quinta-feira, 6 de abril de 2023

Cristiano Romero - Novas ameaças à democracia

Valor Econômico

É um erro achar que projeto autoritário foi vencido em 2022

Quando Jair Bolsonaro se lançou candidato à Presidência em 2018, poucos analistas - ou quase nenhum - da cena política nacional acreditaram que ele pudesse ganhar a disputa. Todos olhamos para Bolsonaro com base nas referências do passado - contar com o apoio de partidos fortes nos Estados, dispor de bom tempo no horário eleitoral gratuito, ser conhecido nacionalmente, ter experiência executiva anterior, entre outras.

Bolsonaro só tinha, na ocasião, uma legenda o apoiando - o PSL (hoje, União Brasil), com o qual não demorou a romper. Tempo no horário eleitoral era algo, portanto, com o que ele não contava em sua campanha. Totalmente desconhecido ele não era porque, nos sete mandatos consecutivos como deputado federal pelo Rio de Janeiro, fez do alarido quixotesco a sua estratégia de comunicação, sempre em defesa dos benefícios de militares e funcionários públicos em geral.

Consta que Bolsonaro não apresentou um projeto de lei sequer durante 28 anos, mas sempre dava um jeito de aparecer sob os holofotes das redes de TV. Certa feita, pontuou durante uma edição do programa humorístico “Casseta & Planeta”, da Rede Globo. Por mais que parte da audiência o considerasse “folclórico”, Bolsonaro semeava imagem de político honesto e “outsider”, isto é, aquele que “não se mistura” com políticos tradicionais.

Luiz Carlos Azedo - O cerco aos golpistas de 8 de janeiro está se fechando

Correio Braziliense

Até agora, 239 executores dos ataques foram identificados pelas câmeras de segurança ou pelas redes sociais, 1.150 presos foram denunciados como incitadores dos atos de vandalismo

Mais 203 suspeitos de incentivar e incitar os ataques golpistas que levaram à depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, foram denunciados, ontem, pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Com isso, 1.390 militantes de extrema direita, ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, já estão muito enrolados com a Justiça, devido aos atos de vandalismo nas invasões do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até agora, 239 executores dos ataques foram identificados pelas câmeras de segurança ou pelas redes sociais, 1.150 presos no acampamento em frente ao quartel-general do Exército foram denunciados como incitadores dos atos de vandalismo. Um agente público foi denunciado por omissão. O único precedente de um processo desta envergadura contra a extrema direita da nossa história republicana ocorreu em 1938, quando a Ação Integralista Brasileira (fascista), de Plínio Salgado, tentou tomar o poder.

Maria Cristina Fernandes - Devastação parlamentar

Valor Econômico

Acomodação da base parlamenta arrisca protagonismo climático do Brasil

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo não está comprometido com a sanção de projetos que agridam o meio ambiente. Referia-se à aprovação, pela Câmara, de uma emenda do PL à medida provisória que afrouxa os limites de desmatamento na Mata Atlântica e adia, pela sexta vez, o prazo para que proprietários rurais restaurem a vegetação nativa desmatada além dos limites estabelecidos pelo Código Florestal.

A MP ainda vai para o Senado, mas o enfrentamento do tema é mais difícil do que sugere o ministro. A derrota não decorreu apenas do rearranjo interno do Centrão com vistas ao pedágio para a tramitação do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

Madeireiros e garimpeiros se assenhoraram do país com o aval não apenas do ex-presidente Jair Bolsonaro como do Congresso. Enraizaram-se tanto que invadiram o quintal do lulismo.

É uma gente rude, mas que age com sofisticação ímpar. Haja vista a armadilha que aprontaram para este governo na exportação de ipês. O comércio mundial da flora e da fauna selvagens é normatizado por uma convenção conhecida pela sigla Cites. A espécie que entra nesta lista precisa de uma licença para ser comercializada.

Maria Hermínia Tavares* - Direitos difíceis

Folha de S. Paulo

Não se combate pobreza e desigualdade sem entender que ambas são vividas no plural

Taxativo, Rafael Correa, que governou o Equador de 2007 a 2017, sustentou em entrevista a esta Folha, publicada na segunda-feira passada (3), que as esquerdas latino-americanas erram ao colocar temas identitários e morais no centro de sua pauta, porque tiraria o foco do essencial –a luta contra a pobreza e a desigualdade. A ideia não é nova. Na realidade, Correa ecoa outras tantas, compartilhadas por alguns progressistas do Norte desenvolvido.

Os críticos sustentam que a ênfase em demandas igualitárias de grupos específicos (mulheres, LGBTQUIA+, vítimas de discriminação por sua cor ou nacionalidade) facilita a mobilização eleitoral dos trabalhadores mais pobres —e brancos— por lideranças populistas de direita. Essa é, por exemplo, a tese do livro "O Progressista de Ontem e de Amanhã" (Companhia das Letras, 2018) do professor Mark Lilla, da Universidade Columbia, ele próprio progressista e eleitor de carteirinha do Partido Democrata.

Bruno Boghossian - Os fatos estão contra Bolsonaro

Folha de S. Paulo

A expectativa de impunidade costuma alimentar a arrogância e o descuido dos infratores. Jair Bolsonaro achou que poderia ficar despreocupado nas semanas que o levaram à sede da Polícia Federal para dar explicações sobre as joias milionárias que queria levar para casa.

O ex-presidente pareceu acostumado com a blindagem de que desfrutara nas últimas décadas. Ele até tentou desconversar quando surgiram as primeiras notícias sobre o colar de diamantes apreendido no aeroporto de Guarulhos ("não pedi, nem recebi"). Depois, no entanto, ofereceu aos investigadores uma espécie de confissão completa.

Ruy Castro - Compra-se silêncio

Folha de S. Paulo

Bolsonaro, pior que Trump, corrompeu, estuprou e prostituiu instituições civis e militares

O Tribunal de Contas da União descobriu que, sob Bolsonaro, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas desviaram R$ 15, 6 milhões destinados ao enfrentamento da Covid para comprar 12 mil quilos de picanha e filé mignon, além de salgadinhos, refrigerantes e sorvetes para regabofes e coquetéis promovidos pelos generais.

Há dias, a Polícia Federal localizou um documento produzido pelo Ministério da Justiça, às vésperas do segundo turno da eleição, que listava as regiões do Nordeste em que Lula surrara Bolsonaro no primeiro turno. De posse do mapa, o então ministro Anderson Torres foi à Bahia e ordenou à Polícia Rodoviária Federal bloquear as estradas naqueles locais no dia da eleição, para impedir "transporte ilegal de eleitores" —na prática, impedir que eleitores de Lula chegassem aos locais de votação.

Conrado Hübner Mendes* - 100 dias de civilidade

Folha de S. Paulo

Balanço de erros e acertos do governo Lula não pode perder de vista o essencial

A erosão democrática precisa da nossa preguiça. Precisa de nossos juízos apressados, nossas comparações do incomparável, nossos vícios de perspectiva, nossos erros de categoria e de análise. Precisa de memória atrofiada, de curto e de longo prazo.

O programa de autocratização do governo Bolsonaro pediu que confiássemos no "risco-zero" da democracia e na promessa de que esse regime "modera" sociopatas. Pediu que os poderes "dialogassem" dentro das "quatro linhas" sob "moderação" das Forças Armadas.

Jornais hesitaram em usar as palavras certas para reportar o que viam. Extremistas eram "manifestantes", mentir equivalia a "declarar", delinquência se parecia com "polêmica", violação passava por "excesso", crime por "controvérsia jurídica".

Tentaram assegurar voz ao "outro lado", mesmo que esse lado fosse imune à experiência sensorial da Terra redonda e do vírus, ou à experiência moral da violência e da indignidade radical. Tudo em nome de um pluralismo às cegas que vai corroendo as condições de possibilidade do próprio pluralismo. De uma tolerância sem critério que vai exaurindo a sustentabilidade da tolerância.

Vinicius Torres Freire - Como meter a mão na Petrobras

Folha de S. Paulo

Executivo pode mudar política da estatal de modo correto, mesmo que danoso para a economia

Luiz Inácio Lula da Silva quer mudanças rápidas na Petrobras. Está irritado com o assunto, dizem assessores próximos. Acha que o governo em geral está lento, que não "deslancha" investimentos e não "implanta medidas" como quer.

É possível que esse seja um motivo de o ministro de Minas e Energia ter atropelado a direção da Petrobras. Alexandre Silveira chegou a dizer até quanto vai cair o preço do diesel depois de implantada a política que chamou de "PCI" (Preço de Competitividade Interno), em entrevista à Globonews.

Além de agradar a Lula, Silveira (do PSD) trabalha para ter influência maior na petroleira, em especial no conselho de administração que virá a ser eleito, o que irrita o novo presidente da empresa, Jean Paul Prates (do PT), e sua direção.

Eugênio Bucci* - O totalitarismo escópico

O Estado de S. Paulo

No totalitarismo dos nossos dias, o medo dominante é o medo da invisibilidade. É por aí que o poder dos algoritmos aterroriza todo mundo

O mundo digital jogou a humanidade num novo tipo de totalitarismo. Não há outra palavra para definir a relação entre a massa de bilhões de seres humanos e os conglomerados monopolistas globais, como Amazon, Apple, Meta (dona do Facebook e do WhatsApp) e Alphabet (dona do Google e do YouTube), sem falar nas chinesas. As pessoas não sabem nada, absolutamente nada, sobre o funcionamento dos algoritmos que controlam milimetricamente o fluxo das informações e das diversões pelas redes afora. Na outra ponta, os algoritmos sabem tudo sobre o psiquismo de qualquer um que acesse um computador, um celular, um tablet ou um simples reloginho de pulso, destes que monitoram exercícios físicos, batimentos cardíacos, pressão arterial, passos e braçadas. Estamos na sociedade do controle total – controle totalitário.

O mais espantoso é que esse controle só se viabiliza graças à docilidade contente das multidões. Em frêmitos de excitação exibicionista, elas escancaram suas próprias intimidades para as máquinas. Em seguida, não satisfeitas com o furor do exibicionismo, entregam-se ao voyeurismo cavernoso para bisbilhotar a vida alheia. Olhando e sendo olhadas, trabalham feericamente a serviço do imenso extrativismo de dados pessoais, que, depois de capturados, são comercializados a preços estratosféricos.

Roberto Macedo* - O arcabouço fiscal e a reação a ele

O Estado de S. Paulo

A lista de promessas é ampla e talvez os autores já soubessem da predisposição kantiana dos brasileiros ao julgar ações com base nas intenções

Meu dicionário apresenta cinco significados para o termo arcabouço, em geral associados a estruturas materiais. A exceção é o conceito que se aplica ao documento divulgado na semana passada pelo governo federal: um delineamento inicial, um esboço, no caso, o de um ajuste fiscal. Versão ampliada deverá vir com o respectivo projeto a ser encaminhado ao Congresso Nacional, e o que lá for aprovado passará a ser o desenho de um ajuste fiscal voltado para o resultado fiscal primário do governo, aquele que não envolve o pagamento de juros, e para a evolução do endividamento.

Esse arcabouço foi bem recebido pelo mercado financeiro: a Bolsa subiu e o dólar caiu. E não vi reações negativas nem de grupos petistas que costumam reagir mal a propostas desse tipo, mesmo se vindas de um governo dos seus pares. Lembrei-me dessa reação positiva ao ver um artigo na Folha de S.Paulo de domingo passado, intitulado A ética do brasileiro, escrito por Álvaro Machado Dias e Hélio Schwartsman. Em resumo, os dois argumentam que “(...) no campo ético a maioria dos brasileiros tem perfil kantiano, ou seja, julga ações como certas ou erradas com base nas intenções, não nos resultados alcançados”. Kantiano conforme conceito associado ao filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), segundo esses autores.

William Waack - Amor ao improviso

O Estado de S. Paulo

Lula continua devendo uma lista de prioridades

Aos cem dias está faltando ainda um governo de frente ampla. O que Lula parece estar fazendo até aqui é contestar aspectos amplos do que encontrou ao assumir para o terceiro mandato.

O ponto de contestação mais recente é o do Marco Legal do Saneamento, que tem como pano de fundo o notório desconforto do presidente com qualquer tipo de privatização. Outros aspectos contestados (a lista não é exaustiva) têm a ver com educação, formação de preços no setor de energia, relações capital-trabalho e uso de estatais como moeda de troca nas relações políticas.

Outro ponto que merece destaque é a inserção do Brasil nas relações internacionais a partir do que Lula percebe como equidistância a ser mantida pelo “global south” frente aos grandes focos de poder mundiais – na prática, significa alinhar o Brasil à China e à Rússia.

Míriam Leitão - Dois homens e um só destino

O Globo

Bolsonaro e Trump enfrentam processos, mas ainda não respondem por seus atos mais graves: conspirar contra a democracia

Dois ex-presidentes de extrema direita tiveram que se sentar diante de investigadores nos últimos dois dias para explicar seus atos. Donald Trump sendo indiciado por compra de silêncio com manipulação contábil para esconder o que fez. Jair Bolsonaro respondendo à Polícia Federal sobre a tentativa de se apropriar de bens de valor exorbitante e que deveriam ir para o patrimônio da União. Nenhum dos dois está respondendo pelos seus atos mais graves: a conspiração contra a democracia.

Trump e Bolsonaro governaram Estados Unidos e Brasil com a mesma técnica de dividir, mentir, manipular e fugir das questões centrais. O brasileiro tentava ser a imagem perfeita no espelho do seu mentor americano, imitando cada gesto, cada distorção, cada desvio de comportamento. Perderam a reeleição. Mentiram sobre o processo eleitoral. Mobilizaram pessoas para invadir centros dos poderes. Lá, o Capitólio, aqui o Planalto, o Congresso e o STF.

Malu Gaspar – A leniência, o lava-jatismo e a corrupção

O Globo

Toda história comporta algum revisionismo, já que sempre podem surgir fatos que mudem a forma de encarar o passado. Foi o que ocorreu com a Operação Lava-Jato, especialmente depois que foram reveladas as mensagens da Vaza-Jato. É natural e até necessário que as conversas entre os procuradores e Sergio Moro, mais a entrada do ex-juiz no governo Jair Bolsonaro, tenham levado a essa revisão. Depois da posse de Lula, porém, tudo mudou de patamar.

O primeiro sinal veio ainda em dezembro, quando o PCdoB entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a quarentena de 36 meses imposta pela Lei das Estatais a dirigentes partidários e de campanha eleitoral indicados a cargos de comando nessas companhias.

Em março, Ricardo Lewandowski, considerado pelo próprio Lula o mais leal dos ministros do Supremo, deu a liminar e acatou o argumento de que a lei fere os “direitos fundamentais” dos políticos ao privá-los de dirigir estatais.

Merval Pereira - Uma sociedade doentia

O Globo

Abrir a compra por cidadãos de armamentos praticamente sem controle é uma oferta de fortalecimento a grupos fora da lei

O clima de ódio e violência que estamos vivenciando nos últimos tempos, oriundos do período em que o bolsonarismo começou a implantar suas raízes, é filho do despertar dos instintos primitivos de indivíduos antissociais que viviam contidos pelos ditames e valores majoritários numa sociedade democrática e sentiram-se liberados para falar, e fazer, qualquer coisa. Como agia seu líder político, saído dos círculos morais mais baixos da sociedade para influenciar seguidores que identificaram por meio de metodologias tecnológicas que se mostraram tristemente eficazes.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Governo precisará reduzir arsenal em poder da população

O Globo

Facilitação da compra de armas alimentou crime organizado — a sociedade continua ameaçada

Era previsível, diante do “liberou geral” do governo Jair Bolsonaro no acesso a armas, que a permissividade das novas normas beneficiasse não só os, por assim dizer, “cidadãos de bem”, mas também organizações criminosas, destino de boa parte das armas compradas legalmente. Não deu outra. Como mostrou reportagem do GLOBO, pretensos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (grupo conhecido como CAC) têm usado registros legais para abastecer o já extenso arsenal de milícias do Rio.

Em fevereiro deste ano, a polícia fluminense prendeu um grupo de milicianos em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Na ocasião, foi apreendida uma pistola calibre 9mm com um atirador certificado pelo Exército. A arma, comprada numa loja da Baixada Fluminense, tinha toda a documentação legal, com certificado e guia de transporte, mas deveria ser usada apenas em estandes de tiro e competições. Outras quatro armas legais citadas na reportagem foram apreendidas com milícias. Não levaram nem um ano para ir da fábrica ao crime.

Poesia | Quadras ao gosto popular - Fernando Pessoa

 

Música | Ana Costa e Marcelinho Moreira - "Filosofia de Vida"