domingo, 17 de abril de 2016

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

Ninguém ignora o estado andrajoso dos partidos e da política, bem como a natureza particular dos desafios de agora. O passado vale até certo ponto: configura as tais circunstâncias que, para o prefaciador do 18 Brumário, não escolhemos. Fazer a grande política é a tarefa que há de encontrar seus personagens, sempre sob a plena vigência da ordem democrática. Só esta permite expressar e conciliar conflitos, para além de palavras e gestos extremos que tanto dano nos têm causado. Sem isso, a ruína será nossa vala comum.”

--------------------------
Luiz Sérgio Henriques tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil. ‘Tragédia e farsa’, O Estado de S. Paulo, 17/4/2016.

O destino de Dilma e do Brasil nas mãos da Câmara

Ápice da turbulência, impeachment marcará nova fase da crise

• Se Dilma for derrotada neste domingo, como indica o Placar do Impeachment do 'Estado', futuro dependerá do Senado e do STF

Alberto Bombig - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, prevista para este domingo, 17, na Câmara dos Deputados, é o ápice até agora da maior crise política brasileira desde a redemocratização. 

Enquanto o afastamento será votado no plenário da Casa, a partir das 14h, manifestações contra e a favor do afastamento deverão ocorrer em diversas cidades do País. Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, qualquer que seja resultado, o cenário de turbulência deverá prevalecer por mais alguns meses, especialmente se a presidente for derrotada e a sua luta para permanecer no cargo se arrastar por muito tempo no Senado e no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Placar do Impeachment do Estado mostra que a oposição à presidente contabilizava, à 0h deste domingo, 350 votos favoráveis ao impeachment, oito a mais do que o mínimo necessário (342, de um total de 513).

Portanto, se esses deputados mantiverem a decisão de apoiar o afastamento logo mais, Dilma será derrotada na Câmara neste domingo. Há ainda 133 contrários ao impeachment, 9 indecisos, 2 prováveis ausências e 19 deputados que se recusam a abrir o voto.

O Palácio do Planalto, no entanto, trabalha intensamente para reverter esse cenário, com envolvimento direto de Dilma, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor na Presidência, e de um time de ministros e governadores.

Caso sejam derrotados neste domingo, os petistas preparam um projeto para propor ao Congresso a convocação de novas eleições no País.

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) também passou o sábado reunido com aliados em busca de apoios nesta reta final. Dilma acusou Temer de planejar o fim do programa Bolsa Família, marca das gestões petistas na área social, exatamente como o partido fez com os opositores da presidente nas eleições de 2010 e 2014. O vice reagiu: "Mentira rasteira".

Dilma Rousseff, de 68 anos é filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2001, economista de formação. Ela é alvo de pedido de afastamento que tem por base as pedaladas fiscais (manobras contábeis) e decretos orçamentários do ano passado.

Conforme as mais recentes pesquisas, a forma de governar da presidente - acossada pelas crises política e econômica - é desaprovada por 82% dos brasileiros (Ibope).

Se perder na Câmara, Dilma será processada pelo Senado. A votação será a segunda de um impedimento desde a redemocratização. Fernando Collor foi derrotado pelo plenário da Casa em 1992.

Oposição aprende a enfrentar PT após 13 anos

• Estratégia errática dá lugar à convergência com grupos de rua pró-impeachment

Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

A narrativa do segundo processo de impeachment desde a redemocratização começa de forma difusa com as primeiras manifestações logo após o segundo turno das eleições de 2014, segue por um caminho tortuoso em 2015 que se consolida como épico nos últimos três meses, quando os movimentos de rua e os partidos políticos passaram a atuar de forma integrada e orgânica.

A estratégia errática da oposição e os projetos pessoais de poder de lideranças tucanas em vários momentos ameaçaram enterrar o movimento, mas ele se manteve vivo graças a habilidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em usar o regimento e cultivar aliados.

Quando o Congresso entrou em recesso no fim do ano passado, o clima na oposição era de pessimismo generalizado. “O momento mais difícil foi no fim do ano passado. Em outubro eu cheguei a achar que não aconteceria mais o impeachment. As manifestações de rua perderam força e o Cunha começou a negociar sua salvação com o PT”, diz o deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), que integra a ala dos chamados “cabeças pretas” da Câmara.

Esse grupo, formado pelos deputados mais jovens, desde o início da atual legislatura atuou pelo impedimento à revelia dos caciques do PSDB. “Também havia o temor de que a judicialização deixasse o processo trancado no STF”, complementa o deputado Bruno Covas (PSDB-SP). Mas esses não eram os únicos obstáculos. Principal partido de oposição, o PSDB enfrentava uma cabo de guerra.

“O PSDB na Câmara enfrentou em 2015 uma guerra surda entre as bancadas da Câmara e do Senado”, lembra o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), líder da oposição da Câmara. A divisão tucana era, na verdade, uma disputa entre caciques com projetos de poder distintos.

“O discurso foi errático. O PSDB é errático. O partido não foi claro em vários momentos e teve posições equivocadas”, diz o ex-governador Alberto Goldman, vice-presidente nacional do partido. Sociólogo por formação, o secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo Floriano Pesaro, que reassumiu o mandato de deputado para votar hoje, resume o cenário afirmando que “venceu a teoria política” do senador José Serra (SP).

“O PSDB jogou em três frentes claramente definidas e combinadas entre os atores: (o senador mineiro) Aécio Neves apostou no julgamento do TSE sobre a cassação da chapa, o que levaria a novas eleições, José Serra ficou mais voltado para o impeachment e o PMDB, e (o governador) Geraldo Alckmin apostou que o governo cada vez mais enfraquecido levaria a uma vitória mais segura em 2018. De janeiro para cá, a frente do Serra se tornou a mais viável”, diz Pesaro.

A mudança mais brusca de estratégia do partido ocorreu no fim do ano passado, quando os líderes tucanos no Congresso anunciaram que o foco passava a ser, em 2016, o processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer.

“Havia ali uma inflexão, um momento de baixa no processo de impeachment. Havia também uma dispersão naquele momento. Depois tudo se agravou e o impeachment passou a ter centralidade”, diz José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, braço teórico do PSDB.

A unificação do discurso, que só foi anunciada na semana passada, ocorreu após forte intervenção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O ex-presidente foi o grande maestro das três frentes que foram articuladas no partido”, conclui Pesaro.

Gatilhos. Quando Cunha rompeu com o governo e autorizou em dezembro a abertura do processo de impedimento, o Palácio do Planalto contava com força suficiente para barrá-lo. Além da divisão da oposição, os grupos de rua pareciam não ter fôlego para repetir as manifestações de março. E o recesso parlamentar serviria para esfriar os ânimos.

Para Mendonça Filho, dois foram os gatilhos que recolocaram o impeachment no jogo: a delação do senador Delcídio Amaral e a prisão do marqueteiro João Santana. Seus colegas de bancada acrescentam um terceiro elemento: o vazamento dos áudios do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia em que foi anunciado como futuro ministro da Casa Civil, o que abria uma possibilidade de reação do governo. “Foi a tempestade perfeita: crise econômica profunda, crise política, crise institucional e crise ética”, afirma o deputado do DEM.

Em 2016, os grupos de rua responsáveis pelas manifestações pró-impeachment finalmente uniram esforços em duas frentes: nas ruas e no Congresso, onde foi montada uma verdadeira ação de inteligência.

Os deputados passaram a informar aos ativistas do Movimento Brasil Livre os nomes e contatos de deputados indecisos. Diante da ameaça de ser alvo de uma ofensiva do grupo, uma deputada chegou a chorar em reunião com membros do Movimento Brasil Livre em seu gabinete. Em seguida, anunciou que mudou seu voto.

O MBL alugou uma casa em Brasília e instalou ali 50 membros da organização, que atuaram diariamente nos corredores do Congresso. Outro grupo, o Vem Pra Rua, enviou outros 50 integrantes para fazer o mapeamento dos indecisos.

Números de celulares de deputados governistas e indecisos foram passados para os ativistas, que passaram a pressionar os parlamentares por mensagens de WhatsApp.

Na madrugada de sexta para sábado, o MBL montou um quartel-general na liderança do DEM. O comitê pró-impeachment na Câmara adotou uma rotina de guerra. A oposição passou a fazer reuniões diárias, na qual os deputados faziam um balanço do cenário político, contabilizavam votos e coordenava a ofensiva sobre os colegas indecisos.

“Foi uma verdadeira ação de inteligência”, diz Renan Santos, um dos líderes do MBL. A atuação coordenada da oposição contrastava com a ação confusa da bancada governista.

O governo viu os líderes de partidos aliados perderem o controle sobre seus liderados e passou a atuar no varejo do baixo clero. O capítulo final da narrativa ainda está em aberto, mas a oposição finalmente aprendeu a jogar, após 13 anos.

Desafios que aguardam Temer

• O primeiro é formar um governo capaz de garantir governabilidade sem fazer concessões ao fisiologismo

José Álvaro Moisés, cientista político – O Estado de S. Paulo

Michel Temer terá de formar um novo governo se o Senado confirmar o impeachment de Dilma Rousseff. O pano de fundo é a mais grave crise enfrentada pelo País desde a democratização. Multidimensional, a crise afeta a economia, a política e o sistema de valores e de direção da sociedade, e cada uma dessas dimensões retroalimenta as demais. Uma de suas faces mais dramáticas é a aparente inexistência de líderes com perfil de estadista para responder à crise.

• Talvez, por isso, 92% de entrevistados de pesquisas de opinião afirmem que todos os políticos são ladrões, enquanto 89% não consegue apontar alguém capaz de tirar o país da crise. Temer será a resposta a isso?

Três são os desafios que ele enfrentará. Primeiro, formar um governo capaz de garantir a governabilidade sem fazer concessões ao fisiologismo. O País não aguenta mais a cultura do toma-lá-dá-cá para formar a maioria governativa.

Acordos e negociações podem e devem ser feitos com transparência, abertos ao público, definindo com clareza, não só cargos, mas o papel exato de cada partido em programas de governo. Segundo, ele e o PMDB terão de apresentar rapidamente um plano de governo para responder à recessão, ao desequilíbrio fiscal e à perda de empregos, sem esquecer da crescente demanda popular por mais serviços públicos de qualidade, em especial, nas áreas de saúde, educação e segurança pública. Para isso, a interlocução com a sociedade civil é indispensável: com o mercado, os movimentos sociais e as associações profissionais e científicas.

Finalmente, Temer terá de ser suficientemente claro quanto à sua posição sobre o combate à corrupção. A sociedade não tolera mais ver os partidos e os políticos envolvidos em mal feitos. Temer tem de definir sua posição quanto à Operação Lava Jato, e mais do que isso, tem de dissipar as dúvidas sobre suposto acordo para salvar Eduardo Cunha de denúncias e acusações que pesam sobre ele.

O roteiro parece simples, mas, executado, talvez faça surgir um novo estadista no Brasil.

Dilma e Temer negociam pessoalmente cada voto

• Câmara começa hoje a decidir destino da presidente 24 anos depois do afastamento de Collor e 13 anos após o PT chegar ao poder

Vinte e quatro anos depois do impeachment de Fernando Collor e 13 anos após o início da era PT, a Câmara começa hoje a decidir o destino da presidente Dilma Rousseff. Na véspera da votação do afastamento, com a disputa acirrada e de resultado imprevisível, Dilma e o vice-presidente Michel Temer cancelaram compromissos para se empenhar pessoalmente na busca por votos. A presidente recebeu deputados e telefonou para outros. Já o peemedebista voltou às pressas para Brasília, onde também se reuniu com indecisos. Caso aprovado, o processo irá para o Senado, que, se aceitá-lo, determinará o afastamento de Dilma por 180 dias. Por uma rede social, Temer disse ser uma “mentira rasteira” a acusação da petista de que ele acabaria com o Bolsa Família.

O duelo pela presidência

• Câmara decide hoje se autoriza abertura de processo contra Dilma, 24 anos após o impeachment de Collor

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Eduardo Barretto, Eduardo Bresciani, Evandro Éboli, Isabel Braga, Júnia Gama, Letícia Fernandes, Renata Mariz, Simone Iglesias e Tiago Dantas – O Globo

Vinte e quatro anos após o impeachment de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito após duas décadas de ditadura militar, a Câmara dos Deputados decide hoje se autoriza a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A aprovação, que precisa do apoio de 342 dos 513 deputados, poderá deflagrar o fim da era de 13 anos do PT no poder. Levantamento feito pelo GLOBO indicava que, até ontem, havia 348 parlamentares a favor do impeachment e 127 contra; 38 se disseram indecisos ou não responderam.

Caso a Câmara dê o sinal verde para processar Dilma, o Senado precisará decidir nas próximas semanas, por maioria simples, se abre o processo, o que levará ao afastamento imediato da presidente do cargo por até 180 dias. Na luta pelo Palácio do Planalto, Dilma e o vice Michel Temer, que assumiria em seu lugar, passaram ontem o dia disputando pessoalmente, voto a voto, o apoio de parlamentares. Ao fim do dia, aliados de ambos diziam ter os votos necessários.

Dilma se reúne com governadores
A presidente arregaçou as mangas logo cedo: passou o dia telefonando para parlamentares ou recebendo-os em sua residência oficial, o Palácio da Alvorada. Ela desistiu de participar do ato com acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos de moradia que defendem seu mandato — não queria prejudicar sua imagem nos setores conservadores do Parlamento dos quais também espera apoio

Dilma ficou reunida com seus ministros mais próximos e recebeu os governadores do Acre, Tião Viana (PT), do Ceará, Camilo Santana (PT), do Piauí, Wellington Dias (PT) e do Amazonas José Melo (PROS). Os quatro ficaram em contato com deputados de seus estados, pressionando-os para votarem contra o impeachment.

À tarde, Dilma foi ao seu gabinete no Palácio do Planalto, segundo fontes, para buscar um “mapa de votos”. Passou menos de uma hora no prédio e voltou para casa.

Com a voz rouca e aparência abatida, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva representou Dilma no evento do MST e manteve contato, por telefone e pessoalmente, com deputados. No acampamento, Lula comparou as últimas negociações em busca de votos com a “bolsa de valores”, devido ao “sobe e desce” do placar do impeachment. O líder petista intensificou a ofensiva contra Temer e afirmou que o PMDB deve concorrer “nas urnas” em 2018:

— Parece a bolsa de valores, tem hora que o cara está com a gente, tem hora que não está mais. E você tem que conversar 24 horas por dia — afirmou o ex-presidente.

Hoje, Dilma ficará no Alvorada acompanhando a votação, ao lado de ministros, que, por sua vez, tentarão até o último momento obter votos. É provável que a presidente fale à imprensa após o resultado da votação.

Temer decide ficar em Brasília
Após uma viagem relâmpago a São Paulo, onde ficou pouco mais de 12 horas, Temer voltou ontem a Brasília ainda cedo, preocupado em não perder votos. Antes de embarcar, no fim da tarde de sexta-feira, Temer avisou: “se necessário, me chamem”. Necessário foi e, às 9h30m de ontem, ele já recebia uma romaria de parlamentares no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente.

Cerca de cem deputados, segundo a contabilidade de peemedebistas, acompanharam as conversas. O vice também resolveu permanecer em Brasília e acompanhar do Jaburu a votação de hoje. O plano inicial de Temer era ficar em São Paulo até amanhã.

Pivô de uma das muitas brigas entre Dilma e Temer, que disputavam seu apoio, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab se aliou a Temer. Após entregar o pedido de demissão do Ministério das Cidades, sexta-feira à noite, Kassab circulava ontem pelo Jaburu. Mesmo com a saída de Kassab do governo, o clima no PSD não era de unidade. Há ao menos oito deputados a favor de Dilma; 28 são pelo impeachment.

Já o PR se dividiu ontem em dois encontros: um almoço na casa do ex-deputado Luciano Castro, que trabalha pelo afastamento de Dilma, e no flat onde mora Valdemar Costa Neto, presidente afastado da legenda. Os deputados que trabalham pelo governo garantiam ter 17 votos: 15 a favor e duas abstenções. Esses números são contestados pelos oposicionistas do partido, para quem Dilma terá no máximo dez votos no partido.

O presidente do PMDB, senador Romero Jucá (PMDB-RR), garantia ter mais que os 342 votos necessários para o impeachment. Jucá passou ontem três vezes pela portaria da residência oficial do vice-presidente. Criticou os deputados que pretendem faltar à votação e disse que é preciso ter “elegância para perder”.

— O dia foi movimentado por conta de boatos plantados pelo governo. Foi um ataque especulativo que não se sustentou. Estamos tranquilos e conscientes da nossa posição a favor da maioria do povo brasileiro. O resultado será favorável com uma boa margem — disse Jucá.

Dia de plenário esvaziado na Câmara
Ontem, o plenário da Câmara ficou esvaziado. O discurso mais inflamado foi do vice-líder do governo na Câmara, deputado Sílvio Costa (PT do B-PE), que fez um discurso veemente em defesa de Dilma. Ele cantou parte do jingle de campanha da petista (“Dilma, coração valente”) e disse ter “nojo” de Temer. Ao descer da tribuna, foi aplaudido pelos deputados do PT que, no plenário gritaram: “Não vai ter golpe!”.

Na oposição, o líder do DEM na Câmara, deputado Pauderney Avelino (AM), rebateu as declarações de Lula, que comparou a busca de votos a uma guerra.

— A guerra é válida dentro do limite da lei. Mas, quando ultrapassa essa barreira da legalidade, vira crime, é o vale-tudo, uma campanha sórdida — disse Pauderney.

Nos corredores da Câmara, deputados iam e vinham de encontros no Alvorada e no Jaburu. Já a oposição tentou constranger a ofensiva do Palácio do Planalto. Além de ações judiciais, os líderes dos partidos a favor do impeachment tentavam conter o trabalho de governadores das Regiões Norte e Nordeste contra o afastamento da presidente.

Governo oferece ministério do turismo ao PV
O governo tentou reverter apoio de bancadas inteiras, caso do PV, com seis deputados já fechados a favor do impeachment. Numa conversa no Planalto, foi oferecido aos verdes o Ministério do Turismo, mas o partido não aceitou.

Os líderes da oposição acertaram um procedimento para reduzir seus discursos e encurtar a duração da sessão de hoje. A ideia é que os debates terminem antes do início da tarde, para que a votação, marcada para começar às 14h, não atrase. Dos 170 inscritos da oposição, 67 que já falaram desistiram de discursar novamente. O número restante se igualaria aos cerca de 70 a favor de Dilma.

No governo, a estratégia ontem foi manter sigilo sobre os apoios conquistados porque, segundo um auxiliar presidencial, Temer voltou para Brasília para “partir pra cima” dos indecisos que resolveram votar contra o impeachment e dos que viraram o voto em favor do governo. A caça ao voto vai se prolongar durante toda a manhã de hoje e se estenderá durante a votação. Os governistas acreditam que há uma “onda pró-governo” e, ao fim do dia de ontem, contabilizavam um placar apertado: entre 171 e 172 votos contra o impeachment.

Vice chama de ‘mentira rasteira’ acusação de que pretende acabar com Bolsa Família

• Câmara começa hoje a decidir destino da presidente 24 anos depois do afastamento de Collor e 13 anos após o PT chegar ao poder

Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut – O Globo

Vinte e quatro anos depois do impeachment de Fernando Collor e 13 anos após o início da era PT, a Câmara começa hoje a decidir o destino da presidente Dilma Rousseff. Na véspera da votação do afastamento, com a disputa acirrada e de resultado imprevisível, Dilma e o vice-presidente Michel Temer cancelaram compromissos para se empenhar pessoalmente na busca por votos. A presidente recebeu deputados e telefonou para outros. Já o peemedebista voltou às pressas para Brasília, onde também se reuniu com indecisos. Caso aprovado, o processo irá para o Senado, que, se aceitá-lo, determinará o afastamento de Dilma por 180 dias. Por uma rede social, Temer disse ser uma “mentira rasteira” a acusação da petista de que ele acabaria com o Bolsa Família.

O vice-presidente Michel Temer reagiu ontem ao vídeo divulgado pela presidente Dilma Rousseff na véspera, no qual ela disse que os defensores de seu impeachment pretendem “cortar programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida”. Por meio do Twitter, Temer disse ser “mentira rasteira” essa acusação e elogiou a Operação Lava-Jato.

“Leio hoje nos jornais as acusações de que acabarei com o Bolsa Família. Falso. Mentira rasteira. Manterei todos programas sociais”, escreveu Temer. Ele também vinha sendo acusado por defensores de Dilma de planejar pôr fim à Operação Lava-Jato. Ainda no Twitter, ele elogiou a operação: “A Lava Jato tem prestado importantes serviços ao país. Sou jurista e sei do papel fundamental da Justiça e do MP para o avanço das instituições”.

Também acusado de querer acabar com os programas sociais, na campanha de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), criticou as declarações de Dilma Em vídeo no Facebook, ele disse que a presidente deveria ter “humildade” neste momento, e não “arrogância”.

Petistas discutem nova eleição em caso de derrota

• Grupo entende que Temer não tem legitimidade para exercer o poder

Letícia Fernandes - O Globo

Um grupo de deputados do PT passou a defender que o partido trabalhe pela aprovação de uma Emenda à Constituição para convocar novas eleições, caso impeachment prevaleça no plenário. Na avaliação deles, a proposta faz sentido porque o vice-presidente Michel Temer não goza de popularidade e não teria legitimidade para exercer a função. Outros petistas, no entanto, não apostam nesta possibilidade.

O deputado Vicente Cândido (PT-SP), é um dos defensores proposta. E acredita, inclusive, que a PEC poderia ser aprovada rapidamente.

— Não é descartado isso. Porque se tira uma presidente com popularidade baixa e se bota Temer, também com popularidade baixa e sem legitimidade. É melhor fazer novas eleições diretas, a gente poderia resolver isso em dois meses com uma PEC — disse o parlamentar, que, no entanto, mantém o otimismo para a sessão.

— Mas acredito que a gente consiga ganhar e, a partir de segunda-feira, será um novo governo. Começaria uma nova fase, também com a vinda do Lula para o governo na quarta-feira (dia em que o STF poderá julgar a liminar que trata da posse do ex-presidente).

Outros petistas são mais confiantes de uma vitória do governo, esperam virar votos e minimizam a sugestão. Sob a condição do anonimato, disseram que esta é mais uma estratégia de discurso para atingir os defensores de Michel Temer, na tentativa de convencê-los de que o vice-presidente poderia durar pouco no poder.

O ministro Jaques Wagner, que chefia o gabinete de Dilma, chegou a se manifestar a favor de uma convocação de eleições presidenciais como uma alternativa para sair da crise. No entanto, auxiliares de Dilma afirmam que Wagner é uma voz isolada. Um interlocutor da presidente diz que a proposta poderia ser lançada, mas pareceria oportunista, por parte da petista, lançar tal solução somente após ter sido dada a largada para sua deposição.

O declínio de uma presidente por acaso

• Para aliados, Dilma colhe o resultado de um estilo centralizador e avesso à política, que a levou ao isolamento

Jeferson Ribeiro, Fernanda Krakovics e Catarina Alencastro - O Globo

Centralizadora, desconfiada e avessa a negociar com políticos, Dilma colecionou desafetos e despertou mágoas, admitem aliados. A fatura agora chegou. 

-BRASÍLIA - — Olá, internautas! Com essa frase Dilma Vana Rousseff tentava se apresentar aos seus seguidores na internet em maio de 2010. Àquela altura, ainda tateando o terreno movediço da política eleitoral, a petista era vista como um ser estranho no mundo político e era uma desconhecida entre os brasileiros, que só a viam como a “mulher do Lula”. Passados seis anos daquela estreia, a petista é conhecida dos brasileiros e rejeitada pela maioria, segundo as pesquisas mais recentes. Mas ainda é um corpo estranho para seus pares, que repetem como mantra: “ela não sabe fazer política.”

Essa avaliação não está restrita ao Congresso. No entorno da presidente, a avaliação corrente é que lhe faltou fazer política desde que assumiu. O efeito disso saltou aos olhos nos últimos dias, durante a busca incessante por votos contra o impeachment.

— Muitos dos votos que a gente poderia ter, negociando espaços no governo ou emendas, não conseguimos garantir porque, em algum momento, o parlamentar foi destratado por ela, ou teve um colega que foi. Ela nunca se importou em fazer política. Muitos votos contrários são de mágoa com ela — disse um integrante do governo que acompanhou Dilma na disputa de 2010.

No Congresso, uma das principais queixas é a de que o governo não honra compromissos.

— Um dos grandes problemas para a recomposição da base é a falta de confiança. Há muita raiva entre os deputados, inclusive entre os nossos, por acertos não cumpridos — disse um deputado do PT, a cinco dias da votação.

Até março de 2013, essas características não geravam maiores problemas, com Dilma surfando na onda de aprovação popular. Um levantamento do Ibope, de março daquele ano, mostrava que 63% dos entrevistados consideravam seu governo “ótimo” ou “bom”. A aprovação pessoal da presidente era de 79%, seu recorde. Nessa época, a Dilma “faxineira” não perdoava suspeitas de “malfeitos” de seus auxiliares. Em seu primeiro ano de governo, a presidente demitiu seis ministros após denúncias publicadas na imprensa. Àquela altura, nenhum partido aliado ousava questioná-la. A presidente era forte e popular.

Com o tempo, a aprovação foi diminuindo, e o tratamento dispensado aos aliados continuou piorando. Hoje, segundo o levantamento mais recente do Datafolha, apenas 13% da população consideram o governo “ótimo” ou “bom”. E 63% consideram a administração “ruim” ou “péssima”. No Congresso, o governo pena para reunir 172 votos a seu favor. Pior: partidos como PP, PMDB e PRB, que integram ou integravam o primeiro escalão, a abandonaram.

Tempos de guerrilheira
Presidente incidental, Dilma foi escolhida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidata em 2010 depois que o mensalão atingiu as principais lideranças petistas. Ela nunca havia disputado uma eleição. Nesses pouco mais de cinco anos, a presidente valeu-se do legado de seu antecessor, especialmente das conquistas sociais, ao mesmo tempo em que ensaiava voos próprios, desagradando a Lula e ao PT. A ameaça concreta de impeachment, e com ela a derrocada de um projeto de 16 anos de poder, conseguiu suspender as divergências entre criador e criatura, além de angariar o apoio do PT e de sua base social.

Na avaliação de aliados, a personalidade e a formação nas trincheiras da resistência à ditadura militar também ajudam a explicar o ambiente de desconfiança em relação à presidente e ainda seu isolamento pessoal e político.

Dilma é detalhista, centralizadora e testa cotidianamente seus funcionários e assessores para saber em quem pode confiar. Há inúmeros episódios em que a presidente fazia reuniões paralelas, dando orientações diferentes para dois grupos apenas para ver quem vazava informações. Quando descobria quem era o autor do vazamento desautorizado, ela escanteava o auxiliar.

Para assessores próximos, essa sistemática de trabalho vem da época da luta contra a ditadura, quando os aparelhos montados pelos movimentos de resistência ao governo militar eram divididos por células que não sabiam o que cada uma fazia. Isso fez também o entorno da presidente conspirar contra suas determinações.

Um assessor que despacha diariamente com Dilma conta que ela entra em disputas desnecessárias, apenas para ver seu ponto de vista prevalecer. Para ilustrar, contou que, há algumas semanas, a presidente discutiu longamente sobre o uso de uma expressão numa mensagem que seria divulgada.

A teimosia de Dilma, na avaliação de gente que trabalha com ela, é fonte de muitos dos problemas que o governo foi acumulando. Um assessor relatou que ela tem estado bastante focada na luta contra o impeachment, mas sequer passou por sua cabeça fazer uma autocrítica sobre o que a levou a essa situação.

— Sabe quando que ela vai fazer a autocrítica? Nunca, nem em seus momentos finais de vida — afirmou.

A administração de rédea curta, somada a relatos de xingamentos a assessores e ministros, difundiram ao longo dos anos a imagem de uma presidente autoritária, que não aceita ser contrariada ou compartilhar poder.

Isso também levou Dilma ao isolamento político. Desde 2011, contam-se nos dedos das mãos quantas pessoas gozaram de confiança plena da presidente. E mesmo esses caíram em desgraça em algum momento. Antonio Palocci, por exemplo, tinha superpoderes quando assumiu a Casa Civil. Antes de seis meses de governo, deixou a pasta. Dilma se amparou por um tempo no ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, mas considerava que ele vazava mais informações do que deveria. Dilma também confiou muito em Aloizio Mercadante, apontado no Planalto como incentivador das piores decisões políticas tomadas pela presidente durante seu mandato. Em setembro, quando saiu da pasta e voltou a comandar o Ministério da Educação, aliados comemoraram no Congresso.

— Ela reconhece que demorou demais para trocá-lo — contou um auxiliar muito próximo a Dilma.

Apenas o assessor especial Giles Azevedo a acompanha desde o primeiro dia de mandato. Ele é seu fiel escudeiro para quase tudo. Fora Giles, Dilma só dá ouvidos ao expresidente Lula, que tem reclamado há meses que a presidente não coloca em prática seus conselhos.

Solidão
Dilma também vive muito só, segundo relato de assessores. Quando passou a morar no Palácio da Alvorada, ela tinha como companhia a mãe, Dilma Jane, de 92 anos, e a tia Arilda. Mas a tia deixou de morar com a presidente depois que ela se reelegeu.

No Palácio do Planalto, auxiliares admitem que se esgotaram toda a credibilidade e o ânimo que as pessoas tinham para trabalhar com Dilma. Quem ainda está empenhado em lutar pela manutenção do governo o faz não por Dilma, mas pelo PT e o projeto político do partido, por Lula ou por discordar da legitimidade do impeachment, contou um auxiliar ao GLOBO.

A trajetória administrativa da presidente também foi recheada de polêmica desde 2011. Dilma foi eleita em 2010 difundindo a imagem de gerente, capaz de impulsionar os projetos de infraestrutura e os demais investimentos que o país precisava. Mas, ao longo do tempo, esse cartaz ficou rasurado devido ao atraso de obras e à demora nas licitações de ferrovias, rodovias e portos.

Com o passar do tempo, Dilma construiu outra imagem entre o empresariado e no mercado: a de intervencionista. Essa visão foi reforçada pela tentativa do governo de reduzir os juros e os spreads bancários, diferença entre os juros obtidos pelos bancos e as taxas cobradas dos clientes. Para isso, a petista usou os bancos públicos a fim de tentar implementar uma redução do custo dos empréstimos e, com isso, forçar as instituições privadas a fazerem o mesmo.

O setor elétrico, onde a petista era vista como especialista, também viveu um nó, principalmente depois que ela resolveu mudar a remuneração das empresas geradoras de energia, num ambiente de escassez hídrica, sem negociar as mudanças com o setor privado. As mudanças impostas pelo governo resultaram no aumento da tarifa para empresas e consumidores residenciais, aumentando os custos de produção e pressionando a inflação.

Mas Dilma também criou dois importantes programas na sua gestão: o Pronatec, que oferece vagas em cursos profissionalizantes, e o Mais Médicos, que ampliou o atendimento médico no país usando principalmente profissionais importados, em sua maioria, de Cuba. Na campanha eleitoral, ela prometeu expandir as duas iniciativas, mas depois de reeleita as dificuldades orçamentárias a impediram.

Renúncia
O que mais a presidente ouviu nos últimos meses foram conselhos para que renunciasse ao mandato e evitasse o desgastante processo de impeachment. A todos, segundo um assessor, Dilma disse que não considerava essa hipótese.

— Ela sempre diz: “Eu morro, mas não renuncio”. “Nunca passou pela minha cabeça.”

Dilma considera que lutou pela democracia, é uma pessoa honrada e que jamais terá seu nome diretamente envolvido num escândalo. Essa certeza fez com que ela interferisse menos do que aliados do Congresso gostariam na Operação Lava-Jato — apesar das denúncias em contrário do ex-líder do governo Delcídio Amaral.

Se a palavra renúncia não faz parte do dicionário de Dilma, o substantivo resistência é sua marca. Quase todo o entorno da presidente fica surpreso com a força dela para lutar contra o impeachment.

— Ela é muito briguenta, vira um leão quando é provocada — resume um ministro.

O que recentemente tem dado mais força à presidente, que perdeu 17 quilos desde 2011 com a dieta Ravenna e exercícios, são as cerimônias no Planalto, ambiente sem risco de hostilidades a ela, em que Dilma tem reunido movimentos sociais para defender o seu mandato. Na terça-feira, num ato com educadores, Dilma fez um dos mais duros discursos desde que a crise política eclodiu. Incitada pela plateia, a petista chamou o vice, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de “conspiradores” e “chefes do golpe”.

A cerimônia teve clima de estádio de futebol, com cantos contra os dois peemedebistas, e Hino Nacional interrompido no meio para ser cantado à capela pela plateia. Nesses eventos, a presidente é rodeada pela claque ao final, abraçada, beijada, requisitada para selfies e, invariavelmente, dá uma das suas tradicionais broncas nos seguranças que tentam cuidar da sua integridade física. Na terça, não foi diferente.

Essa resiliência é o que motiva os aliados e segura a onda do “tchau, querida”, frase usada nos cartazes dos deputados pró-impeachment no plenário da Câmara.

Para Dilma, reação demorada foi erro

• Isolada, presidente se penitencia por não se contrapor a tempo ao que considera ‘conspiração’ do próprio vice e por ter se afastado de Lula

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

/ BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff chega hoje à mais importante batalha de sua vida sem saber se conseguirá sobreviver, mas convencida de que o seu maior erro não foi enveredar pelo caminho do ajuste nem subestimar o desgaste da Operação Lava Jato ou autorizar manobras conhecidas como pedaladas fiscais. Dilma se penitencia pela demora em reagir à “conspiração” dentro do Palácio do Planalto – promovida, no seu diagnóstico, pelo vice-presidente Michel Temer – e por ter se distanciado de seu “criador”, Luiz Inácio Lula da Silva.

Isolada, sem ouvir quase ninguém, a primeira mulher eleita presidente do Brasil viu a crise política crescer dia após dia, mas nunca acreditou que ela pudesse fugir do controle. Nesse outono de intrigas, traições e fuga de aliados, puxada pelo PMDB, o governo, muitas vezes, pareceu atordoado e sem saber para onde ir. “A vida é mais complexa do que parece”, costuma dizer Dilma, desde que sua popularidade despencou.

A senha para uma ofensiva mais dura contra a ameaça do impeachment foi dada pelo próprio Lula, em 4 de março. Naquele dia, o ex-presidente foi obrigado a depor, no âmbito da Lava Jato, e a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão em sua casa e no Instituto Lula.

A cúpula do PT, em rota de colisão com Dilma, temeu a prisão de seu maior líder.

Foi a partir daí que a narrativa do “golpe” e da associação de Temer com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – réu em ação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, acusado de desviar recursos da Petrobrás –, ganhou força como estratégia de sobrevivência política de Dilma, de Lula e do PT.

“Se a gente não se mexer, vai acabar morrendo”, disse Lula após sair do depoimento, em conversa a portas fechadas com dirigentes do PT, em São Paulo. Dois interlocutores do ex-presidente disseram ao Estado que ele se arrependeu de não ter tentado um acordo com Dilma para ser candidato, em 2014. Já àquela época, temia que sua afilhada, mesmo ganhando, não conseguisse governar
“Vocês podem não gostar dela, mas é o nosso projeto que está em jogo. Não podemos sair das ruas. Precisamos defender a Dilma”, insistiu ele, na sede do PT.

Jararaca. Diante das câmeras de TV, logo em seguida, Lula não deixou dúvidas de como seria a reação. Tudo foi montado para proteger o ex-presidente, único nome que o PT dispõe, até agora, para disputar a sucessão de Dilma. “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça. Bateram no rabo e a jararaca está viva, como sempre esteve”, gritou Lula, naquele 4 de março.

Treze dias depois, com o Planalto cercado por seguranças e manifestantes na Praça dos Três Poderes, Lula tomava posse como ministro da Casa Civil, mas sua nomeação foi suspensa por decisão judicial e até hoje aguarda julgamento do Supremo.

Na véspera, o vazamento de uma conversa entre Dilma e o líder petista, gravada pela Polícia Federal, agitou o mundo político e causou outro estrago. Pelo telefone, a presidente dizia a Lula que enviaria a ele o “termo de posse” no Ministério, para uso “em caso de necessidade”.

Os investigadores da Operação Lava Jato interpretaram o diálogo grampeado como uma tentativa de Lula de fugir da alçada do juiz Sérgio Moro, de primeira instância, e ganhar foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. A crise se agravou ainda mais.

O desarranjo na economia, com forte recessão e desemprego, fez um ministro do PT apostar no pior cenário, na semana passada. O argumento dele era simples: em 2005, no escândalo do mensalão, Lula e o partido conseguiram dar a volta por cima porque as pessoas tinham “dinheiro no bolso”, situação oposta à de hoje.

Sem o marqueteiro João Santana – preso em fevereiro pela Lava Jato –, o governo acabou agindo de acordo com estratégia definida por Lula, guiada por pesquisas de opinião.

Foi dele a ideia de carimbar o impeachment como “golpe”, manobra para “sentar na cadeira antes da hora” e também de ligar Temer e Cunha a um conluio dos que querem interromper o combate à corrupção. Na última hora, Dilma divulgou um vídeo nas redes sociais, acusando Temer de querer acabar com programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. “É uma mentira rasteira”, reagiu Temer.

Sem poder despachar no Planalto, Lula tem usado uma suíte do hotel Royal Tulip, em Brasília, como “bunker” de negociações políticas. Há quase um mês, recebe deputados, senadores, dirigentes de partidos e até governadores. “Nunca pensei que chegássemos a essa situação tão crítica”, desabafou ele.

Aos mais próximos, Lula contou que se arrependeu de ter aceitado a Casa Civil, no momento em que a Polícia Federal e o Ministério Público investigam a propriedade de um sítio em Atibaia e de um triplex no Guarujá.

“Ficou parecendo que eu queria me salvar, mas não era isso”, afirmou Lula, que nega ser dono dos imóveis. “A Dilma me fez um apelo desesperado. Em agosto, ela já tinha me convidado e eu respondi: ‘Se nem Fidel e Che couberam em Cuba, como nós dois vamos caber no mesmo Palácio? Eu disse que poderia presidir o Conselhão, mas ela não quis. Não podia ver o governo desmoronando e não fazer nada. Eu tinha que ajudar”, emendou ele, numa referência ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

‘Não passarão’. A entrada de Lula no governo, ainda que não consumada oficialmente, provocou novos protestos e atiçou a oposição. Mas o Planalto também foi pego no contrapé com a delação premiada do senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS). Ex-líder do governo no Senado, Delcídio acusou Dilma de interferir na Lava Jato por meio Supremo e do Superior Tribunal de Justiça. Afirmou, ainda, que foi Lula quem o mandou procurar o ex-diretor da Petrobrás Néstor Cerveró, para impedir que ele contasse o que sabia. Temer e o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, também foram citados por Delcídio, que envolveu 74 pessoas em seus depoimentos.

“Nunca pensei que ele fosse esse canalha”, disse o ministro do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner. “Nós precisamos reagir à destilaria de ódio”. Na batalha, o Planalto foi transformado em tribuna contra o impeachment e teve seus salões tomados por juristas, professores, estudantes, mulheres e representantes de vários movimentos, que se revezavam ao microfone.

No último dia 7, a aposentada Maria José Pereira Said, de 87 anos, se postou ao pé da rampa que liga o Salão Nobre ao terceiro andar do Planalto, onde fica o gabinete presidencial, no fim de uma manifestação promovida por mulheres.

“Força, Dilma!”, exclamou ela. Cercada por seguranças, a presidente voltou alguns passos, agachou-se e deu um beijo nos cabelos brancos de dona Zezé. Tinha os olhos marejados.

Com o grito de guerra “Não Passarão” – lema da resistência republicana durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) – e o mote da defesa da democracia, o PT conseguiu, a duras penas, reconquistar movimentos sociais e até intelectuais que haviam se afastado do partido, após os escândalos de corrupção.

Mesmo assim, o protesto de 13 de março – a maior manifestação da história do País – aumentou a pressão pela saída de Dilma. Naquele dia à noite, em reunião com ministros, no Palácio da Alvorada, ela não escondeu o abatimento. “Uma das características estarrecedoras daquela manifestação foi a rejeição da política”, disse a presidente, na quarta-feira, a jornalistas. “Isso nunca levou a nada de bom”.

Com Lula no palanque, os contrários ao impeachment foram às ruas em 18 de março, num ato que surpreendeu o governo pelo tamanho. Voltaram no dia 31, data que marcou os 52 anos do golpe de 1964.

Pouco antes, o PMDB rompeu com o governo e emissários de Temer começaram a negociar a formação de um novo Ministério com antigos aliados de Dilma, como o PP e o PTB. Na tentativa de conter os dissidentes, a distribuição dos cargos foi ampliada por Dilma, mas muitos a abandonaram à própria sorte.

O Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, passou a ser chamado pelo “núcleo duro” do Planalto de quartel-general dos traidores.
Nos bastidores, porém, o governo avalia que a ação de Temer para ocupar a cadeira de Dilma começou bem antes, logo após 8 de março de 2015, quando ela foi alvo de “panelaço” ao fazer um pronunciamento na TV, em homenagem ao Dia da Mulher, e defender o ajuste fiscal.

‘Alô, alô?’. O vice assumiu a articulação política do Planalto com o Congresso em abril daquele ano e, quatro meses depois, entregou o cargo. O movimento marcou sua aproximação com líderes do PSDB, que hoje o apoiam no combate a Dilma. “Desde aquela época, queriam derrubar o governo por dentro”, resumiu o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

A relação de Dilma e Temer nunca foi das melhores, mas o casamento de fachada continuava. Em 2014, porém, o vice deu sinais de que a renovação do enlace de papel passado não duraria muito.

Às vésperas da campanha pelo segundo mandato, o telefone tocou no gabinete de Temer. Do outro lado da linha, o tom de voz era tão alto que ele pôs o aparelho longe do ouvido. “Alô, alô, alô?”, repetiu, pausadamente, como se nada ouvisse. Um minuto depois, desligou.

O telefone chamou de novo. Irritada, Dilma continuou o “monólogo” do ponto onde a ligação fora interrompida, pedindo providências para conter Eduardo Cunha, então líder do PMDB, que se voltava contra o governo. “Mas era a senhora ao telefone? Desculpe, não percebi”, respondeu o vice, irônico. “Tinha uma pessoa aí gritando tanto que não dava para saber quem estava falando.”

No primeiro mandato, em 2011, Dilma também ligou para Temer, que estava em São Paulo, para cobrar apoio do PMDB numa votação do Código Florestal. Estava exaltada. “Acho que a senhora ligou para a pessoa errada”, respondeu o vice, que comanda o PMDB. “Eu estou acostumado a lidar com presidentes da República e todos sempre me trataram com muita educação”.

Em dezembro do ano passado, Temer enviou uma carta a Dilma, queixando-se de ter passado quatro anos como um “vice decorativo”. “Que coisa estranha!”, comentou Dilma, ao receber a correspondência no Alvorada.

No início da semana, com o divórcio já em fase adiantada, Temer deixou vazar um áudio a um grupo de deputados do PMDB, no qual apresentava as diretrizes de um “governo de salvação nacional” comandado por ele. “Isso passou de todos os limites”, esbravejou Dilma. “Não vai ficar assim. Quem ele pensa que é? Posa de estadista e age com essa pequenez?”

No Planalto, a mensagem do vice foi batizada de WhatsApp ao Povo Brasileiro, referência jocosa à Carta ao Povo Brasileiro, divulgada por Lula na campanha de 2002, para acalmar o mercado. Ao contrário de 2002, porém, o desfecho dessa história é imprevisível.

Lula articula vale-tudo em busca de apoio

• Em bunker de Dilma, governistas oferecem cargos e cobram alianças

Catarina Alencastro - O Globo

A semana decisiva para o governo começou surpreendendo os articuladores políticos da presidente Dilma Rousseff. A debandada de aliados não era cogitada dentro do Palácio do Planalto, mas aconteceu. Com o desembarque do PP, desandou o trabalho que vinha sendo feito em busca de votos junto aos deputados. Para conter a sangria, os quatro principais auxiliares da presidente — o ex-presidente Lula, Ricardo Berzoini, Jaques Wagner e Giles Azevedo — montaram uma operação de guerra, procurando deputado por deputado com o rolo compressor da máquina. Em busca de apoio, valia tudo: cobrança por alianças feitas no passado, oferta de cargos e verbas e apelos à amizade.

— Agora, é tampar o nariz e soltar a máquina, sem pruridos. Nós nos vimos obrigados a ir para o varejo. Cada um conversa com quem pode — disse um auxiliar de Dilma.

O comando da tropa coube ao mais audaz negociador político do PT, Lula. Com um mapa na mão, ele deu a cada colaborador a relação dos políticos que deveriam ser abordados. A maioria, deputados. Mas, em alguns casos, familiares de deputados que receberam favores petistas no passado.

O assessor especial da presidente, Giles Azevedo, passou a semana ligando para os deputados listados pelo ex-presidente e os recebendo em sua sala no terceiro andar no Planalto, o mesmo em que Dilma despacha. O ministro Berzoini (Secretaria de Governo), no entanto, foi quem concentrou a maior parte das agendas relacionadas às tratativas com deputados. Na quarta-feira, recebeu 19 deputados e três ministros num mesmo encontro. Desceu de seu gabinete para a sala de Dilma e, ali, decidiram que ela tinha que fazer, pessoalmente, o corpo a corpo atrás dos votos. Quanto a Jaques, ele se tornou o mais próximo de Dilma. É a ele que a petista recorre várias vezes ao dia.

Um dos executores do Plano Lula contou uma das tarefas delegadas pelo expresidente na última sexta: ao saber que o deputado Fábio Faria (PSD-RN) havia declarado voto pelo impeachment, pediu que o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), fosse lembrado de que Dilma comprou briga com a família Alves, de Henrique Alves (PMDB), concorrente derrotado na eleição, ao apoiar Faria, e que Lula gravou vídeo para Robinson.

Agora era a hora de o governador pagar a dívida, botando o filho Fábio para dar o voto a Dilma.

Com maioria contrária a Dilma, Câmara vota hoje impeachment

Dilma e Temer fazem guerra de votos à véspera de votação do impeachment

Valdo Cruz, Gustavo Uribe, Dimmi Amora, Daniela Lima, Marina Dias, Machado da Costa, Márcio Falcão, Paulo Gama, Ranier Bragon, Isabel Fleck e Leandro Colon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na véspera da votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados, os grupos da petista e do vice-presidente Michel Temer se jogaram numa ofensiva final e partiram para um guerra de números sobre o placar deste domingo (17), com os dois lados cantando vitória.

Separados por 1,3 km, Dilma e Temer fizeram dos palácios da Alvorada e do Jaburu seus bunkers na busca dos últimos votos.

Enquanto o PMDB e a oposição garantiam ter pelo menos 375 votos, o Palácio do Planalto contabilizava entre 182 e 185 apoios, acima dos 172 necessários para barrar o pedido de impeachment.

A capital do país virou um centro de reuniões de última hora neste sábado (16), num clima de eleição indireta entre a petista e o peemedebista. Dilma Rousseff, com mesa farta de café e biscoitos, recebia no Alvorada deputados e ligava para outros, principalmente do PP e PR.

Em telefonema a aliados, a presidente garantia ter virado votos e afirmava estar "otimista" para a votação deste domingo, repetindo que já tinha mais de 180 votos garantidos.

Ali perto, no Palácio do Jaburu, a residência oficial da Vice-Presidência da República, o vice Temer chegou no meio da manhã, vindo de São Paulo, mudando seus planos iniciais que eram ficar fora de Brasília no dia da votação diante da informação de que o governo havia convencido entre 15 e 20 parlamentares a mudarem de posição e votar a favor da presidente.

O autor do relatório pedindo o impeachment de Dilma, Jovair Arantes (PTB-GO), considerou a ausência de Temer um erro.

Auxiliado pelo ex-ministro Eliseu Padilha, Temer recebeu a bancada mineira do PMDB e até o deputado Paulo Maluf (PP-SP), que foi dizer que não estava indeciso e votaria pela abertura do processo de impeachment.

Um pouco mais distante, a cerca de 10 km, o ex-presidente Lula participou de um ato a favor da presidente Dilma e contra o impeachment organizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e pelo MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores).

Em discurso, ele comparou o placar da votação de domingo ao movimento da Bolsa de Valores. "É uma guerra de sobe e desce. Parece a Bolsa de Valores. O cara está com a gente uma hora e, em outra, não está mais, e você precisa conversar 24 horas por dia para não deixá-los conquistar os 342 votos", disse Lula.

A ação do governo também foi revelada em edição extra do "Diário Oficial" da União, publicada na sexta-feira (15), nomeando e exonerando mais de uma centena de cargos de comissão do governo, em 18 ministérios.

Enquanto isto, transcorria na Câmara dos Deputados a sessão do pedido de impeachment, onde um grupo de deputados antigoverno procurava criar uma terceira via "Nem Dilma nem Cunha".

Numa tentativa de desqualificar os movimentos batizados como "nem Dilma nem Cunha", o senador Romero Jucá (RR), aliado do vice e presidente interino do PMDB, disse que o nome dado à articulação está correto. "Realmente não será nem Dilma nem Cunha. Será Michel", afirmou.

Romero falou sobre o assunto na sua terceira passagem pela residência oficial do vice só neste sábado (16). A movimentação foi intensa durante todo o dia, com a visita de deputados e líderes de partidos que apoiam o impeachment.

Já no início da noite, Jucá disse que quem ganhasse "precisaria ter grandeza lara saber ganhar" e que o mesmo se aplicaria a quem perdesse a disputa. Ele afirmou, no entanto que o clima do PMDB é de tranquilidade e que o que houve foi uma onda de boatos.

Temer não falou com a imprensa e passou o dia cercado por aliados e assessores. Por fim, o vice ainda conseguiu um feito: sua mulher e seu filho caçula que moram em São Paulo vieram a Brasília acompanhar a votação ao lado dele.

O peemedebista decidiu que não deixará mais a capital até o fim da votação do impeachment.

Os 'sete pecados na capital' que levaram Dilma ao inferno político

Igor Gielow – Folha de S. Paulo

Dilma Rousseff (PT) chegou às portas de um inferno político que o Brasil acreditava terem sido cerradas com o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992.

A presidente, que segundo as contas do mundo político poderá ter a abertura do pedido de impedimento aceita neste domingo (17) pela Câmara, a partir das 14h, costuma colecionar culpados pela debacle de seu governo.

Ora ela culpa a imprensa, ora a oposição. Mais recentemente, seu alvo é o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), a quem acusa abertamente de ser golpista, já que vem articulando a formação de um eventual governo caso Dilma seja impedida.

Se adversários se aproveitaram de suas falhas, isso é da dinâmica da política, mas Dilma e o PT de Lula construíram aos poucos os erros que levaram à ruína política sobre a qual se debatem agora.

A tradição católica estabeleceu, quando o papa Gregório 1º organizou em 590 uma lista do monge grego Evágrio do Ponto (345-399), sete pecados capitais que levam a humanidade à danação. Santo Tomás de Aquino e o escritor Dante Alighieri popularizaram o conceito.

A Folha elencou sete aspectos que levaram o governo petista à lona, correlacionados com os pecados mortais dos quais mais se aproximam (veja abaixo a lista).

Acima de todos eles está a soberba, que permeia os demais. O temperamento difícil e a falta de urbanidade política de Dilma cobraram um preço alto ao fim.

Enquanto ela era a "faxineira" da corrupção e a "gerentona" no seu primeiro mandato, imagem que bem ou mal durou até a eleição de 2014, ela colecionou desafetos. Sua inapetência para a política congressual é notória. O troco veio agora.

O fator estrutural mais importante, contudo, é a ruína econômica. Dificilmente estaria sendo discutido o impeachment se o país estivesse bem das pernas. Não está muito por causa do pecado da preguiça do governo em não aceitar a realidade.

Em vez de ouvir alertas, o Planalto acelerou uma política iniciada por Lula em 2010 de populismo econômico.

Erros se sucederam. A "Nova Matriz Econômica" com suas desonerações, juros artificiais e irresponsabilidade fiscal, as pedaladas que geraram o fato frio do impeachment, a política de preços do setor elétrico e a gestão ruinosa da Petrobras –mais que a corrupção, foram ordens erradas que ajudaram a quase quebrar a petroleira e sua enorme cadeia econômica.

O ano de 2015 foi perdido com a tentativa malfadada de ajuste fiscal capitaneada por Joaquim Levy. Acabou com o pagamento do "papagaio" das pedaladas, quase uma admissão de culpa. O aumento do desemprego coroou a queda final junto aos poderosos da economia.

Outros pecados são identificáveis: a gula da corrupção identificada pela Operação Lava Jato, a avareza ao se apegar a conceitos antigos em vez de tentar entender o recado das ruas nos protestos de 2013, a luxuriante propaganda eleitoral de 2014.

Por fim, o ex-aliado PMDB está em dois erros mortais. Primeiro, estabelecer uma relação de ira com Eduardo Cunha, o colérico e enrolado presidente da Câmara. Segundo, a inveja final de ver Michel Temer emergir da condição de "vice decorativo" para a de potencial herdeiro do reino petista.

A Presidente
A falta de tato político e o temperamento irascível de Dilma fazem parte do folclore de Brasília. Mas o que era quase anedótico virou centro de quase todas as reclamações de aliados, agora tornado inimigos. Além disso, práticas de governo acabaram contaminadas pelo mau humor da chefe, com subordinados agindo de forma burocrática por medo de broncas. A soberba nas relações com aqueles que deviam apoiá-la levou Dilma a um isolamento fatal, tendo de ser socorrida no último momento e sem eficácia certa por Lula

Economia
A falta de vontade de ler a realidade levou o governo a cometer erros fatais na condução da economia. Populismo, gestão falha na Petrobras e outros fatores levaram o país à maior recessão de sua história e a um cenário no qual inflação alta para os padrões pós-real e queda da atividade conviveram. Tudo encabeçado pelo desemprego em alta, enterrando o último ponto de venda do governo junto à população, em especial os estratos menos favorecidos. Com tudo isso, o apoio entre os poderosos do PIB esfarelou-se

Estelionato
A volúpia com a qual o Planalto se lançou à mentira pura e simples na campanha eleitoral de 2014 cobrou o preço. Como no caso da corrupção, não se trata de algo inédito na forma, mas sim na intensidade e sofisticação. Ao demonizar adversários ao extremo, a campanha de Dilma ajudou a lançar as bases para o radicalismo que se vê em manifestações contra o governo. O exemplo mais simples é o da economia: enquanto acusava tucanos de planejar um arrocho, o Planalto teve de adotá-lo –ainda que só nominalmente

Cegueira em 2013
Os protestos de junho de 2013 nunca foram lidos corretamente pelo poder estabelecido. A avareza, não só mas principalmente pela União, de se apegar às respostas tradicionais, como o lançamento de pacotes e a sugestão de reforma política nunca plenamente abraçada pelo governo, falhou em compreender o recado das ruas. Se o movimento refluiu depois que elementos radicais como os adeptos do black bloc provocaram distúrbios, a ojeriza da antipolítica estabeleceu-se como parte central das manifestações após 2014

Temer e PMDB
Enquanto tinha poder quase imperial, até junho de 2013, Dilma tratou o PMDB a pão e água. Seu vice acumulou rancores, explicitados na famosa carta de rompimento do fim de 2015, quando assumiu a alcunha de "decorativo". Líderes do partido foram maltratados, e depois da reeleição novos aliados foram adulados, como o PSD. Isso formou um caldo de vingança contra a presidente, de difícil deglutição neste momento. O resultado está aí, com Michel Temer articulando abertamente a sucessão da presidente

Eduardo Cunha
Dilma apostou tudo contra o peemedebista, com quem já vivia brigando. Lançou um candidato contra Cunha e perdeu a eleição na Câmara, estabelecendo as premissas para o período em que a Casa ditou o ritmo da aprovação de leis no Brasil pela primeira vez em décadas. Após ter sido alvejado pela Lava Jato, Cunha tornou-se ainda mais perigoso para o Planalto, já que comandou com obstinação movimentos para atrapalhar o governo e, agora, para guiar o processo de impeachment da presidente com a oposição a tiracolo

Corrupção
Se a corrupção é um fenômeno usual da história política brasileira, a magnitude relevada pela Operação Lava Jato a partir de 2014 supera qualquer registro até aqui. A gula foi insaciável. Isso manchou de vez a imagem já conspurcada do PT e do governo –ainda que aliados e até oposicionistas estejam na mira da ação, é o PT que tinha a chave do cofre durante os malfeitos desvendados. Para complicar a vida de Dilma, além de sua campanha estar sob investigação, a Lava Jato chegou também à figura de seu mentor, Lula

Protestos de 2013 marcaram fim de retórica triunfal do PT

Marcelo Coelho – Folha de S. Paulo

Como chegamos a esta crise? Adoto o sentido anti-horário, isto é, indo do fim para o começo. Uma das coisas que mais me chamam a atenção é a ruptura final do vice-presidente Michel Temer.

O governo já afundava, é claro, mas exatamente por isso já se colocava a hipótese de uma discreta "tomada de poder" pelo peemedebista, com Dilma honrosamente entronizada como uma espécie de rainha da Inglaterra.

Sem dúvida, a personalidade da presidente e as resistências do PT impediram esse projeto. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, era bem mais difícil de tourear. O Planalto confiou, talvez, que uma rápida cassação poderia neutralizá-lo antes de qualquer pedido de impeachment.

O ambiente, de qualquer modo, já era de profunda crise econômica, alimentada pelos pressupostos da campanha petista à reeleição, em 2014. Quem não se lembra do anúncio mostrando uma família à mesa, sem comida, criada por João Santana para identificar Marina com os interesses dos bancos?

Era a estratégia do medo, já que outros caminhos emocionais –a esperança ou a denúncia– estavam barrados para o PT. De bom grado, imagino, a campanha apostou naquilo que as teorias econômicas heterodoxas recomendam para situações de crise: mais gastos do governo.

Já temos o eleitorado do Bolsa Família, devem ter pensado. Boa parte da classe média já estava perdida desde o mensalão. A outra votaria no PT do mesmo jeito. Quanto ao empresariado, providenciaram-se isenções fiscais.

O esquema tinha lógica: os gastos públicos alimentavam as empreiteiras, e estas (legalmente ou não), a campanha do partido. Alimentava-se, ademais, a necessidade petista de conciliar-se com suas origens ideológicas, e de estigmatizar um adversário com o qual, em muitos aspectos, identificava-se mais e mais.

Tratava-se também da resposta possível ao terremoto das manifestações de junho de 2013. A quantidade de protestos pelo país inteiro, surgidos de repente, representava um enigma que se tentou resolver de várias maneiras.

Expressava-se, com certeza, grande insatisfação face aos serviços públicos –ironicamente, as esferas estaduais e municipais tinham igual ou maior responsabilidade nesse ponto, ainda mais nos grandes centros urbanos.

Expressava-se, entretanto, também uma crise de representação política –coisa que o governo petista tentou contornar numa proposta de reforma eleitoral ou constituinte exclusiva sobre a qual ninguém quis ou conseguiu se entender.

Em terceiro lugar, havia em junho de 2013 o esgotamento da retórica triunfalista dos "bons anos" –os do "nunca antes neste país". A Copa do Mundo, que seria o coroamento da era Lula, representou na verdade a elevação do nível das exigências populares –o "padrão Fifa".

Mais um aspecto: as condenações do mensalão mudaram a percepção de boa parte da sociedade a respeito de si mesma e de seu próprio poder. Começou a ser possível sonhar com um "país sério"; algumas coisas deixavam de ser admitidas automaticamente.

Este último fator traz consigo outro mistério: o papel do Ministério Público e da Polícia Federal. Como foi possível, se admitirmos que Lula e José Dirceu possuem um bocado de astúcia, que as coisas não tenham sido abafadas?

É que toda tentativa de abafamento pode ser combatida com informações vazadas à imprensa. Daí, aliás, o vezo de chamar a imprensa de "golpista", ao mesmo tempo em que se ostenta a "independência da PF" como um dos méritos do petismo.

Chego a imaginar uma teoria conspiratória: a de um "megavazamento" (sobre o caso Celso Daniel?) capaz de funcionar como carta na manga da polícia, a ser empregada sempre que (como agora) se tente controlá-la.

Voltando ainda mais no tempo, o mensalão foi sintoma das dificuldades do PT em se adaptar ao chamado "presidencialismo de coalizão". Uma base parlamentar fisiológica tinha de ser engolida pelos antigos puristas do partido. Corrompê-la no varejo, pagando a cada deputado, foi a tentativa de José Dirceu –e contra isso se insurgiu Roberto Jefferson, presidente do PTB, para quem a fisiologia tinha de passar por ele.

Indo ao fundo da coisa, a eleição de 2002 significava o "Lulinha Paz e Amor", capaz de organizar uma aliança com a direita (o partido de seu vice, José de Alencar) e com o que quer que fosse. O PT estava pronto para qualquer negócio –e demorou um bocado para ir à falência.

Tragédia e farsa - Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S. Paulo

Quando se escrever sobre estas últimas semanas com certo distanciamento, e não sob o signo de polarizações políticas simplórias, algum cientista social do futuro notará, talvez com divertimento, que o espectro de Karl Marx andou rondando o País. Não que estejamos à beira de revolução violenta ou prestes a enfrentar catástrofe de sinal oposto, rumo à contrarrevolução. O Marx que nos tem assediado, ao contrário, é o autor fulgurante do 18 Brumário, que narra, com indivíduos de carne e osso, a história do golpe de Luís Bonaparte, o sobrinho que, a seu ver, surgia como repetição banal do tio extraordinário.

Contudo a ideia de que os fatos se repetem, só que na segunda vez como farsa, não faz justiça nem às poucas páginas do prefácio. Pode-se também, por exemplo, evocar o passado para revestir novos acontecimentos igualmente grandiosos, como quando os revolucionários de 1789 evocaram as tradições da Roma republicana ou imperial para dar um sentido, ainda que ilusório, às próprias ações.

Nada simples o movimento da História. Cada um de nós, para não falar dos personagens diretamente envolvidos, se esforça para escapar da primeira interpretação da frase de Marx, a mais difundida e a mais desonrosa: compreensivelmente, ninguém se quer perder num enredo de farsa, como se a tragédia de agosto de 1954 ou a de 31 de março de 1964 agora devessem terminar, quem diria, num tríplex no Guarujá ou em outros episódios bisonhos. Antes de mais nada, aliás, é preciso respeitar o sofrimento social inerente a uma devastação econômica que, na voz dos especialistas, não tem paralelo nas crises da República, nem sequer em 1930. Só isso deveria dar o tom às ações de quem, daqui por diante, por um tempo maior ou menor, mas possivelmente até 2018, terá a responsabilidade principal de costurar respostas políticas concertadas ao terrível mal-estar da sociedade, ainda destinado a agravar-se até por inércia.

A política profissional não mais está só. Não como deus ex machina, pois, afinal, vieram para ficar de acordo com os comandos constitucionais, as instituições de controle e fiscalização, hoje notoriamente simbolizadas na Operação Lava Jato, têm sua referência histórica já garantida. A argúcia de Luiz Werneck Vianna identifica este conjunto de personagens com a puritana “revolução dos santos” e sua crença na supremacia da lei democraticamente estabelecida. Ou, se quisermos outra referência, caberá a eles pelo menos parte de certa “reforma intelectual e moral” que, no dizer de muitos, a sociedade brasileira não pode mais dispensar, sob o risco da anomia.

Distante, este moderno universo jurídico, daquele moralismo que se convencionou tachar, depreciativamente, de “udenismo”. De resto, contra essa depreciação, basta lembrar, em períodos próximos, a importância que teve a bandeira da “ética na política”, por algum tempo corporificada quase exclusivamente no PT. Aquele universo não tem por que estimular, salvo cegueira generalizada, a repulsa à política e a suas exigências próprias, contribuindo antes para evitar que essa atividade essencial seja bloqueada ou distorcida, o que ocorre quando partido, Estado e sistema de empresas públicas e privadas se articulam obscuramente e tendem a sufocar os mecanismos democráticos.

O petismo é um caso singularíssimo de “vaidade de partido”. Nasce para se contrapor a tudo e a todos, como se devesse corrigir a história de um país errado desde o começo. Como rezavam, e rezam, os dogmatismos seculares ou religiosos, fora do partido (ou da seita) nenhuma salvação possível. As lutas do pré-64 seriam expressão de indesejáveis alianças de classe. E as batalhas da redemocratização, que a princípio viram aquele partido cultivar inabalável “espírito de cisão”, eram avaliadas, no que tiveram de inevitável e bem-vinda assimilação de valores liberal-democráticos, como conciliação com a “democracia burguesa” – haja vista o espantoso voto contrário ao texto da Carta de 1988.

Por alguma torção inesperada, há já alguns anos o petismo tenta enfiar-se nas vestes do nacional-desenvolvimentismo, quer na versão democrática dos anos 1950, quer na versão geiseliana. A mágica parece ter funcionado na primeira década do século, quando as condições da economia-mundo propiciaram um êxito devido, provavelmente, mais à fortuna do que à virtude. Com efeito, o ex-presidente Lula, protagonista desse êxito relativo, está hoje visivelmente redimensionado como estadista ou como grande líder da esquerda mundial.

O figurino menos desajeitado é o que, numa boa hipótese, poderá caber a Michel Temer e ao PMDB. O impeachment de Collor pegou um País igualmente arruinado, sem falar que não era nada trivial impedir o primeiro presidente da redemocratização eleito por via direta. Como é corrente apontar, Collor era umoutsider e não tinha atrás de si um partido estruturado. O “centro político”, sob fogo à direita (o próprio Collor) e à esquerda (a missão de que se encarregava o PT), reconstituiu-se sob o presidente Itamar Franco: basta pensar no Plano Real, com o tucano Fernando Henrique Cardoso, ou nas articulações congressuais, com o pós-comunista Roberto Freire. Um centro, portanto, que se abria à esquerda democrática e, além da estabilização, tratava de pôr em prática vários dispositivos progressistas imaginados pelo constituinte.

Ninguém ignora o estado andrajoso dos partidos e da política, bem como a natureza particular dos desafios de agora. O passado vale até certo ponto: configura as tais circunstâncias que, para o prefaciador do 18 Brumário, não escolhemos. Fazer a grande política é a tarefa que há de encontrar seus personagens, sempre sob a plena vigência da ordem democrática. Só esta permite expressar e conciliar conflitos, para além de palavras e gestos extremos que tanto dano nos têm causado. Sem isso, a ruína será nossa vala comum.

--------------------------
Luiz Sérgio Henriques tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

O tempo passou na janela - Fernando Gabeira

- O Globo

Quem vier a assumir o poder já entra devendo. Estou em Brasília. É o segundo impeachment que presencio. Conheço a coreografia, embora, com o passar dos anos, ela tenha se tornado mais visual, mais voltada para as TVs, como os desfiles de escolas de samba. Vou documentar fantasias e adereços, mas no universo das coisas existe um personagem ao qual vou me dedicar: os smartphones. Há um exército de 170 milhões de smartphones no país, e quem viaja pelo interior vê sua capilaridade. Foi uma espécie de introdução das massas a um novo tempo movido pela busca da transparência.

O projeto do PT e da esquerda bolivariana era reproduzir uma visão do século passado, adaptá-la com a etiqueta de socialismo do século XXI, usando o caminho eleitoral e a conquista progressiva das instituições. Sem se dar conta, estava sendo engolfado por outro tipo de revolução em que os novos instrumentos tornam possível uma grande demanda internacional: transparência.

Em certos momentos, o PT rendeu-se a essa corrente: ampliou a autonomia da Polícia Federal, fez uma lei de acesso às informações. Mas ainda assim subestimou a luta pela transparência como se fosse apenas mais uma ideia entre outras. Ignorou suas bases materiais, sua irresistível dinâmica.

Essa miopia levou o PT à sua mais crucial contradição: armar o maior esquema de corrupção da História, no momento em que a sociedade e as instituições estão mais bem posicionadas para impor um alto grau de transparência.

Isso é um movimento que transcende o Brasil. As coisas toleradas no passado deixaram de o ser no presente. Dilma não entendeu isto. Nem o PT. Eles sempre dizem: no passado foi assim, se forem nos punir, têm de punir os outros.

Existe um momento em que as coisas que sempre foram assim simplesmente deixam de ser. Lembrar isso não é impulso de velho reacionário. Assim como não era lutar pela quebra do monopólio estatal das telecomunicações. O PT e a esquerda em sua órbita foram contra, mas não imaginam que surgiria dali a base material que iria contribuir para sua desgraça.

O PT perdeu o bonde da transparência, um tipo de luta que conta não só princípios, mas sólida e estrutura tecnológica, ao contrário da revolução bolivariana com benesses impagáveis. Diante desse novo universo onde tudo se compartilha, tudo se fotografa, tudo se investiga, a escolha política era dar as mãos à transparência e transformá-la numa poderosa aliada do governo, pois ela traz consigo uma outra bênção: a credibilidade.

O PT entendeu esse novo universo como um espaço onde poderia desenvolver sua guerrilha, esconder seus crimes, combater os adversários, ironizar os velhos reacionários adeptos da frase de outro velho, Lord Keynes: quando os fatos mudam, mudo de opinião — o senhor, o que faz? Muito em breve saberemos mais completamente o que se passou no Brasil. Talvez algumas pessoas não esperam apenas os fatos, mas uma avalanche de fatos para mudar de opinião.

Ao contrário do impeachment de Collor, o de hoje representa um trabalho que veio da sociedade e foi apenas secundado pelo sistema político. Quem assumir o poder já entra devendo. É um partido que foi sócio de um projeto criminoso. Se refletir sobre a desgraça do PT, não tentará novos assaltos, porque serão descobertos, não tentará interferir em instituições autônomas pois, ao lado da sociedade, elas não permitirão. Com os atuais meios de controle, é impossível a sobrevivência de um governo corrupto. Os novos governantes precisam refletir sobre isso.

O vídeo de Temer não toca nesse detalhe que mobiliza milhões de pessoas. Não podia esquecer. Nem vazar vídeos por engano. A espionagem internacional tem um enorme aparato para grampear presidentes. Dispensa colaboração espontânea.

Se hoje à noite estiverem comemorando a chegada do governo, não se esqueçam: a presença de Eduardo Cunha é intolerável. Não se erguem muros para discutir sua queda. É uma ponte simbólica entre a maioria e minoria no Brasil. É o nosso carnaval da quarta feira.