sábado, 17 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Sempre dizem que a política é a arte do possível. Não. Política é a arte de tornar possível o necessário, o desejável. Se não você não muda, é conservadorismo puro. Você tem que construir essa possibilidade. Não é qualquer coisa que é possível.

Você tem que ter essa capacidade de construir os mecanismos que levem você à possibilidade de se aproximar de seu ideal. Não acredito que exista uma política forte sem alguma utopia. Recentemente, o (historiador inglês) Tony Judt deu uma entrevista dizendo: "Olha, o problema fundamental para o futuro é saber quais são nossos valores. Porque a economia vai andar sozinha". As economias são muito fortes. De vez em quando um país dá uma trombada, entra numa crise e tal, depois se recupera. É preciso voltar à questão clássica grega: qual é a boa sociedade? É uma questão de valores. O que queremos fazer na sociedade? Isso justamente implica alargar o limite do possível. Não é voluntarismo, basta querer que acontece.

Quando dizem "falta vontade política" me dá um arrepio. (É como se dissessem) "a culpa é dele, está lá em cima e não faz". Como se a vontade fosse o decisivo na história. Ela não é decisiva! Tem que ter alguma vontade e ser competente para tornar possível seu ideal. Acho que estamos muito viciados no economicismo do pensamento. Pensamos tudo em termos do que é possível na economia.

A gente só se preocupa com "cresceu o PIB". Eu vou repetir o que disse há poucos dias a um repórter americano do Miami Herald. Ele me perguntou: "O senhor acha que o Brasil vai ser mesmo a quinta potência do mundo?" Eu disse: "Pode ser, mas o que você chama de potência? Produto interno bruto? Então talvez seja". Mas não é essa a pergunta correta. Tem que perguntar: "O senhor acha que o Brasil vai ser uma sociedade mais decente, mais digna, mais solidária, mais coesa, melhor para o seu povo, com mais igualdade?" Aí eu tenho dúvidas.

Do ponto de vista econômico o Brasil vai continuar crescendo. Haverá seus ciclos, depende um pouco do governo, mas não só dele, depende de conjuntura... Mas nós já temos nos motores da nossa economia máquinas muito poderosas. Vamos levantar voo. O resto eu tenho muita dúvida. O possível para mim é você deslocar dessa fixação meramente economicista para um pensamento de valores.

Como é que vamos ter realmente uma sociedade decente? Como vamos fazer para dar uma educação que permita ao Brasil avançar mais?


(Fernando Henrique Cardoso, no debate caderno Aliás - Reflexões de um presidente acidental )

Serra mantém dianteira sobre Dilma



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Datafolha mostra Marina à frente de Ciro pela 1ª vez, mas diferença entre os 2 está dentro da margem de erro

Pesquisa Datafolha realizada nos dias 15 e 16 mostrou José Serra (PSDB) com 38% das intenções de voto entre 28% de Dilma Rousseff (PT). É a primeira enquete após o lançamento da candidatura tucana, no sábado passado. No fim de março, Serra e Dilma tinham, respectivamente, 36% e 27%. A oscilação está dentro da margem de erro, de dois pontos percentuais.

Pela primeira vez Ciro Gomes (PSB) aparece numericamente atrás de Marina Silva (PV), embora do ponto de vista estatístico ambos estejam empatados.

Quando Ciro Gomes não figura no quadro de candidatos – há ainda dúvidas se o PSB vai lançá-lo oficialmente-, a diferença entre Serra e Dilma se alarga um pouco. O tucano fica com 42% ante 30% da petista. Marina Silva vai a 12%.

A avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva continuou a melhor entre os presidentes eleitos pelo voto direto, apesar de ter oscilado negativamente: 73% acham a administração do petista ótima ou boa; na pesquisa anterior, eram 76%.

Após lançamento de tucano, Serra tem 38% e Dilma, 28%

Marina fica com 10% e pela primeira vez passa numericamente Ciro, com 9%

Tucano é maior beneficiado por uma eventual saída do pré-candidato do PSB da disputa; no 2º turno, Serra bate Dilma por 50% a 40%

Fernando Rodrigues
Da sucursal de Brasília

A corrida presidencial teve pouca oscilação apesar do lançamento oficial da pré-candidatura de José Serra em grande festa do PSDB no último dia 10. Segundo pesquisa Datafolha realizada nos dias 15 e 16, José Serra (PSDB) registrou 38% das intenções de voto contra 28% de Dilma Rousseff (PT).

No final de março, Serra tinha 36% e Dilma marcava 27% no Datafolha. A vantagem do tucano era de nove pontos. Agora, é de dez pontos. Do ponto de vista estatístico, o quadro não sofreu alteração -a margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Nesse mesmo cenário, Marina Silva (PV) teve 10% das intenções de voto. É seguida por Ciro Gomes (PSB), com 9%. Em março, Marina tinha 8%. Ciro estava com 11%. Essas oscilações estão também dentro da margem de erro.

Segundo o Datafolha, 7% dos entrevistados respondem que votarão em branco, nulo ou em nenhum. Outros 8% dizem ainda estar indecisos.

Quando Ciro Gomes é retirado do quadro de candidatos -há ainda dúvidas se o PSB vai lançá-lo oficialmente-, a diferença entre Serra e Dilma alarga-se um pouco. O tucano fica com 42% contra 30% da petista -uma distância de 12 pontos.

Ou seja, Serra "herda" quatro pontos de Ciro. Já Dilma fica com dois pontos a mais sem o candidato do PSB no páreo. Marina Silva vai a 12% (ganho de dois pontos). Nesse cenário, há 8% de indecisos e também 8% dizendo votar em branco, nulo ou em nenhum.

O Datafolha realizou esta pesquisa agora porque também havia feito um levantamento em 24 e 25 de fevereiro, cinco dias após o lançamento oficial da candidatura da petista Dilma Rousseff. Agora, a coleta dos dados se dá também cinco dias após a festa do PSDB para José Serra se lançar na disputa.

Tendências

Embora os números do levantamento do Datafolha sejam semelhantes aos do final de março, é possível identificar tendências ao observar as curvas a partir de dezembro.

Nota-se que Serra voltou a estacionar no seu patamar do final de 2009, quando registrava 37%. Dilma também mostra uma taxa consistente em 2010, sempre de 27% ou de 28%.Outra curva que aparece clara é a da queda gradual de Ciro. Ele tinha 13% em dezembro.

Oscilou para 12% em fevereiro. Foi a 11% em março. E, agora, num período de três semanas, bateu em 9%.

Pela primeira vez, Ciro Gomes fica numericamente atrás de Marina Silva, embora do ponto de vista estatístico ambos estejam empatados.

Segundo turno

Numa simulação de segundo turno, Serra tem 50% e Dilma fica com 40%. No final de março, os percentuais eram 48% e 39%. A variação se deu, portanto, dentro da margem de erro.

O Datafolha testou também um eventual segundo turno entre Dilma e Ciro. A petista marcou 47% contra 36% do deputado do PSB.

Espontânea e nanicos

Ao questionar os eleitores sem mostrar os nomes dos candidatos, o Datafolha registrou agora um empate: Dilma tem 13% e Serra aparece com 12%. No mês passado, a petista tinha 12% e o tucano estava com 8%. Os dois concorrentes apresentam curvas ascendentes.

Pela segunda vez o Datafolha testou os candidatos de partidos pequenos. Apenas no cenário em que não aparece Ciro, dois nanicos pontuam 1% cada: Mário de Oliveira (PT do B) e Zé Maria (PSTU). Nessa hipótese, Serra tem 40%, Dilma fica com 29% e Marina registra 11%.

Jogo aberto:: Fernando De Barros e Silva



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Uma semana depois do lançamento da candidatura de José Serra à Presidência, pouca coisa se altera no quadro da sucessão de Lula, como revela o Datafolha.A diferença em relação a Dilma Rousseff (PT), que era de 9 pontos (36 a 27) a favor do tucano no levantamento anterior, feito há 20 dias, agora é de dez pontos (38 a 28), uma oscilação na margem de erro.

Com exceção da pesquisa realizada no final de fevereiro, quando Serra caiu para 32% e ficou apenas 4 pontos à frente de Dilma, que havia subido, o tucano se mantém no mesmo patamar de votos desde dezembro. É provável que sua queda estivesse relacionada ao desgaste decorrente das enchentes de verão.

Equivocou-se, no entanto, quem apostou que a exposição do candidato na TV no último fim de semana pudesse se traduzir logo em mais votos no ninho. É fato que Serra encorpou politicamente ao receber o apoio enfático de Aécio Neves numa festa, de resto, mais animada do que os tucanos costumam ser capazes de fazer. Mas, por ora, só isso.Embora sutis, as movimentações mais significativas do quadro eleitoral dizem respeito a Ciro Gomes e a Marina Silva. Pela primeira vez, a senadora do PV ultrapassa numericamente o deputado do PSB (10 a 9). Estão tecnicamente empatados, mas a trajetória de Ciro, que tinha 13% em janeiro, é de queda.

O resultado talvez represente a pá de cal nas suas pretensões de sustentar a candidatura, contra a pressão intensa de Lula e o corpo mole de seu próprio partido. Mas também é verdade que, sem Ciro na cédula, a distância entre Serra e Dilma aumenta de 10 para 12 pontos.

Existe, por isso, gente dentro do PT que, apesar de não ousar desafiar Lula em público, defende a manutenção de Ciro na corrida. Seria um instrumento para atazanar os tucanos e uma espécie de "segurança" de que haverá segundo turno.

A definição a esse respeito será, provavelmente, a próxima notícia relevante da sucessão. É chato mastigar o óbvio, mas hoje o jogo parece, mais do que nunca, aberto.

Pinta de primeiro turno?:: Fernando Rodrigues



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A pesquisa Datafolha realizada nos dias 15 e 16 deste mês traz José Serra com 38% e Dilma Rousseff com 28%. No segundo pelotão, Marina Silva surge com 10% e Ciro Gomes registra 9%.

O dado mais relevante é que a diferença entre o tucano Serra e a petista Dilma é de dez pontos percentuais. No levantamento anterior, do final de março, era de nove pontos. Ou seja, a variação ficou estritamente circunscrita à margem de erro, que é de dois pontos -para mais ou para menos.

Desde o último levantamento do Datafolha, houve um evento com grande exposição na mídia. O PSDB fez uma megafesta no dia 10 deste mês para lançar oficialmente o nome de Serra ao Planalto.

Apesar da presença forte no noticiário, o tucano se manteve mais ou menos onde estava. Trata-se de uma notícia positiva para os lulistas. Dilma também se segurou no mesmo patamar de intenção de votos. E pode até argumentar que em fevereiro, depois de ter sido lançada oficialmente como pré-candidata, aproveitou para se consolidar acima dos 25% nas pesquisas.

Além da estabilidade de Serra e de Dilma, o Datafolha também confirma uma tendência: Ciro Gomes, do PSB, está em fase de desidratação. Tinha 13% em dezembro e foi oscilando para baixo até os 9% atuais. Pela primeira vez, ficou numericamente atrás de Marina Silva, do PV, embora do ponto de vista estatístico eles estejam empatados.

Sob inspiração de Lula, o PSB parece mesmo disposto a rifar a candidatura de Ciro. A se confirmar esse cenário, o quadro sucessório ficará restrito a Serra e Dilma polarizados na frente, Marina como uma terceira via isolada e uma porção de nanicos atrás.

A não ser que os nanicos e Marina Silva ganhem músculos eleitorais, a tese da polarização entre PSDB e PT se consolida rapidamente. Cresce a chance, portanto, de uma decisão no primeiro turno.

O ônus da aposta::Dora Kramer


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se de algum erro de cálculo talvez se arrependa o deputado Ciro Gomes atualmente é o de ter atrelado seu projeto de vida política ao presidente Luiz Inácio da Silva sem considerar a hipótese da inexistência de reciprocidade.

Pois bem. Hoje Ciro equilibra-se entre uma ala de seu partido que teme se descolar da proteção do guarda-chuva da aliança com a candidatura governista de Dilma Rousseff e outra que compartilha com ele o entendimento de que caminhar com as próprias pernas a bordo de 10%, 12% do eleitorado nacional é melhor que entrar numa coalizão em posição subalterna.

Nesse último grupo há também a visão de que a fragilidade da candidata não faz do naufrágio uma impossibilidade e, portanto, urge a necessidade de o PSB dispor de um plano B.

Por mais que argumente, Ciro ainda não conseguiu vencer os mais resistentes embora tenha sido convincente o bastante para resistir à pressão do grupo de petistas que se enerva com suas críticas ao PT e com uma atitude amena em relação ao candidato do PSDB, seu inimigo histórico.

Ciro pondera, mas não convence os interlocutores, de que com isso na realidade contribui para conter o crescimento de José Serra nas pesquisas, pois o eleitorado dele tende a apoiar o tucano caso saia da disputa.

De Lula diretamente até agora não recebeu pedido algum para retirar a candidatura. Tampouco ouviu palavra de incentivo. Com o presidente do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sim, discutiu mais de uma vez o assunto.

Campos ora tende a avaliar que seria melhor a retirada, ora admite que existem vantagens partidárias na manutenção da candidatura. Mas em hipótese alguma pretende pôr em risco sua reeleição entrando em atrito com o presidente, cuja popularidade em Pernambuco é estratosférica.

Há duas semanas Ciro Gomes fez um acordo com a cúpula do PSB, cujo prazo venceu na quinta-feira, quando voltou a se manifestar em artigo, cobrando duramente uma manifestação do partido.

Pelo combinado, passaria 15 dias em silêncio para testar o efeito que isso teria em relação à relevância do PSB junto ao PT. A ideia seria "provar" a tese de que a posição de aliado pacífico, sem voz, tenderia a desvalorizar o PSB. E, nesse aspecto, Ciro comprovou que não estava errado.

Sumiu do noticiário. De uma hora para outra não era mais incluído no rol de candidatos em artigos e reportagens sobre eleições e a montagem das estruturas de campanha.

No artigo de anteontem, Ciro indica falta de condições de diálogo com o partido, tal o tom da cobrança: "O que é o PSB, um ajuntamento como tantos outros ou a expressão de um pensar audacioso e idealista sobre o Brasil?"

O silêncio do presidente do partido, Eduardo Campos, parece responder por si.

E Ciro Gomes, que no artigo reafirma a candidatura a presidente, salvo ilusão de ótica, parece candidato de si mesmo.

Delonga. A publicação do acórdão do STF da sentença de extradição do italiano Cesare Battisti não significa que Luiz Inácio da Silva será o presidente da República a dar a palavra final sobre a questão.

O presidente tem 40 dias para se pronunciar após a publicação do acórdão. Mas, antes disso as partes têm 5 dias para apresentar embargos pedindo esclarecimentos.

Como o tribunal não tem prazo para se manifestar sobre os embargos, não se sabe a partir de quando começam a contar os 40 dias e, portanto, se a data fatal alcançará Lula ainda no cargo.

Modelagem. O ministro Gilmar Mendes deixará a presidência do Supremo Tribunal Federal sem votar, como era seu desejo, o pedido de intervenção federal em Brasília, feito pela Procuradoria-Geral da República.

É que faltou explicar como seria o modelo da intervenção na Câmara Distrital. Seriam substituídos todos os deputados, só a Mesa diretora, quem assumiria no lugar? O STF pediu esclarecimentos à procuradoria e, como Gilmar Mendes deixa a presidência na próxima sexta-feira, não haverá tempo para votar antes disso.

Alceu Valença - Morena Tropicana - Rock in Rio 1985

Os abusos de poder de Lula::José Álvaro Moisés



DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Existe relação entre a posição do governo quanto aos perseguidos políticos de Cuba, os desrespeitos do presidente à legislação na campanha eleitoral e a irresponsabilidade com que ele e outras autoridades públicas reagiram às catástrofes e mais de 250 mortes no Rio de Janeiro e em Niterói?

Nas últimas duas décadas o Brasil reconquistou o regime democrático. Não está em questão se a democracia existe, mas a sua qualidade. Os escândalos de corrupção, as tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa e o discutível desempenho do Congresso Nacional mostram que a consolidação da democracia não depende apenas de votar e escolher governos.

A democracia é mais do que isso. Ela se baseia na soberania popular para ser efetiva e depende de que as instituições que previnem o abuso de poder e asseguram o equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário funcionem a contento, sem sofrer ameaças veladas ou não de governantes ou de seus competidores. Não basta ter uma Constituição para garantir o império da lei, a vigência de direitos individuais e sociais e a obrigação dos governantes de prestar contas de suas ações e se responsabilizarem por elas.

O papel dos líderes que se dizem democratas é essencial, pois eles não são apenas mandatários de cargos administrativos, têm de dar o exemplo de correção e probidade no trato dos interesses públicos e, diante das incertezas próprias da democracia, têm o dever de orientar e educar os cidadãos para respeitarem a lei e as decisões coletivas, conviver com o pluralismo político e aceitar que, além da maioria, as minorias também têm direitos - princípios que distinguem o regime democrático de suas alternativas.

Atualmente, essas qualidades de liderança estão em falta no Brasil. A despeito de seus méritos, como manter a estabilidade econômica e ampliar as políticas sociais de seu antecessor, Lula virou as costas para valores democráticos fundamentais, revelando ao final de dois mandatos outros aspectos de sua personalidade política. Supõe às vezes estar acima da lei, burla o princípio de igualdade política e mistifica a crença dos eleitores de baixa renda, condenados a baixos níveis de educação, por isso mesmo menos críticos diante de quem usa o prestígio da Presidência para fazer crer que é o único autor dos avanços recentes do País.

No caso de Cuba, em vez de reconhecerem a opressão aos perseguidos políticos do regime e a ofensa a direitos assegurados pela Carta da ONU, Lula e os seus se solidarizaram com os dirigentes cubanos que arbitram autoritariamente sobre a vida dos perseguidos do regime, debochando do sentido político da greve de fome como forma de protesto. Lula desqualificou a sua própria experiência na luta contra o regime militar e igualou essa luta à ação de criminosos comuns; ofendeu milhares de perseguidos e torturados no mundo inteiro e gente de seu governo que sofreu perseguição no passado. O silêncio ou a abstenção do governo brasileiro em votações na ONU destinadas a condenar o desrespeito aos direitos humanos na Coreia do Norte, no Irã, no Sudão, no Congo e no Sri Lanka, ou a tolerância à destruição da democracia na Venezuela de Chávez, iluminam outros lados do quadro.

Nesses casos, Lula deixou de lado a posição majoritária dos brasileiros a favor da democracia verificada em pesquisas de opinião. Na campanha por sua candidata à Presidência, em flagrante desrespeito às leis eleitorais, tem se utilizado dos benefícios do cargo há mais de dois anos para fraudar o princípio de igualdade política. Multado pela Justiça Eleitoral, desqualificou as penalidades, convidou o público a debochar das regras e deu a entender que, diferente dos outros cidadãos, despreza as exigências da legislação. A repercussão negativa o levou a pedir cuidado aos ministros, conclamando-os a serem republicanos. Mas o embuste é flagrante - senão a ignorância de Lula quanto ao significado do conceito de res-pública -,pois antes e depois da advertência não se controlou em eventos e inaugurações oficiais, publicizando a sua candidata.

A indiferença de Lula diante dos mecanismos de controle dos Poderes republicanos é evidente. Seu governo desconhece o conceito de accountability, como ficou evidente no caso do mensalão e dos desmandos de José Sarney. Mais dramática ainda foi sua atitude diante das catástrofes no Rio de Janeiro e em Niterói. Primeiro, apelou aos céus diante das chuvas; depois, anunciou a liberação de R$ 200 milhões para ações de emergência e, finalmente, quando veio a público o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrando que o Ministério da Integração Nacional liberou, em dois anos, mais de 64% de recursos para emergências à Bahia do ex-ministro Geddel Vieira Lima, e menos de 1% para o Rio de Janeiro, Lula chamou o relatório de "leviano".

Não é a primeira vez que ele desqualifica as decisões do TCU. Em mais de uma ocasião, quando gastos indevidos foram identificados pelo tribunal, o presidente se comportou como se não tivesse obrigação de dar explicações ao País. Até agora, nem ele nem seu ex-ministro apresentaram os critérios usados na distribuição dos recursos emergenciais. Ademais, em oito anos de governo, Lula parece não se ter dado conta de que ocupações urbanas de risco não se resolvem com medidas de emergência. Mas, ao qualificar de "levianas" as críticas do tribunal, deu razão a autoridades como o prefeito de Niterói, que, após vários mandatos à frente da cidade, confessou desconhecer os laudos técnicos que condenaram a urbanização do lixão do Morro do Bumba. Lula abusa do poder, rebaixa a qualidade da democracia e, pior, estimula outras autoridades a fazerem o mesmo.

É professor de Ciência Política e diretor do núcleo de pesquisa de políticas públicas da Universidade de São Paulo

Contornos do Estado


DEU EM O GLOBO

Forte, indutor, regulador. O Estado é protagonista dos discursos de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), nos quais sobram superlativos e o adjetivo “mínimo” é evitado.
Serra se lançou pré-candidato à Presidência defendendo o “ativismo governamental”.

Dilma ecoa Lula na defesa de um Estado “indutor”, escorada na popularidade de programas como o PAC e o Bolsa Família. Que ideia de Estado surgirá nos debates e sairá das urnas?

A intervenção estatal é tradição que formou nossa cultura política, diz a historiadora Ângela de Castro Gomes.

Para a cientista política Maria Celina D’Araújo, o debate sobre tamanho e funções do Estado está no centro da campanha, para a qual Marina Silva (PV) acena com outras questões.

Interlocutores próximos aos candidatos deixam claro que as diferenças vão além dos bordões.

ENTREVISTA Ângela de Castro Gomes::País onde a intervenção é tradição



DEU EM O GLOBO

Presença estatal na economia e nas relações sociais moldou a cultura política dos brasileiros, diz historiadora

Uma das mais importantes pesquisadoras de questões ligadas à legislação trabalhista no Brasil, a historiadora Ângela de Castro Gomes diz que a própria concepção de cidadania e de Estado do brasileiro é formada a partir de uma experiência de intervenção estatal na atividade econômica e na vida social. A regulação das relações de trabalho é um dos eixos dessa atuação, afirma. Professora titular da UFF e coordenadora da pós-graduação em História, Política e Bens Culturais do CPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getulio Vargas), ela conversou com O GLOBO sobre a história da definição das atribuições do Estado no Brasil.


Miguel Conde

O GLOBO: Declarações de Dilma Rousseff e José Serra sugerem que a discussão sobre o tamanho e atribuições do Estado será recorrente na campanha presidencial. Num artigo recente, o historiador Daniel Aarão Reis propôs um enfoque mais amplo para essa questão, constatando o retorno na América Latina de uma tradição nacional-estatista, que parecia abandonada em favor de um ideário mais liberal. Que tradição é essa?

ÂNGELA DE CASTRO GOMES: Não há exatamente uma tradição política nomeada como nacionalestatismo, mas essa noção pode ser usada para designar uma tradição de intervenção do Estado em certos assuntos, econômicos e sociais, nos quais o Estado de finais do século XIX e início do século XX não atuava. Embora o Estado liberal tampouco fosse um Estado ausente, como às vezes se diz, ele tinha restrições que são revistas a partir da crise de 1929 e da Segunda Guerra. A partir daí se constroi um outro paradigma de ação do Estado, atuante em assuntos até então não tocados. O exemplo mais clássico é o da regulação do mercado de trabalho, com as leis ditas trabalhistas. Mas nem todos Estados que aumentam seu grau de intervenção aumentam da mesma maneira. No caso do Brasil, o trabalho é uma área prioritária na construção dessa tradição política.O nosso Estado intervencionista é um Estado que atua na área do mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, não.

Quais são os modelos principais entre os vários diferentes dentro dessa linhagem?

ÂNGELA: Nos Estados Unidos, a quebra da bolsa de valores em 1929 desencadeia um intervencionismo mais econômico, keynesiano, em que o Estado faz grandes empreendimentos e cria empregos. Por outro lado, após a Segunda Guerra surge na Europa o Estado de bem-estar social, onde há patamares mínimos em relação à saúde, educação, previdência. O Brasil caminha nos dois sentidos. A intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais marca nossa concepção de cidadania.

Existe alguma relação necessária entre autoritarismo e estatismo?

ÂNGELA: Todo tipo de liderança se apropriou dessa tradição. Em Getúlio Vargas, que é um marco inicial, essas coisas caminham muito perto uma da outra. Já o governo JK não tem um projeto autoritário, embora trabalhe com essa tradição nacional-estatista, se apropriando dela e adequandoa às questões que estavam sendo eleitas politicamente como decisivas naquele momento. No regime militar também há um Estado intervencionista, mas em outro modelo, e sem o elemento carismático de Getúlio ou Juscelino.

De que maneira o estatismo se liga à nossa concepção de cidadania, como a senhora disse?

ÂNGELA: Existe uma noção dos deveres do Estado que é informada por essa tradição.
Isso começa já nos períodos de 1930 e 1940, com o estabelecimento dos direitos do trabalho, o que gera por exemplo na década de 1950 mobilizações de trabalhadores rurais que também querem ser contemplados por essa regulação. Mais recentemente, por exemplo, tivemos problemas com as chuvas. Os cidadãos brasileiros em nenhum momento duvidam que o Estado tem obrigação de atuar nesses casos. Isso que parece para a gente natural não é natural em outras culturas políticas. O exemplo americano quando do furacão Katrina mostrou isso. Se houvesse uma tragédia daquelas proporções no Brasil, seria inconcebível que o nosso governo federal reagisse como o governo americano reagiu.

É comum ouvir que a intervenção do Estado muitas vezes cria relações de dependência, mas a senhora destaca uma outra consequência, que é uma tradição de cobrança.

ÂNGELA: Essa forma de analisar a intervenção estatal é muito capenga e às vezes até maldosa. Não compartilho da ideia de que a população brasileira seja não participativa e não solidária . A nossa população é participativa politicamente, aprendeu a ser assim.

Até que ponto, em sua opinião, o governo Fernando Henrique Cardoso pôs em questão essa tradição? Houve uma mudança mais econômica, com as privatizações de empresas, ou também em outros setores?

ÂNGELA: Houve um questionamento amplo desse modelo. No fim do governo Fernando Henrique havia uma proposta que havia sido votada já, mas não tramitou até o fim, que significaria uma diminuição muito grande de direitos do trabalho, pois valeria mais o contratado do que o legislado. E isso teria impactos muito grandes num certo patamar mínimo de direitos do trabalho.

Mas durante o governo FH também houve criação e ampliação de programas de amparo social. Haveria iniciativas contraditórias do ponto de vista dessa tradição?

ÂNGELA: Claro. O Estado é composto por elites e grupos políticos que muitas vezes defendem políticas conflitantes. As iniciativas nem sempre combinam umas com as outras.

E hoje há um retorno a um modelo anterior de Estado?

ÂNGELA: A primeira década do século XXI, sobretudo o final da década, pôs em questão postulados de que o Estado não deveria atuar em certas áreas, mas não acho que se tenha voltado a um modelo de décadas atrás. Se na década de 1930 e 1940 se imaginava, sobretudo em países do tipo do Brasil, que o Estado devesse ter uma pauta de ação de X itens, hoje é muito mais discutível o tamanho desse X. E além disso mudou a percepção das formas como o Estado pode intervir. Hoje concorda-se que muita coisa pode ser feita em parceria com a sociedade, tanto com empresas privadas quanto com outro tipo de associação. Há ONGs péssimas e outras muito boas que fazem coisas ótimas, e o Estado pode ser parceiro delas também. Isso abre as possibilidades para você imaginar a atuação do Estado.

O que um programa como o Bolsa Família cria de expectativas do cidadão na sua relação com o Estado?

ÂNGELA: De modo geral, cada vez mais determinado tipo de ausência do Estado é entendida como intolerável na nossa democracia. No caso do Bolsa Família, há uma crítica de que seria uma política mais paliativa do que transformadora. Além disso, é certo que os níveis de desvio de dinheiro, para não falar de corrupção explícita, são coisas muito graves.Mas é bom lembrar que há uma continuidade. O Bolsa Família surge do Bolsa Escola, implantado antes de o PT chegar ao poder. Projetos como esse se tornam tão importantes que os partidos podem até mudá-los, mas não simplesmente acabar com eles. E o que se vê é que em função de iniciativas como essa é que temos hoje um número muito maior de crianças na escola. Ainda temos trabalho infantil, mas certamente com programas como esse é mais fácil você convencer uma família muito pobre de que o filho dela tem que ir para a escola em vez de trabalhar. A família pode se acomodar, é verdade, mas muitas famílias não colocariam seus filhos na escola se não fosse por aquele rendimento. Essas políticas são muitas vezes ambivalentes.

ENTREVISTA Maria Celina D’Araújo::Entre o 'indutor' e o 'regulador'



DEU EM O GLOBO

Cientista política aponta diferenças e semelhanças entre os modelos de Estado propostos por Dilma e Serra

Autora de mais de 20 obras sobre governantes brasileiros, de Getúlio Vargas a Lula, a cientista política Maria Celina D’Araújo, professora da PUC-Rio, acredita que esta eleição coloca “de forma definitiva” a questão do tamanho e das funções do Estado. Segundo ela, enquanto Dilma Rousseff segue o modelo de Estado “indutor” adotado por Lula, com um viés desenvolvimentista que remete à Era Vargas, José Serra propõe uma articulação entre Estado, mercado e sociedade que valoriza agências reguladoras criadas por Fernando Henrique Cardoso. Já a candidatura de Marina Silva, avalia Maria Celina, debate o futuro do país não a partir de ideologias de Estado, mas de temas como meio ambiente e sustentabilidade.

Guilherme Freitas

O GLOBO: No atual estágio da campanha, é possível dizer se o papel do Estado será um tema central no debate eleitoral?

MARIA CELINA D‘ARAÚJO: Já está sendo. A campanha já trouxe para a agenda política nacional a questão do tamanho do Estado e das funções do Estado. Este debate ficou nas entrelinhas nos últimos 15 anos, quando se deu mais na forma de uma troca de acusações entre governo e oposição. Agora volta como uma questão doutrinária, colocada de forma definitiva: qual é o papel do Estado? Qual deve ser o tamanho do estado? Quais são as funções do Estado? Isso fica claro na retomada que a campanha de Dilma faz da questão do Estado desenvolvimentista, um Estado que dirige a economia, planeja e faz investimentos diretos. Esse é o modelo econômico da Era Vargas, que a campanha dela tem trazido para o debate como uma necessidade. Esse modelo da Era Vargas — o modelo econômico, não o político — se esgotou na década de 1980, com a crise fiscal. Um Estado desenvolvimentista significa um Estado com capacidade de investir, e desde os anos 1980 o Estado brasileiro investe muito pouco.

O aceno de Dilma em direção a um Estado desenvolvimentista seria questão de retórica?

MARIA CELINA: Sim. Mesmo no governo Lula, embora ele tenha feito uma defesa do Estado desenvolvimentista e criado várias estatais, as intervenções na dinâmica da economia foram pouco expressivas. Essa dinâmica está dada desde o governo Fernando Henrique por um modelo que não é estatizante. Desde os anos 1980, o Brasil vem abandonando um modelo estatizante, um modelo de mercado com alguma regulação, e isso não foi mudado no governo Lula. A taxa de investimento do Estado hoje é muito baixa, porque ele não tem dinheiro para fazer grandes investimentos. Veja o caso da usina de Belo Monte: ela só pode ser feita através de um leilão. Isso é muito diferente de construir uma Itaipu, como o Estado fez nos anos 1970. Mesmo as obras do PAC, que são investimentos muito importantes em moradia e saneamento, por exemplo, não podem ser comparadas, em termos de escala, às obras promovidas pelo Estado nos anos 1950 e 1960.

Lula usa muito o termo “Estado indutor”, que Dilma adotou na campanha. Como esse discurso ecoa na sociedade?

MARIA CELINA: Isso também é Era Vargas: o Estado que induz, que aponta o caminho e vai à frente da sociedade. Ao defender o desenvolvimentismo, Dilma apresenta uma proposta ideológica de Estado grande e forte. Essa proposta tem uma ressonância nacional muito grande. A sociedade brasileira gosta de Estado. O Estado é visto como bom empregador, embora não como bom prestador de serviços. Mas é visto como bom empregador e bom empresário. A sociedade brasileira sofreu com as privatizações, porque acredita que a empresa estatal é melhor que a empresa privada. Isso é uma característica nossa, há uma “Estadolatria” muito interessante, que perpassa vários setores da sociedade, das camadas populares às mais ricas, e várias ideologias, tanto de direita quanto de esquerda.

Há diferenças significativas entre os modelos de Estado propostos pelos candidatos?

MARIA CELINA: O discurso de defesa do Estado feito por Dilma é mais forte que o de Serra. Embora também tenha apreço pelo Estado e seja um social-democrata, Serra deve bater na tecla da articulação entre Estado, sociedade e mercado. Dilma bate na tecla do Estado mais forte, do Estado que “induz” sociedade e mercado. Isso no nível do discurso.
Na prática, há limites estruturais para uma política mais estatizante. Tanto há limites que o governo Lula não adotou uma política desse tipo. Teve oito anos para rever as privatizações, por exemplo, e não fez isso. O discurso estatizante mais à esquerda tem esbarrado em soluções pragmáticas.

E quais seriam as características da visão de Estado defendida por Serra?

MARIA CELINA: Seria um Estado mais regulador, que faria a articulação com sociedade e mercado principalmente através de agências reguladoras. Essas agências também apontam uma diferença entre os dois projetos. Elas foram criadas no governo Fernando Henrique, o PT foi contra, e o governo Lula devolveu aos ministérios boa parte do poder acumulado por elas. O Estado, na visão de Serra, teria mais agências reguladoras e menos inchaço nos ministérios.

Lula e Fernando Henrique colocaram em prática concepções distintas do papel do Estado?

MARIA CELINA: Quem mexeu efetivamente na arrumação econômica do Estado foi Fernando Henrique. Fez uma reforma do Estado, mexeu nas organizações econômicas estatais e pagou um preço por isso. Paga até hoje. As privatizações provocaram uma certa mágoa na sociedade brasileira em relação ao governo Fernando Henrique, que não conseguiu convencer a sociedade sobre a privatização de estatais como Vale e CSN, por exemplo, vistas como emblemas da soberania nacional. Lula não precisou correr um risco político tão grande. Não é que ele não quis fazer grandes mudanças econômicas. Ele não precisou.

A questão da intervenção do Estado na sociedade através de programas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, também divide os candidatos?

MARIA CELINA: A questão das políticas sociais no Brasil começou a ser discutida há muito tempo. No governo Sarney já existiam programas de distribuição de tíquete para leite e cestas básicas, por exemplo. O Estado brasileiro começou a praticar políticas sociais há 25 anos e isso foi se aprimorando até chegarmos ao Bolsa Escola, de Fernando Henrique, e ao Bolsa Família, de Lula, que não distribuem mais tíquetes de alimentos, e sim recursos para que as pessoas façam suas próprias escolhas, o que é uma política muito mais moderna. Isso está sendo debatido há muito tempo e não se poder dizer que há tantas diferenças assim entre os candidatos ou que os programas podem ser descontinuados em caso de mudança de governo. Eles podem até mudar de nome, mas vão continuar.

Como a candidatura de Marina Silva contribui para o debate sobre o papel do Estado nestas eleições?

MARIA CELINA: Marina é oxigênio novo na campanha, porque ela não discute o Estado, não traz para o debate esses temas tradicionais da política. A plataforma de Marina propõe que se pense o futuro do país não só em termos de ideologia, de haver mais Estado ou menos Estado, mas sim a partir de outras questões como meio ambiente, consumo, desenvolvimento sustentável. E essa plataforma terá que ser absorvida pelos outros candidatos e pela agenda do próximo presidente, independentemente do desempenho dela nas eleições.

Confraria' de Serra contra estatais


DEU EM O GLOBO

Grupo próximo ao candidato defende Estado "ativo", mas não produtor

Sérgio Roxo

SÃO PAULO - Discutir economia é uma atividade constante na vida do pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra. O tucano conta com um grupo de especialistas que são consultados para debater ideias, novos estudos e medidas para a área.

A “confraria econômica” do ex-governador de São Paulo é dominada por técnicos que trabalharam no Banco Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professores da Unicamp, onde Serra deu aula no final dos anos 70 e início dos 80.

As conversas se dão por email ou em almoços. Muita vezes, o tucano pede aos economistas de sua confiança levantamentos sobre determinado tema. Também avalia sugestões apresentadas por eles.

Mas em certas ocasiões “espinafra logo de cara” e encerra discussões de assuntos que considera “bobagens”, conta um integrante da “confraria”.

Contemporâneo de Serra na Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, de 67 anos, faz parte do grupo de economistas ouvidos pelo pré-candidato. Classificado como desenvolvimentista clássico, Belluzo foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda no governo Sarney (19851990) e também tem boa relação com o presidente Lula, chegando a ser consultado antes do anúncio de medidas econômicas importantes durante o governo petista.

Dar condições para o crescimento das empresas

Também professor da Unicamp, mas de uma outra geração, Geraldo Biasoto Jr., de 48 anos, é hoje um dos economistas mais próximos do pré-candidato do PSDB. Diretor-executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap), deve ter papel importante na formulação do programa de governo tanto na área macroeconômica como nas propostas de desenvolvimento social.

Biasoto Jr. defende um Estado “ativo e presente” na gestão da economia, mas não vê necessidade de criação de estatais para promoção do desenvolvimento, por exemplo: mdash; A flexibilidade exigida hoje em dia não permite.

O economista afirma que cabe ao Estado reconhecer as potencialidades de cada setor e viabilizar as condições para que as empresas possam se desenvolver.

Biasoto Jr. conheceu Serra, em 1998, por meio de um outro economista que faz parte da “confraria”: José Roberto Afonso, que trabalhou no BNDES. O tucano era senador na época.

Também oriundo do banco, o deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES) é outro economista que costuma ser ouvido pelo ex-governador.

Coordenador do programa de governo de Serra na campanha presidencial de 2002, ele concorda que o governo não precisa de novas estatais: — O debate sobre a participação estatal foi resolvido há 25 anos no país.

Brasília nasceu torta:: Villas-Bôas Corrêa



DEU NO JORNAL DO BRASIL

Remexendo nas gavetas dos guardados, encontrei em meio à barafunda de papeis inúteis, o recorte de O Globo, sem data, mas com alguns meses de sumido na minha gaveta.

Trata-se de uma preciosidade, que deveria merecer lugar de destaque nas pífias comemorações de meio século da inauguração de Brasília.

E é a minha flor murcha na crônica dos fracassos da nova capital, que acompanho desde os debates na Câmara dos Deputados, na despedida da sua fase áurea, depois da queda da ditadura do Estado Novo de Getúlio, quando a maioria dos deputados andava de bonde ou de ônibus, poucos tinham carro. Moravam no Rio, viviam com o modesto subsídio, sem verba indenizatória, passagens para o fim de semana nas bases eleitorais, verbas de gabinetes individuais, assessores. Os partidos tinham gabinete, com uma secretária, que batucava na máquina os textos dos deputados. Mas, vamos ao recorte de metade de uma coluna, com meio século de atualidade, que parece que foi escrito hoje para a edição de amanhã: “O que se está passando na Câmara, a propósito da mudança para Brasília, é inconcebível. Resolveram os congressistas concederse três subsídios e mais Cr$ 120 mil para as despesas de transporte, muito embora as despesas com os transportes de parlamentares e funcionários legislativos já estejam a cargo do Estado.

Não contentes com isso, promoverão numerosas sessões extraordinárias neste mês e no mês subseqüente à mudança para o Palácio Central. Em abril, a Câmara funcionará sem ordem do dia, isto é, não funcionará. Por sua vez, os funcionários legislativos pleiteiam três vencimentos mensais, diárias, financiamento de carros e transporte gratuito de avião. Trata-se de um verdadeiro saque à Nação”.

Não se pode cair no exagero oposto de que o ensaio para a orgia das mordomias, das mutretas, dos saques aos cofres públicos sejam pecados veniais. Mas, diante do duplo erro do presidente Juscelino Kubitschek de construir Brasília a toque de caixa e da sua inauguração antes de estar pronta, ainda um canteiro de obras no lamaçal do cerrado, a conclusão frustrante é de que JK construiu Brasília e deixou a bomba atômica que a destruiria.

Assisti da bancada de imprensa da Câmara os veementes debates sobre a mudança da capital, prevista na Constituição.

E a defesa da bancada goiana que apelava para os argumentos que seriam desmoralizados pela correria para a inauguração em 21 de abril de 1960, nem um dia a mais que JK contava com o slogan JK – 65 para a reeleição que não houve, com o regime democrático desmoralizado pela traição do aloprado Jânio Quadros, com a renúncia aos oito meses de mandato, e a incompetência de Jango Goulart, que traiu o marechal Lott, em parceria com Jânio, na jogada do Jan-Jan.

Os 21 anos da ditadura militar dos cinco generais-presidentes foram mais radicais e violentos que o Estado Novo.

Na farsa da democracia forte para uso externo, foi a ditadura que humilhou o Legislativo com o arsenal de violência das torturas nas masmorras do Doi-Codis – em que foi hóspede a provável futura presidenta Dilma Rousseff – cassou mandatos às dúzias, em muitos casos para atender a implicância dos donos do Brasil. A infame censura à imprensa às vezes foi acompanhada com prisão e sua invariável tortura.

Na decadência de Brasília, com a sua favela de mais de milhares de casebres, a população passando dos quatro milhões de habitantes, o absurdo da demagogia rapace de governador eleito, da Câmara Municipal, deputados, vereadores no que deveria ser o Distrito Federal, sede dos poderes da República, com um administrador com qualquer título pomposo de livre nomeação e demissão do presidente da República.

Brasília não tem solução em curto prazo. Só uma reforma política, com a convocação de uma Assembléia Constituinte, para refazer a Constituição que a bagunça de Brasília e a decadência moral das duas Casas do Congresso desmoralizaram até os flagrantes do ex-governador José Arruda distribuindo pacotes de notas que os agraciados escondiam na meia, na cueca, nos bolos e na maleta da precavida senhora, com longa experiência no ramo.

Serra faz corpo a corpo com eleitores em AL

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ricardo Rodrigues

MACEIÓ - O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, realizou atividade típica de campanha ontem em Maceió, ao lado do governador Teotônio Vilela Filho. Depois de visitar as instalações da nova fábrica da Coca-Cola, na capital alagoana, Serra fez corpo-a-corpo com os alagoanos, em visita ao Shopping Pátio Maceió.

O tucano cumprimentou eleitores, abraçou crianças, tirou fotos com jovens e distribuiu muitos apertos de mão. Mas evitou falar de tema polêmicos como o avanço dos conflitos agrários no governo Lula e o crescimento da rival Dilma Rousseff (PT) nas pesquisas.

Serra disse que estava contente com a receptividade em Alagoas e prometeu ajudar o Estado ainda mais caso seja eleito presidente da República. "Não posso deixar de reconhecer que houve avanços no governo do presidente Lula, mas é preciso avançar ainda mais nas políticas sociais", afirmou.

O tucano também reconheceu que, apesar das divergências partidárias, o Estado de São Paulo nunca foi discriminado pelo governo federal. "Fui governador de oposição e nem por isso recebi tratamento discriminativo do governo Lula", afirmou Serra. Disse ainda que para as obras do Rodoanel, que custaram cerca de R$ 5 bilhões, o governo federal entrou com 24% dos recursos.
"Apesar de a obra ter sido feita praticamente com recursos próprios do Estado, eu fiz questão de reconhecer a ajuda que o governo federal nós deu para construir o Rodoanel."

Almoço. O pré-candidato visitou ainda o Shopping Maceió, que fica na parte baixa da cidade. Ele aproveitou a passagem pela praça de alimentação e almoçou ao lado de Vilela, no restaurante Caboclo Faminto.

Recarga. Serra encerrou sua visita a Alagoas com uma caminhada pelo calçadão do comércio de Maceió. Ao vê-lo entrar no local em companhia do governador alagoano, o locutor de uma loja decidiu anunciá-los.

Ao citar o nome de Vilela e de Serra, os clientes que estavam por perto, aplaudiram. Empolgado com os aplausos, Serra pediu o microfone do locutor emprestado e cumprimentou o público. Depois de dar um boa tarde a todos, disse que não estava em campanha. "Nós não estamos em campanha, só em junho. Eu vim aqui para recarregar energia", afirmou o pré-candidato tucano.

Serra repete sua estratégia de só elogiar Lula


DEU EM O GLOBO

Em Alagoas, pré-candidato diz estar disposto a reconhecer o que foi feito na gestão petista: "Cada um deixou um tijolo"

Odilon Rios*

MACEIÓ. Em visita ontem a Alagoas, único estado em que venceu as eleições no segundo turno em 2002, o pré-candidato a presidente pelo PSDB, José Serra, voltou a pôr em prática sua estratégia de não bater no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conta com alta popularidade, e também de elogiar o que considera positivo na gestão petista.

Para tucanos, esse discurso estaria dando certo, desmontando o da adversária do PT, Dilma Rousseff, que insiste na comparação entre os governos Lula e FH num tom mais agressivo.

— O presidente Lula fez bastante coisa, e o Brasil pode fazer muito mais coisas. Estou disposto a reconhecer o que foi feito por ele, pelos antecessores, e acredito, como tudo mundo acredita, que a gente pode fazer muito mais coisas pelo Brasil — disse o tucano, repetindo seu slogan de campanha, “O Brasil pode mais”, e sem citar o ex-presidente Fernando Henrique.

Além de elogiar programas sociais das gestões tucanas, Serra destacou também que Lula deu continuidade a eles e ainda citou como positivo o fato de não ter discriminado estados governados por adversários: — Nunca houve discriminação por parte do presidente Lula (com São Paulo). Seria injusto dizer que houve discriminação.

Não houve. Eu sou a favor sempre que se dê crédito ao passado, aos que fizeram coisas no Brasil. Aos governos passados. Cada um deixou um tijolo, dois, ou três na construção do nosso país, e sempre fiz questão de dar crédito. Quando eu inaugurei o Rodoanel, foi a maior obra de estradas do Brasil, de R$ 5 bilhões. O governo federal deu 24%. No dia da inauguração, eu ainda estava como governador, próximo de deixar o governo, e fiz um amplo reconhecimento público disso.

Acho que a gente só ganha com reconhecimentos recíprocos entre as diferentes esferas de governo.

Como inaugurava uma fábrica verde da Coca-Cola, onde não havia acesso para cadeirantes nem elevadores adaptados, o tucano fez uma promessa: disse que o primeiro ministério que será criado, se vencer as eleições presidenciais, será o Extraordinário para Deficiência Física.

Em Alagoas, estado com o maior índice de analfabetismo, nas taxas de homicídios entre os mais jovens e com 94% da população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), Serra disse que a administração tucana terá um “tripé”, como chamou: “Saúde, Educação e Segurança”. Como Lula, pregou a “multiplicação” de escolas técnicas profissionalizantes.

Acompanhado pelo ex-deputado federal José Thomáz Nonô — cotado para assumir a coordenação de sua campanha no Nordeste —, do governador Teotônio Vilela Filho (PSDB) e do senador João Tenório (PSDB), o presidenciável almoçou, passeou em dois shoppings e andou pelo calçadão do Comércio, no Centro de Maceió.

Especial para O GLOBO

Na agenda, Goiás e Rio Grande do Norte

DEU EM O GLOBO

Serra visita os dois estados para contornar ameaças de racha

BRASÍLIA. Após a “festa de arromba” prometida pelo ex-governador Aécio Neves para segundafeira, que deverá marcar não só o início de sua pré-campanha em Minas Gerais como a unidade do partido, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, já tem seus próximos destinos definidos: Goiás e Rio Grande do Norte.

Em Goiás, Serra tentará contornar a ameaça de racha entre PSDB e DEM. A expectativa dos tucanos é que, até lá, a cúpula do DEM entre em campo para ajudar a apaziguar a situação.

Embora o pré-candidato tucano ao governo do estado, senador Marconi Perillo, já tenha praticamente fechado um acordo com o senador Demóstenes Torres (DEM), que disputará a reeleição, o deputado Ronaldo Caiado, que controla o DEM, não aceita a aliança.

De acordo com o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), as datas dessas viagens deverão acontecer entre quinta e sábado da semana que vem.

No Rio Grande do Norte, a oposição conseguiu avançar sobre a base governista, incluindo o PMDB na aliança que dará sustentação à candidatura da senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN) ao governo. Contrariando os apelos do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), o senador Garibaldi Alves (PMDB-PB) — seu primo — optou por disputar a reeleição na chapa de Rosalba.

A outra vaga será disputada pelo líder do DEM, senador José Agripino.

Ossos dos ofícios:: Miriam Leitão



DEU EM O GLOBO

Em 7 de janeiro, a Casa Civil fez uma reunião sobre a concessão da licença para Belo Monte e estabeleceu um prazo para que ela saísse. O Ibama deu a licença em 1ode fevereiro. Os técnicos registraram por ofício que o prazo não permitia a análise. O Ministério Público flagrou isso nos ofícios e despachos que levaram ao licenciamento da hidrelétrica.

Os documentos, aos quais essa coluna teve acesso (veja abaixo detalhes, e mais no blog), mostram claramente uma interferência indevida da Casa Civil no órgão licenciador; atropelo e desprezo ao alerta dos técnicos sobre a necessidade de novos estudos.

Tudo se passa num ritmo vertiginoso. Em novembro, o parecer dos técnicos do Ibama registrou que não havia condição de garantir a viabilidade ambiental do projeto. Em dezembro, caíram o diretor de licenciamento, Sebastião Custódio Pires, e o coordenador de Infraestrutura e Energia, Leonildo Tabaja. No dia 7 de janeiro, há a determinação da Casa Civil para que se cumpra um prazo. No mesmo dia, o novo diretor de licenciamento do Ibama, Pedro Bignelli, criou um grupo de trabalho para concluir o licenciamento. No dia 12, esse grupo registrou num ofício que os dados necessários ainda não haviam chegado. No dia 27, o então diretor do Ibama Roberto Messias mandou ofício ao diretor de licenciamento pedindo que fosse preparado para o dia seguinte “os pareceres com os condicionantes para a licença prévia de Belo Monte.” Neste documento, quatro técnicos do Ibama registram: “Não é possível atender no prazo solicitado”, e assinam para confirmar que os quatro estão de acordo com aquela afirmação. Num despacho do dia 28, a coordenadora de energia hidroelétrica do Ibama, Moara Menta Giasson, encaminhou os pareceres pedidos, mas escreveu que “devido ao prazo exíguo” não foi possível finalizar a elaboração das condicionantes. Diz que o documento é uma nota técnica com o trabalho feito até o momento e que há lacunas no que se refere a “ictiofauna, cavidades naturais, quelônios, qualidade da água e hidrossedimentalogia.” Ou seja, ela estava alertando que faltava discutir o impacto nos peixes, tartarugas, qualidade da água e até num item importante para o empreendimento, que é a quantidade de sedimentos. Em 1ode fevereiro, saiu a licença prévia de Belo Monte.

Esses ofícios e despachos analisados pelo Ministério Público são claros indícios de interferência indevida no trabalho do Ibama e do absurdo atropelo que houve na análise de matéria complexa, como o impacto ambiental de uma obra de grande porte na Amazônia.

O diretor de licenciamento, Pedro Bignelli, me disse que o parecer em que os técnicos dizem que não havia condição de garantir a viabilidade ambiental do projeto — no qual se baseou o Ministério Público para impetrar sua Ação Civil Pública — era documento velho.

E que todas as dúvidas levantadas foram resolvidas nos estudos seguintes.

Esses estudos, aos quais Bignelli se refere, foram feitos desta forma registrada nos ofícios e despachos que conto aqui: com indícios de atropelo, para dizer o mínimo.

Foram feitos entre o dia 7 de janeiro e 1ode fevereiro. Na verdade, no dia 12, Guilherme de Almeida, coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica do Ibama, mandou um ofício ao diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, Adhemar Palocci, porque dados ainda não haviam chegado: “Conforme acordado no dia 07/01/10, solicitamos em caráter de urgência urgentíssimo (sic) em meio digital, via protocolo, as complementações referentes ao empreendimento da UHE Belo Monte, considerando aos (sic) prazos assumidos na Casa Civil conforme acordado no dia 07/01/10.” Esses documentos acabam sendo enviados só no dia 20, e mesmo assim com pendências.

Na época da concessão da licença o governo disse que tudo estava resolvido porque a licença foi dada com 40 condicionantes impostas ao empreendedor.

Da perspectiva dos empreendedores, essas condicionantes e essas incertezas são riscos financeiros, mas todas as dúvidas estão sendo sanadas com o mar de dinheiro barato que está saindo do BNDES, as isenções fiscais e a participação de duas estatais em cada um dos dois consórcios. Nada desse custo está sendo colocado de forma transparente.

São subsídios e incentivos implícitos. O Brasil não sabe quanto vai pagar por Belo Monte. Em nenhum dos custos.

Mula madrinha:: Celso Ming


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A guerra judicial contra e a favor da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, apenas começou, mas esse não é o problema mais sério que o governo está enfrentando na parada.

As incertezas são enormes e quase intransponíveis. Aparentemente, a única instituição que aposta em que a obra custará apenas R$ 19 bilhões é o governo federal e, ainda assim, a gente sabe como são essas coisas. Vale sempre um valor qualquer, somente para dar a partida e afastar objeções sobre a viabilidade financeira do projeto. Uma vez atingido o ponto de não-retorno, quando fica muito mais caro reverter tudo, serão revistos os procedimentos, os valores e os custos, obviamente para cima.

Desta vez, o governo está empurrando os fundos de pensão para que se comprometam com o financiamento do negócio. Mas eles têm lá seus compromissos com associados e pensionistas. Uma barbeiragem nos investimentos pode comprometer suas bases atuariais. Sabe-se lá até onde podem ir os fundos.

Se fosse para construir uma barragem convencional, Belo Monte teria de inundar perto de 2 mil quilômetros quadrados. Para contornar esse despropósito, a opção foi operar a usina a fio d"água. Em decorrência disso, a produção de energia será refém do regime de chuvas. No tempo da seca, a energia gerada ficará reduzida a cerca de 10% do seu potencial. Na média, Belo Monte utilizará apenas 4 mil MW dos 11,2 MW instalados.

Esse não é o único fator que pesa sobre a tarifa futura em MWh, avaliada em R$ 83 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Não é nem um pouco desprezível o risco geológico. Em consequência da grande área a ser ocupada, os levantamentos preliminares das características das rochas sobre as quais se assentará a barragem não fornecem informações precisas das condições do subsolo. Isso poderá exigir enorme reforço em fundações.

Os planos de abertura de canais de mais de 30 quilômetros de extensão (mais longos do que os do Canal do Panamá), com remoção de cerca de 240 milhões de metros cúbicos de terra, produzirão, por si sós, desequilíbrios ambientais difíceis de prever e mais difíceis ainda de corrigir.

E não dá para reduzir a importância dos conflitos de interesse com as populações ribeirinhas (nada menos que 16 etnias indígenas e 6 mil famílias de brancos). O leilão está marcado para terça-feira, um dia depois do Dia do Índio. Será realizado se o governo conseguir vencer as batalhas judiciais que foram deflagradas.

O BNDES foi outra vez convocado para financiar, a juros de pai pra filho, de 4% ao ano, o equivalente a até 80% da obra. Algumas das empreiteiras que formam os consórcios potenciais preferiram ficar de fora, como o grupo Odebrecht, para aumentar a pressão sobre o governo com suas ausências e obter lá na frente novas concessões. E outras, como a Andrade Gutierrez, preferiram participar, apostando em que, como aconteceu outras vezes, o governo acabará provendo o que faltar.

Belo Monte não é só Belo Monte. Apesar das incertezas, está planejada para ser a mula madrinha, de arreios vistosos e cincerro tilintante, a encabeçar a tropa de feitos da candidata Dilma Rousseff. Mas, cá entre nós, haverá incerteza maior do que a própria Dilma?

O QUE PENSA A MÍDIA

EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
Clique o link abaixo

Sinfonia nº40 de Mozart

Este é o 1ºandamento, o Molto Allegro, da mais importante música (Sinfonia nº40) de um dos maiores génios da música de todos os tempos, Wolfgang Amadeus Mozart.

A VIDA, O TEMPO, O SENTIMENTO:: Graziela Melo


O tempo
Está
Indo embora

A vida
Não é
Como
Outrora...

O estoque
De vento
Acabou...

Perdida
Ficou
A saudade

Confusa
Na
Solidão

A alma
Implora
Que espere
No meio
Da confusão!!!

Na esquina
A dúvida
Espera

Onde antes
Nunca
Estivera

Ou nunca
Ousara
Passar

Aguarda
Junto
Com a vida

A hora
De
Atravessar...

Rio, 27/10/2005.

(Extraído do livro Crônicas, contos e poemas, pg. 106 – Fundação Astrojildo Pereira, Brasília, 2008)