sábado, 7 de março de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Quando o presidente não exerce o poder, outras forças exercem. Quando a liderança não exerce o papel de agregação, as coisas não andam. Graças a Deus temos lideranças no Congresso. A principal delas está aqui ao meu lado.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. Ontem, na palestra de Rodrigo Maia no IFHC, O Estado de S. Paulo, 07/03/2020.

Hélio Schwartsman - Os planos maquiavélicos de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Mesmo sem força para mudanças profundas, suas ações já pioraram a democracia

A estratégia protogolpista do presidente Jair Bolsonaro é perfeita, exceto pela falta de um ingrediente essencial, que são os índices elevados de popularidade. Para que a tática de jogar o povo contra os outros Poderes funcione, é preciso que o Executivo conte com o apoio decidido da maioria dos cidadãos —e isso Bolsonaro não tem.

Com efeito, líderes populistas que lograram enfraquecer as instituições incumbidas de controlá-los, como Vladimir Putin, Viktor Orbán, Recep Tayyp Erdogan e Hugo Chávez, tiveram força política para enquadrar outros Poderes e até reescrever as constituições de seus países graças a bons resultados econômicos que, durante algum tempo, entregaram a seus eleitores.

Bolsonaro não chegou nem perto disso. As pesquisas de popularidade lhe dão algo em torno dos 30% de avaliações positivas, contra 36% de negativas. E é remota a chance de ele vir a surfar numa onda de pujança econômica. Se, no final de 2019, economistas ainda viam a possibilidade de o Brasil crescer uns 2% em 2020, as perspectivas pioraram no último par de meses. Agora, com o coronavírus, já há quem fale em recessão global, um cenário que seria mais compatível com rejeição nas urnas e impeachment do que com reeleição e remodelamento constitucional.

Julianna Sofia – De semana em semana

- Folha de S. Paulo

Com divulgação do pibinho, Guedes se escora na pauta reformista

No manual de usos e costumes do ministério de Paulo Guedes (Economia), a métrica de prazos agora se dá em semanas. Qualquer iniciativa para a qual não se consiga atribuir datas, adota-se a previsão de "duas semanas". Também em semanas, o ministro quantifica o tempo que falta ao Brasil para ser salvo: apenas 15, período que resta para aprovar o "core" da agenda econômica no Congresso antes do recesso parlamentar em ano eleitoral.

A valer os novos padrões e os últimos rumores, ficou para a próxima semana (pela enésima vez?) o anúncio do envio da reforma administrativa ao Legislativo —três semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que a proposta estava madura para ser encaminhada à Câmara.

As mudanças, que prometem revolucionar a gestão pública, alterando a estrutura do funcionalismo para novos servidores, enfrentam o boicote do próprio Palácio do Planalto.

Alvaro Costa e Silva- 'Talkey show' da vergonha

- Folha de S. Paulo

Diante de tantas ofensas, repórteres devem continuar ouvindo o presidente no cercadinho do Palácio da Alvorada?

Não tendo como mentir sobre o pibinho, Bolsonaro convocou um humorista travestido de Bolsonaro para distribuir bananas à imprensa —um humorista, aliás, que é fake: autodenominado Carioca, ele nasceu em Niterói. Jornalistas não cooptados pelas verbas do governo se recusaram a participar da palhaçada, agravando uma discussão deontonlógica: diante de tantas ofensas, repórteres devem continuar ouvindo o presidente no cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada?

O "talkey show" é uma vergonha, mas deve, sim, ser registrado, para que no futuro não digam que estávamos aumentando ou faltando com a verdade —por mais inverossímil que ela pareça. E até para que possamos rir dela, ao lado de nossos netos, quando o pesadelo passar. Se o próprio presidente quer fazer um papel ridículo, o problema é dele. E, se não formos nós, quem irá questioná-lo? A claque? Isso não quer dizer que não possamos protestar: na próxima semana está marcado um dia de braços cruzados simbólico.

Na esperança de que a relação entre imprensa e governo possa se estabelecer de maneira responsável, segue uma pequena pauta com perguntas a serem respondidas pelo verdadeiro presidente, aquele que fez o juramento de manter e cumprir a Constituição, e não pelos muitos bobos da corte, profissionais ou não, que o circundam:

Demétrio Magnoli* - A África é um país

- Folha de S. Paulo

A ideia nasceu fora da África, aclimatou-se na África e, depois, viajou novamente para fora da África

“A África não é um país”, avisa a camiseta criada por Vensam Iala, imigrante da Guiné-Bissau. Iala tem razão em alertar para a diversidade africana. Mais ainda, em perfurar a espessa camada de preconceitos que envolve a imagem dos povos do continente. Mas erra ao atribuir ao imperialismo a noção que contesta. De fato, as potências coloniais traçaram as fronteiras políticas africanas, fabricando quase todos os seus 54 países, inclusive a Guiné-Bissau. Foram africanos os que difundiram a ideia da África como um só país.

A semente foi plantada em meados do século 19 pelo missionário americano Alexander Crummell, filho de escravo e negra livre, que definiu a África como a pátria da “raça negra”. O pan-africanismo ganhou um arauto de peso em W. E. B. du Bois, fundador da NAACP, a grande organização social negra dos EUA: “Somos negros, membros de uma vasta raça histórica que começa a acordar nas florestas escuras de sua pátria africana”, escreveu em 1897. O grito ecoou na Jamaica, em 1914, pela voz de Marcus Garvey, rival de Du Bois, que sonhava “unir todos os povos negros do mundo para estabelecer um país e um governo absolutamente seus”.

A utopia da unidade geopolítica africana chegou, finalmente, à África por meio dos líderes das lutas anticoloniais. Muitos deles estudaram na Europa ou nos EUA, onde formaram suas convicções pan-africanistas. “A África é um país”: a inscrição certamente estaria numa camiseta concebida pelos futuros chefes dos primeiros governos soberanos de Gana (Nkrumah), do Quênia (Kenyatta), da Nigéria (Azikiwe), de Malawi (Banda), do Senegal (Senghor), do Congo (Lumumba) e da Guiné-Bissau (Luís Cabral, meio-irmão do intelectual pan-africanista Amílcar Cabral).

José Álvaro Moisés* - Em defesa da democracia representativa

- O Estado de S.Paulo

Democratas têm de dizer sem subterfúgios que não concordam com as iniciativas bolsonaristas

Eleito com grande maioria de votos, o presidente Jair Bolsonaro tem a responsabilidade de pacificar a Nação, apesar de seus arroubos autoritários, pois, desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Brasil está completamente dividido e polarizado política e ideologicamente, o que afeta as relações do governo com a sociedade. A legitimidade eleitoral conquistada nas eleições, porém, não o autoriza a abandonar a obrigação de governar para todos os brasileiros, e não apenas para os seus apoiadores. O próprio presidente assegurou ao País que faria isso ao jurar respeito à Constituição da República.

Em seu primeiro ano de mandato, no entanto, Bolsonaro alimentou muitas dúvidas sobre a racionalidade de suas ações e o compromisso de cumprir a Constituição. Recusando-se a formar uma maioria governativa no Congresso Nacional, como requerido pelo sistema político, não assumiu a liderança do partido que o elegeu nem coordenou as forças que o apoiam. Diante de novo protagonismo do Congresso, optou pela ausência de diálogo com as forças políticas e envolveu-se em seguidos conflitos com o Poder Legislativo, que, não obstante, tem aprovado suas propostas, a exemplo da reforma da Previdência e, agora, o seu veto no caso do orçamento impositivo. Quanto às questões tributária e administrativa, o governo hesita e não define os seus projetos.

Durante 2019, o presidente sustentou uma retórica de confronto com seus críticos e adversários, grosseira em muitos episódios, e ofensiva ao decoro do cargo pelo grau de desrespeito a importantes segmentos da sociedade, como as mulheres, os negros e os indígenas, cujos direitos ameaçou ou tentou retirar em alguns casos. Quis ainda controlar a liberdade de ação da sociedade civil e, adotando uma política ambientalista desastrosa, voltada para desconstruir o que havia sido feito em governos anteriores, atritou-se com chefes de Estado estrangeiros focados na preservação da Amazônia, esvaziando o papel do Brasil nessa área.

A estratégia do presidente se choca com a estabilidade institucional requerida pela doutrina da separação de Poderes e busca o tempo todo desviar a atenção da estagnação econômica, que permanece, apesar de uns poucos sinais de recuperação, e de suas supostas ligações com milicianos. Ademais, hostilizou governadores de oposição com acusações descabidas e desafiou a maioria deles a diminuir impostos sem, contudo, dialogar ou apresentar propostas consistentes a esse respeito. Nem a gravíssima crise de segurança do Ceará fez o presidente desautorizar o desrespeito às leis por policiais militares revoltosos.

Miguel Reale Júnior* - Nacional-populismo

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro pulou fora da dignidade e dos limites constitucionais impostos pelo cargo

A eleição de Bolsonaro insere-se no fenômeno do surgimento da direita nacional-populista que levou ao poder Trump nos Estados Unidos, Viktor Orbán na Hungria, Salvini e Beppe Grillo na Itália, ao Brexit e a Johnson na Inglaterra.

Líderes vencem não pela consistência de suas convicções, mas porque, orientados por especialistas em opinião pública, lançam mão de técnicas e algoritmos na internet. Conhecem, então, a receita do bolo a ser servido a cada tribo de consumidores/eleitores, por via do estudo científico dos medos, aspirações, alegrias e ódios desvelados no uso das redes sociais, das quais surge perfeita tomografia de corpo e alma dos usuários. As frustrações e a raiva que produzem são fonte de energia e formam o cardápio político. Conforme Moura e Corbellini (A Eleição Disruptiva – por que Bolsonaro venceu, Record, 2019),“a vitória de Bolsonaro foi a manifestação da ira contra tudo o que está aí, foi a eleição dos indignados”.

Os magos por trás da máquina de controle daqueles que se pensam, enganadamente, fautores do próprio destino por integrarem as redes sociais são os técnicos como Gianroberto Casaleggio, na Itália, Dominic Cummings, que conduziu a campanha em favor do Brexit, o ex-chefe de campanha de Trump e próximo de Olavo de Carvalho, Steve Bannon, o articulador de Orbán, Arthur Finkelstein e o controvertido jornalista Milo Yiannopoulos.

É Giuliano Da Empoli, no livro Os Engenheiros do Caos (Vestígio, 2019, tradução de Arnaldo Bloch), que revela a nova política tecnicamente administrada, gerida sem nenhum limite ético.

As manobras antes utilizadas em face do consumidor passaram a ser aplicadas ao eleitor, objeto de cooptação para levar ao poder ambiciosos sem pudor, falsos moralistas que prometem expulsar os maus do “templo” valendo-se do ressentimento e da raiva fáceis de ser explorados, sempre sob a ótica conspiratória contra bodes expiatórios denunciados com fake news nas redes sociais.

Adotam esses chefes autoritários posições diversas a cada passo. Dizem um dia o necessário para contentar parcela Y da sociedade, para no seguinte, sem preocupação com a coerência, aderirem ao inverso, se preciso, para satisfazer a parcela X.

Adriana Fernandes - Espiral negativa na economia

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira; nega-se a assumir protagonismo na agenda

O governo deveria deixar de lado urgentemente o debate sobre a separação da composição do PIB privado x PIB público, que ganhou força pelas redes sociais após a divulgação do resultado de 1,1% de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019.

Alimentar e estender a polarização também na área econômica, com propaganda política disparada pelo Palácio do Planalto, é irritante e tira o foco do que é principal neste momento: estancar a espiral negativa que abala a economia brasileira nos últimos dias. É uma distração desnecessária.

A espiral, sim, é assustadora. O dólar em alta e a saída rápida de dinheiro do País dão o tom do momento. O ambiente doméstico ruim se soma ao cenário desafiador provocado pelo impacto negativo na economia mundial do alastramento da epidemia do novo coronavírus.

Num piscar de olhos, a economia pode afundar e perder até mesmo o pouco crescimento que temos para hoje e que é justamente alvo das críticas. É isso que se quer?

São muitos os problemas a serem encaminhados nas próximas 15 semanas (até que o Congresso pare de vez por conta das eleições). O ministro da Economia, Paulo Guedes, está perdendo a cada dia nacos grandes de confiança que o setor privado lhe conferiu desde o início do governo.

O presidente Jair Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira. Nega-se a assumir protagonismo na agenda e ao mesmo tempo pressiona por resultados rápidos na economia para se reeleger. Faz sentido?

É com estupefação que assistimos Bolsonaro, mais uma vez, criticar o trabalho da Receita Federal, minando o órgão que é responsável por colocar dinheiro no caixa. O que pode acontecer a um país onde os contribuintes não confiam na capacidade do Fisco de arrecadar? Aumento da sonegação e cofres mais vazios.

É, portanto, de natureza menor a polêmica encabeçada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) sobre a composição do PIB usada nas propagandas.

Merval Pereira - ‘Isso aí acabou’

- O Globo

Deputados procuraram o presidente da Câmara com uma apreensão: acreditavam que estavam sendo gravados

Foi assim que o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da presidência da República, tranquilizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em relação ao temor de alguns deputados de que estariam sendo monitorados pelo governo.

No início do governo Bolsonaro, quando a relação com o Congresso estava em momento crítico, deputados procuraram o presidente da Câmara com uma apreensão: acreditavam que estavam sendo gravados.

Os relatos não foram conjuntos, mas individuais, em diversas circunstâncias, uns consideravam que seus telefonemas estavam sendo grampeados, outros “sentiam” que estavam sendo gravados em suas conversas no Palácio do Planalto.

Eram mais percepções e temores do que fatos concretos que motivassem uma reclamação formal do presidente da Câmara. Até que um deputado com patente militar, ligado à comunidade de tecnologia de segurança de informação, disse a Maia que tinha certeza de que fora grampeado, e deu detalhes técnicos sobre o que poderia ter acontecido ao seu celular Android.

Segundo relatos de deputados, o presidente da Câmara aproveitou uma conversa com o General Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para abordar o tema delicado. Revelou a preocupação de diversos deputados, e recebeu a resposta tranquilizadora, que foi repassada aos deputados queixosos. O assunto morreu.

A revelação do ex-ministro Gustavo Bebianno de que o filho 02 Carlos Bolsonaro pensara em montar um esquema não oficial paralelo de monitoramento de políticos e jornalistas trouxe o assunto de volta ao noticiário e gerou desdobramentos.

Ontem, a revista Crusoé publicou em sua capa um amplo material sobre o tema, detalhando como o esquema teria sido montado. Não há dúvida de que o atual diretor da Agência Brasileira de Informações (ABIN), delegado Alexandre Ramagem foi quem incialmente discutiu com Carlos e mais três agentes da Polícia Federal a estruturação de uma equipe que seria responsável por essa atividade. Mas não é possível afirmar, (apenas intuir), que ele sabia que o trabalho seria clandestino, embora patrocinado pelo novo grupo que ocupava o Palácio do Planalto.

Ascânio Seleme - Mudar o futuro olhando o passado

- O Globo

Dois livros que serão lançados este mês ajudam a entender como chegamos até aqui

Serão lançados ainda este mês dois livros importantes para se entender melhor o capitalismo e o imperialismo modernos. Para o brasileiro, cujo governo bajula descaradamente os Estados Unidos de Donald Trump, sua leitura pode ser saudável. Trata-se de “Capital e Ideologia”, de Thomas Piketty, e “Tempos Difíceis”, de Mario Vargas Llosa. O primeiro, do economista francês cujo livro de estreia (“Capitalismo no Século XXI”) vendeu 2,5 milhões de exemplares, é um mergulho na história das nações que aponta para as desigualdades que a exploração de umas sobre outras geraram. O segundo, do prêmio Nobel de Literatura de 2010, conta a história da participação americana num golpe de estado na Guatemala, em 1954.

Com o livro de Piketty se compreende a construção do hipercapitalismo de hoje através do relato de experiências históricas. A posse desse conhecimento pode ser útil no processo de “superação do capitalismo por uma economia mais justa e descentralizada”, disse o economista numa entrevista à “Economist”. “Se nos negarmos a buscar esse caminho”, explicou, “corremos o risco de continuar fortalecendo o avanço identitário e xenófobo”. Com exemplos contundentes, o livro tenta encontrar soluções igualitárias para a reorganização do sistema econômico.

Três exemplos que merecem ser mencionados ocorreram nos Estados Unidos e em colônias francesas e britânicas no continente americano. Piketty explica que a proporção enorme de escravos na população do Haiti, entre 80% e 90%, gerou inúmeras revoltas até a emancipação em 1794, bem mais cedo do que nos demais países da região e quase cem anos antes da Lei Áurea, por exemplo. O Haiti se declarou independente em 1804, mas a França só reconheceu este status em 1825, obrigando o novo país a ressarci-la pelos escravos emancipados.

A Inglaterra, que até hoje mantém 15 colônias no Caribe, na América do Sul, na Oceania, na África e na Ásia, ressarciu todos os proprietários de escravos nas suas ilhas caribenhas e na Guiana quando decidiu interromper o tráfico, em 1807. Nenhum centavo destinou aos escravos libertados. A França também indenizou proprietários e deu nada aos ex-escravos. Nos Estados Unidos, durante a Guerra Civil, o presidente Abraham Lincoln prometeu dar a cada escravo 40 hectares de terra e uma mula. Era uma forma de incentivá-los a lutar ao seu lado. A guerra foi ganha, mas a indenização nunca foi paga.

Em “Tiempos Recios”, ou “Tempos Difíceis”, Vargas Llosa conta uma outra forma cruel de se defender interesses econômicos contra a soberania de uma nação e a emancipação de seu povo. O escritor relata como o governo americano, com o apoio da CIA, fomentou, instrumentalizou e ajudou a executar um golpe de estado contra o presidente Jacobo Arbenz, da Guatemala, em 1954. Arbenz fazia um governo de reformas para transferir rendas e terras a 90% da população, quase toda indígena, que vivia à margem do sistema econômico do país.

O golpe foi patrocinado pela então famosa e poderosa United Fruit, que produzia banana em quase todos os países da América Central. Na Guatemala, a empresa americana explorava mão de obra baratíssima, era dona de vastos territórios e não pagava sequer um centavo de imposto aos cofres públicos. O ultraje de Arbenz à United Fruit foi exigir que ela passasse a recolher impostos, como todo mundo.

Os dois livros ajudam a entender como chegamos até aqui. A Guatemala só fez uma eleição limpa depois de 30 anos. Durante todo esse tempo a vasta maioria do seu povo permaneceu alienada do processo político e econômico do país. O Haiti só conseguiu quitar sua dívida de 150 milhões de francos-ouro com a França em 1950. Piketty sugere caminhos. Vargas Llosa revolve o estômago do leitor com os abusos que relata e, se não aponta alternativas, pelo menos se vinga de um dos piores personagens da história. O violento Abbes García, chefe do Serviço de Inteligência Militar da República Dominicana, é apresentado como um homem quase impotente e que tem ejaculação precoce.

Míriam Leitão - O perigo da ambiguidade

- O Globo

É espantoso que um governo com tantos generais tenha sido leniente com a atuação delinquente de servidores públicos armados

Entre as anomalias deste tempo está a ambiguidade com que o governo Bolsonaro tratou o motim da Polícia Militar no Ceará. O presidente, seus filhos e seus ministros, inclusive os generais — com raras exceções — não condenaram a ação criminosa dos policiais e usaram o evento para os seus objetivos políticos. O governador Camilo Santana (PT) se comportou de maneira firme e mesmo depois de tudo resolvido evitou as polêmicas, para focar no principal: este tipo de movimento é crime e passar mensagens dúbias em relação a ele é pôr em risco a ordem pública.

É espantoso que um governo que tem tantos oficiais generais tenha sido leniente com o comportamento delinquente de servidores públicos armados. Se há um valor que as Forças Armadas costumavam prezar é a hierarquia. Os amotinados a quebraram. Eles usaram as armas compradas com o dinheiro dos nossos impostos contra os cidadãos. Com balaclava no rosto, à moda de bandidos, ameaçaram comerciantes e aterrorizaram cidadãos.

O episódio em que ficou mais claro o apoio implícito do governo federal aos amotinados foi o discurso do coronel Aginaldo Oliveira, comandante da Força Nacional, num palanque, elogiando os amotinados. Eles seriam “gigantes” e “corajosos”. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho”, disse ele. “Demonstraram isso ao longo de 10,11,12 dias que estão aqui dentro desse quartel, em busca de melhoria da classe, e vão conseguir. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho, só os fortes conseguem atingir seus objetivos”. Era um sinal para policiais de outros estados para fazer o mesmo em busca dos seus “objetivos”.

O mais impressionante não foi o que o coronel disse, mas o silêncio dos seus superiores. Um eloquente silêncio como o do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Semanas antes, Moro fora padrinho no casamento do coronel com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e, no discurso da cerimônia, usou para definir a noiva uma palavra considerada elogiosa: “caveira.” No caso do Ceará, Moro escondeu-se no silêncio. Em outros momentos foi loquaz.

No Twitter ele politizou o caso afirmando que “a crise no Ceará só foi resolvida pela ação do governo federal, Forças Armadas e Força Nacional que protegeram a população e garantiram a segurança”. É falso. O governador Camilo Santana foi bem mais equilibrado. Ele reconheceu, em entrevista à Central Globonews, o papel do governo federal, mas afirmou que o governo estadual foi fundamental para debelar a crise e criar os parâmetros para além das fronteiras do Ceará. Santana mandou uma Proposta de Emenda à Constituição do estado proibindo a concessão de anistia a policiais amotinados. Ela já foi aprovada com um adendo feito pelos parlamentares: a própria assembleia fica proibida de analisar aumentos de salários por seis meses após um motim. Se o governador cedesse, o problema se espalharia por outros estados. A tibieza do governo federal tem um motivo conhecido: Bolsonaro fez sua carreira política apoiando motins de policiais. Ele próprio saiu do Exército num caso de insubordinação.

Marcus Pestana - O Papel de cada um

Ou “cada um no seu quadrado”. Ou “cada macaco no seu galho”.

Montesquieu, em seu “O Espírito das Leis”, previu como elemento central para o funcionamento das sociedades democráticas a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que deveriam ser independentes e harmônicos entre si. Essa dinâmica é fundamental para que o sistema de freios e contrapesos aja contra qualquer tentativa de exercício absoluto do Poder. A Constituição Brasileira adotou esta configuração. Mas do papel para a realidade, o que vemos hoje no país é que os conflitos institucionais entre os diversos poderes e instituições têm sido um perigoso elemento de instabilidade política. E a retomada do desenvolvimento depende visceralmente da estabilidade institucional.

Muitas vezes, o Judiciário interfere em relações contratuais estabelecidas e na órbita do Legislativo, quando ameaça legislar. O Congresso Nacional, por vezes, tenta engessar o Executivo e limitar as ações do Judiciário. O presidencialismo brasileiro sempre foi forte, e o Executivo era o grande protagonista comandando a agenda legislativa e exercendo fortes pressões sobre o Judiciário. A opção do atual governo de abandonar o “presidencialismo de coalizão” abriu a brecha para que o Legislativo crescesse em suas prerrogativas e desenvolvesse um inédito protagonismo. Tensões institucionais periféricas são naturais e parte do processo democrático, mas sempre dentro de determinados limites.

A temperatura subiu além do razoável, nas últimas semanas, com a convocação de uma manifestação contra o Congresso e o Supremo, com estímulos visíveis de importantes figuras do governo. E o conflito entre governo e Congresso se materializou na discussão sobre o orçamento impositivo.

Alvo de ataques de apoiadores de Bolsonaro, Maia sobe o tom contra o governo

O presidente da Câmara afirmou que há uma estrutura ligada ao Executivo que é responsável por viralizar "ódio e fake news"

Por Cristiane Agostine | Valor Econômico

SÃO PAULO - Alvo de fortes ataques de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e de protestos marcados para o dia 15 deste mês, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), subiu o tom contra o governo e disse que há uma estrutura ligada ao Executivo que é responsável por viralizar "ódio e fake news".

Ao defender investigações para descobrir quem financia essa rede, Maia afirmou que a gestão Bolsonaro aposta em uma estratégia para atacar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) e transformá-los em inimigas da sociedade, fortalecendo o presidente.

"Infelizmente a gente não tem os recursos e a estrutura que o entorno do governo tem para viralizar tantas fake news como tem sido feito nas últimas semanas", afirmou Maia, em evento promovido pela Fundação FHC, em São Paulo. "Desde o início do governo tem uma estratégia nas redes sociais, o entorno do governo, as redes que o governo influencia têm operado de forma a criar as instituições como inimigas da sociedade, o que não é verdade."

Ao falar sobre os protestos marcados para o dia 15, contra o Congresso e o Supremo, Maia reforçou as críticas ao governo por "viralizar o ódio" e a ideia de que pretende criar o "parlamentarismo branco". "Essas teses são criadas para arranjar alvos para que o Congresso, o presidente da Câmara, do Senado, do próprio Supremo sejam atacados, para que o ódio seja viralizado."

O presidente da Câmara disse que o governo Bolsonaro tem demonstrado que os ataques feitos contra o Legislativo e ao Judiciário não são por "desconfiança" em relação aos dois Poderes, mas sim um "método". "Vivemos um momento difícil", afirmou Maia.

Maia classificou o responsável do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como um ministro do desequilíbrio, depois que ele fomentou a discórdia contra o Legislativo e chamou o Congresso de chantagista — declaração que serviu como estopim para os atos do dia 15.

O parlamentar também reclamou da falta de interesse do presidente em relação às pautas econômicas, sobretudo para organizar as contas públicas e retomar o crescimento econômico, e disse que o Parlamento tem assumido o protagonismo para superar a crise econômica enfrentada pelo país.

Rodrigo Maia: governo tem afastado investidores e contribuído para cenário de crise

Para o presidente da Câmara, congresso deve articular uma agenda de combate aos efeitos do coronavírus com ‘aqueles que tem uma cabeça racional no governo’

Suzana Corrêa | O Globo

SÃO PAULO — O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, declarou nesta sexta-feira que as dificuldades para a realização de reformas e a retomada econômica no país se devem ao descompromisso do governo Bolsonaro com a defesa da democracia e do meio ambiente.

Em evento no Instituto FHC sobre a agenda parlamentar de 2020, o deputado também atribuiu o baixo crescimento à atuação de ministros que promovem ‘desequilíbrios’ no cenário nacional e defendeu acordo no Congresso para enfrentamento dos efeitos do novo coronavírus no país.

— Ontem mesmo recebi um grupo de investidores estrangeiros e faltaram quatro europeus. O líder do grupo disse: ‘olha, infelizmente os investidores europeus foram impedidos de vir ao país por causa do tema da sustentabilidade’. Há um mau humor claro dos investidores em relação ao Brasil por esse tema — afirmou. — Precisamos ser pragmáticos para não perder o que construímos na área ambiental e garantir a retomada do diálogo com esses investidores.

Maia também comentou a lentidão para encaminhamento das reformas administrativa e tributária pelo Executivo e defendeu união do Congresso em agenda que combata os efeitos da crise do novo coronavírus na economia.

— Em conversa com o presidente Davi (Alcolumbre, do Senado) mais cedo, ele me disse que vai propor – e acho que ele está no caminho correto, já que o governo não propôs – uma reunião da equipe econômica com o Congresso Nacional, para que a gente possa compreender qual o tamanho da crise (econômica) que o Brasil vive e quais os impactos que virão da crise com o coronavírus. — disse.

Maia: 'Não temos a estrutura que o entorno do governo tem para viralizar tanta fake news'

A nove dias das manifestações convocadas por grupos e lideranças bolsonaristas, presidente da Câmara sobre o tom nas críticas ao Executivo

Pedro Venceslau e Pedro Caramuru | O Estado de S.Paulo

A nove dias das manifestações convocadas por grupos e lideranças bolsonaristas contra o que chamam de “parlamentarismo branco” do Congresso Nacional, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) subiu o tom nas críticas ao Executivo em palestra realizada nessa sexta-feira, 6, na Fundação Fernando Henrique Cardoso, na capital paulista. Segundo o parlamentar, o “entorno do governo” age para atacar as instituições nas redes sociais.

“Não queremos um milímetro do que é responsabilidade do Executivo, mas queremos que as prerrogativas parlamentares do Congresso Nacional sejam respeitadas. Cria-se conflitos onde não existe em um País com 11 milhões de desempregados. Não podemos discutir uma coisa criada para viralizar o ódio, que é essa questão de parlamentarismo branco. Essas teses são criadas para arranjar alvos para que os presidentes da Câmara, Senado e Supremo sejam atacados. Isso só atrasa as soluções”, disse Maia em entrevista coletiva após sua palestra.

O presidente da Câmara foi além: “Não temos os recursos e a estrutura que o entorno do governo tem para viralizar tantas fake news como tem sido feito nas últimas semanas. Desde o início o entorno governo tem operado uma estratégia nas redes sociais para criar as instituições como inimigos da sociedade, o que não é verdade”

Sobre os motivos da convocação para os atos, Maia citou como exemplo o "parlamentarismo branco". "Essas teses são criadas para que o Congresso, o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo sejam atacados", afirmou. "Eu sou contra o parlamentarismo. O Parlamento precisa dar muitos passos para recuperar a credibilidade", disse Maia.

Governo afasta investidores e atrasa reformas, diz Maia

Presidente da Câmara defende acordo de votações para enfrentar coronavírus

Eduardo Cucolo | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse nesta sexta-feira (6) que o governo Jair Bolsonaro tem contribuído para afastar investidores do país, ao gerar incertezas em relação ao seu compromisso com a democracia e com a defesa do meio ambiente, além de contribuir para atrasar o andamento da agenda de reformas.

A afirmação, segundo ele, tem como base conversas recentes com investidores estrangeiros, que têm mencionado essas questões.

Maia responsabilizou o Ministério da Economia pelo atraso no andamento das reformas, mas afirmou que líderes do Congresso irão se reunir com integrantes da Pasta para organizar uma pauta que ajude a aumentar a confiança no Brasil e a enfrentar os problemas econômicos gerados pela crise do coronavírus.

Disse ainda que há ministros que deveriam garantir o equilíbrio e passaram a ser ministros do desequilíbrio, citando nominalmente o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que declarou que o Congresso chantageava o governo.

“O governo gera uma insegurança grande para sociedade e para os investidores. As pessoas estão deixando de investir pela questão do meio ambiente e pela questão democrática”, afirmou Maia durante palestra no Instituto FHC sobre reformas econômicas.

Ele citou reunião recente com investidores europeus que manifestaram impedimentos para investir no país por conta da postura do governo na área de meio ambiente.

Maia disse que o país vive um momento difícil na relação entre os Três Poderes, ao qual se somam um baixo crescimento na economia e, agora, a desaceleração global e a incerteza provocada pelo cenário externo.

“Vivemos uma crise econômica, sem dúvida nenhuma. Os dados do ano passado confirmam isso. A agenda do Parlamento passa a ter outra preocupação. Teremos uma reunião da equipe econômica com o Congresso para que a gente possa compreender qual o tamanho da crise, e o que aqueles que têm uma cabeça racional no governo podem dialogar com a Câmara e o Senado e organizar uma pauta e um calendário priorizando aquilo que de fato vá gerar impacto e uma sinalização importante à sociedade e aos atores econômicos”, afirmou Maia durante palestra no Instituto FHC sobre reformas econômicas.

Entrevista | ‘O Brasil está à deriva, não vejo nenhuma estratégia’, diz economista

Para Eduardo Giannetti, presidente “encarna o corporativismo”, e governo precisa deixar claro conteúdo e cronograma de reformas

Luciana Dyniewicz | O Estado de S.Paulo

Ainda é cedo para dizer que o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 - que surpreendeu não tanto pelo crescimento fraco, de 1,1%, mas por sua composição, com baixo nível de investimento - vai se repetir em 2020, segundo o economista Eduardo Giannetti. A ausência de um plano econômico claro, com propostas e cronogramas definidos publicamente, no entanto, pode fazer com que isso volte acontecer, o que, por sua vez, frustraria a população.

“Aí voltamos a um ponto: a sequência de ondas de insatisfação que vem se manifestando na sociedade. O desapontamento com o (presidente Jair) Bolsonaro prepara o terreno para uma nova onda”, diz o economista.

Para ele, o País está “à deriva” - “não vejo nenhuma estratégia, nenhum plano definido” -, e uma possível perda de poder da ala liberal dentro do governo, além do coronavírus, acentuam a imprevisibilidade. 

A seguir, trechos da entrevista.

• No fim do ano passado, o sr. falou que acreditava que 2020 não repetiria a decepção com o PIB registrada em 2018 e 2019. Ainda acha isso?

Em função de fatores externos e domésticos, estou menos convencido agora de que a recuperação cíclica é irreversível. Mas acho que é cedo para dizer que vamos repetir o que aconteceu nos últimos três anos.

• Mas as revisões para baixo já começaram.

Já, mas acho que é cedo para determinar, diante de tantas incertezas, inclusive externas, qual vai ser o desempenho em 2020. O mundo está mais imprevisível. Nos últimos 12 meses, tivemos ameaça de guerra comercial, de guerra entre EUA e Irã e agora o coronavírus. Cada um desses eventos gera incerteza. Seria improvável um mundo em que eventos de baixa probabilidade nunca acontecessem. Eles acontecem. O que mudou é que antes eles eram locais e agora são globais. Isso torna o mundo mais imprevisível.

Três fatores aumentam a imprevisibilidade mundial. Primeiro, a maior interdependência. Quando teve a Sars, em 2003, a China era muito menor do que é hoje. Uma queda da produção da China hoje faz cair o preço das commodities e afeta os emergentes. A interdependência de comércio, finanças, pessoas e informação aumenta a imprevisibilidade.

A segunda coisa é a tecnologia. Ninguém sabe qual será a estrutura econômica futura e se ela sancionará os atuais modelos de negócio que são vitoriosos. A indústria digital é um serial killer, mata um setor econômico de cada vez. Isso gera enorme insegurança nos tomadores de decisão e muita imprevisibilidade microeconômica. A terceira coisa é a polarização política. Estamos nas mãos de governos que agem de acordo com uma lógica que não era a estabelecida no sistema democrático de poucos anos atrás. Isso é uma novidade que aumenta a imprevisibilidade no processo decisório. Então, é bom a gente se preparar porque o mundo ficou mais imprevisível. Talvez esse seja o novo normal. O aumento da imprevisibilidade torna mais difícil o processo decisório e afeta investimentos.

• A tendência, então, é uma queda geral de investimentos?

As pessoas vão ter de aceitar correr mais riscos. Não vão poder se ausentar completamente. Ao mesmo tempo, as taxas de juros estão baixas, o que leva os detentores de ativos a buscar alternativas para investir. São forças em direções contrárias.

• E como o sr. vê a questão de previsibilidade doméstica?

Aí o governo Bolsonaro deixa muito a desejar, porque não está nem um pouco empenhado em dar sequência ao movimento reformista.

O que a mídia pensa – Editoriais

Em prol do PIB – Editorial | Folha de S. Paulo

É preciso evitar já novos anos de paralisia econômica, que é pública e privada

O resultado decepcionante do PIB no ano passado, mais uma vez próximo da estagnação, e as turbulências do mercado financeiro impulsionaram justas críticas à política econômica nos últimos dias.

Por saudáveis que sejam tais questionamentos, entretanto, as alternativas se mostram duvidosas, quando não de todo inviáveis.

Abrir as torneiras do gasto público, mesmo que temporariamente ou apenas para investimentos, parece arriscado demais enquanto o governo ainda acumula déficit gigantesco em suas contas.

Ainda menos promissoras soam outras opções utilizadas à exaustão na primeira metade desta década, como incentivos tributários e crédito subsidiado —que, cedo ou tarde, também têm impacto no rombo do Tesouro Nacional.

Música | Maria Rita - Enredo do meu samba

Poesia | Cruz e Souza - Ao decênio de Castro Alves

Quem sempre vence é o porvir!
No espadanar das espumas
Que vão à praia saltar!
Nos ecos das tempestades
Da bela aurora ao raiar,
Um brado enorme, profundo,
Que faz tremer todo o mundo
Se deixa logo sentir!
É como o brado solene,
Ingente, Celso, perene,
É como o brado: - Porvir!

Pergunta a onda: - Quem é?..,
Responde o brado: - Sou eu!
Eu sou a Fama, que venho
C'roar o vate, o Criseu!
Dormi, meu Deus, por dez anos
E da natura os arcanos

Não posso todos saber!
Mas como ouvisse louvores
De glória, gritos, clamores,
Também vim louros trazer.

Fatalidade! - Desgraça!
Fatalidade, meu Deus!
Passou-se um gênio tão cedo,
Sumiu-se um astro nos céus!
As catadupas d'idéias,
De pensamento epopéias
Rolaram todas no chão!
Saindo a alma pra glória
Bradou pra pátria - vitória!
Já sou de vultos irmãos!

Foi Deus que disse: - Poeta,
Vem decantar a meus pés.
Na eternidade há mais luz,
Dão mais valor ao que és.
Se lá na terra tens louros,
Receberás cá tesouros
De muitas glórias até!
Terás a lira adorada
C'o divo plectro afinada
De Dante, Tasso e Garret!

Então na terra sentiu-se
UM grande acorde final!
O belo vate brasílio
Pendeu a fronte imortal!
O negro espaço rasgou-se
E aquele gênio internou-se
Na sempiterna mansão.
A sua fronte brilhava
E o áureo livro apertava
Sereno e ledo na mão...

E o mundo então sobre os eixos
Ouviu-se logo rodar!
É que ele mesmo estremece
A ver um vulto tombar.

É que na queda dos entes
Que são na vida potentes,
Que têm nas veias ardor,
Há cataclismos medonhos
Que só sentimos em sonhos
Mas que nos causam terror!...

E o coração s'estortega
E s'entibia a razão!
No peito o sangue enregela
E logo a história diz: - Não!
Não chore a pátria esse filho,
Se procurou outro trilho
Também mais glória me deu!
E quando os séculos passarem
Se hão de tristes curvarem
Enquanto alegre só eu?...

Oh! Basta! Basta! Silêncio!
Repousa, vate, nos Céus!
Que muito além dos espaços
Os cantos subam dos teus!
Se nesta vida d'enganos
Não são bastante os humanos
Pra te render ovações!
Perdoa os fracos, ó gênio,
Que pra cantar teu decênio
Somente Elmano ou Camões!