DEU EM O GLOBO
A “decepção” que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está sentindo em relação a Lula, aquele que ele definiu como “o cara” para o mundo, dandolhe um upgrade internacional, parece ser a mesma que o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, detectou recentemente em relação a Obama. “Lula ainda tem grandes expectativas, mas o fato é que hoje há um certo sabor de decepção”, disse Garcia.
A crescente influência na América Latina do Brasil, líder regional inconteste, que tem dado demonstrações de ser pelo menos condescendente com líderes de países claramente antiamericanos como o Irã e a Venezuela, decepciona Obama. Certamente ele esperava que o presidente Lula levasse o Brasil a ser um parceiro mais próximo dos Estados Unidos, e está se mostrando mais próximo do Chávez do que se poderia supor.
O governo americano ficou muito preocupado com a passagem do Mahmoud Ahmadinejad pelo Brasil, Bolívia e Venezuela, onde consideram que o presidente do Irã teve apoio a seu programa nuclear que, dias depois, foi condenado pela Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU.
Também a crise política de Honduras anda afastando os Estados Unidos do Brasil, que estiveram próximos no início dela. Honduras é um país sem importância alguma para a geopolítica brasileira, e está sob a esfera de influência do México e dos Estados Unidos.
A crise de destituição do presidente eleito Manuel Zelaya só entrou no radar da diplomacia brasileira por instância da Venezuela, já que Zelaya havia levado seu país para dentro da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas).
Seguindo os passos de seu líder Hugo Chávez, tentou utilizar em Honduras uma “tecnologia institucional” exportada pelo bolivarismo: a alteração da Constituição por meio de um plebiscito para a permanência no poder.
Reconhecer o novo presidente eleito de maneira legítima no último domingo foi a opção dos Estados Unidos e começa a ser uma alternativa de diversos países europeus, enquanto o Brasil vai ficando isolado na sua posição.
Outra situação delicada para a nossa política externa é a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua. Lula parece disposto a confirmar o asilo, mesmo com o governo italiano pressionando, e o Supremo Tribunal Federal tendo aprovado a extradição.
Esses percalços externos se contrapõem à imagem internacional que o presidente Lula vem cultivando. Fidel Castro, o ditador de estimação dos petistas no poder, dividiu os governantes de esquerda da região em “revolucionários” e “tradicionais”.
A esquerda “tradicional”, que seria representada por políticos como Lula ou Michelle Bachelet, do Chile, ou Tabaré Vázquez, do Uruguai, já não responderia às necessidades dos povos latinoamericanos.
Os “revolucionários” Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; Rafael Correa, do Equador; ou Daniel Ortega, da Nicarágua, refletiriam as reais aspirações das populações latino-americanas.
É por isso que Lula, desde a primeira aparição para os “donos do mundo” em Davos, no Fórum Econômico Mundial, em 2003, é tratado como “o cara”, mesmo antes de o presidente Barack Obama identificá-lo como tal.
Mas foi sem dúvida depois da crise internacional que abalou o mundo e a crença na autorregulação do mercado financeiro que a figura de Lula ganhou destaque na mídia internacional, não apenas por suas posições audaciosas, como quando culpou os “louros de olhos azuis” pela crise, mas também pela performance da economia brasileira.
O governo Lula saiu-se bem da primeira grande crise internacional que enfrentou, e os “louros de olhos azuis”, cheios de culpa, o escolheram como exemplo do novo mundo que precisa ser construído dos escombros do antigo.
Lula tem o perfil necessário para se transformar no novo líder mundial: presidente de um país emergente, ele mesmo um emergente em seu país, vindo da pobreza extrema, cuida de tirar da pobreza extrema seus conterrâneos.
Ao mesmo tempo, mantém as regras fundamentais da economia, garantindo o pagamento da dívida e abrindo para o investimento estrangeiro um mercado ávido em obras de infraestrutura, além de garantir juros altos para os investidores nacionais e internacionais.
A esquerda que Lula representa dá tranquilidade à comunidade internacional, que ainda conta com sua interferência para conter os ímpetos revolucionários dos demais líderes latinoamericanos.
Mas aí entra em campo um paradoxo de difícil entendimento para estrangeiros: faz muito tempo que o governo Lula usa a política externa como um contraponto à política econômica ortodoxa que manteve do governo anterior.
Uns consideram que seria uma espécie de compensação para a militância, enquanto não há espaço internamente para uma guinada à esquerda. Outros acham que é apenas isso, uma compensação em troca de tocar a economia nos padrões internacionais.
Mas à medida que vai aprofundando seu esquerdismo na política externa, vai se aproximando mais e mais de Chávez, e se afastando da comunidade internacional, embora precise do apoio dela para se manter como interlocutor importante e, no limite, continuar sonhando com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mas votando na contramão do mundo ocidental, ou no máximo se abstendo, como no caso do Irã, ao mesmo tempo em que pode garantir eventuais votos desses “parceiros” terceiromundistas, vai conseguindo se tornar não confiável aos olhos das grandes potências internacionais, que, no fim, têm os votos decisivos.
Lula pode vir a ter um problema de equilíbrio entre seu prestígio interno e o externo. A importância que o Brasil ganhou nos fóruns internacionais tem mais a ver com o êxito na economia e com sua fama de ser o representante de uma esquerda civilizada do que o contrário.