quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Merval Pereira - Falar não é fazer

O Globo

Alexandre de Moraes deveria mostrar as provas e os indícios que o levaram a aceitar a busca e apreensão contra os empresários bolsonaristas

Os diálogos publicados pelo portal Metrópoles não indicam crimes. Pode-se discordar do que eles pensam — acho um absurdo que empresários de tal porte tenham visão tão estreita do país e do mundo, não deem valor a direitos fundamentais como a liberdade, não entendam que uma ditadura não ajuda nunca os negócios. E, se a intenção deles é aproveitar-se de uma ditadura para dominar o mercado e fazer alguma ação difícil de fazer num ambiente democrático, é mais grave ainda. Se têm uma visão tão estreita sobre a importância da democracia para proteger os cidadãos dos autoritários, do governante que acha que pode mandar em todo mundo e impede visões contrárias, mesmo minoritárias, de ser expostas, é lamentável, é criticável — mas não é crime. Nos diálogos não há nenhuma indicação de que estejam preparando um golpe, financiando um golpe, apoiando um golpe de maneira efetiva. Há apenas comentários de que preferem uma ditadura à volta de Lula. É um gosto discutível — não pelo Lula, mas pela ditadura —, mas eles têm direito de achar isso.

Existem pesquisas internacionais sobre o estado da democracia no mundo, e em vários países — inclusive no Brasil — muita gente diz que prefere a ditadura, que torna o país mais organizado, traz mais segurança. É um equívoco, uma visão deturpada do que seja o futuro de um país, mas não se pode prender todo mundo que deu essa resposta na pesquisa.

Malu Gaspar – Aposta de alto risco

O Globo

Medida incomodou juristas, mas muitos optaram pelo silêncio para evitar desgastes com o magistrado ou mesmo para não municiar apoiadores do presidente

O ministro Alexandre de Moraes começou a semana com tudo. Depois da histórica posse no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que reuniu todo o ecossistema político em apoio às urnas eletrônicas, ainda pôde assistir a Jair Bolsonaro baixar o tom nas declarações sobre a segurança das eleições no Jornal Nacional.

O presidente fez o que pôde para não entrar em nova polêmica — e ainda afirmou acreditar que Moraes “pacificaria” a situação. Pacificador é justamente o título com que o ministro espera ser reconhecido ao final do processo eleitoral. Segundo seus interlocutores, ele quer passar para a História como o homem que evitou o golpe de Estado.

Todos esperamos que ele consiga. Ao aprovar a operação de busca e apreensão que quebrou o sigilo bancário de oito empresários bolsonaristas, porém, Moraes assumiu um risco alto.

É evidente que os alvos desta semana, integrantes do grupo de WhatsApp “Empresários e Política” exposto pelo site Metrópoles, adorariam ver Bolsonaro e os militares darem um golpe caso ele perca a eleição.

Eles mesmo explicitam isso, quando dizem: “Prefiro golpe do que (sic) a volta do PT. Um milhão de vezes”. Ou que: “O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. [Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”.

Míriaim Leitão - Economia e democracia

O Globo

A democracia é o ponto central da proposta econômica feita por especialistas aos candidatos da oposição, explica Persio Arida

Democracia ou economia? Eis um falso dilema. “Há muitas vezes a percepção no mercado financeiro de que o que importa é a economia. Deixa a democracia de lado. É um enorme equívoco. Quando a democracia está afetada, a economia piora também. Como a gente viu em vários episódios da nossa história.” É o que diz o economista Persio Arida. Ele e cinco especialistas fizeram um conjunto de sugestões de políticas para o próximo governo, “democrático e progressista”, como definem no documento. As propostas não foram repassadas à campanha de Bolsonaro.

— Partindo do princípio de que o valor fundamental que devemos ter é a democracia, governos que nos parecem ameaçar esse princípio, como é o caso do presidente Bolsonaro, a ele não nos interessa dar conselhos. E não sei se a ele interessaria ouvir conselhos, tampouco — disse Persio em entrevista que me concedeu ontem na Globonews.

Luiz Carlos Azedo - Ciro Gomes esbanjou bom humor e fez propostas audaciosas no JN

Correio Braziliense

É inegável o papel positivo na candidatura de Ciro Gomes, mesmo que não chegue ao segundo turno, porque está fomentando o debate com um olhar para o futuro

Foi uma mudança da água para o vinho a entrevista do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, aos jornalistas Willian Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (TV Globo), na terça-feira à noite, em comparação com a do presidente Jair Bolsonaro, na véspera. Ciro estava de bom humor, focado nas suas propostas e pautou a entrevista, que transcorreu de forma bem mais produtiva do que a de segunda-feira.

O ex-governador do Ceará afirmou que irá cortar os privilégios criados para acúmulo de renda e criticou a corrupção. Questionado sobre a dificuldade que teve em formar alianças nacionais em torno da sua candidatura, disse que irá mudar o modelo de governança política instaurado na redemocratização e que trouxe caos para os presidentes em todos os anos de 1989 até aqui. “A corrupção é feita por pessoas, e o desastre econômico e privilégios criados é o que faz com que o Brasil tenha cinco pessoas acumulando a renda das 100 milhões mais pobres e da classe média”, afirmou.

Maria Hermínia Tavares* - Devagar com o otimismo

Folha de S. Paulo

Parte significativa dos que votam em Bolsonaro se julga democrata

Os resultados da pesquisa do Instituto Datafolha sobre os brasileiros e a democracia dão certo conforto: três em cada quatro entrevistados preferem sempre o sistema de governo instituído já lá se vão 34 anos; para 12%, tanto faz; e só 7% defendem a ditadura.

Notável é a ínfima diferença que, no caso, separa os simpatizantes de Lula daqueles que se dizem desejosos de outro mandato para Jair Bolsonaro. A rigor, entre os eleitores declarados do ex-capitão, ligeiramente maiores do que entre os que preferem Lula são tanto o percentual dos que julgam que a democracia é sempre melhor quanto a proporção dos partidários da ditadura "em certas circunstâncias" —tendência, por sinal, já captada na sondagem do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro) logo depois da votação de 2018.

Ou seja, um contingente significativo dos que afirmam a intenção de votar em Bolsonaro se julga democrata.

Ainda assim, uma interpretação otimista dos resultados do levantamento levaria à convicção —expressa, por exemplo, em editorial desta Folha na terça-feira 23/8— de que a democracia deitou raízes na opinião pública, a ponto de se transformar em valor popular.

Bruno Boghossian - O TSE chegou atrasado

Folha de S. Paulo

Bolsonaro sabe que mentiras se espalham com mais velocidade do que a resposta de autoridades

O Tribunal Superior Eleitoral levou 36 dias para derrubar o vídeo da reunião com embaixadores em que Jair Bolsonaro repetiu mentiras sobre as urnas. O ministro Mauro Campbell apontou que o presidente "insiste em divulgar deliberadamente fatos inverídicos" e que a conduta pode configurar uma prática abusiva.

A decisão indica que o tribunal conhece muito bem os métodos de Bolsonaro, mas continua sem um plano eficaz para contê-lo. O presidente só "insiste em divulgar deliberadamente fatos inverídicos" porque percebeu que suas mentiras se espalham com mais velocidade do que a resposta de qualquer autoridade. Além disso, sentiu que as punições são pouco dolorosas.

Naquela reunião com embaixadores, Bolsonaro fez estrago em tempo real, mas as falsas suspeitas sobre o sistema de votação continuaram no ar por mais cinco semanas —incluindo acusações desmentidas exaustivamente pelo próprio TSE.

Ruy Castro - Entrevistador faz cara de pôquer

Folha de S. Paulo

Quando o entrevistado percebe, foi levado pelo nariz pelo entrevistador

Entrevistador não faz cara irônica nem compungida. Entrevistador faz cara neutra, de pôquer. Suas perguntas serão diretas, exigindo respostas diretas. Entrevistador tem de saber escutar, ficar atento à resposta e, ao ver que o entrevistado está enrolando, interrompê-lo com firmeza, dizendo que ele não respondeu à pergunta. Entrevistador só muda de assunto quando se satisfaz com a resposta.

Entrevistador não diz que vai mudar de assunto quando muda de assunto. As perguntas, previamente preparadas, têm de se seguir umas às outras com naturalidade. Quando o entrevistado percebe, foi levado pelo nariz pelo entrevistador. Ao preparar cada pergunta, entrevistador já terá previsto possíveis respostas e formulado as perguntas seguintes de acordo. Políticos têm repertório limitado, donde pode-se prever como ele reagirá a esta ou àquela pergunta.

William Waack - O racha provocado pelo Supremo

O Estado de S. Paulo

As fortes críticas à atuação do Supremo deixaram de ser coisa de bolsonaristas

“Eles não são antidemocráticos, são apenas anti-stf.” A frase, dita com a normalidade de quem observa um fenômeno natural, é de um ministro do Supremo se referindo aos militares. Foi pronunciada ao ponderar no dia da operação da PF contra empresários bolsonaristas as consequências da ordem dada pelo colega Alexandre de Moraes.

No mesmo grupo anti-stf já se inclui considerável número de empresários dos mais variados segmentos. As idiotices golpistas expressadas por colegas deles apoiadores de Bolsonaro são rejeitadas com veemência pela imensa maioria. Embora rachadas, lideranças empresariais adotaram um princípio para ações políticas: o respeito às regras básicas do estado de direito.

Eugênio Bucci* - Tchutchuca: ontologia e faniquito

O Estado de S. Paulo

De que modo podemos entender as fontes pulsionais de tamanho siricutico presidencial na saída do Palácio da Alvorada, na quinta-feira passada?

Na manhã de quinta-feira passada, um jovem ativista digital de direita, Wilker Leão, foi até a portaria do Palácio da Alvorada e xingou o presidente da República de “Tchutchuca do Centrão”. (A rima em “ão” não há de ser em vão.) O que veio na sequência foi uma arruaça lastimável, que todo mundo já viu no celular ou nos telejornais.

O presidente saía de sua residência para o expediente diário. O provocador, que se define nas redes como um “adepto do militarismo”, gritava repetidamente a palavra esdrúxula, tentando se aproximar do carro oficial do chefe de Estado. De celular em punho, filmava tudo. No muque, os seguranças procuravam contê-lo.

Enquanto transcorria o empurra-empurra, o governante ouviu a alcunha que lhe dirigiam e se irritou. Mandou parar o automóvel, saiu furibundo pela porta de trás e avançou na direção de Leão. Com uma das mãos, tentou agarrar o moço pelos colarinhos, mas não havia colarinho nenhum – a vítima vestia uma reles camiseta do São Paulo Futebol Clube, em cuja gola a iracunda autoridade fechou os dedos. Com a outra mão, o mandatário buscava arrancar o celular do são-paulino, intento no qual fracassou.

Adriana Fernandes – ‘La garantia soy yo’

O Estado de S. Paulo

As famílias que recebem o benefício são as maiores vítimas, em um mar de incertezas

Os marqueteiros da campanha do presidente Jair Bolsonaro querem escalar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir em público o compromisso com a extensão do valor do Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de 2023.

A definição do momento certo e da forma para fazer isso é tratada como segredo de Estado na campanha.

A elevação permanente do piso do benefício de R$ 400 para R$ 600 é hoje assunto classificado como altamente sensível nas eleições porque daqui a cinco dias o governo terá de carimbar o Auxílio de R$ 400 no projeto de Orçamento de 2023 a ser enviado ao Congresso.

Maria Cristina Fernandes - Bom moço contra o voto útil

Valor Econômico

Presidente contém arroubos para evitar que onda antibolsonarista liquide a parada no primeiro turno

A contenção do presidente no “Jornal Nacional” é parte de sua estratégia para evitar que a onda do antibolsonarismo contamine a reta final da campanha e favoreça uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno.

Ao conter a propensão ao escárnio, Jair Bolsonaro não quis dar motivos para que seu eleitor se movesse em busca de tempos mais normais. Quis evitar, ainda, que os eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet tomem a raia do voto útil em Lula movidos por um basta a seus arroubos e à vergonha de ser bolsonarista. Sai a lacração e entra o bom moço.

Beneficiado pelo antipetismo em 2018, Bolsonaro agora teme o inverso. Por isso, conteve-se ante os questionamentos sobre o boicote do governo à prevenção na pandemia, o autoritarismo e o desleixo na educação.

Em 2018, além de Fernando Haddad, o antipetismo derrubou também o ex-governador Geraldo Alckmin. Em São Paulo, Estado que governou por quatro mandatos, Alckmin terminou em quarto lugar, com menos de dois dígitos, e Bolsonaro liderou, com 53% dos votos, sete pontos percentuais acima do desempenho nacional. No cômputo geral, Alckmin obteve 4,7% dos votos, quando as pesquisas lhe davam o dobro nas semanas que antecederam o primeiro turno.

Cristiano Romero - A 3ª fase de moderação do PIB da China

Valor Econômico

“Novo normal” pode cair para alta de apenas 3% ao ano

O mundo se acostumou, desde a década de 1990, a ver a economia chinesa crescer a taxas extraordinárias. Na primeira década deste século, o Produto Interno Bruto (PIB) da China avançou acima de dois dígitos durante quatro anos _ o pico foi a alta de 14,2% em 2007. Com a crise mundial de 2008, conhecida como a Grande Recessão, cujo epicentro foram as economias avançadas, o ritmo de crescimento chinês começou a moderar.

Em meados de 2007, a crise das hipotecas já havia atingido os Estados Unidos e iniciado o contágio das economias europeias. No mundo em desenvolvimento, em grande medida por causa da forte demanda da China por alimentos e matérias-primas, a turbulência nos principais mercados parecia algo distante, um problema que, acreditávamos, os ricos logo resolveriam.

Naquele ano, beneficiado pelo fato de produzir, com competência, o que os chineses buscavam no mercado internacional (além de bens de capital, principalmente da Alemanha, e tecnologia), o Brasil também acelerou o passo do crescimento _ o PIB avançou 6,1% em 2007, com a inflação razoavelmente sob controle (4,5%, na meta).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Sob Bolsonaro, abertura comercial ficou na promessa

O Globo

Ao adotar um “liberalismo whey”, governo se viu refém do lobby dos ineficientes que só querem proteção

Jair Bolsonaro fez campanha em 2018 apresentando-se como um liberal. No programa de governo havia uma defesa enfática da abertura comercial: “A evidência empírica é robusta: países mais abertos são também mais ricos”. Correto. O que fez no governo? Muito pouco, se algo. Na semana passada, ele festejou ao anunciar a redução dos impostos de importação de suplementos alimentares, como whey protein, acessórios para motociclistas e praticantes de asa-delta. As medidas, disse ele, favorecem o “pessoal que gosta de malhar”. Esqueceu-se, porém, de olhar para o “pessoal que gosta de produzir”.

O Brasil tem uma das economias mais fechadas do mundo. Sem poder importar componentes melhores e mais baratos que os fabricados localmente, o país produz e exporta menos do que poderia. No mercado interno, pagamos mais por produtos piores. Nossa eficiência é baixa, a produtividade patina, e a geração de renda e de empregos pena para deslanchar. Persistem a miséria e a pobreza que tanto afligem a população.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os ombros suportam o mundo

 

Música | Marina Aquino - Tudo outra vez (Belchior)