Chico Santos
ÁGUAS DE LINDOIA - O processo do mensalão e as eleições municipais que
terminam no domingo estão associados para demonstrar que "é possível
avançar [na democracia social] através dos procedimentos democráticos
institucionais" e denunciar que "não há nenhuma Muralha da China entre
a democracia social e a democracia política". E, mesmo com membros da sua
cúpula julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o PT deverá
sair fortalecido das eleições municipais, em pleno processo de renovação de
quadros de liderança.
São análises do sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor e pesquisador da
PUC-Rio, que vê na emergência de nomes como o candidato petista à Prefeitura de
São Paulo, Fernando Haddad, e Marcio Pochmann, candidato em Campinas, a
continuidade de um processo de renovação iniciado pelo próprio presidente de
honra do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, ao
indicar o nome de Dilma Rousseff para disputar, e vencer, sua sucessão na
Presidência.
Nesta entrevista, concedida em um intervalo da sua participação no 36º
Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, em Águas de Lindoia (SP), Werneck Vianna aponta para uma disputa entre
o PT e o tucano Aécio Neves pela Presidência em 2014, com remotas possibilidades
de o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) lançar-se como uma terceira
via. No PT ele não crava se o nome será o da presidente Dilma ou do
ex-presidente Lula, mas diz que ela quer a reeleição. A seguir, trechos da
entrevista:
Valor: Como preservar a conquista que o senhor vê no julgamento da Ação
Penal 470 [mensalão] que seria o surgimento de uma nova República, não mais
sujeita ao poder da Administração do Estado?
Luiz Werneck Vianna: São dois processos: o julgamento da Ação Penal 470 e as
eleições municipais. Praticamente encerrados os dois processos, saltam aos
olhos as motivações e ações que levaram ao grande escândalo que o país viveu a
partir das declarações do Roberto Jefferson denunciando a existência de uma
conspiração contra as instituições republicanas. Enquanto isso, a sucessão
municipal mostra, à saciedade, que é possível avançar através dos procedimentos
democráticos institucionais. Talvez a melhor indicação disso ainda esteja por
vir.
Valor: O resultado de São Paulo?
Vianna: A crer nas pesquisas, o [Fernando] Haddad ganha em São Paulo. Mesmo
que não haja a vitória do Haddad, a votação do porte que ele terá, e que já
teve no primeiro turno, denuncia como inepta a tentativa lá no começo da década
de 2000, de se procurar se assenhorar dos controles da política por cima. A
tentativa de controle das instituições pelo dinheiro e pelo poder, os desmandos
que hoje estão em julgamento. Denuncia de maneira solar que não há nenhuma
Muralha da China entre a democracia social e a democracia política.
Valor: A instituição, no caso o partido (PT) sobrevive a essa tentativa...
Vianna: Acho que não ficou ainda claro, mas o ponto é relevante. Dois
processos: um que nos seus inícios foi formulado no sentido de partir da ação
do poder administrativo e do poder do dinheiro pra se assenhorar do poder
legislativo, com o pretexto, com a ideia implícita de que era para avançar mais
no social. O que a sucessão municipal demonstra é que os avanços podem até ser
mais profundos e amplos se eles forem percebidos por meio dos canais
democráticos, pelas vias republicanas institucionais. O PT sai dessa sucessão
muito fortalecido, embora houvesse sobre esse processo eleitoral a sombra do
processo que tramitava no Supremo Tribunal Federal contra as lideranças
partidárias, as lideranças do PT, que maquinaram essa tentativa de usurpação da
vontade do poder soberano.
“Sai a velha elite política e entra outra sob o impacto da Lei da Ficha
Limpa e do julgamento da Ação Penal 470 no STF"
Valor: A quem veja nesse resultado que o Haddad está obtendo mais uma
vitória pessoal do personagem Lula. Isso macularia de algum modo esse
raciocínio que o senhor acaba de fazer?
Vianna: Não, não. Porque, inclusive, se nós olharmos bem esse processo que
está ocorrendo, vários observadores já apontaram isso, traz uma mudança
geracional.
Valor: Tem também o [candidato do PT] Marcio Pochmann em Campinas...
Vianna: Dois quadros muito interessantes... O Haddad e o Pochmann foram
alçados a um protagonismo político inesperado. Evidentemente que são duas novas
personalidades que irão atuar nesse jogo que não tem mais nada a ver com as
velhas práticas de controle da vida sindical que levaram a essa confusão entre
governo e sindicatos, porque os sindicatos foram inteiramente absorvidos e
apareceu até, não sei se isso é propriamente verdadeiro, mas alguma coisa disso
é, quase uma nova classe, uma caracterização do [sociólogo] Francisco de
Oliveira, essas elites sindicais se apropriando de posições importantes no
sistema de Estado. Nós lembramos aqui do Pochmann e do Haddad, mas essa
pesquisa precisa ser feita em todo o país: o que vem de novo nessa sucessão
municipal. Está saindo uma velha elite política e entrando outra, e essa outra
entra sob o impacto de dois extraordinários eventos, o primeiro foi a Lei da
Ficha Limpa e o segundo, o julgamento da Ação Penal 470, com condenação de
praticamente todos os réus, principalmente as grandes lideranças políticas, do
PT e do governo [passado].
Valor: A própria eleição em 2010 da presidente Dilma Rousseff, ela mesma uma
nova liderança, já seria um embrião desse fenômeno que o senhor está apontando?
Vianna: Eu não quero estabelecer uma relação de causa e efeito, mas acho que
alguma coisa na eleição dela já significava isso. O que é um pouco misterioso
porque, perceba por favor, Dilma, Haddad e Pochmann foram escolhas pessoais do
Lula. Como se ele estivesse com isso anunciando o começo de um novo ciclo. Isso
precisa ser melhor apurado.
Valor: Mas os adversários podem dizer que se trata de uma esperteza de velha
raposa...
Vianna: Certamente a esperteza da velha raposa está presente, mas o fato de
essa esperteza ter como resultado a mudança no sentido de opção por quadros
mais modernos, como Dilma, como Haddad e Pochmann, mostra que algo mudou. Eu
não estou querendo com isso insinuar que o Lula tenha tido plena consciência
desse movimento e de no que isso importa. A Dilma, por exemplo, ela não é uma
mulher da política, é uma mulher da administração, da gestão. E aí, as marcas
de racionalização que ela vem procurando trazer ficaram muito claras a esta
altura de dois anos de governo. Então, o que eu digo é o seguinte: embora haja
um tom muito otimista nas coisas que estou falando e analisando, acho que há
sinais por dentro, no interior do PT, de que haverá um "aggiornamento"
(palavra italiana que simbolizou a modernização da igreja no Concílio Vaticano
2º, na década de 1960) aí.
Valor: Ou seja, independentemente da intenção do Lula, ele introduziu o
novo...
Vianna: E com nomes muito atentos à questão social, especialmente o Pochmann,
o que mostra que o tema da democracia social pode avançar perfeitamente no
limpo terreno republicano, denunciando a prática anterior. A percepção desses
dois processos que eu mencionei, a Ação Penal 470 e as eleições municipais, é
de que um movimento denuncia o erro do outro.
“A emergência de Aécio e Eduardo realça temas regionais e mostra que vivemos
numa Federação às vezes ocultada"
Valor: Extrapolando para fora do PT, como o senhor analisa a afirmação de
nomes como o do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador de Pernambuco
Eduardo Campos (PSB) nesse processo de renovação?
Vianna: É a consolidação dessa moderna ordem burguesa brasileira que faz com
que a sociedade torne-se cada vez mais complexa e diferenciada. Além do mais,
esse país, embora frequentemente oculte o fato, a significação do fato, é uma
Federação. E o que nós estamos assistindo é a emergência de quadros com uma
história muito regional. O Eduardo Campos em Pernambuco e o Aécio Neves em
Minas. Os dois, herdeiros dinásticos de duas casas governantes, a de [Miguel]
Arraes e a de Tancredo Neves. O que mostra que as raízes fundas da expressão
atual política deles. Os temas regionais aparecem com eles muito fortemente.
Valor: Como o senhor acha que esse quadro que se desenha agora irá reproduzir-se
na eleição presidencial de 2014?
Vianna: Isso vai depender muito, e eu não sou o primeiro a dizer, da
situação econômica do país. Com um andamento favorável na economia, as
possibilidades do quadro posto [o PT no poder] permanecer são muito altas.
Aécio será candidato. Candidato em 2014 com vistas a 2018. Para consolidar uma
posição nacional. Ele precisa sair de Minas. O Eduardo Campos, por sua vez, as
circunstâncias econômicas lhe sendo desfavoráveis, isto é, crescimento da
economia, ele vai se alinhar à coalizão majoritária. Em que posição? Terá
forças para deslocar Michel Temer da vice-presidência? Muito difícil porque a
essa altura o PMDB já deu seguras manifestações de que a âncora verdadeira
dessa política é ele. Então, o Eduardo Campos, a meu ver, não terá acesso a
vice. O que ele vai fazer? Não sei. Ele tem um movimento de alto risco: pode
ficar fora da vice-presidência, ver seu antagonista, seu rival imediato, que é
o Aécio, se lançar nacionalmente, e ficar sem lugar até 2018. É um movimento de
alto risco. Ele pode ainda, calculando riscos, lançar-se como uma terceira via,
imaginando que não ganha em 2014, mas que em 2018 estará em situação de forte
competição com Aécio. De terceira força ele pode passar a segunda em 2018. São
estratégias, são cálculos cuja materialização vai depender das circunstâncias.
Valor: Uma derrota domingo é o ocaso para José Serra (PSDB)?
Vianna: O Serra perdendo, pela idade, fica muito complicado. Liderança
emergente no PSDB, com a derrota dele [Serra], é o Aécio.
Valor: Agora, jogando para 2018, supondo que a presidente Dilma se reeleja
em 2014, o senhor imagina que o Lula queira retornar?
Vianna: Não, a questão para mim é outra, e essa questão não é minha, é de
todos: quem é o candidato do PT em 2014, Dilma ou Lula? O Lula pode se afeiçoar
a esse papel de dirigente partidário, no qual ele está se saindo muito bem
agora em 2012.
Valor: O senhor acha que a presidente Dilma não se rebelaria contra um
desejo dele de se candidatar?
Vianna: Rebelar, não. Resistir acho que ela está resistindo da forma que lhe
é possível. Ela vem sinalizando claramente que quer a reeleição, não na
retórica explícita, mas na forma como se resguarda. Ela se resguardou muito no
processo da Ação Penal 470, como que dizendo: não tenho nada com isso.
Valor: Só para concluir esse assunto da Ação Penal: na segunda-feira,
durante o debate sobre a conjuntura econômica aqui na Anpocs, o senhor foi
muito claro ao dizer que não se deve confundir a Ação Penal 470 com a
judicialização da política. A continuidade da judicialização da política é um
obstáculo à instalação dessa nova república?
Vianna: Não, obstáculo não. Olhe, esse teme mereceria uma outra entrevista.
A presença do Judiciário na cena política, que é uma marca da modernização
burguesa brasileira - Justiça do Trabalho [anos 1930/1940], Justiça Eleitoral
[anos 1930]... Com que intenção isso foi feito lá atrás? Tutelar e controlar a
sociedade. Agora, essa marca ficou. O que a Carta [Constitucional] de 1988 disse
foi o seguinte: eu vou preservar esse Judiciário que vem da tradição
autoritária brasileira, mas vou democratizar as suas funções. O julgamento da
Ação Penal 470 foi uma vitória da Carta de 1988.
Valor: Como fazer para preservar essa consagração da Carta que o senhor
apontou, como assegurar a reforma política, por exemplo?
Vianna: Essa é a hora do legislador. É o legislador que tem que operar no
sentido de tornar nossa legislação eleitoral mais adaptada às nossas
circunstâncias.
Valor: E o Congresso Nacional está à altura dessa tarefa?
Vianna: Vai ser obrigado a ficar, porque o impacto do julgamento da Ação
Penal 470 foi exatamente no sentido de produzir resultados nessa direção,
chamando a atenção do legislador para a urgência da reforma política.
O repórter está em Águas de Lindoia a convite da organização da Anpocs
Fonte: Valor Econômico