Carta Capital
Para de fato combater a desigualdade,
promessa na posse, Lula terá de enfrentar interesses poderosos e seculares
Ao assumir o poder em 1º de janeiro de
2019, Jair
Bolsonaro tinha em mãos um discurso escrito por auxiliares a
conter a expressão “desigualdade social”. Eram palavras para pronunciar do parlatório,
a sacada na frente do Palácio do Planalto, sede do governo. No rito das posses
presidenciais brasileiras, há dois discursos. O primeiro no Congresso, diante
dos parlamentares, inclusive aqueles de oposição. O outro, do parlatório, com o
chefe da nação perante uma plateia de simpatizantes, presume-se. Cerca de 40
mil brasileiros ouviram Lula,
da Praça dos Três Poderes, mencionar 19 vezes o termo “desigualdade”, que
Bolsonaro havia se negado a citar quatro anos antes e que o próprio petista não
utilizara duas décadas atrás, em sua primeira posse.
“Foi para combater a desigualdade e suas
sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso
governo”, disse Lula agora. “Por isso, eu e meu vice, Geraldo Alckmin,
assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de
combater dia e noite todas as formas de desigualdade.” O presidente
recém-empossado citou ainda um “grande mutirão” e uma “frente ampla contra a
desigualdade”. “É inadmissível que os 5% mais ricos deste País detenham a mesma
fatia de renda que os demais 95%. Que seis bilionários brasileiros tenham uma
riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres. Que um
trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos
para receber o equivalente ao que um super-rico recebe em um único mês”,
insistiu.
No fim do primeiro ano de Bolsonaro, o
Brasil aparecia em um estudo da ONU com a medalha de prata em concentração de
renda. O 1% mais rico embolsava 28% das riquezas nacionais. Perdíamos somente
para o Catar (concentração de 29%), emirado minúsculo (1% da população
brasileira) e autocrático, no qual é impossível separar a fortuna real do PIB.
A desigualdade econômica não é, no entanto, a única na mira no terceiro mandato
de Lula. Há também aquela entre mulheres e homens e entre negros e
brancos no mercado de trabalho, na política e no setor público.
Tarefa monumental para quatro anos. As
disparidades estão entranhadas na vida nacional graças, entre outras razões, a
três séculos de escravatura. “Ouso dizer que o Brasil ainda não enfrentou a
contento os horrores da escravidão”, disse o
ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, negro, no mais
contundente discurso ministerial de posse nos últimos dias. “O que permite que
a obra da escravidão se perpetue no racismo, na fome, no subemprego e na
violência contra os homens e as mulheres pretas e pobres deste País.”