segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

O centro político, banido do salão, volta com força por todas as janelas. Tanto barulho por nada, retornamos ao ponto de partida, salvo se os estrategistas de plantão dos dois lados do tabuleiro já tenham decidido, no caso de vitória, levar a cabo o que ruminaram ao longo dessa paupérrima campanha eleitoral. O desenlace infeliz dessa imprudência, se vier, não deve tardar, e mente quem nega a força das nossas instituições, provada em tantos outros momentos críticos da nossa história recente. Os 30 anos da Carta de 88, a mais longeva da República, não foram em vão, a sociedade saberá preservá-la das sanhas dos cavaleiros da fortuna, ela já conhece o que perderá sem ela.

Mente igualmente quem se recusa a admitir a possibilidade de a nossa democracia estar sob risco, pois está, aqui e alhures. Sem triunfalismo, joga-se, nesta sucessão presidencial brasileira bem mais do que nossos negócios internos. Nossa presença no mundo importa para a paz, em particular para nuestra America. Nós, os perdedores nessa disputa eleitoral, não poderemos abdicar de uma feroz autocrítica, uma vez que não havia nada de inevitável nessa derrota que reconhecemos. Somos mais necessários que nunca, e fizemos nascer uma nova esquerda capaz de se articular com o liberalismo político, cuja missão desde agora é nos devolver aos eixos que nos são naturais.

Pelo andar da carruagem, pode-se prever que isso não deve demorar muito. Por fim, glória a Deus, há os milagres.

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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-RIO. ‘Ao vencedor, as batatas’, O Estado de S. Paulo, 7/!0/2018

Fernando Gabeira: O capitão e o navio

- O Globo

Bolsonaro sentiu que a guerra cultural seria um caminho não só para ampliar votos no Rio, mas para projetá-lo nacionalmente

Não é uma simples segunda-feira de primavera. Neste momento, já se sabe que Bolsonaro venceu o primeiro turno das eleições e mais ainda: como se compõe o novo Congresso.

As pesquisas me divertem. As projeções do segundo turno são exercícios fantásticos. Saber que a rejeição a Eymael caiu de 19 para 13 pontos coloca um enigma de interpretação: o que Eymael fez na semana para reduzir o saldo negativo? Na superfície, ele continua o mesmo Eymael, um democrata cristão: zero por cento.

Imagino que comece hoje uma discussão sobre as causas que levaram Bolsonaro a vencer o primeiro turno. E também a ampla distribuição de culpa entre seus adversários.

É uma discussão importante. Mas, se for isolada do resto, tende amostrar Bolsonaro como um alienígena que simplesmente aterrissou num país em crise.

Isso tende a omitir seu papel pessoal. Bolsonaro foi o deputado mais votado no Rio, em 2014. Ele teve 464 mil votos, cerca de 6% do total, um feito extraordinário em eleições proporcionais. Naquele momento, ele já estava em ascensão batendo, principalmente, em duas teclas: corrupção e segurança pública.

Sua proposta em segurança tem uma vantagem sobre todas as outras. Reconhece a limitação do Estado e envolve o indivíduo, que teria sua própria arma. Já a critiquei e propus uma outra forma de participação social: a informação, através dos novos recursos tecnológicos.

Demétrio Magnoli: A máscara da derrota

- O Globo

Escrevo antes do primeiro turno. Minha estimada bola de cristal sempre apresenta falhas, mas as sondagens indicam que Bolsonaro e Haddad se enfrentarão no turno decisivo. Nessa hipótese provável, a combinação da implosão do PSDB com a prevalência do antilulismo poderia condenar a nação a um governo de moralistas depravados. Tudo depende do que Haddad fará com a máscara de Lula que, até aqui, cobriu seu rosto.

A pesquisa Datafolha divulgada em 3 de outubro traz uma informação periférica que ajuda a decifrar o cenário do segundo turno. Cerca de 60% dos entrevistados opinam que Lula deve seguir condenado, na cadeia (51%) ou em prisão domiciliar (8%). O antilulismo emerge como fator crucial, provocando uma convergência eleitoral em torno de Bolsonaro. A estratégia de campanha de Haddad, apropriada a uma candidatura de protesto, uma espécie de anticandidatura consagrada a reagrupar um partido desmoralizado, não atende ao objetivo de persuadir a maioria. No turno final, o candidato petista precisa descobrir sua face, abandonando a máscara da derrota.

Bolsonaro promete reformar a economia, do jeito dele — ou melhor, de acordo com a utopia regressiva de Paulo Guedes. Seria fácil mostrar que seu programa ultraliberal não é aplicável a uma democracia de massas — se a alternativa petista não fosse o retorno à política econômica responsável pelo colapso fiscal de 2014. Mas, seguindo o figurino desenhado pelo PT, Haddad insiste no negacionismo econômico. Segundo ele, Dilma Rousseff só errou ao patrocinar o giro ortodoxo conduzido por Joaquim Levy. “Escolham entre mim e o destino da Venezuela (ou do Rio de Janeiro)” — o desafio implícito de Bolsonaro cala fundo no amplo espectro de eleitores que recusam o revisionismo histórico lulopetista.

Bolsonaro ergue o conveniente estandarte da Lava-Jato, restaurando a célebre vassourinha de Jânio Quadros, e encontra influentes “companheiros de viagem” no Judiciário e no Ministério Público. Haddad, por seu lado, repete o mantra sectário do PT, que exibe as condenações de Lula, Dirceu, Palocci e dos tesoureiros petistas como uma conspiração geral de juízes contra o partido. O negacionismo ético corta o diálogo do candidato com a vasta parcela do eleitorado que não crê em bruxas. Haddad pode, legitimamente, defender a inocência de Lula no processo específico em que foi condenado. Mas, sem reconhecer as responsabilidades políticas do lulismo nos escândalos do “mensalão” e do “petrolão”, entrega a tocha da mudança aos incendiários bolsonaristas.

Cacá Diegues: O Brasil cansou

- O Globo

O que precisamos aceitar é que ninguém é inocente, o ódio foi destilado por todos os envolvidos na vida pública

Estou escrevendo na sexta-feira, mais de 48 horas antes de conhecer o resultado do primeiro turno da eleição. A esta altura, quem me lê já sabe quem foi para o segundo turno. Ou se haverá mesmo segundo turno. Senão estivermos felizes como resultado, sejam quais forem nossos sentimentos em relação aos dois finalista sou ao vitorioso único de ontem, não podemos nos comportar como se o país tivesse acabado. Não podemos desistir do Brasil.

O nosso velho patriarcalismo ibérico nos faz procurar sempre um poderoso e, de preferência, misterioso culpado para o que nos contraria, fruto de uma conspiração. Evitamos assim encarar o desamor de quem juramos amar. Sejamos de que partido formos, declaramos nosso maior amor pelo povo, razão política e moral de nossa intervenção na vida pública. Quando perdemos uma eleição democrática ou somos vítimas de uma violência que o povo aprova, temos certeza de que ele foi enganado por seus inimigos, aqueles que estão sempre tramando contra nós e contra o bem do povo.

Passamos a interpretar o que sabemos segundo nossos interesses de amantes traídos, inventamos frágeis argumentos para justificar o equívoco que o povo cometeu ao recusar, em benefício do contrário, o que lhe havíamos proposto. E, no entanto, mesmo que esteja enganado, o que o povo quer é quase sempre aquilo mesmo que ele acaba de escolher.

Todo mundo já falou dessa eleição polarizada, dessa divisão sectária, quase inédita no país, entre “nós” e “eles”. O que precisamos compreender e aceitar é que ninguém é inocente, o ódio foi destilado por todos os envolvidos na vida pública brasileira, gente de qualquer um dos muitos lados. Sim, pelos eleitores. E os eleitores são o povo que cortejamos tanto, a ponto de estarmos dispostos a isentá-lo da derrota que nos infligir.

O voto certamente ontem majoritário, por exemplo, foi um voto de evidente revide, um voto de desforra daqueles que se julgaram enganados ao longo desses últimos tempos. A vida sob os governos de Itamar, FHC e Lula era bem equilibrada e bastante presumível. Havia sobretudo mais oportunidades, com uma esperança concreta de mobilidade social. Mas, a partir de 2012, o povo começou a ver perplexo que nada acontecia como seus supostos representantes anunciavam, e ninguém procurava explicar as razões dos sucessivos fracassos. Enquanto seus líderes eram acusados de roubalheira e incompetência, o povo se sentia ludibriado. Bastava reconhecer os erros, desculpar-se pelos equívocos, refundar o partido e recomeçar de onde parou nos anos antes de 2002; mas a reação às dúvidas e às críticas indignavam os acusados, não mereciam nem ao menos ser ouvidas. A mesma reação das forças de direita.

Merval Pereira: Quadro é favorável a Bolsonaro

- O Globo

Candidato do PSL sai do primeiro turno em ascensão e leva vantagem para as negociações políticas e futuras adesões

A vitória de Jair Bolsonaro com quase o dobro de votos de Fernando Haddad sinaliza que o candidato do PSL entrará no segundo turno em posição de vantagem, embora todos considerem essa uma nova eleição. Mas quando um candidato sai do primeiro turno em ascensão, o clima que se cria em torno dele é favorável a novas adesões, e as negociações beneficiam o vencedor.

Por isso, nunca um candidato que entrou no segundo turno na dianteira da disputa presidencial deixou de se eleger. Foi assim com o ex-presidente Lula, que não ganhou eleições no primeiro turno – em 2006 chegou a ter 49% —, mas sempre saiu vencedor com cerca de 60% dos votos no segundo turno, contra candidatos do PSDB.

Desta vez, o candidato petista Fernando Haddad terá que reverter bem mais votos do que os adversários do PT nas vezes anteriores, uma tarefa mais difícil do que a do tucano Aécio Neves em 2014, por exemplo, que terminou o primeiro turno com 33,55%, contra 41,59% de Dilma, e conseguiu no segundo turno 48,36%, contra 51,64%, perdendo por pouco. Haddad, hoje, termina com menos votos do que Aécio teve no primeiro turno em 2014, e Bolsonaro quase venceu agora.

A união dos opostos será feita neste segundo turno à força, pois no primeiro as legendas de esquerda e de centro se dispersaram entre várias candidaturas. A questão é saber quão unidos estarão neste segundo turno, e quem terá mais condições de atrair votos do centro político.

Míriam Leitão: Agora será a hora de buscar o centro

- O Globo

Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para construir pontes; Haddad deu o primeiro passo

O eleitor falou. Deu uma grande vantagem a Jair Bolsonaro, mas a disputa continua no segundo turno. Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para o centro. Tanto Jair Bolsonaro, que sai com grande vantagem na largada, quanto Fernando Haddad têm muito a caminhar.

O candidato do PT deu o primeiro passo para a construção da ponte falando em um unir os “democratas do Brasil” e os que “se preocupam com os direitos humanos". Na mesma hora, falando aos seus seguidores pela mídia social, o candidato do PSL levantou de novo dúvida sobre a urna eletrônica, disse que o que está em jogo é a operação Lava-Jato, criticou a imprensa e afirmou que é preciso evitar a volta do PT ao governo. “Não podemos continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Bolsonaro, apesar da sua clara vantagem e da onda conservadora que correu ontem o país, precisará atenuar o tom ofensivo a todas as minorias. Haddad, que larga em grande desvantagem, precisará desesperadamente do apoio de outras forças. Ontem, recebeu já um sinal de Ciro Gomes, que declarou que será “ele não”, porque combateu “sempre a favor da democracia e contra o fascismo”.

Bernardo Mello Franco: O tsunami que varreu o país

- O Globo

Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O discurso radical do capitão seduziu um eleitorado com medo da violência e raiva dos políticos

Não foi só uma onda. Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O presidenciável da extrema direita, Jair Bolsonaro, chegou perto de vencer no primeiro turno. Arrastou uma legião de militares, policiais e pastores para o Congresso, onde o nanico PSL passa a ser uma força relevante.

O discurso radical de Bolsonaro seduziu eleitores com medo da violência e raivada política. Ele prometeu defendera família, combatera corrupção e distribuir armas para o“homem de bem ”. Conseguiu emplacara ideia de que representa o novo, apesar dos sete mandatos como deputado federal.

O capitão vestiu a farda de antagonista do PT. Mas sua primeira vítima foi o PSDB, que teve o pior resultado desde 1989. Depois de governar São Paulo por quatro vezes, Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. Agora os tucanos correm o risco de virar uma espécie política em extinção.

Murillo de Aragão: Como reinventar o Brasil

- O Estado de S.Paulo

Somente a participação vertical e continuada da sociedade servirá como vetor de inovação

A agenda de reformas está posta desde 1994. Mas avança aos soluços e ao sabor das circunstâncias e da imensa dificuldade de obter consenso. A dificuldade de reformar o Brasil decorre do fato de haver duas frentes de interesses simultâneas que lutam entre si e contra a cidadania.

Uma é a da defesa dos interesses das corporações e oligarquias, que não abrem mão de seus privilégios; é o Brasil da estabilidade trabalhista; é o Judiciário dos penduricalhos, dos incentivos e benefícios fiscais, entre muitos outros privilégios. A defesa de privilégios não tem cor ideológica e apenas uma vítima: a cidadania.

A outra frente é a tentativa de setores ditos progressistas consolidarem um regime conservador de esquerda no Brasil. Digo conservador por se ancorar em fórmulas há muito abandonadas no restante do mundo. Atuam para barrar as reformas, já que o fortalecimento das instituições e o seu melhor funcionamento são um empecilho à tomada do poder. Daí existir uma campanha quase que permanente de enfraquecimento dos Poderes e das instituições. Reformá-las é fortalecer um regime que deve ser derrubado.

A agenda, porém, está posta. A Previdência está quebrada e o sistema tributário, caótico. Como promover as reformas de que o País necessita? É preciso dizer que o Brasil é uma obra em construção que não está dando certo. Seu modelo de Estado, grande, intervencionista e estatizante, deixou de funcionar há tempos. E, ao invés de buscar a reinvenção, o Estado segue a cartilha dos puxadinhos, que resolvem temporariamente parte dos problemas e adiam o confronto final.

Apenas as crises tendem a empurrar o Brasil para o enfrentamento da agenda de reformas. E se dependemos de crises para avançar, a que temos nos dias de hoje pode ser o vetor de grandes transformações.

João Domingos: Haddad precisará exibir jogo de cintura que nunca teve

- O Estado de S.Paulo

Petista terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno

O candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno. Um esforço que exigirá dele jogo de cintura como nunca teve em sua vida de professor, ministro, prefeito, coordenador do programa do PT, vice de um candidato que não seria candidato e, agora, finalista da corrida presidencial.

Não só porque o eleitor do capitão reformado do Exército é fiel e não mudará de ideia ao longo do caminho. Mas também porque Haddad terá de encontrar um jeito de superar obstáculos que serão postos em seu caminho pelo próprio partido, que tentará puxá-lo para a esquerda, na ilusão de que essa será a fórmula para enfrentar o candidato da extrema-direita.

Haddad terá ainda de entender que sua chapa é estreita do ponto de vista político. Que a vice, a deputada estadual gaúcha Manuela d’Ávila, pouco agrega em termos de votos, pois o PCdoB já vota no PT. E que, em toda sua vida, o PT nunca venceu uma eleição presidencial quando não se uniu com o centro. Em 1989, com o senador José Paulo Bisol (PSB), em 1994, com Aloizio Mercadante (PT), e em 1998, com Leonel Brizola (PDT), Lula perdeu todas as eleições.

Vera Magalhães: Reduto petista assegura realização do segundo turno

- O Estado de S.Paulo

Nordeste garantiu Fernando Haddad na disputa contra Jair Bolsonaro pelo Planalto

O Nordeste que garantiu a vitória a Dilma Rousseff em 2014 também assegurou a ocorrência de segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a despeito da avassaladora onda de votos do candidato do PSL em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste.

Durante quase toda a campanha, a distinção de gêneros nos votos foi a tônica das análises, mas o resultado mostra que segue sendo a desigualdade regional o grande motor eleitoral no Brasil.

O desgaste petista pós-impeachment, na esteira da Lava Jato e da prisão de seu principal líder, impulsionou a ascensão meteórica de Bolsonaro, que soube aproveitar a onda e incrementá-la com um discurso conservador que atraiu um eleitorado até então alojado no PSDB e um uso arrojado das redes sociais para se transformar num fenômeno novo na política nacional, antípoda ao lulismo.

O deputado do PSL bateu na trave de vencer já neste domingo, mas entra no segundo turno em condições em tudo vantajosas em relação a Haddad: viu aliados seus se elegerem ao Senado, assegurou uma bancada respeitável na Câmara (seja de seu próprio partido seja dos políticos que devem se aproximar dele em caso de vitória) e terá a seu lado aliados importantes em disputas estaduais, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Marcelo de Moraes: Bolsonaro surfa na onda conservadora

- O Estado de S.Paulo

Candidato do PSL tem vantagem imensa sobre o adversário do segundo turno, Fernando Haddad

A “onda Bolsonaro” varreu os Estados e é com ela que o candidato conta para derrotar Fernando Haddad no segundo turno. Mesmo não tendo conseguido fechar a disputa com o petista logo no primeiro turno, como queria, o candidato do PSL sabe que tem uma vantagem imensa sobre o adversário, especialmente pelo maior recado que as urnas passaram ontem. Há muitos eleitores votando em candidatos conservadores no País.

É com essa rede regional de apoio que Bolsonaro conta para manter sua mensagem mais viva do que nunca nos Estados. Vários de seus aliados foram campeões de votos pelo Brasil afora. Mas ele tem outra vantagem sobre Haddad. Em pelo menos dois dos três maiores colégios eleitorais do Brasil, Minas e Rio, candidatos próximos a ele estão disputando o segundo turno: Romeu Zema e Wilson Witzel, respectivamente. Ou seja, manterão forte sua candidatura porque também precisam se eleger. E, em São Paulo, o tucano João Doria passa a ser um aliado natural.

Na prática, Bolsonaro só não resolveu a disputa ontem porque o PT conseguiu mostrar sua força no Nordeste, empurrado pelo tradicional prestígio de Lula na região. Agora, o candidato do PSL pretende investir nesses eleitores para acabar de minar o apoio a Haddad.

Bolsonaro tem o apoio de líderes religiosos para tentar entrar mais fortemente na região e se fortalecer na base adversária.

Eliane Cantanhêde: Dúvida do PSDB: como sobreviver à derrota e a Bolsonaro?

- O Estado de S.Paulo

Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum

Entre os mortos e feridos das eleições de 2018, não se salvam todos. Uma das vítimas mais atingida é o PSDB, que não só perdeu a Presidência e agora a vaga no segundo turno das eleições como sai da eleição profundamente derrotado e com uma dúvida atroz: tem ou não condições de sobreviver?

Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum. José Serra saiu do Itamaraty, refugiou-se no Senado e, aos 76 anos, não tem mais horizonte eleitoral. Aécio Neves implodiu sua imagem e seu futuro com o áudio em que pedia R$ 2 milhõespara o empresário Joesley Batista. Geraldo Alckmin leva o troféu de pior desempenho tucano numa eleição presidencial.

Fernando Henrique Cardoso, o grande nome e a maior referência do PSDB, tem 86 anos e funciona hoje mais como um consultor, quase um terapeuta para tucanos com os nervos à flor da pele. Muito acima do partido, tem disposição próxima de zero para reabilitar o PSDB que o levou à Presidência da República duas vezes, em 1994 e 1998.

Quem será, ou quem seria, um líder emergente capaz de providenciar uma tábua de salvação para o PSDB? Se o ex-prefeito de São Paulo João Doria pensou algum dia em ocupar esse espaço, pode tirar o cavalinho da chuva, depois de tentar solapar a candidatura do padrinho Alckmin, sair prematuramente da principal prefeitura do País e pular no barco Bolsonaro antes da hora.

Bolsonaro, aliás, pode ser considerado duplamente algoz do PSDB. Foi para ele que os votos tucanos voaram, primeiro do Sul e do Centro-Oeste, depois do País todo. E é em torno dele que o partido vive as dores, não do crescimento, mas do envelhecimento. Ainda no primeiro turno, tucanos já discutiam, ardorosamente, quem apoiar no segundo: Bolsonaro ou o petista Fernando Haddad, o novo ou o velho adversários de sempre? Ou seria melhor a “neutralidade”?

Marcus André Melo: Para entender o tsunami

- Folha de S. Paulo

O eixo em torno do qual a disputa política gira mudou de eixo três vezes

As dimensões em torno das quais se estrutura o conflito político são cruciais na política. William Riker (1920-1993), um dos pioneiros da teoria dos jogos na ciência política, denominou seu uso estratégico de “heresthetics”. Ele ilumina aspectos importantes da eleição presidencial, que, no momento em que escrevo, aponta para um segundo turno.

A dimensão que vertebrou a disputa política nos últimos 20 anos foi a inclusão social. Mas o petrolão e a Lava Jato alteraram profundamente esse estado de coisas. A escolha sobre quem promoveria melhor a inclusão deu lugar a uma nova disputa em torno de quem pode combater a corrupção e “tudo o que está aí”.

O PT e o PSDB foram os grandes perdedores dessa revolução na estrutura do jogo. Em um primeiro momento, o PT resistiu ao deslocamento do eixo da disputa, desqualificando a Lava Jato e chamando a atenção para o desemprego que gerava, não notando a centralidade que o tema da corrupção assumira.

Vinicius Mota: Varridos do mapa

- Folha de S. Paulo

Enganou-se quem achava que a Lava Jato já havia produzido todo seu efeito eleitoral no pleito de 2016 e que marchava lentamente para a esterilização. A bomba de nêutrons da operação sobre a vida partidária explodiria apenas neste domingo, 7 de outubro de 2018.

Varreu quase tudo o que encontrou pelo caminho, em especial nas regiões mais desenvolvidas do Brasil.

Candidatos das legendas mais estabelecidas, em torno das quais organizou-se o jogo do poder ao longo dos últimos 30 anos, foram atropelados por postulantes excêntricos.

O PSDB foi arruinado. O PT, bastante avariado nas localidades mais prósperas, ganhou o direito de disputar uma batalha de vida ou morte pelo Palácio do Planalto, em condições duríssimas, no próximo dia 28.

Leandro Colon: Bolsonaro X Haddad

- Folha de S. Paulo

Deputado não pode fugir do debate e petista tem de provar que é mais que um poste de Lula

Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) chegam ao segundo turno eleitoral escolhidos pela maioria dos votos válidos registrados nas urnas eletrônicas e seguras.

É a democracia, considerada a melhor forma de governo por 69% dos brasileiros, segundo o Datafolha. Regime mais justo que qualquer modelo autoritário idolatrado por Bolsonaro e boa parte de seus eleitores.

O deputado larga em boa dianteira, impulsionado por uma onda bolsonarista impressionante no Sudeste. Teve mísero tempo de propaganda eleitoral, ficou fora dos debates da TV em setembro e não fez campanha nas ruas após o atentado a faca.

Demonstrou resistência a crises causadas pelos principais auxiliares de sua equipe. Um prometeu recriar um imposto nos moldes da CPMF e outro colocou sob risco o 13º salário.

Bruno Boghossian: Petista terá de fazer mais concessões que capitão

- Folha de S. Paulo

Maré final amplia máquina política de Bolsonaro e reduz apelo ao centro

A maré final que impulsionou Jair Bolsonaro sugere que ele precisará fazer concessões modestas em sua plataforma para o embate direto com Fernando Haddad (PT). O forte desempenho do candidato do PSL e de políticos que pegaram carona em seu nome deve facilitar a formação de uma aliança para ampliar seu eleitorado no segundo turno.

O resultado deste domingo (7) foi uma boa notícia para Bolsonaro em três dimensões: ele partirá de um patamar de votos próximo dos 50% para o confronto final; terá palanques sólidos em disputas de segundo turno nos principais estados do país; e contará com a adesão de candidatos de diversos partidos, que se elegeram em sua esteira no primeiro turno.

Em posição mais confortável que seu rival, o presidenciável do PSL terá a opção de reforçar suas trincheiras em vez de amenizar o tom seu discurso para conquistar novos votos. Os acenos ao eleitorado de centro podem se resumir a gestos limitados, suficientes para atrair o apoio que falta para empurrá-lo à vitória.

Ao longo do primeiro turno, Bolsonaro preferiu fortalecer um viés conservador, antipolítico e de linha dura na segurança para cristalizar e expandir seu eleitorado.
A estratégia deu certo, e a carta da moderação ficou guardada para um eventual segundo turno. O cenário oferece a ele o privilégio de decidir com que intensidade vai aplicá-la. Essa escolha dependerá mais de uma grandeza política (que ele ainda não demonstrou) do que de uma necessidade eleitoral.

O quadro é bem menos cômodo para Fernando Haddad. Ele deverá atrair com facilidade boa parte dos eleitores de Ciro Gomes (PDT), mas precisará dar um passo largo para fazer frente ao campo de Bolsonaro.

Fernando Limongi: Quebrando cabeças

- Valor Econômico

Vai vencer quem for capaz de convencer de que é o mal menor

"Nós concordamos em medir forças contando cabeças em lugar de quebrá-las, mas o princípio é exatamente o mesmo. Não é o lado mais sábio que ganha, mas aquele que, na ocasião, mostrou ter força superior (na qual a sabedoria, sem dúvida, é um elemento) alistando maior número em seu apoio. A minoria não cede por ser convencida de que está errada, mas porque é convencida que é uma minoria." Nada define melhor a democracia do que esta passagem de James Fitzjames Stephen, escrita em 1873, em polêmica com John Stuart Mill.

O equilíbrio que sustenta as democracias é tênue. Mas é esse respeito aos resultados da mera contagem de votos que distingue os povos civilizados dos bárbaros. Após as eleições, o conflito não desaparece, e o mecanismo eleitoral sobrevive apenas se perdedores e vencedores dispensarem o recurso à violência e à supressão de seus adversários. Os resultados deste domingo trazem motivos de sobra para temer por esta solução. Um candidato que faz apologia aberta à violência, que prefere quebrar cabeças a contá-las, esteve próximo da vitória em primeiro turno.

Entrevistado por um repórter empenhado em lhe dar oportunidade para se mostrar dócil e humano, Bolsonaro enunciou a seguinte máxima: "Eu prefiro a cadeia cheia de vagabundos do que o cemitério cheio de inocentes". Trocando em miúdos, o candidato anunciou que pretende suspender os códigos civil e penal. Na lógica bipolar do capitão da artilharia, vagabundos são inimigos que, se ainda não delinquiram, é por ter lhes faltado oportunidade para tanto, o que justificaria a prisão preventiva deles.

César Felício: Resultado no Brasil poderá ter impacto em todo o continente

- Valor Econômico

O quadro político que sai das urnas no Brasil não caracteriza apenas uma onda de direita, ou "onda azul", como em eleições passadas. Ganha protagonismo uma direita radical, que pode ter impacto continental como em poucos casos no mundo.

O resultado é relativamente inédito em termos globais. Não há caso de votação desta ordem do ultraconservadorismo em um país do porte do Brasil. Os exemplos internacionais são de analogia complicada. O radicalismo conservador governa hoje Polônia, Hungria e Israel. Estes países contudo, além de pequenos, são parlamentaristas, o que já faz toda a diferença. A direita radical também está no comando nas Filipinas, mas a nação asiática pouco influencia os países mais próximos, como Vietnã, China, Indonésia e Malásia.

O caso de Donald Trump nos Estados Unidos é diferente. O presidente americano foi um "outsider" até ganhar as eleições primárias do Partido Republicano. Depois tornou-se o representante de uma legenda que reparte o poder local há mais de cem anos.

Independentemente do resultado das urnas, Jair Bolsonaro (PSL) já fez história. Caso seja o vencedor, a maré radical tem potencial de desestabilizar a América do Sul, a começar da Argentina, em que o presidente Mauricio Macri se perde no labirinto da economia e a senadora Cristina Kirchner está às portas da prisão.

Caso perca, quem pode ser desestabilizado é o petista Fernando Haddad. Nesta hipótese, Haddad governará em situação política adversa, com uma barulhenta direita no Congresso, enfraquecimento de todos os partidos tradicionais, profunda desconfiança dos mercados.

O Brasil, em termos políticos, corre o risco de tornar-se a Venezuela de tempos atrás, em que não havia espaço para solução pacífica de controvérsias entre os dois campos políticos, ainda que a institucionalidade democrática estivesse preservada. A Venezuela de hoje, como se sabe, não pode mais ser considerada uma democracia.

Luiz Carlos Azedo: O xadrez do segundo turno

- Correio Braziliense

“O primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad”

Confirmando as expectativas, teremos segundo turno nas eleições para presidente da República, entre Jair Bolsonaro (PSL), que larga na frente, com cerca de 46, 3% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 29, 2%, aproximadamente. A onda Ciro Gomes (PDT), que teve em torno de 12,5% dos votos, esperança do movimento a favor do voto útil, não se confirmou. Geraldo Alckmin (PSDB) teve pouco mais de 4,8% dos votos e Marina Silva (Rede), completamente desidratada, apenas 1% dos votos — atrás de João Amoedo (Novo), com 2,5%; Cabo Daciolo (Patriotas), 1,2%; e Henrique Meirelles, 1,2%.

O realinhamento de forças políticas será importante no segundo turno. Parcela considerável do eleitorado, porém, se deslocará antecipadamente, o que deverá fazer com que Bolsonaro comece o segundo turno com mais de 50% dos votos válidos nas pesquisas. É uma conta simples de ser feita: a maioria dos votos de Amoedo, Daciolo e Meirelles, que somam em torno de 5%, tende a se transferir para o candidato do PSL, que precisaria de mais 4% dos votos válidos para vencer o pleito; Haddad, em contrapartida, mesmo com a maioria dos votos de Ciro e Marina, que somam 13,5%, alcançaria no máximo 42% dos votos. Ou seja, por gravidade, Bolsonaro derrotaria Haddad no segundo turno.

Entretanto, como já se viu várias vezes, teremos uma nova eleição. Haverá debate político entre os dois candidatos, que continuarão se digladiando no horário eleitoral gratuito e nas redes sociais. Bolsonaro, desta vez, terá paridade de meios para a propaganda no rádio e na tevê. A rigor, não precisará de um grande esforço em direção ao centro para vencer as eleições, porque já capturou uma parte desse eleitorado. Seu discurso politicamente incorreto, que aparentemente é seu ponto fraco, não foi empecilho ao seu desempenho no primeiro turno; porém, pode levá-lo a perder os votos transferidos por gravidade.

A situação de Haddad é mais complexa. Chegou ao segundo turno graças ao carisma de Lula, que abduziu sua identidade, mas isso lhe trouxe também a grande rejeição antipetista. O discurso de quem põe a soberania nacional e a soberania popular acima de tudo é envelhecido, passa a ideia de dubiedade quanto ao compromisso com as instituições democráticas e uma visão nacional desenvolvimentista ultrapassada, que dificulta suas alianças. A sua soberba também pode pôr tudo a perder, porque precisa conquistar mais de 21% dos votos válidos para ganhar as eleições. Os votos da esquerda não chegam a tanto. Os 4,8% que ficaram até o fim com Geraldo Alckmin, por exemplo, podem fazer a diferença.

Num artigo intitulado “Ao vencedor, as batatas”, publicado ontem no jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Viana adverte: “O artifício de negar a identidade ao centro político, de existência comprovada empiricamente em nossa sociedade há décadas, não tem como resistir ao império dos fatos. A iminência de um segundo turno eleitoral nos devolve, em clima de pânico, com o tempo fugindo das mãos, a busca pelo centro perdido. Sem ele, como vencer as eleições, pior, como governar? Com Haddad teremos o indulto de Lula e a convocação de uma Assembleia Constituinte? Faltaria combinar com os russos, que, aliás, são muitos. Que economia nos espera com Bolsonaro, a do Pinochet, neoliberalismo com fuzis?”

Ricardo Noblat: O PT escolhe errar outra vez

- Blog do Noblat | Veja

Sai de cena o “nós” contra “eles” que já andava meio esquecido. No seu lugar entra a “civilização” contra a ‘barbárie”.

Esse será um dos motes, ou o principal, da campanha de Fernando Haddad (PT) no segundo turno da eleição.

O partido não aprende com seus erros. A divisão do país que carrega a assinatura do PT produziu o que ele colhe agora.

Haddad precisa de votos para derrotar Jair Bolsonaro (PSL). Não lhe bastarão os disponíveis dos eleitores de esquerda.

Mas como ser bem-sucedido se ao invés de apelar à união investirá outra vez no seu oposto?

De fato, o PT jamais imaginou chegar ao segundo turno com Lula preso e Haddad ou qualquer outro nome no lugar dele.

Talvez não quisesse. Agiu para manter o monopólio do voto de esquerda, e, nesse caso, e só nesse, deu-se bem.

O segundo turno é jogo jogado. Bolsonaro pode dar-se ao luxo de começar a governar desde agora por falta de quem o faça.

‘Será difícil manter a governabilidade nos próximos 4 anos’, afirma Romano

Entrevista com Roberto Romano, filósofo

Para o filósofo Roberto Romano, o Brasil sai dessa eleição numa situação tensa em termos sociais e políticas

Renée Pereira | O Estado de S.Paulo

O filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vê tempos difíceis para o Brasil nos próximos quatro anos, seja com Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT) na presidência da República. Na avaliação dele, a polarização continuará e a governabilidade do País será difícil. Sobre os apoios no segundo turno, ele avalia que os dois candidatos vão enfrentar dificuldades e terão de pagar um preço alto pelas alianças. Leia também a entrevista com o sociólogo da Universidade Mackenzie Rodrigo Prando, que afirma que a polarização 'poderá continuar no próximo governo’.

• Como será o rearranjo político nesse segundo turno?

Os dois candidatos terão problemas. O Centrão já disse que vai apoiar o Bolsonaro, mas qual custo ele vai apresentar? Por que o Centrão sempre apresenta uma conta. O Bolsonaro vai ter condição de pagar essa conta? Não sei. Por outro lado, o Haddad, o PT e seus dirigentes, fizeram o diabo e mais alguma coisa com o Ciro Gomes (PDT). Reatar relações profundas em um mês não dá. Vai ser muito complicado. Não vejo os eleitores do Ciro passar para o Bolsonaro, mas vejo a possibilidade de eles se absterem. Aí não há o efeito de crescimento. Quem tinha 40% de intenção de voto era o Lula não o Haddad. Ele não é uma liderança. Esse é um erro tradicional do PT, que sempre se apoiou numa liderança nacional que é o Lula. Ele nunca permitiu que lideranças menores se alçassem ao plano nacional. Hoje você tem o Lula preso e lideranças do PT regionais, mas não tem lideranças nacionais. Quem tem muito voto tem a tendência de chamar a atenção de apoios. Mas esse apoio tem preço. No caso do PT, o erro tático e estratégico pode trazer consequências letais.

PT tem responsabilidade pelo cenário de extremos, diz sociólogo

Bolsonaro é uma pessoa, não um partido. O partido dele não é nada. Ninguém sabe direito o que é. Não tem doutrina

Por Robinson Borges | Valor Econômico

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com o sociólogo José de Souza Martins, integrante da Academia Paulista de Letras e colunista do Valor.

Valor: De quem é a responsabilidade pelo cenário de extremos?

José de Souza Martins: Em boa parte é do PT, que optou por constituir um partido sem conexões e adjacências em nome de uma pureza ideológica. O PT tem certa responsabilidade nessa orientação. Acho que uma certa responsabilidade do PSDB também, que entrou no jogo e caiu na armadilha. Fez o jogo de polarizar com o PT. Estas eleições mostram isso. Os eleitores optaram por descartar o binarismo da política, entre PT e PSDB.

Valor: Muitos atribuem à narrativa do "nós contra eles", que o então presidente Lula iniciou no mensalão, como a raiz da polarização destas eleições. O senhor concorda?

Martins: Teve impacto enorme. Tanto o PT quanto o PSDB, mas principalmente o PT, não perceberam que ocorriam transformações sociais. Essa polarização tinha certo sentido no nascimento do PT. Havia uma classe operária contra os intelectuais e a classe média. O partido não queria ambiguidades na composição social. Se você pegar o ABC paulista, a classe operária não existe mais, o cinturão vermelho desapareceu. Há um quadro de transformação social que o partido não acompanhou. O PSDB tampouco. Houve esvaziamento por aí. Lula pode ter percebido isso, mas tratou de transformar o PT não em um partido dos trabalhadores, mas em um partido do Lula.

Valor: O senhor sempre foi um crítico do caráter messiânico do ex-presidente Lula...

Martins: Sempre fui crítico do messianismo do Lula. Não é algo moderno, não tira o país do buraco, cria uma série de problemas que dificultam o processo político. O PT tem que se transformar, se quiser sobreviver, em um partido moderno. Mas há apego ao Lula, um homem que não tem condições de dirigir nada. Ele está preso e tem ainda outros processos pela frente. Isso bloqueia o partido.

Brasil à direita: Editorial | Folha de S. Paulo

Com espantoso impulso na reta final, Bolsonaro chega ao segundo turno em ampla vantagem

Na eleição presidencial tida como a mais imprevisível desde 1989, passaram ao segundo turno as duas forças políticas que se destacavam nas pesquisas desde o ano passado.

A surpresa, só devidamente dimensionada depois do fechamento das urnas, foi a impressionante onda que se formou nos momentos finais em favor de Jair Bolsonaro (PSL) e de seus aliados nos pleitos estaduais e legislativos.

Por pouco o capitão reformado, que passou a maior parte da campanha recolhido, vítima de um abominável ataque a faca, não saiu vencedor já neste domingo (7). Os votos do Nordeste, onde ainda se impõe a força do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), levaram Fernando Haddad à rodada final.

Bolsonaristas de origem ou de ocasião surpreenderam nos maiores colégios eleitorais do país. Em São Paulo, o correligionário Major Olímpio apareceu à frente na disputa pelo Senado. Finalista e em tese favorito na corrida ao Bandeirantes, o tucano João Doria já declarou apoio ao capitão.

Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) passou ao segundo turno na primeira colocação, dias depois de declarar apoio ao capitão; no Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) disparou à frente do ex-prefeito da capital Eduardo Paes (DEM), com quem fará o confronto definitivo.

Se as eleições municipais de 2016 já mostravam uma guinada conservadora do eleitorado, agora caminhou-se mais à direita —e com rejeição a líderes mais tradicionais.

Com uma pregação tosca, de tons frequentemente autoritários, e um programa ultraliberal encampado na última hora, Bolsonaroconquistou ampla vantagem nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, tomando redutos que haviam escolhido o PSDB há quatro anos.

Uma escolha muito difícil: Editorial | O Estado de S. Paulo

O segundo turno da eleição presidencial vai opor duas candidaturas que se nutriram dos antagonismos que hoje parecem predominar na sociedade brasileira, à esquerda e à direita. Pela primeira vez desde a redemocratização do País, não haverá um candidato de centro na etapa final da disputa - ou seja, o eleitor, que tradicionalmente privilegiou a moderação, a despeito do calor das campanhas, optou pelos extremos, denotando seu fastio com a política tradicional depois de anos de sucessivos escândalos.

De um lado, o direitista Jair Bolsonaro (PSL), o truculento apologista da ditadura militar; de outro, o esquerdista Fernando Haddad (PT), o preposto de um presidiário. Não será nada fácil para o eleitor decidir-se entre um e outro.

No caso de Bolsonaro, mesmo o mais bem informado eleitor terá dificuldade em saber quais são suas propostas para tirar o País da rota do iminente desastre fiscal. Nas poucas vezes em que foi questionado sobre o assunto durante a campanha, em entrevistas ou debates, o ex-capitão gaguejou, apelou para frases feitas, com pouco sentido, e, por fim, acabou admitindo que é absolutamente ignorante em economia, indicando o economista Paulo Guedes, seu assessor na área, para responder por ele.

Segundo turno precisa discutir, enfim, programas: Editorial | O Globo

Depois das eleições de 2016, PT continua a pagar um preço pela corrupção e a ruína econômica

Eleitores continuam a cobrar do PT a conta da corrupção e dos erros crassos de Dilma na economia, sob as bênçãos de Lula. Em uma campanha fora dos padrões, em que o candidato líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), passou boa parte do tempo hospitalizado, devido ao atentado que sofreu — sem participar, portanto, de alguns debates e sabatinas —, o primeiro turno confirmou as expectativas de sua vitória.

Chegou-se a prever que ele conseguiria vencer no primeiro turno, dado o crescimento do apoio que passou a ter assim que a candidatura petista de Fernando Haddad acelerou o passo, com a evolução rápida da transferência de votos que eram destinados a Lula antes de o ex-presidente ser impugnado pela Justiça, com base na Lei da Ficha Limpa.

Nesse momento, entrou em ação de maneira clara uma das características desta eleição, o voto antipetista. Se somado, deve representar hoje a força política mais poderosa no Brasil.

A oposição ao PT é um dos vértices do espaço de radicalização que se abriu nestas eleições, entre direita e esquerda. O partido já havia padecido nas eleições municipais de 2016 pelo comprovado envolvimento de importantes líderes seus em esquemas de corrupção. A partir do mensalão, desde o início do primeiro mandato de Lula (2003-6), até o ápice do petrolão, desarticulado pela Lava-Jato a partir de março de 2014, com Dilma Rousseff em campanha para o segundo mandato.

Bolsonaro e Haddad vão ao 2º turno em busca do centro: Editorial | Valor Econômico

Sem participar dos debates na reta final de campanha e com tempo ínfimo de TV, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, deu uma impressionante demonstração de força e quase encerrou a eleição presidencial no primeiro turno. Com mais de 48 milhões de votos, Bolsonaro abriu uma dianteira confortável de 18,1 milhões de votos sobre Fernando Haddad, do PT, o segundo colocado. Os dois candidatos mais rejeitados, representantes de pontas opostas do espectro político, serão obrigados a se confrontar em um saudável segundo turno.

A campanha radicalizada do primeiro turno não foi produtiva para o debate dos programas políticos. O segundo turno terá forçosamente de sê-lo, porque o eleitor moderado, tradicional apoiador de um centro político que foi arrasado nas urnas, terá de ser conquistado.

A largada para a segunda etapa da disputa é mais favorável a Bolsonaro, mas é uma outra eleição, na qual o candidato do PSL terá tempo igual a seu rival petista no horário eleitoral gratuito. O capitão reformado obteve mais de 3 milhões de votos do que os de toda a esquerda e centro-esquerda reunidas - Haddad, Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (Psol). Há, porém, 10 milhões de votos distribuídos entre os candidatos de centro - Geraldo Alckmin (PSDB), João Amôedo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos). É este contingente de eleitores, que deverá definir o próximo presidente.

O vendaval Bolsonaro foi forte a ponto de mudar o quadro desenhado nas pesquisas em Estados importantes, como Minas, Rio de Janeiro e São Paulo. Em disparada de última hora, Romeu Zema (Novo), que declarou apoio ao candidato do PSL, deixou para trás o favorito Antonio Anastasia (PSDB)e o ultrapassou por 13 pontos percentuais, levando a disputa ao segundo turno e dela excluindo o governador petista, Fernando Pimentel. A ex-presidente Dilma Rousseff, até então primeira colocada para a disputa do Senado por Minas, terminou na quarta colocação.

No Rio de Janeiro, reduto eleitoral dos Bolsonaro, Wilson Witzel (PSC), que apoia o PSL, chegou da noite para o dia em primeiro lugar, com mais que o dobro da votação do então franco favorito, Eduardo Paes (DEM) e com uma vantagem de 22 pontos percentuais. Em São Paulo, Major Olímpio, do PSL, foi o senador mais votado, quando até há pouco não parecia ter chances de vitória.

Gal Costa - Se todos fossem iguais a você

João Cabral de Melo Neto: A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.