sei quando, mas agora ela está quebrando - afirmou o ex-presidente, depois de participar de seminário em São Paulo.

Perguntado se o governo estaria tentando burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para fechar as contas do ano, o tucano recorreu a uma metáfora futebolística:

- É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

Jucá negocia com oposição
No início da noite, o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), começou a negociar uma saída política que viabilize a aprovação da mudança na LDO. Uma das alternativas é aprovar na Comissão Mista de Orçamento (CMO) um calendário especial para agilizar a tramitação. Outra é a aprovação da urgência constitucional, saída cogitada por Jucá para acelerar os prazos de tramitação do projeto. Jucá iniciou uma negociação com setores da oposição para ver se é possível um acordo de procedimentos nesse sentido.

A bancada do PMDB da Câmara surpreendeu até mesmo a cúpula do partido ao pedir mais tempo para discutir as consequências da medida com especialistas. O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), disse que a bancada mostrou boa vontade com a modificação proposta por Dilma, mas que quer se envolver no debate sobre o mérito da mudança.

- Não existe racha na bancada. O que existe é que a gente toma posições pelo convencimento - disse Cunha.

Após propor ao Congresso a mudança na LDO que libera o governo do cumprimento da meta de superávit em 2014, a equipe econômica trabalha agora no documento que vai indicar o tamanho do estrago nas contas públicas deste ano. É no relatório de receitas e despesas do quinto bimestre, que será publicado até o dia 22 de novembro, que o governo precisa mostrar o verdadeiro resultado fiscal com o qual trabalha.

O governo quer autorização para abater todas as despesas com o PAC e com desonerações da meta de superávit primário fixada na lei em R$ 116,1 bilhões. Como esses gastos somam hoje quase R$ 140 bilhões, a mudança permitirá até que o resultado do ano seja um déficit, sem descumprimento da LRF.

No entanto, a equipe econômica está dividida em relação à projeção que será colocada no relatório. Uma parte dos técnicos defende um número realista, mesmo que seja déficit. No entanto, outros afirmam que o número deve ser um superávit, o que é pouco crível considerando o quadro das contas em 2014. Até setembro, o setor público consolidado registra um déficit primário de R$ 15,3 bilhões.

Dilma: "situação diferenciada"
O fechamento do ano depende dos três últimos meses, sendo que novembro costuma ter déficit nas contas enquanto dezembro é de pequeno superávit. Para que o saldo do ano seja positivo, é preciso que o último trimestre registre um superávit suficiente para compensar todo o número negativo do ano, mais o de novembro.

Em Doha, no Qatar - em uma escala na viagem para a Austrália, onde participará da cúpula do G-20 (grupo que reúne as principais economias do mundo) -, a presidente comentou ontem a proposta de mudança da LDO. Ela argumentou que o mundo todo tem reduzido seu esforço fiscal e que o Brasil ainda é um dos países em melhor situação:

- Dos 20 países do G-20, 17 hoje estão numa situação de déficit fiscal. Nós estamos ali no zero. Nós não temos nem déficit, nem superávit. Nós estamos até numa situação um pouco melhor. Nós temos uma das menores dívidas líquidas, de 35% do PIB. Nos países do G-20, média, está acima de 60%. A nossa situação, se você olhar os fundamentos, ela é bastante diferenciada.

Também ontem, a Comissão Mista de Orçamento aprovou o parecer preliminar sobre a LDO de 2015, mantendo os indicadores econômicos fixados pela equipe econômica na proposta original para o ano que vem, bem mais otimistas do que as previsões de mercado. O parecer preliminar foi aprovado com quase seis meses de atraso, já que foi apresentado por Vital dia 22 de maio. O parecer final será apresentado apenas no dia 26.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que o governo fez um grande esforço fiscal e que o desempenho fiscal do país é "exemplar". Sobre o envio da proposta do governo, Mercadante disse que o Congresso terá duas opções: fazer o superávit ou manter os investimentos e desonerações.

- O governo fez uma opção: não fazer o ajuste ortodoxo. Este ano precisamos ajudar a amenizar o impacto da crise. O governo fará o maior superávit primário possível. Nessa conjuntura específica tivemos que desonerar a indústria e a produção e acelerar os investimentos para fazer frente a um cenário recessivo - disse, para depois completar:

- O governo sempre cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que nós estamos discutindo é a melhor forma de administrarmos as finanças do país. A melhor forma é fazermos um superávit primário que não sacrifique as desonerações, não sacrifique os empregos e os investimentos.

Costa: sem alteração da LDO, governo não pagará emendas

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), afirmou nesta quarta-feira, 12, que, sem a aprovação da mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, o governo Dilma Rousseff não terá como pagar as emendas parlamentares previstas no chamado "Orçamento Impositivo". O Executivo enviou ontem um projeto de lei ao Congresso propondo a alteração na LDO com o objetivo de flexibilizar o superávit primário.

O Legislativo ainda não aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) que torna obrigatória a execução das emendas parlamentares de deputados e senadores. Esse dispositivo está previsto na LDO, mas precisa passar pela Câmara dos Deputados para entrar em vigor.

Atualmente, os sucessivos governos liberam as emendas - usadas geralmente para os parlamentares levarem obras aos seus redutos eleitorais - quando querem, fazendo disso uma moeda de negociação política.

Questionado se estava preocupado com a possibilidade de parte da base votar contra a alteração na LDO, o líder petista respondeu, em entrevista: "Se houver esse posicionamento, e tenho certeza que não vai haver porque a base do governo tem agido de forma satisfatória, o governo não vai pagar emendas dos parlamentares do Orçamento Impositivo se não for mudada a meta do superávit primário."

Segundo o líder do PT, governos e prefeituras deixarão de ter recursos para obras importantes. Ele disse ter "certeza" de que o Congresso vai tomar a opção para o País continuar crescendo.

Chantagem
Em entrevista e em discurso no plenário do Senado, Costa negou que esteja fazendo "chantagem" com os aliados e até mesmo emparedando a oposição, a quem também pediu compreensão. Mas ironizou o tucano Aécio Neves (MG), que momentos antes, havia dito que o projeto de flexibilização do superávit primário era um "atestado definitivo de fracasso da condução da política econômica" do governo Dilma Rousseff.

"O senador insiste em pensar que está participando de uma campanha eleitoral. A eleição passou, ele perdeu, Dilma ganhou. Agora, é governar o Brasil", afirmou. No mês passado, Aécio Neves perdeu para Dilma a disputa pelo Palácio do Planalto.

Dilma incorre em crime se não respeitar a LRF, diz Aécio

Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado ao Palácio do Planalto, afirmou na tarde desta quarta-feira, 12, que a presidente reeleita Dilma Rousseff incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um dia após o governo enviar um projeto de lei para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, flexibilizando a meta de superávit primário, o tucano disse que a oposição estuda tomar medidas judiciais contra a proposta do Executivo.

"Vamos discutir, inclusive, do ponto de vista judicial, quais as demandas cabíveis porque a presidente da República incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou o tucano, em entrevista na saída do plenário do Senado.

Questionado pelo Broadcast Político sobre o fato de que uma eventual condenação por crime de responsabilidade incorreria em cassação do mandato da Dilma, Aécio Neves disse que vai ponderar quais medidas tomará. "Não quero chegar a isso (processá-la) porque a medida (a alteração da LDO) não foi ainda tomada pelo Congresso", disse.

O tucano defendeu que, na discussão sobre a mudança da meta de superávit, o Congresso respeite as suas prerrogativas e impeça essa "violência". "É o atestado definitivo de fracasso de condução da política econômica", criticou.

Aécio disse que Dilma deveria devolver o mandato após ter enviado o projeto de lei de alteração da LDO. "Se houvesse um Procon das eleições, a presidente Dilma estaria sendo hoje instada a devolver o mandato", criticou o tucano.

Para o senador mineiro, a presidente vendeu aos brasileiros durante a campanha eleitoral uma realidade que não existia: de que o País não necessitava do aumento da taxa básica de juros da economia, tinha as contas públicas em ordem, não tinha inflação, diminuía o desmatamento e reduziria permanentemente a miséria.

Até um mês atrás, segundo o tucano, as principais autoridades do governo diziam que cumpririam o superávit primário de 1,9% do PIB - meta que se pretende flexibilizar com o projeto enviado ao Legislativo.

Aécio destacou que a oposição vai atuar para tentar derrubar a iniciativa. "Vamos estar vigilantes para impedir um cheque em branco para o governo", disse. Ele afirmou que o Planalto quer, com a mudança, produzir um déficit e chamá-lo de superávit. "O governo, mais uma vez, quer mascarar os números", criticou.

Para o tucano, o governo deveria ter a "humildade" de dizer que fracassou. "Um governo que foi perdulário, que não foi responsável do ponto de vista da administração dos gastos públicos, não tem autoridade moral para pedir ao Congresso que altere uma lei por ele aprovada", disse.

Fernando Henrique diz que Dilma está quebrando o país ao tentar flexibilizar meta fiscal

• Ex-presidente critica manobra do governo para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal

Silvia Amorim – O Globo

SÃO PAULO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) disse nesta quarta-feira, ao comentar a tentativa do governo federal de flexibilizar a meta fiscal acertada para 2014, que a presidente Dilma Roussef “está quebrando” o Brasil. FH concedeu entrevista à tarde, após participar de seminário sobre segurança no setor de tecnologia, em São Paulo.

— A situação do país é difícil, eles não têm como cumprir o superávit fiscal. Eles têm que reconhecer isso. Dilma disse que eu quebrei o Brasil três vezes. Não sei quando, mas agora ela está quebrando — afirmou o ex-presidente.

Pouco antes de fazer a declaração, Fernando Henrique havia destacado, em sua palestra, a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) durante a sua gestão na Presidência da República. Perguntado se o governo estaria tentando burlar a LRF para fechar as contas neste ano, o tucano recorreu a uma metáfora futebolística:

— Nem o Pelé conseguiria. É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.

O governo enviou nesta terça-feira ao Congresso um projeto para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e abandonar a meta fiscal prevista para 2014, que era de R$ 116 bilhões. Pela proposta, seriam abatidos do cálculo gastos com investimentos. Para justificar a medida, o governo alega redução das receitas e aumento dos gastos no ano eleitoral.

A oposição tem classificado o projeto como uma forma de "estelionato eleitoral". Para Fernando Henrique, este não seria o primeiro da atual gestão.

— São tantos, né? Um seguido do outro — concluiu o ex-presidente.

Ele participa na próxima sexta-feira de um ato organizado pelo PSDB em São Paulo, onde o candidato à Presidência derrotado e senador Aécio Neves (PSDB-MG) agradecerá os votos que obteve no estado.

TCU impõe restrições à contratação direta da Petrobras pelo governo

• Ministro destaca fragilidades em estudos feitos pela companhia

Eduardo Bresciani – O Globo

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu o governo de contratar diretamente a Petrobras para produzir bilhões de barris de petróleo no excedente de áreas da cessão onerosa sem a aprovação prévia do TCU e sem o cumprimento de algumas condições. O governo anunciou em junho que faria a contratação, o que renderia neste ano R$ 2 bilhões a título de bônus de assinatura para ajudar os cofres do Tesouro, que tem recorrido a manobras fiscais para o cumprimento do superávit primário. A decisão vai dificultar ainda mais o fechamento das contas deste ano.

O acórdão aprovado ontem pelo TCU pede que o Ministério de Minas e Energia só leve o negócio adiante após a conclusão do processo de revisão da primeira parte da cessão onerosa, pela qual foram repassados 5 bilhões de barris para a companhia. E de estudos de viabilidade mais aprofundados sobre o excedente. O tribunal determinou ainda que seja encaminhada uma minuta do contrato com pelo menos 30 dias de antecedência em relação à data na qual se pretenda celebrá-lo.

Em seu voto, o ministro José Jorge, que participou de sua última sessão no tribunal, destaca observações da área técnica sobre a fragilidade dos estudos existentes até agora e sugere que a medida foi colocada em prática apenas para tentar antecipar recursos para a União.

"Antecipação de receitas"
"Ao que tudo transparece, a rapidez com que a aprovação da contratação foi conduzida tem por intuito primeiro assegurar a mais breve antecipação de receitas para a União, e não um melhor resultado em termos financeiros, o que não se coaduna com um complexo e longo projeto de exploração de petróleo", argumenta José Jorge no parecer.

Pelo anúncio do governo, há no excedente entre 10 e 14 bilhões de barris de petróleo a serem explorados pela Petrobras. Além dos R$ 2 bilhões no ato da assinatura, a Petrobras anteciparia ao governo mais R$ 13 bilhões até 2018. José Jorge afirmou que não há questionamento técnico sobre a possibilidade de contratação direta, mas sobre a forma como o negócio vem sendo conduzido.

Contabilidade criativa chega ao apogeu – O Globo / Editorial

• A poucas semanas do fim do exercício, não pode ser levada a sério a afirmação que o governo não consegue prever como suas contas encerrarão o ano

Os números relativos a setembro não deixaram dúvida sobre a impossibilidade de o governo federal atingir as metas fiscais definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 - o déficit primário histórico de R$ 20,3 bilhões pulverizou qualquer possibilidade de algum superávit aceitável. No entanto, as autoridades fazendárias continuaram blefando ao garantir que haveria uma recuperação do superávit no último trimestre do ano. O segundo turno das eleições estava bem próximo, e se admitissem o fracasso da política fiscal - com seus efeitos nocivos sobre o combate à inflação, as contas externas e o crescimento da economia - talvez pusessem em risco a vitória tão apertada da presidente Dilma no pleito.

O reconhecimento implícito da política desastrosa que praticaram acabou vindo esta semana. Formalmente, para não serem punidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal devido ao descumprimento da meta de 1,9% do PIB, as autoridades econômicas baixaram uma medida provisória esdrúxula, pela qual este e demais objetivos desaparecem, já que todas as desonerações de tributos e mais os desembolsos para investimentos inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são descontados do déficit primário que o Tesouro acumulou.

Uma parcela dos investimentos já era descontada da meta "cheia" de superávit primário, mas agora o governo deixou de lado todos os escrúpulos e retirou o limite para essa dedução. Assim, o primeiro mandato da presidente Dilma vai se encerrar com a chamada contabilidade criativa das finanças públicas atingindo o apogeu. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, "assegurou" em depoimento à Comissão Mista do orçamento, no Congresso, que o governo fechará as contas em 2014 com superávit primário, o máximo que for possível. E, como o comportamento da receita está "errático", não poderia se comprometer com números específicos. Ora, faltando apenas poucas semanas para encerramento do exercício fiscal, se as autoridades não são hoje capazes de projetar a trajetória de suas receitas e despesas, talvez fosse mais honesto por parte da ministra declarar "salve-se quem puder", pois este é um governo que não tem mais controle sobre suas finanças.

Não será possível começar o segundo mandato nesse quadro calamitoso. É urgente que a presidente Dilma componha sua nova equipe econômica com nomes de reconhecida credibilidade e capacidade para pôr a casa em ordem. A economia brasileira está na iminência de ser rebaixada na classificação de agências internacionais de avaliação de risco, ficando a um passo de perder o grau de investimento conquistado a duras penas. A cada rebaixamento, ficará mais difícil financiar os déficits gêmeos, das contas externas e das finanças públicas, o que, por sua vez, se refletirá em mais inflação e menos crescimento econômico.

TCU sugeriu barrar obras da Petrobrás

• Corte recomendou em 2009 que governo bloqueasse repasses para 4 empreendimentos; Lula alegou que paralisação daria prejuízo

O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto foi alertado em 2009 de irregularidades em obras da Petrobrás pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou o bloqueio de recursos para os empreendimentos da estatal no orçamento do ano seguinte. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contudo, vetou dispositivos da lei orçamentária, aprovada pelo Congresso, que impediriam os repasses.

A decisão permitiu que R$ 13,1 bilhões fossem liberados para quatro obras da companhia petrolífera, embora auditorias feitas pela corte de contas tivessem detectado superfaturamento e várias outras impropriedades. Desse total, R$ 6,1 bilhões foram destinados à construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Segundo o inquérito da Operação Lava Jato, os contratos com empreiteiras são a fonte de desvios da obra para partidos da base aliada. O orçamento inicial de Abreu e Lima, de R$ 2,3 bilhões, já ultrapassa os R$ 20 bilhões.

A decisão de liberar recursos em 2010 ocorreu após discussão acirrada entre o governo e o TCU, que não cedeu no entendimento sobre as obras. O Planalto ameaçou enviar ao Congresso um projeto de lei limitando os poderes da corte de contas. Lula declarou na época que o órgão "quase governa o País". O então presidente do tribunal, Ubiratan Aguiar, dissera que fiscalizar implicaria contrariar interesses.

Além da refinaria nordestina, a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (PR) e a implantação de um terminal em Barra do Riacho (ES) foram citadas na recomendação do TCU - que já havia constatado, além de sobrepreços, que os projetos básicos eram deficientes e os editais de licitação restringiam a competitividade.

Justificativa. Ao justificar o veto, Lula argumentou que o bloqueio de recursos implicaria a paralisação das obras e, em consequência, a perda de 25 mil empregos, além de prejuízo mensal de R$ 268 milhões com a "degradação e a desmobilização" dos trabalhos feitos até então. Ele destacou ainda que parte dos contratos tinham 90% de execução física e a interrupção atrasaria o início da operação das unidades, "com perda de receita mensal estimada em R$ 577 milhões e dificuldade no atendimento dos compromissos de abastecimento do País com óleo diesel de baixo teor de enxofre".

O então presidente salientou a possibilidade de corrigir as falhas identificadas. Relatórios da corte de contas, no entanto, continuaram apontando irregularidades. O balanço mais recente aponta sobrepreço de R$ 469 milhões em Abreu e Lima.

Auditorias em curso investigam outras possíveis irregularidades que podem alcançar R$ 1,1 bilhão. No Comperj, o prejuízo é estimado em R$ 238,5 milhões. O cronograma da obra está atrasado, o que, segundo o tribunal, implica perdas de R$ 213 milhões por mês.

A Polícia Federal investiga se o esquema de desvios na Abreu e Lima também funcionou na refinaria do Paraná e se recursos de contratos superfaturados podem ter abastecido empresas ligadas ao doleiro Alberto Youssef e ao ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa.

Holandeses confirmam que SBM subornou na Petrobras

Cláudia Schüffner - Valor Econômico

CURITIBA - A empresa SBM Offshore firmou acordo com o Ministério Público da Holanda e vai pagar US$ 240 milhões para encerrar um inquérito aberto para investigar a prática de suborno em Angola, Guiné Equatorial e Brasil. Autoridades brasileiras agora apuram a participação de funcionários da Petrobras na prática de corrupção.

O Ministério Público Federal fez pedido de cooperação a autoridades holandesas para ter informações sobre o acordo entre a promotoria holandesa e a SBM. Detalhes das investigações na Holanda e no Brasil são mantidos em sigilo. Segundo o Valor apurou, a Petrobras enviou cinco funcionários à Holanda, onde tiveram acesso a informações sobre a relação comercial entre as duas empresas.

A investigação na Holanda deixou claro que a SBM, que tem contratos com a Petrobras no valor de US$ 22 bilhões, teria subornado funcionários da estatal brasileira. Segundo a procuradoria holandesa, a empresa fez "pagamentos impróprios" que somam US$ 200 milhões, sendo US$ 180 milhões para obter contratos entre 2007 e 2011 nos três países. Ontem, a Controladoria-Geral da União instaurou seis processos administrativos envolvendo funcionários, ex-funcionários e ex-diretores da Petrobras. Não foram informados os nomes.

Alteração da LDO sustenta luta política

Vandson Lima, Leandra Peres, Raquel Ulhôa, Raphael Di Cunto e Bruno Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA - Um lapso do governo tornou ainda mais difícil a tramitação do projeto de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, que permitirá ao governo abrir mão de qualquer economia fiscal neste ano.

O projeto foi enviado ao Congresso sem pedido de urgência constitucional, o que significa que a tramitação teria de seguir os prazos normais. Ao tomar conhecimento do equívoco, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do texto, iniciou uma movimentação para resolver a questão. "Eu, como relator, preciso do regime de urgência para não ficar amarrado aos prazos regimentais", disse.

A proposta foi duramente criticada pela oposição. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) anunciou que seu partido vai estudar medidas judiciais para evitar a alteração da LDO. Ele disse que a presidente Dilma Rousseff (PT) incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e considerou o caso um precedente de extrema gravidade, além de "estelionato eleitoral". "O governo, mais uma vez, quer mascarar os números. O governo, na verdade, quer produzir um déficit e chamá-lo de superávit", disse.

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, também convocou entrevista para defender a opção do governo por eliminar a meta de superávit da proposta orçamentária e reafirmou o compromisso do governo em fazer "o maior superávit primário possível". "Estamos discutindo a melhor forma de administrar as finanças do país".

Cunha: 'minha candidatura para presidir a Câmara é irremovível'

• Enquanto deputado bate pé, Temer tenta unir PMDB no apoio a Dilma

Catarina Alencastro e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O presidente da República em exercício, Michel Temer, continua tentado pacificar o PMDB em busca de unidade no apoio à presidente Dilma Rousseff. Ontem, foi a vez de ele se reunir com deputados do PMDB que não apoiaram a reeleição de Dilma. Temer disse que está trabalhando para promover a "unidade absoluta" do partido em torno do governo. Enquanto Temer agia, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), também continuava articulando fortemente sua candidatura a presidente da Casa para neutralizar a ação do governo que tenta esvaziá-la. Cunha diz que sua candidatura é "irremovível".

Estiveram em um café da manhã com Temer, no Palácio do Jaburu, os rebeldes Leonardo Picciani (RJ), Danilo Forte (CE), Osmar Terra (RS), Hugo Motta (PB), Fernando Jordão (RJ), Eliseu Padilha (RS) e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que deu uma passada no final da reunião.

- Estamos cuidando não só de promover a unidade absoluta do PMDB, como tratei também um pouco da meta do superávit, que é um assunto que vai ficar para o Congresso. O Congresso vai ter que decidir nos próximos tempos - disse Temer.

A conversa foi amigável, mas ambos os lados aproveitaram para fazer reclamações. Temer, por exemplo, queixou-se do tom de algumas críticas que muitos deputados faziam abertamente ao jeito dele, de cobranças pelo fato de pensar mais no governo que no partido.

Os deputados, por sua vez, cobraram uma posição de Temer de apoio à candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara e deixaram claro que ele tem o apoio da bancada. Segundo Leonardo Picciani, os deputados enfatizaram que a candidatura de Cunha não é de oposição:

- O apoio à candidatura do Eduardo é questão pacífica na bancada. Queremos um posicionamento do partido. Estamos construindo uma candidatura harmônica do Parlamento com o Executivo. Não significa uma candidatura de oposição, mas também não é uma candidatura que não possa cumprir o papel constitucional do Congresso.

Em resposta, Temer disse que esse é um assunto do Congresso e que quem decide o candidato do partido é a bancada. Ele negou que haja temor por parte do governo em relação a Eduardo Cunha. Para marcar posição com os partidos com os quais está conversando, Cunha disse que sua candidatura à presidência da Câmara é "irremovível".

- Tenho sentido nas minhas conversas com outros partidos uma cobrança sobre se minha candidatura persistirá até o fim. A partir deste momento, minha candidatura é irremovível, será levada ao plenário em qualquer circunstância. Vou fazer o lançamento oficial no dia 2 de dezembro, 60 dias antes da eleição. Para que os partidos possam dar apoio é preciso que a candidatura seja real. E a minha é - disse Cunha.

O líder do PMDB se disse aberto a conversar também com o PT, mas alfinetou os petistas, afirmando que na semana passada foi o líder da bancada, Vicentinho (SP), quem descartou o diálogo.

Cunha disse que constrói uma candidatura para defender o Parlamento e que não há razão para que Temer, presidente do PMDB, não o apoie:

- Temos conversado muito. Construo minha candidatura no Parlamento. Não há razão para o Michel não me apoiar. O que ele não quer é a candidatura de um candidato de oposição. E a minha não é.

Governistas alinhavam bloco contra PMDB

Raphael Di Cunto - Valor Econômico

BRASÍLIA - A base governista começa a ensaiar uma reação as articulações do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), para se eleger presidente da Câmara dos Deputados e deu início ontem a conversas para organizar um bloco de apoio a um candidato mais alinhado ao governo federal que reuniria, a princípio, PT, PCdoB, Pros e PDT.

O deputado André Figueiredo (PDT-CE) defende a discussão de uma candidatura independente. "Não pode ser nem subserviente ao governo, nem ter práticas que as vezes beiram a chantagem", diz. O PDT reafirmou ontem em reunião da executiva nacional, deputados, senadores e governadores eleitos o apoio ao governo

"Nenhum de nós quer ver o Eduardo Cunha presidente da Câmara e achamos que é possível construir uma outra opção", afirma a líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), que cobra, porém, a definição de um candidato até a próxima semana. "Não dá para abrir negociações sem um nome para apresentar", diz.

O PT, contudo, tem adiado a definição para evitar um racha que possa favorecer outro candidato. Três nomes se colocaram para a disputa: o dos ex-presidentes da Câmara Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) e o vice-líder do governo, José Guimarães (CE). Em 2005, quando a sigla lançou dois candidatos, o PP acabou eleito.

Hoje, os deputados petistas realizam um seminário com a presença do presidente do PT, Rui Falcão, e os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) para discutir a conjuntura e possibilidades para a eleição. Mas o nome do candidato não sairá desta reunião, alerta o líder do partido na Casa, Vicentinho (SP).

PT barra proposta de reforma política

• Projeto da Câmara permite doação de empresas privadas a campanhas eleitorais

Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O PT manteve a estratégia de impedir ontem, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a votação da proposta de reforma política que tramita na Casa. Os deputados do PT criticam a proposta principalmente por incluir, na Constituição, a possibilidade de doação de empresas privadas para campanhas eleitorais, na contramão do que está para ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O partido já vinha obstruindo a votação dessa emenda constitucional no primeiro semestre deste ano. Ontem, o argumento usado foi o de que é preciso discutir essa proposta com a sociedade.

A emenda, que tem entre seus autores o petista Cândido Vaccarezza (SP), prevê que os partidos poderão optar por três tipos de financiamento de campanhas: público, privado ou misto. As doações de pessoas jurídicas terão que ser feitas aos partidos, impedindo a identificação do candidato beneficiado. Pessoas físicas poderão doar diretamente aos candidatos. A proposta acaba também com o voto obrigatório e com a reeleição para cargos executivos.

Logo depois de eleita, a presidente Dilma Rousseff voltou a defender a votação de uma reforma política e a realização de um plebiscito para saber que pontos a sociedade deseja alterar. O Congresso rejeitou a ideia do plebiscito, mas reconheceu a necessidade de votação da reforma política. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), apelou para que a emenda, elaborada pelo grupo da reforma política que ele criou, tivesse sua admissibilidade votada pela CCJ o mais rápido possível e conseguiu apoio de 15 líderes partidários.

STF já tem posição contrária
Ontem, no entanto, durante a sessão, PT, PCdo B e PSOL ameaçaram obstruir a votação se não fosse realizada primeiro uma audiência para debater os temas com entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

- A CNBB, a OAB e mais 100 entidades apresentaram uma proposta de reforma política que já tem mais de 600 mil assinaturas. Vamos votar aqui sem discutir com a sociedade? Além disso, essa PEC do grupo de trabalho tem um problema muito grave: constitucionaliza a doação de pessoa jurídica às campanhas. É uma antirreforma para anular a decisão que o Supremo está prestes a tomar e que torna inconstitucional esse tipo de doação - disse o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

O STF começou a analisar ação contra a doação de empresas para campanhas, e, apesar do pedido de vista de Gilmar Mendes que interrompeu a votação, já há maioria pelo fim das doações de pessoas jurídicas.

Luiz Werneck Vianna - Sair da confusão

- O Estado de S. Paulo

"Sair da confusão" - com essa frase o treinador Vanderlei Luxemburgo, recém-contratado pelo Flamengo, clube em grave crise e sob a iminência de rebaixamento da série A do Campeonato Brasileiro de Futebol, iniciou seu trabalho à frente do elenco sob seu comando. A definição clara do objetivo estratégico a ser perseguido parece, a esta altura, que lhe foi propícia, pois tudo indica que em breve se dissiparão pesadas nuvens que ainda pesam no horizonte da sua agremiação. A questão que ora se põe para a política brasileira é da mesma natureza: sair da confusão a que fomos levados pela surpreendente fúria de que se revestiu a competição eleitoral - no prognóstico consensual que antes se fazia, mais uma a transcorrer sem maiores atropelos desde a democratização do País.

Tratava-se, é fato, de uma eleição fadada a ser mais competitiva que as anteriores com a candidatura de Eduardo Campos a trincar a base de sustentação das hostes governistas, mas o que veio a suceder vem desafiando o script mais fantasista de que se poderia dispor para o seu enredo. Mal ou bem, fora o ponto fora da curva das jornadas de junho de 2013 - nada inocente, aliás, quanto ao que veio a ocorrer no processo eleitoral -, a política brasileira vinha seguindo o traçado amável e confiável desenhado pelo constituinte de 1988 quando, de súbito, se deparou com uma bifurcação inesperada provocada pelo crescimento, primeiro, da candidatura de Marina Silva, que surgiu opondo à agenda da modernização a do moderno, e, depois, da de Aécio Neves, com sua desenvoltura nos debates eleitorais.

A derrota eleitoral, antes uma hipótese de laboratório, havia se tornado uma possibilidade tangível. Para evitá-la, um caminho seria o de seguir avante na trilha astuta aberta por Lula no episódio da Carta ao Povo Brasileiro em sua primeira sucessão, mas com as jornadas de junho de 2013 o novo cenário não parecia ser promissor a ele; outro, sempre encapuzado e que, provavelmente, não corresponderia às convicções de Lula - se a consulta a seu passado permite jogar luz sobre seu posicionamento político -, seria o de investir na estrada do discurso do nacional-desenvolvimentismo, com registro na biografia de Dilma Rousseff e presença latente em suas ações na Presidência da República. Optou-se por este último, avaliado como atraente por falar ao imaginário de setores da esquerda que jamais se conformaram com a via da transição adotada pelas forças que conduziram a democratização do País.

Esses setores se deixaram seduzir por esse canto de sereias, mesmo que em tom de falsete, e acorreram em massa à campanha governista, vindo a desempenhar, por seu aguerrimento, principalmente nas redes sociais, um não pequeno papel na sua vitória eleitoral. Decerto, contudo, que o fator decisivo teve seu lastro na memória, que ainda se guarda, e com mais força em algumas regiões do País, do papel do Estado como instância da Providência - na era que leva seu nome, Vargas era chamado de "pai dos pobres" -, reavivada na campanha vencedora nas urnas.

Por essa via fortuita o populismo ganhou seu bilhete de reingresso na política brasileira, não se sabe, ainda, se de modo instrumental para efeitos da disputa eleitoral, ou permanente, mas logo sua real condição se fará pública com a designação do Ministério pela presidente eleita, em particular nas pastas da Fazenda e da Agricultura. Esse será o momento de a presidente subscrever, a seu modo, a sua carta ao povo brasileiro, ou, alternativamente, optar pela razão populista, contrariando o prudente Vanderlei, que tem horror à confusão.

A narrativa da História contemporânea brasileira na chave do populismo parecia estar sepultada e, como se sabe, o Partido dos Trabalhadores foi um dos seus principais coveiros, tanto pela ação decisiva do sindicalismo do ABC paulista - em que Lula foi personagem destacado, quando denunciou as instituições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como o AI-5 dos trabalhadores e se rebelou contra ela - quanto pela crítica de algumas importantes personalidades intelectuais que a ele se vincularam, como Florestan Fernandes, Raymundo Faoro e Francisco Weffort, avessos ao nacional-desenvolvimentismo e à estatolatria. Weffort, por sinal, tornou-se o primeiro secretário-geral do PT.

A derrogação teórica do papel da classe operária, categoria que foi estratégica na forma como o PT se apresentou ao mundo, implícita no processo eleitoral - e não apenas nele, porque já o antecedia - pela categoria povo não consiste numa operação trivial, especialmente num país com as nossas tradições. A perda de centralidade do mundo do trabalho na cena contemporânea se constitui num fato registrado pela sociologia, mas daí a rebaixar, numa sociedade de capitalismo expansivo como a nossa, suas lutas econômicas e por reconhecimento social ao estatuto genérico de abrigarem apenas mais um tipo de demanda social, entre outras, vai um oceano.

Com o deslocamento do mundo do trabalho para uma posição periférica na "construção do político", como sugerem teorias em voga, sinaliza-se para uma relativização do tema institucional em nome de pressões difusas e desencontradas em seus propósitos vindas da região do social. Não esquecer que o sindicalismo nasceu da luta pela institucionalização de direitos, o primeiro deles, pela regulamentação da jornada de trabalho e, um pouco mais tarde, em torno do seu direito à participação na política.

Diante do vazio que se abre com sua fraca presença em cena, fruto da política de cooptação a que foi sujeito nos governos de Lula, sobra espaço para as manipulações discursivas, sob a arbitragem do Estado como intérprete privilegiado, em competição aberta por hegemonia, tal como viceja no atual populismo latino-americano. Isso não é Gramsci nem sua teoria da hegemonia, e, sim, uma promessa de nos afundar no pântano da confusão.

Luiz Werneck Vianna é cientista social, PUC-Rio

Merval Pereira - Não aprenderam nada

- O Globo

O que é mais chocante neste episódio do descumprimento da meta de superávit primário, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é a postura dos principais dirigentes do governo, a começar pela própria presidente Dilma, a prenunciar que nada será alterado no segundo mandato.

O secretário do Tesouro, Arno Augustin, que deve se transformar no segundo mandato em um conselheiro especial com amplos poderes no Palácio do Planalto, disse recentemente, para justificar o déficit, que o governo fez "o que era melhor para o país", como se isso dependesse da vontade de alguns poucos iluminados e tivesse que ser aceito por toda a sociedade como uma verdade irreversível.

O comportamento da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao encaminhar o pedido formal ao Congresso para mudar a meta combinada anteriormente, também foi espantoso. Além de não apresentar um documento com uma justificativa técnica razoável, ela ainda se deu ao luxo de não informar qual o superávit que o governo estaria disposto a cumprir este ano.

Pela proposta original da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo se comprometia a fazer um superávit equivalente a 3,1% do PIB e podia abater da meta R$ 67 bilhões de obras e desonerações. A meta já fora reduzida para 1,9% do PIB com a aprovação do Congresso, mas agora o governo, além de não ter uma meta a propor, quer que seja permitido o abatimento de tudo o que for gasto com o PAC e desonerações. "Faremos o maior superávit possível", limitou-se a dizer a ministra do Planejamento, sem se comprometer com uma nova meta.

Mesmo esse vago compromisso já parece não ser possível de cumprir, pois analistas econômicos já garantem que teremos mesmo um déficit ao final do ano. Com o déficit de R$ 20,399 bilhões nas contas do governo central em setembro, o resultado acumulado no ano passou de um superávit para um déficit primário de R$ 15,705 bilhões, a primeira vez que isso ocorre desde 1997, quando teve início da série histórica.

Esse déficit tem explicações objetivas: o aumento dos gastos do governo nas eleições, desonerações de tributos e crescimento reduzido - que deve ser perto de zero este ano -, o que reduziu também a arrecadação de impostos. O governo, porém, atribui os problemas na economia a fatores externos, como a crise internacional e fenômenos climáticos como a seca, que contribuiu para fomentar a inflação com o encarecimento de alimentos.

A presidente Dilma entrou no debate na sua viagem para a reunião do G20 e resolveu nos comparar aos seus integrantes. "Dos 20 países do G20 (grupo das maiores economias do mundo), 17 estão hoje numa situação de ter déficit fiscal. Nós estamos no zero. Estamos até numa situação um pouco melhor". Da palavra da ministra Belchior para a presidente reeleita, já passamos de um superávit qualquer para zero, e com louvor.

Mas Dilma foi adiante: "Nós temos uma das menores dívidas líquidas sobre o PIB, 35%, e a média dos países do G20 é acima de 60%. A nossa situação é bastante diferenciada. Nenhum deles está cumprindo superávit primário", ressaltou. Como sempre, a presidente ressaltou o que lhe é favorável, e esqueceu o que neutraliza esse raciocínio. A diferença é que um país como o Brasil rola sua dívida líquida pagando cerca de 15% de juro real, enquanto os demais países em melhores situações fiscais pagam cerca de 1%. Um caso emblemático é o do Japão, que tem 200% de dívida líquida, mas paga juros negativos.

E por que isso acontece? Justamente devido a nossa fragilidade fiscal provocada por contabilidade criativa que não dá confiança aos credores. Quando o governo dá dinheiro ao BNDES, cresce a dívida bruta e a líquida fica inalterada. Mas os juros sobre a dívida líquida sobem. Mudar novamente a meta de superávit primário, sem se comprometer com meta alguma, é o pior caminho que o governo poderia trilhar, especialmente quando se prepara para um novo mandato e, com essas atitudes, manda sinais de que teremos mais do mesmo nos próximos anos.

É sinal de que não aprenderam nada com os problemas que criaram para eles próprios.

Dora Kramer - Universo paralelo

- O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff procurou aparentar tranquilidade diante do gestual animoso escolhido pela senadora Marta Suplicy para deixar o ministério da Cultura. Acabou, porém, tropeçando nas palavras e atropelando a realidade.

Principalmente quando, na mesma entrevista dada no Catar a caminho da reunião do G-20, na Austrália, Dilma considerou que a reforma do Ministério não é uma questão urgente. "Vou fazer por partes", anunciou a presidente.

De duas, uma: ou se trata de mero despiste ou a chefe da Nação parece ser a única a não se dar conta de que o seu segundo mandato já começou. As circunstâncias não lhe oferecem período de carência. Carrega o ônus da vitória, sendo alvo de pressões de todo o lado. Não bastasse a oposição fortalecida e o maior partido aliado, o PMDB, em estado de rebelião surda, há movimentos estranhos partindo dentro do próprio PT, todo cheio de insatisfações.

Isso sem falar no que não se sabe que vem por aí em decorrência das investigações dos ilícitos cometidos na Petrobrás. Só se sabe que não é coisa de pequena monta. Nada está mais sob o controle do governo, há investigação no âmbito internacional, trata-se, pois, de um fato de ganhou pernas próprias. Estava desde o início claríssimo que o menor dos problemas nesse episódio era a repercussão eleitoral.

Desse caso é bem possível que se extrai uma terceira hipótese para alegada falta de pressa na reforma ministerial. Como envolve políticos da base governista e partidos que seriam contemplados com cargos na administração federal, é de se imaginar que a presidente esteja atuando com cautela.

Provavelmente aguardando informações mais seguras decorrentes dos acordos de delação premiada de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef para não correr o risco de indicar pessoas que estejam envolvidas no esquema de corrupção montado na estatal sobre cuja existência já não resta dúvida.

De qualquer forma, a pasta da Fazenda estaria fora dessa zona de perigo. Ademais, a presidente havia indicado que anunciaria o nome após a reunião do G-20. Ontem deixou a questão em aberto. Esse tipo de ambiguidade pode até ter razões estratégicas, mas não ajuda a reconstruir o capital de confiabilidade, cuja erosão foi ainda mais aprofundada na campanha eleitoral. A palavra da presidente saiu dela gravemente ferida no quesito credibilidade e continua sendo massacrada. Em questões de maior ou menor relevância.

Por exemplo, a versão de que os termos e o rito da demissão de Marta Suplicy estavam previamente combinados entre as duas é inverossímil. Fosse assim, não teriam sido de surpresa e perplexidade as reações em Brasília. O ministro da Fazenda tampouco teria rebatido as críticas de Marta à equipe econômica.

Guido Mantega, aliás, ficou falando sozinho depois que Dilma resolveu dizer que a ministra demissionária nada havia feito de diferente "de outros ministros", todos, segundo a presidente, donos do pleno direito de "dar opinião".

Não foi o que se viu ao longo dos últimos quatro anos, não é o que se depreende das palavras e atitudes de Dilma, de Mantega e agora mesmo na justificativa da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao Congresso sobre a proposta de alteração da meta fiscal. Não obstante as evidências de que há descontrole nas contas - expressas em todas as medidas pós-eleitorais - para o governo vai tudo bem e quem diz o contrário é mensageiro do fracasso.

A respeito do que entende como o perfeito direito "das pessoas de dar opinião", a presidente teve oportunidade de detalhar ao desautorizar especulações sobre a reforma ministerial: "O Palácio não fala. O Palácio é integrado por paredes mudas, só quem fala sobre reforma ministerial é esta modesta pessoa que vos fala aqui". Modéstia à parte.

Luiz Carlos Azedo - Contradições no seio do povo

• A saída de Marta Suplicy da Esplanada dos Ministérios é como a ponta de um iceberg, que revela a profunda insatisfação dos petistas de São Paulo com o Palácio do Planalto

Correio Braziliense

Velhos manuais da luta armada falam na existência de dois tipos de contradições: a antagônica e a não antagônica. Na primeira, um lado precisa eliminar o outro; na segunda, é preciso encontrar um meio de convivência entre as partes. Na cartilha de Mao Zedong, são as chamadas "contradições no seio do povo". "Ex-militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (Var-Palmares), a presidente Dilma Rousseff precisa decidir como pretende tratar as contradições que afloram na transição do primeiro para o segundo mandato, inclusive dentro do PT. Por exemplo, como a senadora Marta Suplicy (PT-SP) será tratada pelo governo quando voltar ao Senado.

A ministra da Cultura anunciou ontem, com estardalhaço, que deixava o governo — intenção que revelara à presidente antes mesmo da viagem de Dilma para Aratu (BA), onde descansou após as eleições. Houve um apelo para que continuasse no cargo até que o substituto fosse anunciado, mas a senadora paulista resolveu encerrar o expediente mais cedo e divulgou carta na qual fez os agradecimentos de praxe, mas explicitou as divergências com os rumos do governo.

“Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e a credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isso é o que, hoje, o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera”, disparou.

A notícia da demissão pegou a presidente Dilma de surpresa em Doha, no Catar, onde desembarcou na tarde de ontem, numa escala a caminho da reunião do G20, que será na Austrália. Contrasta fortemente com o estoicismo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, cuja demissão foi anunciada em plena campanha eleitoral. Até hoje, espera-se o anúncio do substituto dele no cargo.

Marta retomará sua cadeira no Senado. Eleita por São Paulo, tem mandato até 2018, mas quer disputar a prefeitura paulistana e pretende ir às prévias partidárias para ocupar a vaga do prefeito Fernando Haddad (PT), que anda mal das pernas.

Iceberg paulista
A primeira reação no Palácio do Planalto à demissão de Marta foi criticá-la. A decisão foi classificada de “deselegante” por um dos ministros da Casa. Na bancada do PT, o líder Humberto Costa (PE) se encarregou de vazar para a imprensa que a senadora paulista será tratada a pão e água, sem direito a cargo na Mesa ou presidência de comissão. Ou seja, será enquadrada na primeira categoria de contradição, isto é, como adversária do governo e do partido. Pode ser um tiro no próprio pé.

A saída de Marta da Esplanada é como a ponta de um iceberg, pois reflete a profunda insatisfação dos petistas de São Paulo com o Palácio do Planalto. A senadora paulista caiu em desgraça quando apoiou o movimento “Volta, Lula”, no começo do ano passado. Foi escanteada da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes pela candidatura de Alexandre Padilha, que foi um fiasco, independentemente de seu apoio, pois o ex-ministro da Saúde só faltou ser carregado nos ombros pelo ex-presidente Lula.

A decisão de deixar o governo não foi um gesto inopinado, foi amadurecida desde quando a presidente Dilma encarregou o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira de coordenar a campanha à reeleição na área cultural, mobilizando artistas e intelectuais. Num evento no Rio de Janeiro, ao qual Marta compareceu ao lado de Dilma, foi articulado uma espécie de desagravo ao ex-ministro, que atuou contra Marta da mesma forma como havia feito para desestabilizar sua antecessora, Ana de Hollanda.

Outro ministro que manda sinais de insatisfação é o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que também já está demitido do cargo. Durante o governo Lula, era o único que entrava no gabinete do presidente da República sem ser anunciado. Foi tratado como uma espécie de espião do antigo chefe no gabinete presidencial, mas cumpriu suas tarefas no governo sem reclamar. Era o bombeiro do Palácio do Planalto junto aos movimentos sociais e teve um importante papel na campanha, ao reaproximá-los de Dilma, sobretudo no segundo turno.

Mesmo assim, Gilberto Carvalho caiu em desgraça e não sabe o que vai fazer no futuro governo. Fala-se que será o homem encarregado da Funai, que virou uma panela de pressão. Sua importância no segundo mandato servirá como uma espécie de termômetro da relação de Dilma Rousseff com o ex-presidente Lula. Nesse caso, porém, trata-se de uma contradição não antagônica.

Jarbas de Holanda - Relações do Executivo com o Congresso no reequilíbrio político pós-eleitoral

As nervosas reações do Palácio do Planalto à articulação da candidatura do líder do PMDB na Câmara,Eduardo Cunha, à presidência da Casa antecipam um relacionamento entre os dois poderes bem mais tenso e complicado (por vezes de assumido conflito) do que o mantido até quase o fim do primeiro governo de Dilma Rousseff. No qual o mal-estar gerado pelo controle por petistas dos principais postos do primeiro escalão, nas estatais e nos fundos de pensão, e pelo caráter centralizador das decisões da presidente, inclusive das dependentes do Legislativo, era contido pela falta de alternativa política das lideranças peemedebistas e dos outros partidos não esquerdistas da base parlamentar do governo. Cabendo assinalar que o novo relacionamento vai se configurando no contexto da grave crise fiscal a que o Executivo é compelido a tentar respostas em grande parte subordinadas a deliberações do Congresso. Como a relativa à meta de superávit primário de 2014, descumprida completamente pelo ministério da Fazenda (o que agora se tenta disfarçar com manobras contábeis que agravam a falta de credibilidade da política econômica no plano doméstico e junto às agências internacionais de risco). E como a que diz respeito ao orçamento de 2015, cuja proposta superestima receitas e reduz artificialmente despesas, indicando a repetição de critérios de desrespeito à responsabilidade fiscal.

Entre os peemedebistas, esse mal-estar começou a evidenciar-se na convenção do partido, no meio deste ano, para a formalização do apoio à reeleição da presidente – rejeitado por mais de 40% dos delegados, mesmo com o nome de Michel Temer como companheiro de chapa. Desdobrou-se na campanha eleitoral em conflitos com os petistas na maioria dos palanques, bem como com a adesão final de vários diretórios estaduais à candidatura de Aécio Neves. E acentuou-se após o pleito por meio de posturas da bancada da Câmara, independentes em relação ao executivo e opostas às do PT na votação de matérias institucionais significativas e na articulação em torno de Eduardo Cunha.

Duas das referidas matérias: a relativa aos “conselhos populares”, instituídos por decreto presidencial que foi anulado pelo plenário da Câmara (o que deverá ocorrer também no Senado), e a aprovação, igualmente na Câmara, de emenda constitucional para a reforma política que consagra seu encaminhamento como prerrogativa exclusiva do Congresso, excludente de proposta do Palácio do Planalto para comando da reforma por meio da convocação de um plebiscito. Às quais (posturas) seguiram-se manifestações das lideranças das duas Casas contrárias a projetos do PT e à pretensão do governo em favor de medidas restritivas da liberdade de imprensa.

Os embates pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado, a serem decididos no início de fevereiro, ademais dos efeitos do choque PMDB-PT e do contexto da crise fiscal, serão travados sob a influência das delações premiadas do megaescândalo da Petrobras, que deverão estar se tornando de conhecimento público. Isso poderá refletir-se na composição das chapas de Eduardo Cunha e na da reação petista. Bem como na disputa da mesa diretora do Senado (onde a reeleição que era dada como certa de Renan Calheiros começa a ser posta em xeque em face do envolvimento de seu nome no escândalo).

Tal condicionamento, combinado com o peso ganho no reequilíbrio político pós-eleitoral, está levando a direção do PSDB a apostar em alternativas assumidamente oposicionistas nas disputas do comando das duas Casas. Especialmente na da Câmara. Que, segundo Aécio Neves numa entrevista ao Globo de domingo último, poderá ter como candidato a presidente um nome representativo das legendas e das correntes partidárias que o apoiaram no 2º turno, do próprio PSDB; do PSB, Júlio Delgado, referido na entrevista; do PDT, Miro Teixeira; e até do PMDB dissidente. Alternativa esta que, no caso de não afirmar-se na primeira etapa do embate e de passarem à final as chapas do PMDB e do PT, seria seguida de opção em favor da encabeçada por Eduardo Cunha, feita em torno de garantias de independência da Câmara diante do Executivo.

Jarbas de Holanda é jornalista

Raquel Ulhôa - Apoio de Dilma fortalece Renan

• Se piscar, pemedebista perde a cadeira

- Valor Econômico

Há uma semana, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) esteve no Palácio da Alvorada para uma conversa reservada com a presidente Dilma Rousseff. A pauta não foi revelada, mas com certeza falaram da composição do ministério e da sucessão nas presidências das duas Casas do Congresso, entre outras coisas. Assunto é o que não falta entre os dois, que estão mais próximos após as eleições.

Um precisa do outro. A presidente, que aos poucos vai se descolando do PT, será mais dependente do PMDB no Congresso no novo mandato. Em especial no Senado, onde a oposição promete ser mais forte e qualificada a partir de 2015. Renan, por sua vez, encontra no apoio de Dilma reforço importante para sua reeleição em fevereiro no comando do Senado.

O pemedebista é, sim, candidatíssimo à recondução na Presidência do Senado, embora recentemente tenha dito o contrário. Só não disputará a reeleição se perder as condições políticas, como, por exemplo, em razão de eventuais desdobramentos das delações premiadas do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Yousseff, envolvidos no esquema de corrupção da estatal.

Mesmo sendo considerada remota pelos colegas, a perspectiva de desistência de Renan estimula movimentação nos bastidores do Senado. Vários nomes já circulam na própria bancada pemedebista, cuja ala independente do governo deverá ser reforçada. Em parte pelos senadores ressentidos com o resultado eleitoral e em parte por novatos que assumirão em 2015.

Entre os senadores do PMDB citados como potenciais pré-candidatos à Presidência do Senado, se Renan estiver fora, estão o líder da bancada, Eunício Oliveira (CE), o ex-governador e ex-presidente nacional do partido Luiz Henrique (SC) e Waldemir Moka (MS), que tem habilidade política e bom trânsito em todos os setores da Casa. Outra alternativa considerada boa para o perfil de Moka seria a liderança da bancada, caso Eunício fosse o candidato à sucessão de Renan.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que investigam operações da Petrobras, Vital do Rêgo (PB), está sendo mais cotado para ocupar a vaga do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Jorge, que está se aposentando. Por sua ligação com Renan, Vital também está cogitado para comandar um dos ministérios do PMDB. O preferido é o de Integração Nacional.

Um dado novo da bancada do PMDB explorado nas negociações de coxia é o fato de os Estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Paraíba terem dois senadores (dos três de suas bancadas) do PMDB. Desse conjunto de oito parlamentares, seis têm um perfil mais independente do Planalto - Luiz Henrique (SC), Dário Berger (SC), Ricardo Ferraço (ES), Rose de Freitas (ES), Waldemir Moka (MS) e Simone Tebet (MS).

Da Paraíba, Vital é ligado a Renan, mas foi prejudicado pelo PT na eleição para o governo do Estado. O ex-governador José Maranhão (PB), eleito agora, é dúvida. Há integrantes da bancada que votaram com a oposição na eleição presidencial, como Romero Jucá (RR), ou que se sentem prejudicados pelo governo, como Eunício Oliveira (CE).

Ao contrário do que acontece na Câmara dos Deputados, onde o PT continuará com a maior bancada (tem 88 e terá 70 deputados) e articula uma candidatura para barrar a eleição do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), no Senado o direito do PMDB ao comando da Casa não é contestado pelos petistas.

O que acontece nas eleições da mesa diretora, em geral, é a apresentação de candidatura alternativa, que aglutina uma minoria insatisfeita com a hegemonia pemedebista. O PMDB passará de 19 para 18 senadores em 2015, mas continuará com o maior número de parlamentares na Casa.

Enquanto Eduardo Cunha já lançou sua pré-candidatura a presidente da Câmara e já está sendo bombardeado pelo PT e pelo governo, Renan deve anunciar sua decisão apenas dias antes da eleição, que ocorre no início da legislatura, em fevereiro. Argumenta que a discussão é prematura e que há necessidade de aguardar a chegada dos calouros da bancada (cinco).

Enquanto adia a revelação sobre ser ou não candidato à reeleição, o pemedebista mantém as pretensões dos demais integrantes da bancada represadas às conversas de bastidores. Além disso, procura se preservar de tentativas de negociação de apoio em troca de qualquer tipo de benefício, como espaço no governo.

Para alguns parlamentares do próprio partido, no entanto, o mergulho de Renan é necessário, para aguardar as revelações dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff sobre o esquema de corrupção na Petrobras.

Há poucos dias, Sergio Machado - aliado de Renan e considerado seu afilhado político no governo - licenciou-se da presidência da Transpetro, subsidiária de logística da estatal, por pressão da empresa PwC, que condicionou a auditoria nas demonstrações financeiras da Petrobras ao afastamento.

A interlocutores, Renan diz que tem "preocupação zero" com eventuais revelações de Paulo Roberto ou Youssef.

Essas aparentes dificuldades que Dilma poderá enfrentar no Senado valorizam o papel de Renan para o Planalto. Ele já está trabalhando para aproximar do governo alguns dos potenciais "rebeldes".

A indicação de Romero Jucá, ex-líder do governo que votou em Aécio Neves, para relatar o projeto de lei que permite o descumprimento do superávit fiscal chamou a atenção. Há quem especule também que cogitar a ida de Vital para o TCU, contrariando a intenção da presidente de indicar a ministra Ideli Salvatti para a vaga, uma forma de negociar o que o senador da Paraíba realmente quer: um ministério forte. Para adversários, no entanto, o presidente do Senado quer um homem forte no TCU, para ajudá-lo em eventuais problemas. O fato é que, enquanto nega, Renan trabalhando a todo vapor para consolidar sua candidatura.

Míriam Leitão - Lento e sem direção

- O Globo

O governo queimou a largada. Já haveria novo clima econômico no país se nos primeiros dias fossem anunciados o nome do ministro da Fazenda e novas medidas. A demora consolida a impressão de que nada vai mudar. A segunda chance será quando for divulgado o nome do novo ministro. A ideia é trocar não apenas o titular da pasta. Já se sabe que Arno Augustin sairá da Secretaria do Tesouro.

Augustin continua com prestígio no governo, mas a convicção que se tem é que as alterações das regras fiscais implementadas sob o comando dele o deixaram queimado. Por isso é que ele deixa a Secretaria. Não há reprovação ao que ele fez, mas a avaliação de que ele está vinculado a um estilo de administração das contas públicas que foi muito criticado.

Busca-se o perfil de um nome com boa aceitação no mercado financeiro ou boa reputação acadêmica, mas o governo acha que pode ser alterada a avaliação negativa sobre a política econômica pelo conjunto das mudanças nos ministérios econômicos e nos postos-chave da área.

Não há críticas ao ministro Guido Mantega, pelo contrário, o que se ouve são elogios à forma como ele enfrentou os momentos mais difíceis da crise, evitando o pior. Mantega está saindo por razões pessoais. Essa expressão é desgastada e já foi muitas vezes usada, em qualquer governo, para esconder os motivos. Mas no caso do Mantega é mesmo fruto de sua intenção de se dedicar mais às questões pessoais, depois de 13 anos como ministro, primeiro no Planejamento e depois na Fazenda.

Quem ouve economistas de fora do governo, bancos e consultorias tem noção clara de que o grau de deterioração da confiança no segundo mandato, que ainda nem começou, está ocorrendo muito mais rapidamente do que se esperava e já se reflete nos preços dos ativos. As primeiras reações do Planalto, a demora de escolha da equipe, os sinais de que não será feita qualquer mudança relevante de rumo só confirmam o pessimismo em relação à capacidade de o governo virar o jogo com a força que deveria. A gota d"água foi a maneira de burlar a meta fiscal com um pedido de que se amplie os descontos, em vez de ser um real corte de gastos e o compromisso com uma meta crível.

No governo, a eleição é vista como demonstração de que o país entendeu que a crise atual é passageira e reflexo da crise internacional, mas que foi bem administrada por preservar o emprego. No mercado financeiro, consultorias e empresas de áreas diversas, a avaliação é que o governo acertou num primeiro momento da administração da crise, em 2008, mas depois foi cometendo erros sucessivos e hoje está em completo descrédito.

Ainda há tempo de reverter esse clima com a nomeação de alguém que não apenas tenha credibilidade, mas monte uma boa equipe e demonstre ter autonomia para a tomada de decisões. Conspira contra esse cenário o temperamento da presidente e suas convicções econômicas. Foi exatamente essa mistura que nos trouxe até aqui: o país está estagnado com inflação alta e rombo nas contas públicas.

O que não se entende é por que o governo que concorria à reeleição e disse que tinha para o novo mandato "ideias novas" até agora não as apresentou. Essa sensação de coisa já vista está piorando as expectativas de empresários e investidores.

As consequências desse ambiente de estagnação estão em indicadores como os divulgados ontem: voltou a reduzir o total de trabalhadores na indústria. A largada para um bom 2015 tinha que ser nos primeiros dias após o resultado das urnas. Mas ainda há tempo de reverter o clima. Cada dia de espera, no entanto, conta contra esse cenário.

Celso Ming - Tombos progressivos

• A derrubada das cotações é parte de fenômeno que alcança praticamente todas as commodities. É fator de enorme gravidade que atinge em cheio a economia do Brasil, que fatura em torno de US$ 125 bilhões por ano, apenas com exportações de commodities

- O Estado de S. Paulo

O Citibank advertiu na terça-feira que o preço do minério de ferro está a caminho de um escorregão até o nível dos US$ 50 por tonelada. Hoje, está à altura dos US$ 75, menor preço em mais de cinco anos. Mas, em fevereiro de 2011, chegara muito perto dos US$ 200.

É essa perspectiva de perda seguida de faturamento que vem derrubando as ações da Companhia Vale, uma das três maiores fornecedoras de minério de ferro do mundo. Nos últimos 12 meses, desvalorizaram-se 36%.

A derrubada das cotações é parte de fenômeno mais amplo, que alcança praticamente todas as commodities. É fator de enorme gravidade que atinge em cheio a economia do Brasil, que fatura em torno de US$ 125 bilhões por ano, apenas com exportações de commodities.

Em nenhum momento o governo Dilma deu a entender que está consciente das implicações que o fim da bonança externa, de preços exuberantes das commodities, que durou mais de dez anos, terá para a economia brasileira. Sempre que o governo se manifestou sobre o desempenho insatisfatório das exportações foi para atribuí-lo ou à ação da estiagem ou da crise externa, como se se tratasse de problemas passageiros de pronta reversão.

A queda de preços das commodities apenas episodicamente se explica por quebra de consumo global. No momento, o fator decisivo é o aumento da oferta em ritmo superior ao da demanda.

Foi o que aconteceu com o petróleo, que enfrenta a revolução do xisto nos Estados Unidos. E é, também, o que está acontecendo com o minério de ferro. Não foram apenas as três grandes (Vale , Rio Tinto e BHP Billiton) que intensificaram investimentos e produção. Milhares de pequenas mineradoras aproveitaram os preços recordes para empurrar a produção para todos os mercados do planeta.

Ainda que insatisfatório, há, sim, crescimento econômico global. Em 2014, o PIB dos Estados Unidos deve avançar 2,2%; o da área do euro, 0,8%; o do Japão, 1,0%. A China, principal importadora de matérias-primas, apenas deixou de crescer àquela velocidade, de 10% ou 12% ao ano. Hoje, sua atividade econômica marcha a ainda altamente invejáveis 7,5% ao ano.

A derrubada dos preços do petróleo e das demais commodities tem densidade para produzir grandes vítimas e mais crises. A Rússia, importante exportadora de petróleo e gás, deverá passar por graves apuros. A Venezuela, que já vinha afundando, vai afundar mais ainda, porque seu orçamento só conseguiria fechar se o petróleo estivesse acima dos US$ 120 por barril de 159 litros (hoje está a US$ 77). A Argentina, que vem sangrando há anos, vai sangrar ainda mais. E, ontem, o secretário do Tesouro da Austrália, Joe Hockey, alarmado com a quebra das exportações de minério de ferro, pediu diversificação da economia.

O Brasil já vinha acusando deterioração no balanço de pagamentos, a contabilidade que registra entrada e saída de recursos. Mas até agora ostentava invejável superávit no intercâmbio de mercadorias (balança comercial). Agora tenderá a produzir déficit, possivelmente já neste ano. E o enfraquecimento das contas externas exigirá mais concessões e mais empenho em atrair dólares para garantir os pagamentos sem perda das reservas.

A perda de faturamento com exportações não é o único impacto na economia brasileira. À medida que as receitas dos exportadores também encolherem, menos recursos circularão pela economia, com prejuízo inevitável para o consumo e para o emprego.

Leandro Konder. Filósofo apaixonado pelo marxismo e pela literatura

• Amigos do intelectual lembram sua generosidade e profundo respeito às diferenças

- O Globo

Filósofo e militante de esquerda, Leandro Konder sempre defendeu firmemente suas convicções. A luta pelos ideais, porém, foi cotidianamente acompanhada pelo respeito ao outro, pela gentileza e pela generosidade, características que marcaram seu pensamento até o fim da sua vida. Conhecido por evitar o tom professoral, Konder, lembrado como um suave contestador e dono de imenso rigor filosófico, foi um dos principais divulgadores da obra de George Lukács e Karl Marx no Brasil, sabendo interpretar o comunismo dentro do contexto do país.

O intelectual nasceu em Petrópolis, em 1936. Com intensa produção como conferencista, articulista de jornais, ensaísta e ficcionista, foi autor de livros como "Walter Benjamin - O marxismo da melancolia", "O futuro da filosofia da práxis" e "O que é dialética", sua obra mais popular. Formado em Direito, ele coordenava, em conjunto com o pensador marxista Michael Lowy, a coleção Marxismo e Literatura, da Boitempo editorial. Em 1972, exilou-se na Alemanha, depois de ser preso e torturado pela ditadura militar. Regressou ao Brasil em 1978 e doutorou-se em filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

- Nós perdemos o maior humanista e filósofo que o Brasil tinha - diz o jornalista e ex-deputado federal Milton Temer, amigo de Konder. - Um homem convicto de sua ideologia, que ao mesmo tempo conseguia conviver com os outros, sendo muito ouvido pelo outro lado. Foi símbolo de uma sociedade civilizada, cordata e justa.

A primeira influência do filósofo foi seu pai, Valério Konder, renomado médico sanitarista e intelectual comunista. A casa era frequentada por amigos preocupados em combater desigualdades sociais, e que viviam sendo presos por suas ideias. Assim, Konder aproximou-se do marxismo. Mais tarde, veio outra grande influência: ao ler o húngaro Lukács, aprendeu a amar os clássicos e resolveu abandonar o marxismo sectarista. Além de ensaios, Konder também publicou dois romances: "A morte de Rimbaud" e "Bartolomeu".

- Ele era um intelectual que vivia pela literatura e pela filosofia. Um marxista dos menos dogmáticos, conhecido por seu carisma e generosidade - lembra o filósofo e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, que lamentou profundamente a morte do amigo, principalmente no momento em que o pensamento brasileiro se mostra "tão pobre e tão ralo em geral".

Rouanet contou que esteve num jantar com Konder há um ano e que, apesar de debilitado pelo Mal de Parkinson, doença da qual sofria há muitos anos, o filósofo mostrava o mesmo interesse pela política.

- A política passava sempre por Lukács. Nossa geração acreditava na perenidade de certas coisas: a luta de classes, a História e o sol de Ipanema.

O fascínio por Lukács o aproximou do filósofo Carlos Nelson Coutinho. Morto em 2012, o baiano foi um de seus grandes amigos e parceiros de estudos. Foram parceiros de jornadas intelectuais por 40 anos.
Para Zuenir Ventura, escritor, membro da ABL e colunista do GLOBO, a esquerda brasileira perde "uma das mais generosas e lúcidas cabeças":

-Ele nunca hierarquizou as pessoas pela ideologia, botava sempre o afeto acima de todas as coisas.

Democrata visceral
Konder integrava um grupo formado há 15 anos por intelectuais, os Comuníadas (nome formado pela mistura de comunistas com "Os Lusíadas", de Camões), que se reunia uma vez por mês para celebrar a literatura e a arte. O cineasta Zelito Viana, um dos integrantes do grupo - que reúne ainda nomes como Ferreira Gullar, Sérgio Cabral, Milton Temer, Walter Carvalho e Roberto Freire - lembra que o último encontro aconteceu há um mês, com a participação de Konder.

- Ele aceitava as diferenças. Era um democrata visceral, apesar de ser ao mesmo tempo uma pessoa radical, que saiu do PT, fundou o PSOL. Ele tinha uma posição bem nítida de esquerda, era firme, porém aceitava o diálogo, era um democrata, entendia a posição dos outros. Uma pessoa rara.

Leandro Konder morreu ontem, aos 78 anos, em sua casa, em decorrências de complicações do Parkinson. O velório acontecerá hoje, às 15h, no Memorial do Carmo, em São Cristóvão, e seu corpo será cremado na sexta-feira. Ele deixa a viúva, Cristina, o filho Carlos Nelson e a enteada Marcela. Embora fosse comunista, o filósofo pediu para que se realizasse uma missa de Sétimo Dia na PUC-Rio, da qual era professor do Departamento de Educação.